Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0724/16.0BEBJA 0154/18
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OBJECTO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
Sumário:Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, neles não cabendo, em princípio, a apreciação de questões ali não apreciadas, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P24862
Nº do Documento:SA2201909110724/16
Data de Entrada:02/14/2018
Recorrente:AGDA - ÁGUAS PÚBLICAS DO ALENTEJO, SA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1– Vem AGDA- Águas Públicas do Alentejo, recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou a impugnação judicial improcedente, por não provada e, em consequência, manteve na ordem jurídica os actos de liquidação impugnados, emitidos pela A…………, referentes à taxa de conservação e exploração da obra de aproveitamento hidroagrícola do Roxo, de Julho a Setembro de 2016.

2 – Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. O nº 1 do art.° 69°-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, determina que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural sob proposta do IHERA - ora DGADR.

B. Por via do Decreto-Lei 169/2005, de 26 de setembro, é alterado o art.º 107° do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, o qual determina, sem mais, a manutenção em vigor da legislação complementar (caduca) aplicável aos empreendimentos hidroagrícolas, pese embora o hiato de tempo decorrido e ainda a colisão de algumas normas com o "novo" regime legal instituído.

C. Não poderemos inferir do teor do Decreto-Lei 169/2005 que estamos perante uma "revogação" do regime consagrado pela redação do Decreto-Lei 86/2002, de 06 de abril e, consequentemente, de uma "repristinação" do regime legal anterior.

D. A norma constante do n.º 1 do art.º 107° do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 169/2005, de 26/09, não pode ser interpretada como uma derrogação de todo o regime inovatório introduzido pelo Decreto-Lei 86/2002, mas antes como uma medida de recurso para evitar "males maiores" que adviriam da ausência de instrumentos jurídicos de gestão dos empreendimentos hidroagrícolas.

E. A intenção do legislador apenas pode ser interpretada no seguinte sentido: o prazo concedido pelo Decreto-lei 86/2002 para a revisão da legislação complementar do regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas - 180 dias - havia há muito expirado, o que colocava em "crise" muitos empreendimentos, por via da caducidade dos respetivos instrumentos jurídicos de gestão.

F. Também a impugnante e ora recorrente é titular de um contrato de concessão para a captação de água na albufeira do Roxo, para o abastecimento às populações, o qual tem o número 4/CSP/SD/2012.

G. Esse contrato, emitido de acordo com os preceitos constantes da Lei da Água (Lei 58/2005, de 29 de dezembro) e legislação complementar (Decreto-lei 226-A/2007 entre outros) obriga, de facto, a ora recorrente à comparticipação nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração da barragem do Roxo cfr. cláusula 13ª do contrato junto com a PI).

H. Se os termos da TEC se mostrassem definidos nos termos constantes do n.º 1 do artº 69°-A do Decreto-lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-lei 86/2002, de 06/04, não fazia qualquer sentido aquela cláusula, pois bastaria a remissão para a lei!

I. Mas tais termos não se encontram definidos pela entidade competente - O Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural,

J. logo, a liquidação da TEC efetuada pela ora recorrida é ilegal, pois embora a A………… seja a entidade competente para a liquidação e cobrança das taxas devidas pela utilização da obra hidroagrícola do Roxo, não lhe compete a fixação de tal taxa, quando em questão está o abastecimento público de água.

K. A TEC liquidada pela recorrida foi-o com base em termos estabelecidos pela sua Assembleia Geral e Regulamento (de 1970) e não nos termos do n.º 1 do art.º 69°-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04.

L. A ratio legis por detrás do regime instituído pelo art.º 69°-A, acima referido, visa, precisamente, prevenir a ocorrência de abusos como os que se verificam no caso sub judice.

M. No caso concreto da ora recorrente, a única infraestrutura da obra hidroagrícola de que beneficia - e que por tal benefício será obrigada ao pagamento de uma TEC - é a barragem em si.

N. É a ora recorrente que capta directamente, no plano da albufeira, a água que posteriormente trata e fornece aos concelhos de Beja e de Aljustrel.

O. Todos os meios necessários a essa captação são próprios da recorrente - torre de captação, bombas, quadros elétricos, tubagens, etc.

P. Por essa razão, o seu contrato de concessão a obriga a comparticipar nas despesas de conservação, manutenção e exploração, apenas da barragem do Roxo e não da totalidade do aproveitamento hidroagrícola.

