Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01811/15.8BELSB
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLAÚDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:CONCURSO DE PESSOAL
RELAÇÃO JURÍDICA DE EMPREGO PÚBLICO
IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 25.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, alterada e republicada pela Portaria n.º 145-A/2011, de 6 de abril, impõe a verificação dos requisitos exigidos pelo concurso para o provimento de lugares de assistente operacional parlamentar do mapa de pessoal da Assembleia da República, não apenas à data da admissão ao concurso, mas, também, à data da constituição da relação jurídica de emprego público, i.e., à data do provimento.
II – Aquele aviso exigia, entre outros, que os concorrentes fossem parte de uma relação jurídica de emprego público em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.
III - A decisão disciplinar que aplica a pena de demissão a um funcionário é imediatamente executória, não sendo o cumprimento da pena interrompido por força da sua impugnação judicial, pelo que, independentemente da reversibilidade daquela decisão, o funcionário demitido deixa de ser titular de uma relação jurídica de emprego público no dia seguinte ao da sua notificação, nos termos do artigo 223.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).
Nº Convencional:JSTA000P31869
Nº do Documento:SA12024020101811/15
Recorrente:AA
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. AA - identificado nos autos – intentou no Tribunal Administrativo do Círculo (TAC) de Lisboa a presente AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA e, na qualidade de contrainteressados, CC, DD, BB, EE, FF, GG, HH, II E JJ, visando a impugnação do despacho do despacho do Secretário-Geral da Assembleia da República, de ... de maio de 2015, e a condenação do R. na prática de um ato de provimento numa das vagas de assistente operacional parlamentar para que havia concorrido, e no qual havia sido graduado em segundo lugar.

2. Na sua petição inicial, o A. formulou, concretamente, o seguinte pedido:

«Seja deferida a presente pretensão e decretar-se que o ato ora impugnado é ilegal pelo que o mesmo deve ser declarado Nulo.
Devendo ainda ser a entidade requerida condenada a proferir decisão que inclua o requerido na sua posição de segundo classificado ocupando a vaga que lhe compete mantendo o resultado do concurso».
Para o efeito, alegou, em síntese, que:
Foi constituído arguido em processo disciplinar, instaurado pela Direção-Geral do Território, sua entidade patronal, tendo o processo terminado com a notificação da decisão de despedimento, em .../.../2014, tenho-lhe sido imputados, na acusação, comportamentos de índole fraudulenta, durante o exercício de funções;
Por considerar o processo disciplinar ilícito, impugnou judicialmente o despedimento, em processo que corre seus termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o n.º 33/15.2BELSB, que se encontra ainda a ser apreciado;
Em momento anterior, foi candidato ao cargo de assistente operacional parlamentar da Assembleia da República e, tendo participado no respetivo concurso público, ficou aprovado, como 2.º classificado, na Lista de Ordenação Final, tendo sido notificado em 05.05.2015 para se apresentar para início de funções;
Posteriormente, foi impedido de dar início a essas funções, tendo ficado excluído pelo facto de não dispor de vínculo de emprego público, decisão que ignora uma questão prévia sobre a qual não foi proferida qualquer decisão judicial que ponha em causa o vínculo de emprego público existente;
A ação de impugnação de despedimento tem que ser decidida e de forma desfavorável para que venha então a ocorrer a rotura do vínculo público de emprego, pelo que o resultado do concurso terá de manter-se até que uma eventual decisão judicial de confirmação da legalidade do despedimento transite em julgado;
O ato de exclusão assenta numa premissa falsa de inexistência de vínculo público de emprego, pois tal vínculo continua a existir, sendo certo que, a manter-se, poderia vir a ocupar a vaga a que legalmente tem direito e que se encontra vertida na lista final de candidatos

