Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0989/12
Data do Acordão:02/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA
LUCRO TRIBUTÁVEL
TRANSACÇÃO DE IMOVEIS
Sumário:I – Para determinação do lucro tributável referente às transacções de imóveis em sede de IRC, prevalece o valor patrimonial tributável (VPT) fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transacção, sempre que o primeiro seja superior ao segundo (art. 58.º-A, n.º 2 do CIRC; hoje, art. 64.º).
II – O regime do art. 129.º do CIRC (hoje 139.º) permite ao sujeito passivo de IRC a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT, obviando assim à aplicação do disposto no art. 58º-A, n.º 2, do CIRC (correcção ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
III – De acordo com o disposto no n.º 7 do art. 129.º do CIRC, esse procedimento de prova do preço efectivo constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58º-A do CIRC (ou, se não houver lugar a liquidação, condição da impugnação das correcções ao lucro tributável).
IV – Atento do disposto no n.º 5 do art. 129.º do CIRC, a esse procedimento são aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras dos arts. 91.º, 92.º e 86.º, n.º 4 da LGT, o que significa, designadamente, que da decisão final aí proferida não cabe impugnação judicial autónoma.
V – No entanto, de acordo com o princípio da impugnação unitária, no âmbito da impugnação judicial subsequente, o sujeito passivo poderá invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova que se revele adequado no caso concreto para a demonstração do preço efectivamente praticado.
VI – A ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir, prevista como nulidade insanável no art. 98.º do CPPT, só se verifica quando exista contradição lógica entre pedido e causa de pedir e já não quando esta não seja bastante para alicerçar aquele, problema que se situa no âmbito da procedência do pedido e não no da oposição entre o pedido e a causa de pedir.
Nº Convencional:JSTA00068101
Nº do Documento:SA2201302060989
Data de Entrada:09/25/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IMT
Legislação Nacional:CIRC ART129 ART58-A N2.
LGT98 ART95 N1 N2 B.
CPPT99 ART134 N1.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……………, Lda.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrida), que viu indeferido pela Administração tributária (AT) o pedido que formulou ao abrigo do art. 129.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (Referimo-nos, aqui como a seguir, à versão do Código anterior à republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho. Actualmente, àquele art. 129.º corresponde o art. 139.º.), apresentou impugnação judicial pedindo a anulação da liquidação adicional de IRC do ano de 2008, sustentando que a Administração andou mal ao considerar para efeitos de cálculo do proveito obtido com a venda de um imóvel (e consequente alteração da matéria tributável declarada, que deu origem àquela liquidação) o valor patrimonial tributário (VPT) daquele imóvel, pois o preço real da transmissão é o constante da escritura de compra e venda, que é inferior àquele.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação judicial procedente. Para tanto, em resumo, considerou que

– não se verifica a caducidade do direito de impugnar invocada pela Fazenda Pública;

– a liquidação impugnada enferma de erro nos pressupostos de facto, uma vez que o preço real da transmissão é o constante da escritura pública e não o VPT, que é superior e que foi o relevado pela AT.

1.3 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1.ª - Salvo melhor opinião, para a FP (Fazenda Pública), aqui também recorrente, o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de direito uma vez que, no entender da FP, caducou o direito da recorrida reagir judicialmente contra decisão que fixou o valor patrimonial de bem imóvel em procedimento a que alude o artigo 129.º, do CIRC.

2.ª - A caducidade do direito de impugnar impedia o Tribunal a quo de conhecer e julgar o mérito da causa – como veio a acontecer.

3.ª - Caso se entenda o contrário – o que por mera cautela se admite – não podia o Tribunal a quo conhecer e julgar o mérito da causa por manifesta ineptidão da p.i. (petição inicial) decorrente da contradição entre o pedido e a causa de pedir.

4.ª - A recorrida veio apresentar impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, do exercício de 2008, no valor de € 184.558,70 que contemplou o valor patrimonial atribuído a bem móvel, fixado em sede de procedimento a que alude o artigo 129.º, do CIRC, sem que tivesse reagido – como podia e devia – contra o resultado daquele procedimento e, em consequência, contra o valor patrimonial atribuído ao bem imóvel.

5.ª - Os actos de fixação de valor patrimonial de bem imóvel são objecto de impugnação autónoma com fundamento em qualquer ilegalidade – artigos 102.º, n.º 1, alínea a), 97.º, n.º 1, alínea f) e artigo 134.º, n.º 1, todos do CPPT.

6.ª - Os actos de fixação de valor patrimonial de bem imóvel são actos destacáveis pelo que os vícios de que enferma a avaliação do imóvel apenas podem ser apreciados e decididos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação do tributo que lhe há-de seguir – JORGE LOPES DE SOUSA in CPPT Anotado e Comentado, II volume, 2006, página 153, nota 8 e página 433, nota 5.

7.ª - No caso concreto dos autos, a recorrida nunca apresentou impugnação judicial do valor patrimonial atribuído ao bem imóvel, a saber:

a) Na sequência de notificação do resultado do procedimento previsto no artigo 129.º, do CIRC que se verificou em 9 de Março de 2009 – vide ponto 17 dos factos provados da douta decisão em recurso;

b) Na sequência da notificação do Relatório de Inspecção remetido pelo ofício datado de 15 de Outubro de 2009 do qual se infere que o resultado do procedimento previsto no artigo 129.º, do IRC, era inatacável e no qual consta, na parte relativa ao direito de audição que a recorrida exerceu oralmente, além do mais, que “(...) Esse VPT tornou-se definitivo em Agosto de 2009 (….)”– vide, além do mais, ponto 19 dos factos provados da douta decisão em recurso;

c) Na sequência da notificação da contestação apresentada nos presentes autos na qual se invoca a caducidade do direito de impugnação judicial por a recorrida não ter reagido contra o valor patrimonial do bem imóvel, sendo esse valor o único valor atendível para efeito do calculo de IRC – vide douta decisão em recurso, na parte relativa ao saneamento.