Q. Por esta razão, quando está em causa o abastecimento público de água para consumo humano, a definição dos termos da TEC foi afastada das competências das entidades gestoras das obras hidroagrícolas e "avocada" pelo Ministério da Agricultura.

R. Está em causa uma atividade de reconhecido interesse público (o abastecimento público de água para consumo humano), a qual não pode ficar "refém" de decisões tomadas em assembleias gerais das entidades gestoras das obras hidroagrícolas, nas quais as entidades que gerem o abastecimento público de água para consumo humano não têm assento!

S. A TEC liquidada pela recorrida à recorrente, torna esta última uma das maiores, se não a maior, "contribuinte" da obra do Roxo.

T. Quando, na verdade, a recorrente apenas beneficia da barragem.

U. Precisamente porque todos estes fatores têm que ser tidos em consideração, os termos da TEC, quando está em causa o abastecimento público de água, foram afastados das competências das entidades gestoras das obras hidroagrícolas.

V. A recorrente reconhece que algo tem a pagar à recorrida a título de comparticipação nas despesas de conservação, manutenção e exploração da barragem do Roxo, mas não a TEC que a A………… liquidou.

W. De facto, a A………… tem competência para liquidar taxas que são devidas pela utilização da obra hidroagrícola, nos termos do seu contrato de concessão, assim como para fixar as mesmas.

X. Contudo, não tem competência para fixar os termos da TEC devida para as atividades não agrícolas, mormente o abastecimento público de água para consumo humano, nos termos do disposto no nº 1 do artº 69° - A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04.

Y. Ao fazê-lo, como fez, usurpou competências que incumbem ao Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

Z. Logo, os atos de liquidação praticados estão feridos de nulidade e, consequentemente, não podem manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de direito, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que confirme que os atos de liquidação praticados pela A………… se encontram feridos de nulidade, não podendo, por isso, subsistir na ordem jurídica.

3 – A recorrida apresentou contra-alegações, a fls. 231 e segs. e que rematou com as seguintes conclusões:
1- A Recorrida liquidou e procedeu à cobrança das TECs à Recorrente por esta, ao abrigo de "Contrato de Concessão de Captação de Água Superficial Destinada ao Abastecimento Público na Albufeira do Roxo" utilizar em seu proveito infraestrutura do Aproveitamento Hidroagrícola do Roxo, de que é concessionária aquela, nos termos previstos no "Contrato de Concessão para a Gestão do Aproveitamento Hidroagrícola do Roxo", em que foi concedente o Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, celebrado a 22 de Julho de 2009;
2- Refere este, conforme a Portaria 1473/2007, Base XXIV, que a utilização de infraestrutura de domínio público objecto da concessão-barragem se encontra sujeita ao pagamento das taxas previstas no regime jurídico dos Aproveitamentos Hidroagrícolas (TEC) e da Lei da Água (TRH);
3- Pelo que a pretensão da Recorrente, também contrariada por legislação vária que enferma a actividade das Associações de Beneficiários, como adiante se menciona e lapidarmente analisada na Douta Sentença recorrida, que apenas é devedora de pagamento de comparticipação nas despesas da infraestrutura não pode proceder;
4- Aliás a sua própria concedente o afirma, sujeitando-a à aplicação das TEC, ao proceder à interpretação correcta do art.º 13° do Contrato celebrado com a Recorrente.
5- Atendendo-se à actual redacção do art.º 107º do Dec. Lei 269/82, de 10 de Julho, ao manter em vigor a legislação aplicável às associações de beneficiários, até à sua revisão por decreto regulamentar, estabelece, inequivocamente, que o preceituado no "Regulamento da Obra de Rega dos Campos do Roxo", aprovado por despacho do Senhor Presidente do Conselho de 21/10/1970, publicado no Diário do Governo, III Série – nº 18, de 22/01/1971, no "Regulamento das Associações de Beneficiários" publicado no Decreto Regulamentar 84/82, de 4/11, e no Dec. Lei 269/82, de 10/07, é aplicável à presente demanda;
6- Atendendo-se ao supra referido, a inovação do regime jurídico das obras do aproveitamento hidroagrícola, levada a cabo pelo Dec.Lei nº 86/2002, de 06/04, terá de ser consentânea aos diplomas supra, atendendo-se, quanto ao último, à sua redacção primitiva.
7- Pelo que, como se refere na Douta Sentença, o direito de liquidação e cobrança de TEC em Aproveitamento Hidroagrícola, seja qual for a natureza da actividade beneficiada, é da competência da entidade gestora - associação de beneficiários- concessionária da obra.
8- Não colhe assim, nos termos legais, que a Recorrida tenha, quando da liquidação do acto tributário, agido com usurpação de poder.
9- De facto, não é da competência, por ora, do Senhor Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e Pescas fixar os termos da TEC a ser paga pelas actividades não agrícolas, beneficiárias de Aproveitamento Hidroagrícola, como consta no art.º 69-A nº 1 do cit. Dec. Lei;
10- Como o próprio Senhor Ministro, entidade usurpada no entender da Recorrente, expressamente reconheceu ao fazer publicar a Portaria 1473/2007 onde, em anexo, na "Minuta de Base de Contrato de Concessão para a Conservação e Exploração dos Aproveitamentos Hidroagrícolas" se prevê como um dos objectos da concessão a prestação de serviços de armazenamento de água que assegure o abastecimento público, obrigando a entidade que beneficia com este serviço ao pagamento de TEC e o direito à concessionária de proceder à sua liquidação e cobrança.
11- Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente, pelo que deve ser mantida, na íntegra, a Douta Sentença recorrida (…)».