3. A R. ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA contestou, concluindo que:

«a) Deve a invocada exceção de incompetência dos tribunais administrativos de círculo ser julgada procedente, determinando-se o envio do processo ao Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Administrativo), por ser o tribunal competente, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a) ii do ETAF e artigos 13.º e 14.º, n.º1, do CPTA;
b) Por fim, deve a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, mantendo-se inalterada a decisão recorrida».
Quanto à questão de fundo, alegou essencialmente que:
O despacho cuja anulação ou declaração de nulidade vem requerida é um acto inserido num procedimento concursal, destinado ao preenchimento de seis postos de trabalho, para a categoria de assistente parlamentar do mapa de pessoal da Assembleia da República, bem como para constituição de uma reserva de recrutamento, o qual foi aberto unicamente a trabalhadores detentores de relação jurídica de emprego público em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado;
A aplicação em processo disciplinar de penas expulsivas, como é o caso das penas de despedimento ou demissão, é causa de extinção do vínculo de emprego público, nos termos do artigo 297, nos 1 e 2, da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, determinando a perda de todos os direitos inerentes à qualidade de trabalhador público, produzindo a pena disciplinar efeitos no dia seguinte à notificação do trabalhador ou, não podendo este ser notificado, 15 dias após a publicação de aviso no Diário da República;
O Autor não terá requerido a suspensão de eficácia do despedimento, no prazo de 30 dias de que dispunha, tendo agora lançado mão da acção impugnatória, a qual, nos termos do artigo 299.º, n.º 1, da LGTFP, pode ser proposta no prazo de um ano sobre a data de produção de efeitos da extinção do vínculo;
A impugnação judicial do despedimento, desacompanhada da suspensão de eficácia da pena disciplinar, apenas permite ao Autor a expectativa de um eventual restabelecimento, no futuro, do vínculo de emprego público extinto, caso venha a obter a anulação ou declaração de nulidade do despedimento e a condenação da Direção-Geral do Território à reconstituição da situação jurídico-funcional hipotética;
O Autor, no momento da celebração do contrato de trabalho parlamentar em regime de estágio probatório, não era titular do vínculo prévio de emprego público, por tempo indeterminado, exigido no aviso de abertura do concurso, pelo que a decisão de convocar o candidato seguinte, na lista de ordenação final dos candidatos aprovados, é correta e conforme à lei, devendo, por isso, ser mantida.

4. Os contrainteressados não contestaram a presente ação.

5. Por sentença de 21 de fevereiro de 2019, o TAC de Lisboa declarou-se «absolutamente incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer da presente acção administrativa especial intentada contra a Assembleia da República» e, em consequência, determinou «a remessa dos autos à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo».

6. Em 11 de julho de 2019, foi proferido neste Supremo Tribunal Administrativo despacho saneador, no qual, além de se considerar que não existem outras exceções que impeçam o conhecimento do mérito da ação, se dispensou a realização da audiência prévia, bem como a produção de prova e a realização da audiência de julgamento, e a apresentação de alegações escritas.
No mesmo despacho se ficou o valor da causa em € 30.001,00 (trinta mil e um euros).

7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Matéria de facto

8. Com base nos documentos juntos aos autos, e no acordo das partes, dão-se como provados os seguintes factos:

1. O A. foi opositor ao Concurso Comum com vista ao preenchimento de seis postos de trabalho para a categoria de Assistente Operacional Parlamentar do mapa de pessoal da Assembleia da República, aberto por Aviso n.º ...14, publicado no Diário da Repúblicas, II Série, n.º ...3, Parte B, de ... de maio de 2014;
2. À data da abertura do concurso, o A. era funcionário da Direção-Geral do Território;
3. O A. exerceu previamente funções na Direção-Geral do Património Cultural, onde lhe foi instaurado um processo disciplinar;
4. Por Despacho nº ...14 do Diretor-Geral do Património Cultural, de ... de setembro de 2014, que lhe foi notificado pelo Diretor-Geral do Território, em ... de outubro de 2014, o A. foi punido com a pena disciplinar de despedimento;
5. Em 7 de janeiro de 2015, o A. instaurou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa contra a Direcção-Geral do Território, uma ação administrativa especial em que pedia a anulação do ato de despedimento, com fundamento em nulidade insuprível do processo disciplinar, que passou a constituir o Processo n.º 33/15.2BELSB;
6. Por despacho do Secretário-Geral da Assembleia da República, de 27 de março de 2015, foi homologada a lista unitária de ordenação final dos candidatos ao concurso aberto pelo referido Aviso ...14, na qual o Autor foi posicionado em segundo lugar;
7. Por despacho do Secretário-Geral da Assembleia da República, de ... de maio de 2015, notificado por ofício da Chefe de Divisão de Recursos Humanos e Administração da Assembleia da República, decidido o seguinte:

«Na sequência do contacto efetuado com a Divisão de Recursos Humanos e Administração, no passado dia 8 de maio, e da documentação apresentada, foi apreciada juridicamente a situação em que V. Exa. se encontra atualmente, e atento o facto de, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, alterada e republicada pela Portaria n.º 145-A/2011, de 6 de abril, a verificação da reunião dos requisitos legalmente exigidos no procedimento concursal ser efetuada em dois momentos: “na admissão ao procedimento concursal, por deliberação do júri”, e “na constituição da relação jurídica de emprego público, pela entidade empregadora pública”, foi decidido superiormente, por despacho do Secretário-Geral da Assembleia da República, datado de ... de maio de 2015, que “Quanto ao candidato AA, não dispondo o mesmo atualmente de vínculo de emprego público, requisito especial do respetivo procedimento concursal, considera-se não estarem reunidas as condições necessárias à celebração do contrato de trabalho parlamentar em regime probatório, pelo que deve ser convocado o candidato seguinte na lista de ordenação final”»;

Entretanto, consultado por este Tribunal o Processo n.º 33/15.2BELSB – artigo 412.º, n.º 2 do CPC, verifica-se que:

8. Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 24 de junho de 2016, já transitada em julgado, a Direção-Geral foi absolvida da instância, por ilegitimidade passiva.