8.ª - Inexistem dúvidas de que a recorrida tomou conhecimento de que tinha que impugnar o acto de fixação do valor patrimonial do bem imóvel (diferente de impugnar a liquidação de IRC) e inexistem dúvidas de que a recorrida tomou conhecimento de que o prazo para apresentação daquela impugnação judicial era de 90 dias.

9.ª - A partir do momento em que tomou conhecimento de que tinha que impugnar o valor patrimonial do bem imóvel no prazo de 90 dias, a recorrida podia e devia ter apresentado a impugnação judicial em referência, alegando e demonstrando a tempestividade – isto é, aquele momento,

10.ª - Ou, podia e devia a recorrida ter corrigido o pedido da p.i. que apresentou nos presentes autos, dele passando a constar que pretendia obter a anulação do valor patrimonial do bem imóvel e não a anulação do IRC, do exercício de 2008, alegando e demonstrando a tempestividade – isto é, a imperfeição da notificação que recebeu em Março de 2009.

11.ª - Não tendo a recorrida impugnado judicialmente o resultado do procedimento previsto no artigo 129.º, do CIRC, formou-se caso decidido ou resolvido sobre o valor patrimonial atribuído ao bem imóvel pelo que não pode a recorrida discutir o valor patrimonial do bem imóvel.

12.ª - O direito de impugnação judicial do valor do bem imóvel já precludiu, já caducou.

13.ª - A caducidade do direito de impugnar acarreta a nulidade de todo o processo, sendo excepção dilatória que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa – artigos 494.º, alínea b) e 493.º, n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

14.ª - Caso se entenda, por qualquer motivo, o contrário (o que por mera cautela se admite) são nulidades insanáveis em processo tributário a ineptidão da petição inicial e esta diz-se inepta quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir – artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 193.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

15.ª - A recorrida conclui pela anulação de tributo de IRC (pedido), com fundamento em erros que imputa ao valor patrimonial de bem imóvel e que, de acordo com a lei, a doutrina e a jurisprudência, constituem fundamento de anulação daquele valor patrimonial e não da liquidação do tributo que lhe há-de seguir (causa de pedir).

16.ª - Existe, no caso concreto dos autos, contradição entre o pedido e a causa de pedir.

17.ª - A douta decisão em recurso violou o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), artigo 97.º, n.º 1, alínea f), artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, bem como a doutrina e a jurisprudência dominante – JORGE LOPES DE SOUSA in CPPT Anotado e Comentado, II volume, 2006, página 153, nota 8, página 433, nota 5 e Acórdão deste STA, de 8 de Junho de 2011 (proc. 0254/11), Acórdão do TCA (Tribunal Central Administrativo) Sul, de 15 de Maio de 2012 (proc. 04888/11), entre outros – tudo implicando a violação do artigo 494.º, alínea b) e artigo 493.º, n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

18.ª - Caso se entenda o contrário, o que com já se alegou nestas conclusões de recurso apenas por mera cautela se admite, a douta decisão em recurso violou o artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPPT e artigo 193.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento e a douta decisão em recurso revogada» (Uma vez que usamos o itálico na transcrição, as partes que estavam em itálico no original figuram aqui em estilo normal. ).

1.5 A Impugnante contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença, e formulou conclusões do seguinte teor:
«
A- Em 2004 a impugnante celebrou um contrato-promessa de compra e venda com a empresa B……………, Lda., com sede em Guimarães.

B- Nos termos de contrato promessa a adquirente entrou logo na posse do imóvel.

C- Em 2005 foi celebrada uma escritura pública referente a um dos lotes de terreno para construção que faziam parte do prédio transmitido.

D- Em 2008 foi celebrada a escritura pública referente à parte restante do terreno constante do contrato promessa.

E- Ambos os lotes de terreno foram avaliados por valores superiores aos constantes da escritura de compra e venda.

F- A impugnante não reclamou de qualquer das avaliações porque as mesmas foram efectuadas de acordo com o disposto no art. 38.º do CIMI, ou seja, nas mesmas não foram cometidas quaisquer ilegalidades.

G- Com referência ao lote de terreno de que foi lavrada a escritura de compra e venda em 2008 a impugnante, no prazo legal, apresentou o pedido referido no art.º 128 [(Pensamos tratar-se de lapso de escrita: a Recorrida por certo quer-se referir ao art. 129.º do CIRC, na versão anterior à republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que é o que corresponde actualmente ao art. 139.º do mesmo Código.)] do CIRC, actual art. 139.º após a renumeração de tal diploma.

H- Nesse procedimento não foi possível chegar a acordo entre o perito do contribuinte e o perito da administração tributária, tendo esta decidido de acordo com o laudo do seu perito.

I- Nesse laudo o perito da administração tributária apenas alega que, não tendo sido apresentada reclamação quanto à avaliação de 2005, seria de manter o valor da avaliação em termos de IRC.

J- Não foram apurados quaisquer lançamentos nas contas correntes da empresa e dos seus sócios, que fizessem duvidar do preço convencionado, não obstante a autorização dada para o acesso livre às respectivas contas bancárias.

L- Nesse laudo não foram tidas em consideração as diferentes características dos dois terrenos, bastante díspares em termos de situação, não obstante com o mesmo coeficiente de localização para efeitos de IMI.

M- Não foi também considerada a valorização levada a efeito pela adquirente no lote alienado em 2008, no qual conseguiu a duplicação do volume de construção que estava autorizada à impugnante.

A Representação da Fazenda Pública vem, no recurso apresentado, alegar que a impugnante deveria ter impugnando autonomamente a avaliação.

