Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0594/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
ACÇÃO DE INSPECÇÃO
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
Sumário:I - O prazo de caducidade do direito à liquidação é, em regra, de quatro anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Tal prazo suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa caso esta ultrapasse o período de seis meses contados a partir daquela notificação.
II - Se a acção inspectiva se concluir antes de decorridos aqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final.
Nº Convencional:JSTA00067937
Nº do Documento:SA2201211210594
Data de Entrada:05/28/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:RCPIT98 ART60 ART61 ART62 N1 N2 ART13 ART51 ART36.
LGT98 ART46 N1 ART45 N1 N4.
CPPTRIB99 ART204 N1 E.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0473/09 DE 2009/06/16; AC STA PROC0112/10 DE 2010/10/20; AC STA PROC0669/10 DE 2010/11/30; AC STA PROC024873 DE 2000/05/17
Referência a Doutrina:SÁ GOMES MANUAL DE DIREITO FISCAL II CADERNOS DE CTF 174 LISBOA 1996 PAG97 PAG384.
SALDANHA SANCHES MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG134.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, S.A. recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal contra si instaurada por dívidas de IRC referente a ano de 2003, no montante de € 523.020,25.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. A ora recorrente foi objecto de um procedimento de inspecção ao exercício de 2003, tendo por objecto, entre outros impostos, o IRC.
II. Esse procedimento de inspecção veio a qualificar-se como procedimento de inspecção externa, porque, nos termos do disposto na al. b) do artigo 13º do RCPIT, incorporou actos de inspecção que se efectuaram, total ou parcialmente, em instalações da ora recorrente.
III. A acção de inspecção externa teve o seu início em 22-10-2007, com a assinatura da Ordem de Serviço que a determinava, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 51º do RCPIT.
IV. A acção de inspecção externa concluiu-se no dia 14-02-2008, com a conclusão dos actos de inspecção externa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 61º do RCPIT.
V. A notificação do imposto, cuja liquidação ainda foi efectuada no prazo de caducidade segundo a tese perfilhada pela recorrente, apenas foi efectuada em 03-06-2008 já após o prazo de caducidade.
VI. A expressão «acção de inspecção externa» referida pela primeira vez no nº 1 do artigo 46º da LGT nunca pode ser, semanticamente, interpretada como sinónimo de «procedimento de inspecção externa», porque o vocábulo “acção” significa “acto, feito, obra” [Dicionário da Língua Portuguesa, Moraes da Silva, Vol. I].
VII. A segunda vez que a expressão é referida no preceito, não tendo embora agregado o vocábulo “acção”, tem de pressupor-se que lhe está implícito, porque, no mesmo nível do fenómeno de contextualidade jurídica em que se integra e pela própria natureza das coisas, só pode dar-se por terminado aquilo que se tiver iniciado: e já se viu que, indubitavelmente, o que suspende o prazo de caducidade é o início da acção de inspecção externa e não o início do procedimento de inspecção externa.
VIII. De facto, procedimento de inspecção externa e acção de inspecção externa são realidades factuais e jurídicas diferentes e com conteúdos distintos, como decorre dos artigos 13º, 60º, 61º e 62º do RCPIT: a acção de inspecção externa, recondutível aos actos de inspecção que são praticados em instalações ou dependências do contribuinte ou de terceiros incorpora-se num procedimento de inspecção externa, que até pode ter começado por ser um procedimento de inspecção externa, mas não o esgota, pois ele contém outras fases prévias e posteriores à prática dos actos de inspecção externa propriamente ditos.
IX. Não obstante a afinidade que possa existir entre os conceitos de «acção de inspecção externa», «inspecção externa», «actos de inspecção» e «procedimento de inspecção», a verdade é que são conceitos de conteúdo preciso e só o recurso à «dimensão procedimental» da inspecção, de todo ausente do artigo 46º da LGT, lhes conferiria articulação normativa.
X. Ora, não se interpreta extensivamente, segundo os cânones jurídicos, uma norma sobre garantias dos contribuintes, como é o artigo 46º da LGT.