III. Matéria de Direito

9. A questão a decidir nos presentes autos é, exclusivamente, a de saber se, à data da prática do ato recorrido, o A. era ou não parte de uma relação jurídica de emprego público em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, conforme exigido pelo Aviso n.º ...14, publicado no Diário da Repúblicas, II Série, n.º ...3, Parte B, de ... de maio de 2014, como condição de provimento num dos lugares de assistente operacional parlamentar do mapa de pessoal da Assembleia da República postos a concurso.
Com efeito, o erro nos pressupostos de facto do ato impugnado foi o único vício alegado pelo A,. nomeadamente quando alega, no artigo 24.º da sua P.I., que «o ato de exclusão do candidato em causa assenta numa premissa falsa de inexistência de vínculo público de emprego».
O A. baseia a sua afirmação no facto de ter impugnado judicialmente a decisão disciplinar que determinou o seu despedimento, e consequentemente a cessão da sua relação jurídica de emprego público, sustentando que aquela relação se mantém inalterada enquanto aquela impugnação não for decidida.
Nas suas palavras, «a ação de impugnação de despedimento tem primeiramente que ser decidida e de forma desfavorável ao ora requerente para que venha então a ocorrer a rotura do vínculo público de emprego» (artigo 22.º da P.I.), de onde retira que «o resultado do concurso terá de manter-se até que uma eventual decisão judicial de confirmação da legalidade do despedimento transitasse em julgado» (artigo 23.º da P.I.).
Vejamos.

10. O n.º 2 do artigo 25.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, alterada e republicada pela Portaria n.º 145-A/2011, de 6 de abril, que é invocado no despacho impugnado como fundamento para o não provimento do A. no lugar de assistente operacional parlamentar, impõe a verificação dos requisitos exigidos pelo Aviso n.º ...14, não apenas à data da admissão ao concurso, mas, também, à data da constituição da relação jurídica de emprego público, i.e., à data do provimento.
Significa isto, nomeadamente, que, naquela data, o A. tinha de ser titular de uma relação jurídica de emprego público em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.
E não era.

11. Conforme resulta da matéria de facto provada, o A. foi demitido da função pública por decisão disciplinar punitiva que lhe foi notificada em ... de outubro de 2014, ou seja, mas de seis meses antes da data em que o seu provimento no lugar de assistente operacional parlamentar deveria ocorrer.
O A. impugnou judicialmente aquela decisão, é certo, mas a impugnação não tem efeito suspensivo – artigo 50.º, n.º 2, do CPTA, a contrario -, e o mesmo não alegou, nem fez prova, de que tenha impugnado aquele ato administrativamente, ou de que tenha requerido a respetiva suspensão jurisdicional da eficácia.
O que realmente não fez.

12. Ora, sendo a decisão disciplinar imediatamente executória, e não sendo o cumprimento da pena interrompido por força da sua impugnação judicial, não restam dúvidas de que, no dia seguinte ao da sua notificação, nos termos do artigo 223.º da Lei Gera do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), o A. deixou de ser titular de uma relação jurídica de emprego público.
Aquela decisão poderia ser revertida, no caso de sucesso da sua impugnação judicial, o que poderia, inclusive, determinar o seu provimento no lugar concursado, em sede de execução de sentença anulatória, mas enquanto tal não sucedesse, o A. não reunia os requisitos legalmente exigidos para aquele provimento.
Conforme alega a R. na sua contestação - e bem - «a aplicação em processo disciplinar de penas expulsivas, como é o caso das penas de despedimento ou de demissão, é causa de extinção do vínculo de emprego público previamente constituído, nos termos do artigo 297.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), determinando a perda de todos os direitos inerentes à qualidade de trabalhador público, exceto os direitos de reforma por velhice ou à aposentação, os quais o trabalhador poderá exercitar-se se e quando preencher as condições previstas na lei – idem, artigo 182.º, n.º 4».

13. Conclui-se, assim, sem margem para quaisquer dúvidas, que o despacho impugnado não incorreu em erro nos pressupostos de facto, ao considerar que, à data, o A. não era titular de uma relação jurídica de emprego público, e que não podia ser provido no lugar de assistente operacional parlamentar.
Acresce, aliás, ainda que tal facto não tenha relevância direta para a presente decisão, que a ação administrativa especial que o A. intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa contra a Direcção-Geral do Território foi, entretanto, rejeitada, tendo o réu sido absolvido da instância (Processo n.º 33/15.2BELSB), pelo que a perda daquele vínculo se consolidou.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento à ação.

Valor da causa: € 30.001,00.

Custas pelo Autor. Notifique-se


Lisboa, 1 de fevereiro de 2024. - Cláudio Ramos Monteiro (relator) - José Augusto Araújo Veloso - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.