4 – A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, que, na parte mais relevante, se transcreve:
«(….) da análise da motivação do recurso e, outrossim, das respetivas conclusões, que definem e delimitam o seu objeto, resulta que a Recorrente não atacou, verdadeiramente, a sentença em crise, alheando-se das questões que suscitara, quer na petição inicial, quer nas alegações escritas que apresentou, nos termos e para os efeitos do artigo 120.º do CPPT.
Efetivamente, no âmbito das conclusões que formulou, a Recorrente veio suscitar uma questão nova, como tal não alegada, no âmbito dos articulados oferecidos pelas partes e, obviamente, sobre a qual não incidiu a pronúncia do tribunal a quo (vide, designadamente, o Relatório da sentença em crise, a fls. 187/1 a 187/4 e, outrossim, a enunciação das questões decidendas, constante de fls. 187/9 do p. f)
Trata-se da questão de saber se o artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 269/82, de 10 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 169/2005, de 26 de setembro, pretendeu revogar e, ademais, se revogou o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 86/2002, de 06 de abril, repristinando, assim, o regime legal anterior (cfr. as conclusões A a E, ínsitas a fls.220/6 e 220/7 do p. f)
Sucede que não se trata aqui de uma questão do conhecimento oficioso do tribunal, cuja cognição poderia e deveria ser efetuada pela primeira vez, por este Colendo Supremo Tribunal Administrativo.
A ser assim, a Recorrente coloca este tribunal ad quem na necessidade de sobre ela emitir pronúncia em primeiro grau, em matéria subtraída ao seu conhecimento oficioso e, consequentemente, ao arrepio das pertinentes normas processuais e judiciárias em vigor.
Acresce que esta reviravolta na atuação processual da aqui Recorrente traduz-se na violação dos princípios da cooperação e da boa-fé processual, proclamados no artigo 8.º do CPTA e 7.º e 8.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alíneas d) e e), do CPPT.
Destarte, nesta sede recursiva, é totalmente injustificado e descabido submeter esta "questão nova" ao escrutínio deste Supremo Tribunal.
E, assim sendo, imperativo se torna concluir que a questão suscitada, nas já mencionadas conclusões das alegações, sobreleva o objeto do recurso sub judice, implicando, pois, a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Nos termos e com os fundamentos expostos, propendemos no sentido do não conhecimento do objeto do recurso, neste segmento recursivo, por este Colendo Tribunal ad quem.

3. Em adição, no que tange à questão da usurpação, pela Recorrida A…………, da competência para fixar a taxa de conservação e exploração devida para atividades não agrícolas, o presente recurso jurisdicional não merece provimento, porquanto o Ministério Público secunda, na íntegra, as razões e fundamentos que foram explicitados, profusa e habilmente, na sentença em crise (….)»


Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – A primeira instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 22/07/2009, a A………… celebrou com o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, representado pela Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural o «CONTRATO DE CONCESSÃO PARA A GESTÃO DO APROVEITAMENTO HIDROAGRÍCOLA DO ROXO», nos termos do qual:
«Cláusula I
Objeto da Concessão

1 - O contrato de concessão tem por objecto, em regime de exclusividade, a gestão do A………….
2 - A atividade da concessão compreende uma ou mais das seguintes atividades:

a) A gestão dos recursos hídricos do A…………, bem como a utilização daqueles recursos do domínio público;
b) A exploração, conservação e reabilitação das infra-estruturas do A………… necessárias ao seu funcionamento;
c) (...);
d) A captação e o fornecimento de água à atividade agrícola, ao sector agro-alimentar e a outras atividades de natureza económica, beneficiárias das infra-estruturas do A…………;
(...)
Cláusula II
Âmbito da concessão
1 - Para efeitos do objeto da concessão são conferidos à concessionária todos os direitos e obrigações compreendidos na gestão dos recursos hídricos em conformidade com o estabelecido na Cláusula anterior, no título de utilização dos recursos hídricos do domínio público, bem como os necessários para a prestação dos serviços constantes dos n.º 2 e n.º 3 da Cláusula anterior, na sua totalidade ou parcialmente.
(...).
Cláusula XXIII
À concessionária, no âmbito da gestão do A…………, compete-lhe o exercício, nomeadamente, dos seguintes direitos:
a) Liquidar e cobrar as taxas previstas no regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas;
b) Fixar e cobrar os preços relativos aos serviços que presta.
Cláusula XXIV
1 - A utilização da água e das infra-estruturas do domínio público objeto da concessão encontram-se sujeitas ao pagamento das taxas previstas no regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas e na Lei da Água.
2 - O valor das taxas referidas no número anterior será fixado e atualizado de acordo com os princípios estabelecidos na legislação base e, quando relevante, em legislação complementar que regula o regime da sua aplicação.
3 - A concessionária fará repercutir sobre os utilizadores do A………… o encargo económico que a taxa de recursos hídricos representa, nos termos do previsto da Lei da Água e demais legislação complementar.
4 - O valor dos preços a cobrar pelos serviços referidos no n.º 3 da Cláusula I a prestar pela Concessionária, será fixado em conformidade com o princípio inscrito na alínea e) do ponto único da Cláusula X.
(...)» (cfr. documento n.º 1 junto com a contestação);

B) Em 13/01/2012, a Impugnante celebrou com a ARH o contrato de concessão relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial destinada ao abastecimento público na Albufeira do Roxo - contrato de concessão n.º 4/CSP/SD/2012, através do qual lhe foi concedida «a captação de águas superficiais do domínio público, destinadas à produção de água para abastecimento público, na albufeira da Barragem do Roxo, designada por Sistema de Abastecimento do Roxo» (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial - P.I.);

C) Nos termos da cláusula 13.ª do contrato de concessão referido na alínea anterior, a Impugnante está obrigada «a comparticipar nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração do barragem do Roxo» (cfr. documento n.º 4 junto com a P.I.);

D) Em 09/12/2014, a Agência Portuguesa do Ambiente remeteu à A………… o ofício n.º 5062852-20141209, com o assunto «Parecer relativo à contestação do Título de Utilização dos Recursos Hídricos pela ARH do Alentejo a Águas Públicas do Alentejo, S.A. (captação na albufeira do Roxo)», do qual se extrai o seguinte:

«(...)
Quanto à questão relacionada com a celebração do contrato de Concessão n.º 4/CPS/SD/2012 com a empresa Águas Públicas do Alentejo, S.A. e pelo que conseguimos extrair da V/comunicação, é interpretação da A………… que a cláusula 13ª do referido Contrato de Concessão, relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial destinada ao abastecimento público na albufeira do Roxo, contraria e pretende afastar o regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 269/82, de 10 de Julho e pela Portaria n.º 1473/2007, de 15 de novembro, no que se refere às taxas de exploração e conservação.
Importa salientar que o que se pretendeu consagrar na referida cláusula 13.ª foi, precisamente, a aplicabilidade da disciplina relativa às taxas de exploração e conservação da barragem, tal como estabelecida no Decreto-Lei n.º 269/82. Dito de outro modo, visou-se deixar claro que, para além dos deveres decorrentes do Contrato de Concessão a que nos estamos a referir, a concessionária está sujeita, pela utilização da infra-estrutura, a comparticipar nos custos de exploração e conservação da mesma. (...)» (cfr. documento n.º 3 junto com a contestação);

E) Em 03/08/2016, a A………… emitiu a fatura n.º V013V13/1600008, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Julho de 2016, no valor de € 26.472,91, com data de vencimento em 02/09/2016 (cfr. documento n.º 1 junto com a P.I.);