XI. Aliás, a interpretação que dela vem feita e de que se recorre faria, em rigor, aumentar, no período intermédio de seis meses, o período da eficácia suspensiva da acção de inspecção externa, o que se dá por inadmissível e não querido pelo legislador.
XI. Fazer corresponder o final da inspecção externa ao Relatório Final da Inspecção Tributária e sua notificação ao contribuinte, seria o mesmo que fazer corresponder um acto interlocutório praticado num processo judicial à sentença nele proferida ou, noutro sentido, tomar a parte pelo todo.
XII. A sentença recorrida, ao interpretar, como interpretou, o nº 1 do artigo 46º da LGT, afirmando meramente que o termo da suspensão do prazo de caducidade apenas ocorre com o Relatório da Inspecção Tributária e a sua notificação ao contribuinte, violou a lei, não operando de acordo com os elementos sistemático e teleológico do preceito, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica e deve ser revogada com todas as consequências legais.
XIII. A sentença recorrida, ao invocar, como único fundamento jurídico, o sumário do Acórdão do STA de 16-09-2009, Rec. 473/09, caiu em insanável contradição, porque tal Acórdão, ao invocar, ele próprio, por sua vez, como fundamento jurídico, a fundamentação jurídica do Acórdão de 7-12-95, Rec. 993/05, incorreu por sua vez no mesmo tipo de contradição, uma vez que este aresto fixou jurisprudência no sentido de que a suspensão da caducidade termina com o termo da própria inspecção – afirmação que, conjugada com a matéria factual descrita no probatório, conduz à indubitável conclusão de que tal termo é o previsto no nº 1 do artigo 61º do RCPIT, ou seja, na data em que são dados por concluídos os actos de inspecção externa.
XIV. No mesmo sentido da tese perfilhada pela ora recorrente, aliás, se pronuncia a Doutrina que publicamente sobre o assunto expôs a sua opinião.
XV. Termos em que, por violação do disposto no nº 1 do artigo 46º da LGT e insanável contradição da fundamentação com a decisão, a, aliás, douta sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada, com todas as legais consequências, designadamente a declaração de inexigibilidade do imposto que vem exigido nos autos de execução fiscal que constitui o objecto da Oposição onde este recurso é interposto.
Termina pedindo o provimento do recurso e que, em consequência, seja revogada a sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«1. Matéria controvertida.
Se é de interpretar o disposto no art. 46º nº 1 da L.G.T., quanto ao termo da suspensão do prazo de caducidade, como correspondendo à data em que ocorre a notificação do relatório de inspecção, quando a mesma seja efectuada ainda dentro do prazo de 6 meses desde que se iniciou.
Defende-se no recurso interposto que a suspensão do prazo de caducidade da liquidação deve cessar com a notificação ao inspeccionado da conclusão dos actos de inspecção e não com a elaboração do relatório final de inspecção, conforme decorre ainda dos art. 61º nº 1 e 62º nº 1 do R.C.P.I.T.
2. Posição que se defende.
a. Fundamentação.
Tendo a A.T. de proceder à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a mesma está impedida, antes da elaboração do relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear – art. 62º nºs. 1 e 2 al. i) do R.C.P.I.T..
Assim, não faz sentido que a caducidade cesse antes de ocorrer a referida notificação do relatório de inspecção, vindo esta a mesma a ser efectuada dentro do prazo de 6 meses.
Sendo de presumir que o legislador consagrou as soluções mais adequadas, não repugna considerar esta interpretação a mais acertada, não só por obter assento na letra da lei que se refere a “acção de inspecção” e não a qualquer acto em concreto, bem como o acima considerado que aponta para ser outro o espírito do sistema que não aquele que resulta do que se alega no recurso interposto, citando doutrina em contrário, e criticando a jurisprudência mais recente do S.T.A..
b. Conclusão.
A suspensão do prazo de caducidade a que alude o art. 46º nº 1 da L.G.T. mantém-se até à data da notificação do relatório final da inspecção que é o correspondente à conclusão do procedimento inspectivo, se esta se verificar antes do termo do prazo de seis meses.
Assim, aplicando esse entendimento ao caso em análise decorre que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.