N- Ora, tal impugnação seria um acto inútil no procedimento, uma vez que não poderia ser encontrado outro valor patrimonial tributário além daquele que foi apurado, impugnação essa que, ainda por cima, teria de ser precedida de um pedido de segunda avaliação, conforme determina o n.º 1 do art. 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

O- A impugnante utilizou o único meio de garantia que, à data dos factos, as normativos legais lhe permitiam utilizar, para fazer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, previsto no art. 139.º do CIRC.

P- O recurso não ataca a sentença em nenhum ponto da decisão sobre o valor pelo qual foi efectuada a transacção, apenas atacando a decisão por falta de impugnação autónoma do resultado da avaliação, quando,

Q- São realidades distintas, o valor de um imóvel para efeitos de lucro tributável e o de tributação sobre o património, o facto de ter sido avaliado ao abrigo do CIMI, um imóvel alienado pela impugnante, em montante superior ao do preço da transmissão, não constitui qualquer ilegalidade.

R- Até porque, para efeitos de lucro tributável, sempre a impugnante pode fazer uso do disposto nos arts. 58.º-A, n.º s 1 e 2 e 129.º, n.º 1 do CIRC – Acórdão do STA de 10-2-2010 no processo n.º 1191/09 e do TCA Norte de 15-12-2011, no processo n.º 516/06.5BEPNF.

Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso apresentado».

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«As questões controvertidas consistem em saber se se mostra caducado o direito de impugnar a liquidação sindicada e, subsidiariamente, se ocorre ineptidão da PI por contradição entre o pedido e a causa de pedir.
A nosso ver o recurso não merece provimento, pelas razões constantes da douta sentença recorrida e conclusões da recorrida, cujo discurso fundamentador se subscreve.
A liquidação sindicada tem na sua génese a correcção da matéria tributável operada pela Administração Tributária ao abrigo do estatuído no artigo 58.º-A/2 do CIRC, actual artigo 64.º, uma vez que o VPT do imóvel vendido era superior ao valor contratualizado.
A nosso ver não tinha, a recorrida, que impugnar graciosa/contenciosamente o acto de fixação do VPT do imóvel em causa para feitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC.
Na verdade para obstar à aplicação do estatuído no artigo 89.º-A/2 do CIRC [(Pensamos tratar-se de lapso de escrita: por certo queria referir-se ao art. 58.º-A do CIRC, na versão anterior à republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, ao qual corresponde actualmente o art. 64.º.)], actual artigo 64.º, a recorrida deveria fazer prova do preço efectivo na transmissão imóvel desencadeando o procedimento administrativo regulado no artigo 129.º do CIRC, actual artigo 138.º [(Pensamos tratar-se de lapso de escrita: ao art. 129.º do CIRC, na versão anterior à republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, corresponde actualmente o art. 139.º.)], e foi, justamente, o que a recorrida fez, embora a sua pretensão tenha sido indeferida, como resulta do probatório.
Aliás, esse procedimento, cuja decisão, à semelhança do procedimento de revisão da matéria tributável não é directamente sindicável, é pressuposto prévio necessário da impugnação da liquidação.
E é, a nosso ver, no âmbito da impugnação judicial da liquidação que deve o interessado demonstrar que o valor da transacção do imóvel é inferior ao respectivo valor patrimonial tributário (VPT).
Ora, da factualidade apurada, como muito bem sentencia a sentença recorrida, resulta provado que o valor da transacção do imóvel é inferior ao VPT, correspondendo ao valor contratualizado.
Assim sendo, como é, parece certo que não se mostra caducado o direito de impugnar.
De facto, o prazo legal para pagamento do tributo acabou em 23 de Dezembro de 2009, sendo certo que a PI de impugnação judicial deu entrada em juízo em 2 de Fevereiro de 2010, portanto, dentro do prazo de 90 dias estatuído no artigo 102.º/1/a) do CPPT.
Não ocorre, pois, a caducidade do direito de impugnar o acto tributário sindicado.
A PI é inepta quando ocorra contradição entre o pedido e a causa de pedir (artigo 193.º/2/b) do CPC.
Parece-nos certo que não ocorre, no caso em análise, a apontada contradição.
Na verdade, a causa de pedir está em perfeita harmonia com o pedido formulado.
A recorrida alega e demonstra que o valor da venda do imóvel é inferior ao valor patrimonial tributário, que, por força do estatuído no artigo 89.º-A/2 [(Ver nota de rodapé (3).)], actual artigo 64.º do CIRC, foi tido em conta na determinação do respectivo proveito, facto que determina a errónea quantificação da matéria tributável e constitui fundamento de impugnação da respectiva liquidação.
O pedido consiste na anulação sindicada por erro na quantificação da matéria tributável, uma vez que a recorrente fez prova de que o preço praticado na transacção foi o da escritura pública de compra e venda, inferior ao VPT que havia sido relevado pela Administração Tributária.
Não se verifica, pois, a alegada ineptidão da Petição Inicial.
A sentença recorrida não merece, pois, censura».

1.7 As questões suscitadas pela Recorrente são as de saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento na medida em que

(i) considerou não se verificar a caducidade do direito de impugnação judicial, o que, como procuraremos demonstrar, passa por saber se há que impugnar a decisão que indeferiu o pedido formulado ao abrigo do art. 129.º do CIRC e, correspondentemente, se a liquidação adicional de IRC que teve origem no entendimento de que o valor a levar em conta para efeitos da determinação do rendimento gerado pela alienação de um imóvel é o VPT, porque superior ao preço declarado, não pode ser impugnada com o fundamento de que o preço efectivo é o que consta da escritura (cfr. 1.ª, 2.ª, 4.ª a 13.ª e 17.ª conclusões do recurso); na negativa,

(ii) não julgou a petição inicial inepta por contradição entre o pedido e a causa de pedir, o que passa por verificar se ocorre ou não a alegada nulidade prevista no art. 193.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), designadamente, se o pedido de anulação da liquidação de IRC tem como fundamento erro imputado à fixação do valor patrimonial do prédio vendido (cfr. 3.ª, 4.ª, 14.ª a 16.ª e 18.ª conclusões do recurso).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«
1. Por contrato promessa de compra e venda de 08.04.2004, a Impugnante declarou prometer vender à sociedade B……………., Lda., um prédio urbano constituído por um terreno para construção com a área de 6.790 m2, pelo valor de € 1.047.475,58 (cfr. fls. 20 a 22 do processo principal).