F) Em 07/09/2016, a A………… emitiu a fatura n.º V013V13/1600009, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Agosto de 2016, no valor de € 26.697,79, com data de vencimento em 07/10/2016 (cfr. documento n.º 2 junto com a P.I.);

G) Em 03/10/2016, a A………… emitiu a fatura n.º V013V13/1600010, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Setembro de 2016, no valor de € 224.479,48, com data de vencimento em 02/11/2016 (cfr. documento n.º 3 junto com a P.I.);

H) A Agência Portuguesa para o Ambiente (APA) emitiu, em nome da AGDA, a nota de liquidação n.º 164/2014/ALT, referente à taxa de recursos hídricos de 2014 (cfr. documento n.º 13 junto com a P.I.);

I) Em 04/11/2016, deu entrada neste Tribunal a petição inicial de impugnação judicial (cfr. fls. 1 dos autos).»


6- Do objecto do recurso:
Pretende a recorrente que a sentença recorrida seja substituída por outra que confirme que os actos de liquidação praticados pela A………… se encontram feridos de nulidade, não podendo, por isso, subsistir na ordem jurídica.
Resulta dos autos que estando em causa uma impugnação judicial contra a liquidação da taxa de conservação e exploração da obra de aproveitamento hidroagrícola do Roxo, referente aos meses de Julho a Setembro de 2016, operada pela A…………, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação com base na seguinte fundamentação:
— O próprio legislador qualifica a taxa de conservação e exploração como uma verdadeira taxa. E interpretando a petição inicial também se conclui que a impugnante não questiona a taxa tal como a mesma é criada pelo legislador, mas antes a sua liquidação e cobrança por banda da impugnada, que, nos moldes em que esta o faz, a transmutaria num verdadeiro preço pela água captada.
— As taxas não pressupõem uma equivalência económica, mas antes um equilíbrio entre as prestações realizadas pelas entidades públicas e as correspondentes contra-prestações exigidas aos destinatários. E só se se verificasse essa equivalência económica é que tal poderia considerar-se um indício revelador de que nos encontraríamos perante um preço e não uma verdadeira taxa. E, assim, não releva que a taxa de conservação e exploração não corresponda inteiramente às despesas concretamente incorridas pela A…………, contrariamente ao que propugna a impugnante AGDA, uma vez que, como em qualquer taxa, se encontram subjacentes à prestação do ente público não só a compensação pelos custos, mas, igualmente, razões de ordem pública.
— A vantagem que a impugnante retira da prestação da impugnada - conservação das infraestruturas nas quais se encontra armazenada a água que é por si captada - é calculada em função da quantidade de metros cúbicos dessa mesma água, o que não equivale a dizer que a impugnante se encontra a pagar uma taxa pela utilização da água (aliás, o critério do volume de água utilizado encontra expresso acolhimento legal, constando, nomeadamente, do nº 1 do art. 67º do DL nº 269/82, de 10/07, sendo um critério que se configura como proporcional e adequado para apurar a medida da comparticipação da impugnante nas despesas de conservação e exploração das infraestruturas e equipamentos da obra de aproveitamento hidroagrícola. A impugnante confunde aqui duas realidades: a taxa de conservação e exploração e a taxa de recursos hídricos. A primeira é devida pela circunstância de a impugnante captar água proveniente da albufeira e armazenada na obra de aproveitamento hidroagrícola do ROXO beneficiando das infraestruturas geridas e exploradas pela A…………, enquanto que a segunda se reporta, concretamente, à utilização privativa da água do domínio público para prossecução do objecto do contrato de concessão, em particular a captação e tratamento de água para abastecimento público. Daí que, procedendo a impugnante à captação da água em albufeira afecta a obra de fomento hidroagrícola recai sobre si o dever de liquidar as duas taxas.
— A A………… encontra-se legitimada a cobrar a taxa de conservação e exploração quer por força do disposto no Regulamento da Obra de Rega dos Campos do ROXO e no DL nº 269/82, de 10/07, como, ainda, no contrato de concessão celebrado com o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
— A taxa em apreço não se confunde com um preço, pois que se caracteriza pela sua bilateralidade, dirigindo-se o serviço prestado pela A………… a beneficiar a AGDA, não sendo, porém, passível de ser definido o seu custo por regras de mercado e, por isso, sendo autoritariamente definido.
— Os actos de liquidação impugnados também não sofrem de vício de usurpação de poderes ou de incompetência absoluta, previstos nas als. a) e b) do nº 2 do art. 133º do CPA, sendo que os argumentos aduzidos pela impugnante também não se reconduzem ao vício de usurpação de poderes, ou seja, à prática de um acto que decida uma questão reservada ao poder político ou aos tribunais.
E também não se verifica o vício de incompetência absoluta, dado que foi legal e contratualmente atribuída à impugnada a competência para liquidar e cobrar a taxa de conservação e exploração, como contrapartida pela gestão, exploração e conservação das infraestruturas e equipamentos da obra de aproveitamento hidroagrícola do ROXO.