É, salvo melhor opinião, o que parece.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Foi instaurada contra a oponente a execução fiscal nº 1546200801093460 por dívida de IRC do período de 2003, na quantia exequenda de € 523.020,25 (citação, fls. 24 e certidão de dívida, fls. 85);
2. Foi citada em 25/08/2008 (talão de A/R e “print” automático, a fls. 86);
3. A oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Mafra em 01/08/2008 conforme carimbo aposto a fls. 5;
4. A liquidação exequenda foi efectuada no seguimento de um procedimento de inspecção externa (fls. 86);
5. A ordem de serviço relativa àquele procedimento encontra-se assinada pelo Administrador da sociedade oponente e tem a data de 22/10/2007 (fls. 68);
6. A nota de diligência foi entregue ao Administrador da sociedade oponente em 14/02/2008 (fls. 70);
7. O relatório final de inspecção está datado de 10/03/2008 e sobre o mesmo recaiu despacho final de 27/03/2008 (fls. 33);
8. A oponente foi notificada do relatório final de inspecção em 31/03/2008 (fls. 93/96);
9. Foi notificada da liquidação exequenda (liquidação de IRC/2003 nº 20088310033433, de 27/05/2008) em 03/06/2008 (demonstração de liquidação e “print” automático dos CTT, fls. 72 e 74).

3.1. A sentença recorrida, apelando ao sentido da jurisprudência constante dos acs. do STA, de 16/9/2009, rec. nº 473/09, 20/10/2010, rec. nº 0112/10 e 30/11/2010, rec. nº 0669/10, veio a julgar improcedente a oposição, na consideração de que o efeito suspensivo do prazo de caducidade se mantém até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final de inspecção, pois uma coisa é a conclusão dos actos de inspecção, mera fase do procedimento destinada a colher elementos para esclarecer a situação tributária do contribuinte (arts. 60º e 61º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL nº 413/98, de 31 de Dezembro, na redacção dada pela Lei nº 50/2005, de 30 de Agosto); outra, a conclusão do procedimento de inspecção com a elaboração do relatório final (art. 62º, nº 1, do citado RCPIT), sendo que só releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade o procedimento externo (art. 13º, do RCPIT), cuja duração não tenha excedido seis meses contados da notificação da ordem de serviço que o determinou.
E, porque, no caso, o prazo de caducidade esteve suspenso durante o período decorrido entre 22/10/2007 (data que marca o início do procedimento, por ter sido nessa data que foi entregue ao administrador da oponente a ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção – art. 51º, do RCPIT) e 31/3/2008 (data em que teve lugar a notificação do relatório final, considerando-se o procedimento de inspecção concluído nessa data – art. 62º, nº 2, do RCPIT), então, dado que de 31/12/2003 até 21/10/2007 decorreram 3 anos, 9 meses e 21 dias e dado que, de 31/3/2008 até 3/6/2008 (dia em que ocorreu a notificação da liquidação resultante da acção inspectiva), decorreram 2 meses e 2 dias, perfaz-se a soma total de 3 anos, 11 meses e 23 dias, prazo inferior ao de quatro anos de caducidade, não se verificando o invocado fundamento de oposição previsto na al. e), do nº 1, do art. 204º, do CPPT.

3.2. Discorda a recorrente sustentando, como se viu, que aquando da notificação da liquidação já tinha ocorrido o termo do prazo de caducidade desta, pois que a acção de inspecção externa teve início em 22/10/2007 (com a assinatura da ordem de serviço que a determinou, nos termos do disposto no nº 1 do art. 51º do RCPIT) e terminou no dia 14/2/2008 (com a conclusão dos actos de inspecção externa, nos termos do disposto no nº 1 do art. 61º do RCPIT). Pelo que a notificação da liquidação, em 3/6/2008, ocorreu já após o prazo de caducidade.