2. Como sinal e princípio de pagamento, a impugnante recebeu a importância de € 199.519,16, conforme cláusula terceira do referido contrato promessa (cfr. fls. 45 do processo principal).

3. Nos termos do mesmo contrato, a parte restante do preço seria paga em duas prestações, uma no valor de € 299.278,74, a ser paga no dia 15 de Dezembro de 2004 e o remanescente, no valor de € 548.677,68, a pagar em 15 de Novembro de 2005 (cfr. fls. 20 a 22 do processo principal).

4. Com a celebração do referido contrato promessa, a promitente compradora entrou logo na posse do imóvel.

5. Na mesma data, a Impugnante subscreveu declaração a autorizar a promitente compradora a apresentar requerimentos na Câmara Municipal de Guimarães, Conservatória do Registo Predial e Serviço de Finanças para que esta obtivesse, em seu nome, quaisquer esclarecimentos ou apresentasse requerimentos com vista à obtenção de licenciamento ou informação sobre tal prédio urbano (cfr. fls. 23 do processo principal).

6. Nos termos da cláusula 8.ª do contrato promessa, a escritura pública de compra e venda poderia ser celebrada com terceira pessoa ou entidade que fosse indicada pela promitente compradora (cfr. fls. 20 a 22 do processo principal).

7. Em 25.11.2005 foi celebrada escritura pública de compra e venda de um lote do prédio objecto do contrato promessa, com a área de 1.140 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 2554 e na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1537 da freguesia de …………., pelo valor de € 450.000,00.

8. Tal lote de terreno foi avaliado, nos termos do CIMI, em € 576.810,00, ou seja, em mais € 126.810,00 do que o constante na escritura de compra e venda.

9. Em 03.02.2006, a Impugnante outorgou procuração a C……………, sócio-gerente da promitente compradora, a quem conferiu poderes para prometer vender e efectivamente vender até ao preço de € 598.000,00, o lote inscrito na matriz urbana de ………… sob o artigo 2382, parte restante do terreno objecto do contrato promessa, podendo receber o referido preço e dele dar quitação, bem como outorgar os respectivos contrato de promessa e escritura pública (cfr. fls. 24 a 26 do processo principal).

10. De acordo com o teor da referida procuração, o mandatário poderia celebrar negócio consigo mesmo (idem).

11. A escritura pública de compra e venda deste lote, com a área de 5.650 m2, foi celebrada em 15.04.2008, tendo sido declarado o preço de € 598.000,00 (cfr. fls. 27 a 30 do processo principal).

12. O artigo 2382 urbano da freguesia de ……….. veio a ser avaliado, face à primeira transmissão na vigência do IMI, em € 1.301.830,00, ou seja, em mais € 703.830,00 do que o declarado na escritura pública.

13. Por requerimento apresentado em 29.08.2008, a Impugnante veio, ao abrigo do artigo 129.º do CIRC, reclamar do Valor Patrimonial Tributário atribuído ao artigo 2382 urbano da freguesia de ……….., alegando que “o preço praticado na transmissão do imóvel foi efectivamente inferior ao Valor Patrimonial Tributário conforme documentação da transacção efectuada ao dispor, assim como se necessário, autorização para aceder à informação bancária” (fls. 1 do apenso 2).

14. Neste procedimento, não foi possível alcançar um acordo sobre a prova de que o preço da referida transmissão foi inferior ao VPT definitivamente fixado, pelo que se determinou que cada perito elaboraria um laudo para fundamentar a sua posição (cfr. fls. 10 do apenso 2).

15. Do parecer do perito da administração tributária consta, entre o mais, o seguinte:

“9.- O perito da Administração tributária entende que o valor que foi declarado na escritura pública 598.000,00 € não pode ser aceite como o preço efectivamente praticado na transacção.
10.- O artigo registado na matriz predial urbana com o n.º 2554 situado na Rua ………., freguesia de ……., concelho de Guimarães constituído por 1.140 m2 de terreno com uma área bruta de construção de 3.524,9 m2, foi declarada a sua venda por 450.000,00 €.
11.- O artigo 2382 situado também na Rua …………, freguesia de …….., concelho de Guimarães, constituído por terreno para construção de área de 5.650 m2, foi declarada a sua venda pelo preço global de 598.000,00 € e apresentava uma área bruta de construção de 7.689,10 m2, área que representa 218% da área do artigo 2554 vendido em 2005 pelo preço declarado de 450.000,00 €.
12.- Portanto, poder-se-á afirmar que o artigo objecto da reclamação representa em termos construtivos 2,18 vezes o artigo vendido em 2005 ao mesmo cliente.
13.- Se o artigo 2554 foi vendido em 2005 por 450.000,00 €, avaliado para efeitos fiscais por 576.810,00 €, não foi objecto de reclamação, fazendo parte do mesmo terreno inicialmente negociado no contrato promessa, poder-se-á concluir que o prédio registado na matriz com o n.º 2382 teria que ser transaccionado por valor significativamente superior ao declarado de 598.000,00 €, dada a sua capacidade em termos construtivos representar 2,18 vezes o artigo 2554.
14.- Também ao nível da análise financeira não resulta que o preço efectivamente praticado tenha sido 598.000,00 €, dado a firma reclamante ter registado a transacção na sua contabilidade em 30.04.2008 a débito da conta 239 de empréstimos de sócios por contrapartida da conta 71 de proveitos, vendas de mercadorias, apresentando como prova da transacção cópias de notas de contabilidade da firma B………. Lda. fazendo referência a cheques que foram registados na contabilidade da firma devedora, outros que não foram registados e cópias de declarações de recebimento da firma vendedora nos montantes de 230.032,14 € e 36.530,64 €.
15.- Com base nos factos relatados entende o perito da Administração Tributaria que a firma reclamante não fez a prova prevista no art. 129.º do CIRC de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário definitivamente fixado e por consequência propõe a sua manutenção para efeitos fiscais” (cfr. fls. 12 a 14 do apenso 2).