No entendimento da recorrente, a expressão «acção de inspecção externa» referida no segmento inicial do nº 1 do art. 46º da LGT não pode ser interpretada como sinónimo de «procedimento de inspecção externa», sendo que apesar de à expressão «inspecção externa» constante do segmento final do mesmo normativo não estar agregado o vocábulo “acção”, tem de pressupor-se que está aí implícito, porque só pode dar-se por terminado aquilo que se tiver iniciado: e o que suspende o prazo de caducidade é o início da acção de inspecção externa e não o início do procedimento de inspecção externa. Ou seja, procedimento de inspecção externa e acção de inspecção externa são realidades factuais e jurídicas diferentes e com conteúdos distintos, como decorre dos arts. 13º, 60º, 61º e 62º do RCPIT: a acção de inspecção externa, recondutível aos actos de inspecção que são praticados em instalações ou dependências do contribuinte ou de terceiros incorpora-se num procedimento de inspecção externa, que até pode ter começado por ser um procedimento de inspecção externa, mas não o esgota, pois ele contém outras fases prévias e posteriores à prática dos actos de inspecção externa propriamente ditos. E não obstante a afinidade que possa existir entre os conceitos de «acção de inspecção externa», «inspecção externa», «actos de inspecção» e «procedimento de inspecção», a verdade é que são conceitos de conteúdo preciso e só o recurso à «dimensão procedimental» da inspecção, de todo ausente do artigo 46º da LGT, lhes conferiria articulação normativa.
E uma vez que não se interpreta extensivamente uma norma sobre garantias dos contribuintes, como é o art. 46º da LGT, então, interpretando o nº 1 do art. 46º da LGT, afirmando meramente que o termo da suspensão do prazo de caducidade apenas ocorre com o relatório da inspecção tributária e a sua notificação ao contribuinte, a sentença recorrida violou a lei, não operando de acordo com os elementos sistemático e teleológico do preceito, sendo que também ao invocar, como único fundamento jurídico, o sumário do acórdão do STA de 16/9/2009, rec. 473/09, caiu em insanável contradição, porque tal acórdão, ao invocar, ele próprio, por sua vez, como fundamento jurídico, a fundamentação jurídica do acórdão de 7/12/2005, rec. 993/05, incorreu no mesmo tipo de contradição, dado que este aresto fixou jurisprudência no sentido de que a suspensão da caducidade termina com o termo da própria inspecção – afirmação que, conjugada com a matéria factual descrita no probatório, conduz à conclusão de que tal termo é o previsto no nº 1 do art. 61º do RCPIT, ou seja, na data em que são dados por concluídos os actos de inspecção externa.
No caso, a questão a dirimir é, portanto, a de saber se a notificação da liquidação ocorreu para além do prazo de caducidade, o que passa por esclarecer se tal prazo terminava em 14/2/2008 ou em 31/3/2008.
Vejamos.

4.1. Os nºs. 1 e 4 do art. 45° da LGT dispunham, à data (redacção introduzida pelo art. 43º da Lei nº 32-B/2002, de 30/12):
«1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
(…)
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
Por sua vez, o nº 1 do art. 46º da mesma LGT dispunha (também na redacção da citada Lei nº 32-B/2002):
«1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação
Já no âmbito do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) – aprovado pelo DL nº 413/98, de 31/12, e republicado na Lei nº 50/2005, de 30/8) dispõe-se, no que aqui releva:
«Artigo 13º - Lugar do procedimento de inspecção
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.»
«Artigo 36° - Início e prazo do procedimento de inspecção
«1 - O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.
2 - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.
3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:
(...)»
«Artigo 60º - Audição prévia
1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.
(…)»
«Artigo 61º - Conclusão dos actos
1 - Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento.
(…)»
«Artigo 62º - Conclusão do procedimento de inspecção
1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.
2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº 4 do artigo 60º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.
(…)»

4.2. Pesem embora as críticas relativas à jurisprudência constante dos referenciados (nas alegações da recorrente) acs. deste STA, de 16/9/2009, rec. nº 473/09, 20/10/2010, rec. nº 112/10 e 30/11/2010, rec. nº 669/10, e não as minimizando, afigura-se-nos, apesar disso, ser de manter o sentido dessa jurisprudência.
Com efeito, ainda que se possa aceitar que o conceito de «procedimento de inspecção» seja mais amplo do que o conceito de «actos» ou «acção de inspecção» (aquele pode exigir actos preparatórios internos da acção de inspecção externa propriamente dita, como exige actos subsequentes a esta), é o procedimento que pode classificar-se como interno ou externo - art. 13º do RCPIT (consoante os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da AT ou em instalações e dependências do sujeito passivo); e é a data da assinatura, por parte do sujeito passivo, da ordem de serviço, que determina o «procedimento de inspecção» e que, «para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção» (nº 2 do art. 51º do RCPIT), como é, igualmente, na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento que ficam concluídos (apenas) os «actos de inspecção» (nº 1 do art. 61º do RCPIT); ou seja, com a notificação desta nota de diligência conclui-se apenas uma das fases do procedimento de inspecção.
Sendo que, como se salienta no ac. de 20/10/2010, rec. nº 112/10 (criticamente referenciado pela recorrente) «procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação, por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62° nºs. 1/2 al. i) RCPIT)
Ora, como se refere no também citado acórdão de 16/9/2009, atentando no disposto nos arts. 45º e 46º da LGT e 60º e 61º do RCPIT, «nada da letra nem do espírito daqueles normativos permite distinguir, com relevo para a contagem do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar, actos internos de inspecção e actos externos de inspecção e muito menos permite se confira apenas a estes últimos a eficácia suspensiva.
Da interpretação conjugada dos referidos preceitos legais decorre apenas e só (…) que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – artigo 45º da LGT –, se suspende com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.
Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60º nº 1 e 2 do RCPIT

4.3. E nem se diga (cfr. Conclusões X a XII) que daqui decorre uma interpretação extensiva do nº 1 do art. 46º da LGT, não consentida em matéria de garantias nem consentânea com os elementos sistemático e teleológico do preceito.
Por um lado, não se vê que tal interpretação leve a solução não contida no texto da lei e apenas abrangida no espírito desta.
Por outro lado, mesmo que se reconduzisse aquela interpretação a uma interpretação extensiva, nem por isso a mesma estaria vedada. Independentemente da questão de saber se a caducidade do direito à liquidação dos tributos constitui, ainda, elemento essencial da relação jurídica tributária, integrando matéria relativa às garantias dos contribuintes (já que tal caducidade extingue o direito de liquidação do tributo por parte da AT, daí resultando para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação e incidindo), o princípio da legalidade fiscal admite, contudo, nessa matéria, tal como se aceita para o caso dos benefícios fiscais, a interpretação extensiva, proibindo apenas a integração analógica de lacunas (cfr. Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de CTF, 174, Lisboa, 1996, pp. 97 e 384 e ss.; Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, 2007, pp. 134 e ss.; ac. da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 17/5/2000, rec. nº 24873).
Neste contexto, face ao disposto no nº 1 do art. 46º da LGT, tendo o prazo de caducidade ficado suspenso durante o período decorrido entre 22/10/2007 e 31/3/2008, bem decidiu a sentença recorrida ao concluir que, no caso, não se completou o prazo de quatro anos, que seria operante da caducidade, não se verificando, portanto, o invocado fundamento de oposição previsto na al. e), do nº 1, do art. 204º, do CPPT.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs (vencida, conforme declaração anexa).


Proc. nº 594/12
Faço voto de vencido pelas razões que sumariamente passo a expor.

O art. 46º, nº1, da LGT, dispõe que o prazo de caducidade se suspende com “a notificação ao contribuinte, nos termos, legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo -do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.
O legislador preocupou-se em estabelecer um termo inicial para a suspensão do prazo de caducidade: notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, mas nada refere quanto ao termo da cessação do efeito suspensivo da caducidade.
Esta norma suscita, desta forma, o problema de saber qual o sentido da expressão “acção de inspecção externa”, com vista a determinar o termo final da suspensão do prazo de caducidade.
O Acórdão nº 594/12 conclui que o legislador ao utilizar a expressão “acção de inspecção externa” quer dizer “procedimento de inspecção externa”, donde o termo final da suspensão do prazo de caducidade coincidir com o fim do procedimento de inspecção, ou seja, com a notificação do relatório final.