16. Por decisão de 03.03.2009, a reclamação foi indeferida, com os seguintes fundamentos:

“(...) aderimos integralmente à posição defendida pelo perito da administração tributária.
Assim, o perito do contribuinte não trouxe para este procedimento elementos que permitissem, de forma objectiva, demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, limitando-se a juntar comprovativos de recebimentos, contrato promessa de compra e venda. Por sua vez, o perito da administração tributária fazendo a comparação com outro prédio com capacidade construtiva superior afirma poder-se concluir que o prédio teria que ser transaccionado por valor significativamente superior. Acresce que nem o vendedor nem o comprador solicitaram segunda avaliação do prédio.
Com os fundamentos antes invocados a minha decisão vai no sentido do indeferimento total da petição do sujeito passivo e da manutenção dos valores anteriormente fixados” (cfr. fls. 17 do apenso 2).

17. Tal decisão foi notificada à Impugnante, através de carta registada com A/R, recebida em 09.03.2009, nos seguintes termos:

Fica V. Ex.” (essa empresa) notificado(a) da decisão que apreciou a reclamação deduzida por V. Ex.” de que se junta cópia.
Mais fica notificada de que, as liquidações de impostos com base nos novos valores apurados serão a breve prazo notificadas pela Direcção Geral de Impostos, com a emissão, sendo caso de isso das notas de cobrança para proceder aos respectivos pagamentos ou dos cheques relativos às importâncias a restituir, onde se assegurarão as garantias previstas na lei, nomeadamente o direito a reclamar ou impugnar previstos nos artigos 70.º e 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário” fls. 16 a 19 do apenso 2).

18. Por ofício datado de 20.07.2009, a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção, que incidiu sobre o exercício de 2008 (fls. 1 a 12 do apenso 1, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);

19. A Impugnante exerceu o direito de audição oralmente, em 28.07.2009 (cfr. doc. fls. 13 e 14 do PA, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).

20. Pelo ofício n.º 50711736, datado de 15.10.2009, foi a Impugnante notificada do relatório final (cfr. fls. 15 e ss. do apenso 1).

21. Com interesse e relevância para a decisão, extrai-se do relatório final de inspecção o seguinte:

III - Descrições dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável.
1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
Foi verificado na base de dados da aplicação de actualização de matriz - modelo 11 que o sujeito passivo procedeu, em 2008-04-15, à alienação da totalidade do prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de …….., concelho de Guimarães, sob o artigo n.º 2382. O valor do contrato constante da escritura pública foi de € 598.000,00.
Sendo a primeira transmissão no período de vigência do Código de Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, foi o mesmo avaliado de acordo com as regras definidas naquele Código conforme estabelece o artigo 15.º do D.L. 287/2003, de 12 de Novembro.
Esta avaliação foi efectuada em 2008-06-19 e validamente notificada ao vendedor e ao comprador do prédio em 2008-07-02. Decorrido o prazo para pedido de segunda avaliação, nos termos do artigo 75.º do CIMI, os sujeitos passivos não exerceram o direito de a requerer pelo que o valor patrimonial tributário (VPT) se tornou definitivo, sendo actualizado em conformidade o valor inscrito na matriz predial.
Esse VPT definitivo apurado naquela avaliação e inscrito na matriz predial é de € 1.301.830,00 (um milhão trezentos e um mil oitocentos e trinta euros).
O sujeito passivo fez uso do previsto no artigo 129.º do CIRC segundo o qual, se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis for inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de imóveis (VPT) não será aplicado o previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC. Assim, o sujeito passivo tentou, em procedimento administrativo próprio realizado para esse efeito nos termos daquele artigo 129.º, comprovar que o preço que recebeu pelo imóvel alienado era o que constava da escritura. No entanto, conforme consta do despacho final produzido no âmbito daquele procedimento o sujeito passivo não conseguiu apresentar elementos que permitissem, objectivamente, demonstrar que o preço praticado foi inferior ao VPT.
Assim, a decisão proferida para o procedimento do artigo 129.º do CIRC, notificada ao sujeito passivo em 2009-03-05, manteve o VPT definitivo do artigo urbano n.º 2382 da freguesia de ………., concelho de Guimarães, em € 1.301.830,00.
O artigo 58.º-A do Código do IRC (CIRC) determina que os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável sujeito a IRC, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação de IMT, ou que serviriam no caso de não haver liquidação deste imposto.
Dessa forma, sempre que, como no caso em apreço, o valor constante do contrato de transmissão do imóvel seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este – o VPT – o valor a considerar pelo alienante e adquirente na determinação do lucro tributável.
(…)” - cfr. fls. 1 a 25 do apenso 1.

22. Em 16.11.2009, foi emitida a liquidação adicional de IRC do exercício de 2008, no valor de € 184.558,70, com data limite de pagamento de 23.12.2009 (cfr. fls. 73 do processo principal).