Dissentindo da doutrina que fez vencimento, somos de opinião que o termo final da suspensão do prazo de caducidade deve compreender apenas o tempo necessário à prática de actos a efectuar total ou parcialmente em instalações ou dependências do sujeito passivo, ou seja, o correspondente aos actos de inspecção externa (O art. 13º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), republicado em anexo pela Lei nº 50/2005, de 30 de Agosto, define e caracteriza a inspecção externa face à inspecção interna.).
Em primeiro lugar, afigura-se que a solução do Acórdão não tem o mínimo apoio na letra do preceito, desde logo, porquanto a expressão “acção de inspecção externa” não equivale a “procedimento de inspecção externa”.
O RCPIT distingue claramente os “actos” ou “acções” de inspecção externa do “procedimento de inspecção externa”.
Assim, no art. 51º, nº 2, do RCPIT, diz-se que o procedimento de inspecção externa se inicia com a assinatura pelo sujeito passivo ou obrigado tributário da ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção e termina com a notificação do relatório final, nos termos do art. 62º, nº 2, do RCPIT.
Acresce ainda, por exemplo, que, o art. 36º, nºs 2 e 3, do RCPIT, refere-se à possibilidade de prorrogação do prazo de duração do procedimento de inspecção mas, logo a seguir, no nº 4, já se fala em prorrogação da acção de inspecção”.
Por fim, nos arts. 60º a 62º do RCPIT é ainda mais nítida a utilização das expressões actos de inspecção e procedimento de inspecção. Embora os preceitos se apliquem a ambos os tipos de inspecção, tratando-se de uma inspecção externa, é nítida a distinção entre conclusão dos “actos de inspecção”, (art. 61º do RCPIT) e conclusão do “procedimento de inspecção” (art. 62º do RCPIT).
Em face do exposto, por “acção” de “inspecção externa” deve entender-se apenas os actos praticados pela AF nas instalações ou dependências do sujeito passivo, compreendendo o período, recortado como vimos pela lei, que vai desde a assinatura pelo sujeito passivo da ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção (art. 51º, nº 2, do RCPIT), até à notificação da nota da diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento (art. 61º, nº 1, do RCPIT). Já o procedimento de inspecção externa compreende a prática de todas as diligências e trâmites que vão desde a assinatura da ordem de serviço até notificação do relatório de inspecção (art. 62º nºs 1 e 2 do RCPIT), incluindo, por conseguinte, os actos de inspecção externa, a audiência do contribuinte e a elaboração do relatório final.
Não é, assim, concebível que o legislador, ao referir-se no art. 46º, nº1, da LGT, a “acção de inspecção externa” se tenha equivocado a ponto de usar aquela expressão com o sentido de “procedimento de inspecção externa”.
Em segundo lugar, além do conforto do elemento literal, a tese que sufragamos assenta na ideia, subjacente ao art. 46º da LGT, de que apenas os actos de inspecção externa justificam a suspensão do prazo de caducidade.
Com efeito, só assim se compreende que a lei não tenha contemplado nenhuma suspensão do prazo de caducidade no caso de tratar-se de procedimento de inspecção interna. Para este diferente tratamento não vemos outra razão que não seja o facto de ser legítimo que, quando a AF não esteja na posse de todos os elementos necessários para analisar a situação tributária e tenha de se deslocar para os obter, não corra contra ela o tempo que demore a obtê-los.
Em terceiro lugar, a tese que fez vencimento viola o princípio da igualdade horizontal, quando confrontados contribuintes que estejam numa situação tributária equivalente com a única diferença de nuns casos ser preciso o recurso a actos de inspecção externa e noutros não.
Na verdade, repare-se que o RCPIT consagrou um procedimento comum de inspecção que tanto serve para as inspecções internas como para as inspecções externas.
De entre os momentos comuns, temos a audiência prévia (art. 60º) e a elaboração do relatório definitivo, considerando-se concluído o procedimento de inspecção, quer interna quer externa, com a notificação ao contribuinte do relatório final no prazo estabelecido no art. 62º, nº 2.
Em face do exposto, o procedimento externo de inspecção pode ser qualificado como misto. Isto é, tem de comum com o procedimento interno uma fase interna de análise dos documentos, o respeito pelo princípio da audiência e a realização de um relatório final. A única diferença assinalável reside na necessidade de deslocação ao exterior para a realização de actos de inspecção externa.
Ora, tendo em conta a diferença que existe entre os dois procedimentos será legítimo que para uns contribuintes não se suspenda o prazo de caducidade durante o período de análise interna de documentos, audiência, e feitura do relatório e que para outros se suspenda?
Imaginemos dois contribuintes (A e B), cuja situação tributária é idêntica, e que estão a quatro meses do termo do prazo de caducidade, mas em que no caso do A é preciso fazer uma acção de inspecção externa, que dura apenas dois dias e que em ambos os casos o relatório final demorou mais três meses. Ora, no caso do contribuinte A o prazo de caducidade vai suspender-se durante mais dois meses e vinte e oito dias, recomeçando então a contagem dos quatro meses que faltavam para o termo da caducidade no momento da suspensão, enquanto que no caso do contribuinte B - o prazo não sofre qualquer suspensão - , o que significa que se prejudica o contribuinte A, que vai ver dilatado o prazo de caducidade para além do período que era necessário para a Administração Fiscal (AF) fazer o seu trabalho. Tudo por via de uma inspecção externa que se iniciou e concluiu em dois dias.
Adoptando-se a tese que sufragamos, o contribuinte A veria o seu prazo a ser dilatado em apenas dois dias, período que tem perfeita justificação em virtude da deslocação da AF às suas instalações.
Outro argumento decisivo, para não acompanharmos a doutrina do Acórdão, reside no facto de a mesma deixar na livre disponibilidade da administração a possibilidade de dilatar o prazo de suspensão de caducidade para além do estritamente necessário. Também por aqui, tratando-se de matéria que tem que ver com garantias dos contribuintes, a mesma reclama uma interpretação restritiva e não extensiva.
Por último, pretender que, sempre que a AF recorre à inspecção externa – e tanto pode fazê-lo a um mês do termo do prazo de caducidade, como a dois anos do prazo de caducidade – está obrigada a efectuar a notificação do relatório final no prazo dos seis meses, que é a tese que decorre do Acórdão n.º 594/12, é, não apenas, diminuir, por via interpretativa, o prazo dos actos de inspecção externa que, nos termos legais, podem perdurar por aquele período, como interferir na actividade administrativa da administração tributária que fica coartada na possibilidade de aproveitar todo o prazo de caducidade que ainda lhe resta para completar as fases subsequentes e comuns do procedimento de inspecção tributária (elaboração do projecto de relatório, notificação para audiência prévia, conclusão do relatório e notificação definitiva do relatório).
Definitivamente, em nossa modesta opinião, quando o art. 46º, nº 1, da LGT (última parte) refere “(…) a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”, o único propósito do legislador é o de estabelecer o prazo máximo do efeito suspensivo da caducidade (que é de seis meses) e não interferir com a eventual duração do procedimento inspectivo. Essa é a função, como vimos, do normativo constante do RCPIT.
Em suma, em nossa opinião, o art. 46º, nº 1, da LGT, ao falar em “acção de inspecção externa” pretende que o prazo de caducidade só se suspenda durante o período de duração dos actos de inspecção externa, porquanto em tudo o mais o procedimento de inspecção externa é igual ao da inspecção interna.
Alargar o período de suspensão do prazo de caducidade a todo o período do procedimento incluindo a realização da audiência e elaboração do relatório final, não tem o mínimo apoio na letra do preceito, não tem justificação racional e implica não só um sacrifício e um tratamento discriminatório para os contribuintes sujeitos a inspecção externa para além do necessário e razoável, como pressupõe, também, um encurtamento do prazo legal da inspecção externa e, nalguns casos, uma clara e injustificada interferência limitativa da actividade administrativa relacionada com essa mesma inspecção a levar a cabo pela própria Administração Fiscal.
Fernanda Maçãs.