23. A liquidação foi notificada à Impugnante em 19.11.2009 (cfr. fls. 74 e 75 do processo principal).

24. A petição inicial da presente Impugnação foi apresentada em 02.02.2010 (fls. 1 do processo principal).

25. Para além da quantia entregue a título de sinal, referida em 2., a compradora, B……………, Lda., entregou à Impugnante as seguintes quantias e nas seguintes datas:
· € 51.387,60, em 30.11.2004;
· € 23.412,40, em 30.11.2004;
· € 32.715,96, em 28.02.2005;
· € 10.000,00, em 26.10.2005;
· € 350.000,00, em 28.11.2005;
· € 188.677,68, em 06.02.2006;
· € 192.287,20, em 17.04.2008
(cfr. fls. 45 a 56 e 161 a 164 do processo principal).

26. O lote de terreno a que corresponde o artigo 2554 urbano de ………. confronta com a Rua …………, uma rua larga, com baías de estacionamento e que é a principal via de acesso à Universidade do Minho, a partir do centro da cidade de Guimarães (cfr. fls. 31 a 33 do processo principal).

27. Neste lote foi autorizada a construção de um edifício com uma área de implantação de 896 m2, correspondente a 78,60% do terreno, não havendo lugar a quaisquer infra-estruturas a levar a cabo pelo adquirente para o licenciamento da construção (cfr. fls. 34 a 37 do processo principal e apenso com documentos não digitalizados).

28. Tal edifício era composto por cave destinada a garagens, rés-do-chão destinado a comércio e quatro andares e um recuado com 17 fracções destinadas a habitação, com um volume de construção de 9.270,90 m3 (idem).

29. No lote inscrito na matriz urbana sob o art. 2382 foram autorizados edifícios com uma área de implantação de 1.261 m2, destinados apenas a habitação e garagens, correspondendo a 22,31% do terreno, sendo a parte restante destinada a arruamentos, jardins e baías de estacionamento (idem).

30. Em 05.12.2000, o volume de construção previsto para este lote era de 14.039,4 m3 (idem).

31. Tal lote tem acesso, a poente, à via pública apenas através da Rua …………, rua estreita, sem passeios e baías de estacionamento (cfr. fls. 31 a 33 do processo principal e apenso com documentos digitalizados).

32. E confronta a norte com um edifício fabril de D…………..

33. Em 25.05.2007, foi apresentado em nome da Impugnante, mas já da responsabilidade da adquirente, um projecto de arquitectura para o mesmo lote (artigo 2382) em que foi proposta e autorizada uma volumetria de construção de 28.770 m3, correspondente a 36 habitações do tipo T3 e 52 garagens, das quais 30 singulares e 22 duplas (cfr. fls. 38 a 39 do processo principal).

34. A Impugnante registou contabilisticamente o proveito da venda do lote inscrito na matriz urbana sob o art. 2382, no exercício de 2008 (cfr. artigo 62 da Petição Inicial)» (Uma vez que usamos o itálico na transcrição, as partes que estavam em itálico no original figuram aqui em estilo normal.).


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A AT, tendo verificado que o preço constante da escritura celebrada em 2008, de compra e venda de um prédio, é inferior ao VPT desse imóvel fixado para efeitos de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), e tendo também decidido que a sociedade vendedora, que lançou mão do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC, não logrou demonstrar que o preço real da transmissão é o constante da escritura, procedeu à alteração da matéria tributável declarada e à consequente liquidação adicional de IRC, considerando que o valor a levar em conta para efeitos da determinação do rendimento gerado pela alienação é o VPT, nos termos do disposto no art. 58.º-A, n.º 2, do CIRC.
A Contribuinte não se conformou com essa liquidação adicional e impugnou-a com o fundamento, no que ora nos interessa (A Impugnante invocou também a violação do princípio da especialização dos exercícios, fundamento que foi julgado improcedente, mas, nessa parte, a sentença transitou em julgado.), de que o preço efectivamente recebido foi o que consta da escritura.
A Fazenda Pública contestou a impugnação judicial com fundamento na caducidade do direito de impugnar. Sustentou, em síntese, que a Contribuinte «foi notificada da decisão da (AF) Administração Fiscal que, em sede de procedimento de fixação de preço de imóvel para efeito de IRC, do exercício de 2008, manteve o VPT desse imóvel» e, sendo que os actos de fixação de valores patrimoniais são impugnáveis, nos termos do disposto no art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da Lei Geral Tributária­ (LGT), o decurso do prazo para impugnar sem que a impugnação judicial fosse deduzida fez caducar o respectivo direito. Ou seja, considerou a Fazenda Pública que a Contribuinte deveria ter impugnado a decisão proferida no âmbito do procedimento do art. 129.º do CIRC e, porque não o fez em tempo, «[j]á caducou o direito de impugnação judicial do acto que fixou, para efeito de IRC do exercício de 2008, o valor do prédio», o que obsta a que se aprecie o mérito da questão.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga desatendeu a invocada excepção da caducidade do direito de impugnar. Isto, em resumo, porque entendeu que, contrariamente ao que sustenta a Fazenda Pública, a decisão da AT proferida no procedimento do art. 129.º do CIRC não é susceptível de impugnação autónoma e, ao invés, deve ser impugnada no acto final de liquidação (ou, não havendo lugar a esta, da correcção do lucro tributável). Assim, o prazo para a presente impugnação judicial só começou a contar-se da data limite para o pagamento do montante de IRC liquidado adicionalmente, não havendo dúvidas quanto à tempestividade da impugnação judicial.
Depois, considerando que foi feita prova de que o valor declarado como preço na escritura de compra e venda corresponde à verdade, julgou a impugnação judicial procedente e, em consequência, anulou a liquidação adicional.
A Fazenda Pública insurge-se contra essa sentença mediante recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Insiste na tese de que não podia conhecer-se do mérito da pretensão deduzida em juízo porque estava já caducado o direito de impugnar a fixação do valor patrimonial do prédio vendido.
Ou seja, a Fazenda Pública, se bem interpretamos a sua alegação, entende que a Impugnante podia e devia ter reagido contra a decisão proferida em sede do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC e que, não tendo reagido contra esse acto, que considerou ser de fixação do valor patrimonial do prédio – acto destacável e, por isso, susceptível de impugnação autónoma –, não pode agora fazê-lo em sede de impugnação contra a liquidação do imposto.
Subsidiariamente, arguiu a nulidade por ineptidão da petição inicial, por considerar que se verifica contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Por isso, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas em 1.7


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2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR

Salvo o devido respeito, toda a tese da Recorrente assenta num equívoco, qual seja o de que a decisão proferida no final do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC é susceptível de impugnação judicial autónoma. Vejamos:
Nos termos do disposto no art. 58.º-A, n.º 2, do CIRC (Hoje, após a republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, corresponde-lhe o art. 64.º.), quando o valor resultante da fixação do VPT de um prédio seja inferior ao estipulado no contrato de compra e venda, é aquele que deve ser considerado para efeitos de determinação do lucro tributável do vendedor e do comprador. Dizia o art. 58.º-A do CIRC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (Diploma que aprovou a reforma dos impostos sobre o património.), nos seus n.ºs 1 e 2:

«1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável».

A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Essa presunção, se assumisse a natureza de presunção inilidível, aliás expressamente vedada pelo art. 73.º da LGT (Dispõe o art. 73.º da LGT: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».), poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República (Diz o art. 104.º, n.º 2, da CRP: «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».).
Assim, o legislador criou em sede de IRC um mecanismo para ilisão da presunção, o procedimento previsto no art. 129.º (hoje corresponde-lhe o art. 139.º) do respectivo Código, cujo n.º 1 estipula: «O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis» (Igual possibilidade foi consignada no art. 31.º-A do CIRS.).
Essa prova deverá o sujeito passivo fazê-la, nos termos do n.º 3 do mesmo art. 129.º, «em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos».
Ou seja, a lei criou um procedimento em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 58.º-A do CIRC.
Esse procedimento «rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei», como prescreve o n.º 5 do citado art. 129.º do CIRC. O que significa, designadamente, que a lei equipara este procedimento ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, permitindo que na impugnação do acto tributário de liquidação (ou do acto de correcção do lucro tributável de que não resulta liquidação) sejam discutidas, não só as ilegalidades desse acto, como também todas as ilegalidades verificadas ao longo do procedimento do art. 129.º do CIRC, cerceando apenas essa possibilidade relativamente ao valor que tenha sido encontrado por acordo entre os peritos, tudo como decorre do princípio da impugnação unitária (O princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54.º do CPPT, significa que não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, a menos que exista disposição expressa em contrário ou que sejam actos imediatamente lesivos, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final (geralmente, da liquidação) qualquer ilegalidade anteriormente cometida. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 2 ao art. 54.º, pág. 467.), expressamente aplicável ex vi da remissão feita pelo n.º 5 do art. 129.º do CIRC para o n.º 4 do art. 86.º da LGT, norma legal que dispõe: «Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».
Acresce que este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do art. 129.º do CIRC, que dispõe: «A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa» (Redacção dada pelo art. 52.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), aqui aplicável.). Ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 129.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui um condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.
De tudo isto bem deu conta a Juíza do Tribunal a quo, que traçou correcta e pormenorizadamente o regime legal do procedimento do art. 129.º do CIRC e a sua relação com os meios contenciosos.
Sustenta a Fazenda Pública, agora em sede de recurso, como antes na contestação, que a Contribuinte, em face da decisão que lhe indeferiu o pedido de prova do preço efectivo proferida pela AT no procedimento do art. 129.º do CIRC, deveria ter impugnado essa decisão, a seu ver, nos termos do disposto no art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da LGT e no art. 134.º, n.º 1, do CPPT e, porque não o fez dentro do prazo que a lei fixa para o efeito, deve ter-se por precludido o direito de questionar o valor do prédio para efeitos de tributação em IRC.
Mas, sempre salvo o devido respeito, não tem razão, como resulta do que deixámos exposto. As ilegalidades desse procedimento, que a própria lei equipara ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, só podem ser invocadas na impugnação judicial do acto de liquidação ou, não havendo lugar à liquidação, na impugnação do acto de correcção do lucro tributável (art. 129.º, n.º 5, do CIRC). Trata-se de uma manifestação do referido princípio da impugnação unitária.
Ao contrário do que sustenta a Fazenda Pública, a Contribuinte não podia impugnar autonomamente a decisão da AT no referido procedimento do art. 129.º do CIRC. É no âmbito da impugnação judicial da liquidação (pois que houve lugar a esta) que deverão ser invocados, não só qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação, como também no procedimento destinado à prova do preço efectivo. Por isso, admite-se que no âmbito dessa impugnação judicial possa lançar mão de qualquer meio de prova admitido e que se revele adequado para a demonstração do preço efectivo.
Aliás, como também bem salientou a Juíza na sentença recorrida, a própria notificação da decisão do procedimento reflecte este entendimento (cfr. facto provado sob o n.º 17).
O que nos leva até a questionar se, mesmo a entender-se no sentido propugnado pela Fazenda Pública, não deveria considerar-se que a ora Recorrida tinha sido induzida em erro pela indicação que ali lhe foi feita dos meios para reagir, a determinar, sob pena de violação dos princípios da boa fé e da justiça, que se aceitasse a presente impugnação judicial. Seja como for, a questão não chega sequer a colocar-se, uma vez que a tese da Recorrente não merece ser acolhida.
Rejeitando, pois, a tese da Recorrente, concluímos, com a sentença recorrida, que o prazo da caducidade do direito de impugnar não pode contar-se senão do termo do prazo para pagamento do IRC liquidado adicionalmente, nos termos do art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT. E uma vez que a sentença deu como assente que a data limite para pagamento do imposto era 23 de Dezembro de 2009 e que a petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial deu entrada em 2 de Fevereiro de 2010, nenhuma censura merece a decisão que julgou improcedente a invocada excepção da caducidade do direito de impugnar.
O recurso não pode ser provido com esse fundamento.


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2.2.3 DA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL POR CONTRADIÇÃO ENTRE O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR

A Recorrente invoca ainda, subsidiariamente, a nulidade por ineptidão da petição inicial em virtude de considerar que existe contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Isto, porque considera que o pedido formulado – de anulação da liquidação adicional de IRC – está em contradição com a causa de pedir invocada, que respeita à fixação do valor patrimonial do imóvel vendido.
A contradição entre o pedido (efeito jurídico que se pretende obter) e a causa de pedir (facto jurídico de que procede o pedido) está prevista no art. 193.º, n.º 2, alínea b), do CPC, como causa de ineptidão da petição inicial.
Também no art. 98.º do CPPT se considera nulidade insanável em processo judicial tributário a ineptidão da petição inicial, sendo aliás tal nulidade de conhecimento oficioso. A ineptidão, implicando a nulidade de todo o processo, não permite, ao contrário do que ocorre com outras nulidades, o aproveitamento do processo (E por isso não se prevê que em tais casos seja o impugnante notificado para aperfeiçoar a petição já que ela é desde logo nula.).
A contradição entre o pedido e a causa de pedir (tal como a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 668.º, n.º1, alínea c), do CPC, e no art. 125.º, n.º 1, do CPPT), é a contradição lógica, distinta da inconcludência jurídica, isto é, da situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção, embora a fronteira entre essa contradição e esta inconcludência nem sempre seja fácil de estabelecer (Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, pág. 323.).
ALBERTO DOS REIS esclareceu o seguinte: «Na verdade, a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão.
A petição inicial, para ser uma peça bem elaborada e construída, deve ter a contextura lógica dum silogismo, deve poder reduzir-se, em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua conclusão (pedido).
[…]
Pois bem. É da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada. Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir. Esta é mesmo, a nosso ver, a modalidade mais característica de ineptidão. Se o autor formula um pedido que, longe de ter a sua justificação na causa de pedir, está em flagrante oposição com ela, a ineptidão é manifesta» (Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2.º, págs. 381/382.).
E sobre idêntica contradição entre o pedido e a causa de pedir, também salientou:
«O pedido deve ser o corolário ou a consequência lógica da causa de pedir ou dos fundamentos em que assenta a pretensão do autor, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas. Se, em vez disso, o pedido colidir com a causa de pedir, a ineptidão é manifesta» (Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 309.).
Assim, a doutrina e a jurisprudência interpretam e aplicam a contradição prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º do CPC no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico por ele requerido (pedido) através da acção judicial.
«Se a crise da pretensão deduzida em juízo reside, não na falta de correspondência lógico-normativa entre o facto concreto alegado pelo autor e a providência jurisdicional por ele requerida, mas na simples falta real de um pressuposto (seja de facto, seja de direito) da concessão desta providência, a situação é de improcedência da acção – e não de contradição (lógica, normativa) entre o petitum e a causa petendi» ( ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 121.º, pág. 121.).
No caso sub judice, a ora Recorrida pediu em juízo a anulação da liquidação adicional de IRC que lhe foi efectuada com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável, decorrente da AT ter considerado que o valor a utilizar na determinação do proveito resultante de uma venda de um imóvel era o VPT fixado para efeitos do IMT e não o valor do preço constante da escritura. Como causa de pedir invocou a correspondência à realidade do preço declarado, que considera ter ficado demonstrado no procedimento do art. 129.º do CIRC.
Manifestamente, inexiste a contradição lógica entre pedido e causa de pedir que poderia justificar a invocada ineptidão da petição inicial. Aquele (pedido) é o corolário natural e a emanação lógica das premissas (causa de pedir). Saber se a alegada causa de pedir, conexionada logicamente com o pedido, é ou não bastante para alicerçar este, é um problema de improcedência (que, aliás, não vem suscitado no recurso) e não de oposição entre o pedido e a causa de pedir.
Assim sendo, improcede a invocada ineptidão da petição de recurso.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Para determinação do lucro tributável referente às transacções de imóveis em sede de IRC, prevalece o valor patrimonial tributável (VPT) fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transacção, sempre que o primeiro seja superior ao segundo (art. 58.º-A, n.º 2 do CIRC; hoje, art. 64.º).
II - O regime do art. 129.º do CIRC (hoje 139.º) permite ao sujeito passivo de IRC a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT, obviando assim à aplicação do disposto no art. 58º-A, n.º 2, do CIRC (correcção ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
III - De acordo com o disposto no n.º 7 do art. 129.º do CIRC, esse procedimento de prova do preço efectivo constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58º-A do CIRC (ou, se não houver lugar a liquidação, condição da impugnação das correcções ao lucro tributável).
IV - Atento do disposto no n.º 5 do art. 129.º do CIRC, a esse procedimento são aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras dos arts. 91.º, 92.º e 86.º, n.º 4 da LGT, o que significa, designadamente, que da decisão final aí proferida não cabe impugnação judicial autónoma.
V - No entanto, de acordo com o princípio da impugnação unitária, no âmbito da impugnação judicial subsequente, o sujeito passivo poderá invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova que se revele adequado no caso concreto para a demonstração do preço efectivamente praticado.
VI - A ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir, prevista como nulidade insanável no art. 98.º do CPPT, só se verifica quando exista contradição lógica entre pedido e causa de pedir e já não quando esta não seja bastante para alicerçar aquele, problema que se situa no âmbito da procedência do pedido e não no da oposição entre o pedido e a causa de pedir.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda MaçãsCasimiro Gonçalves.