E foi apenas sobre as invocadas questões que se pronunciou a decisão recorrida, para concluir que os actos de liquidação impugnados e identificados nas als. E) a G) do probatório não padecem de qualquer ilegalidade – cf. sentença fls. 187 e segs.

Sucede que, como bem nota o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, nas alegações de recurso e nas respectivas a recorrente olvida por completo este julgamento e não ataca esta fundamentação da sentença recorrida, limitando-se a invocar erro de julgamento por não terem sido consideradas ilegais as liquidações, por falta de intervenção do Ministro das Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural no procedimento legislativo conducente à definição da taxa, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 69°-A do DL n° 269/82, de 10/07 (aditado pelo DL n° 86/2002, de 06/04).

Alega para o efeito que, determinando o nº 1 do art. 69°-A do DL nº 269/82, de 10/07 (aditado pelo DL nº 86/2002, de 06/04) que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é «devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural sob proposta do IHERA» - ora DGADR, então ocorre nulidade das liquidações impugnadas, dada a falta de intervenção do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural no procedimento legislativo conducente à definição da taxa, nos termos da citada norma, a qual, em seu entender, foi mantida em vigor, face à nova redacção introduzida pelo DL nº 169/2005 no nº 1 do art. 107º do DL nº 269/82, não pode ser interpretada como uma derrogação de todo o regime inovatório que fora introduzido pelo DL nº 86/2002 (e pela consequente repristinação do regime legal anterior), mas antes como uma medida de recurso para evitar “males maiores” que adviriam da ausência de instrumentos jurídicos de gestão dos empreendimentos hidroagrícolas.

Ora, não obstante ter invocado na PI da impugnação diversos fundamentos para sustentar a alegada ilegalidade das liquidações operadas pela A………… relativas à taxa de conservação e exploração) e apesar de a sentença recorrida ter apreciado cada um desses fundamentos [incluindo os atinentes aos vícios que a recorrente subsumiu à previsão das als. a) e b) do nº 2 do art. 133º do CPA: usurpação de poderes e incompetência absoluta] e concluir pela improcedência da impugnação, o erro de julgamento que a recorrente aponta à sentença (cfr., nomeadamente, as Conclusões I e sgts.) é, como já se sublinhou, o de não ter considerado ilegais as liquidações, por falta de intervenção do Ministro das Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural no procedimento legislativo conducente à definição da taxa, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 69°-A do DL n° 269/82, de 10/07 (aditado pelo DL n° 86/2002, de 06/04).

O que se traduz na alegação de uma questão nova porque veio pela primeira vez ao processo na alegação de recurso, mostrando-se, até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada na petição, pelo menos nesta vertente, e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.

É que, embora tenha referenciado, nos arts. 18º e 19º e 41º e 42º da PI, o disposto nesse nº 1 do art. 69º-A, a recorrente reporta a respectiva alegação à matéria atinente à discussão sobre a natureza jurídica das prestações liquidadas (taxa de exploração e conservação ou preço da água) e ao cálculo desse alegado preço (a taxa destinar-se-ia exclusivamente a cobrir os custos de conservação e de gestão e exploração), pelo que a fórmula utilizada nas liquidações constitui unicamente uma forma de estabelecer um preço da água captada pela recorrente na Barragem do Roxo.

E de todo o modo, a recorrente também não alega que tenha ocorrido omissão de pronúncia quanto à questão ora suscitada.

Assim, dado que o fundamento do recurso se restringe àquela referida alegação, verifica-se, então, como sublinha o MP, cujo Parecer se acompanha, que a recorrente suscita nas conclusões das alegações questão nova, não apreciada na sentença e, consequentemente, exterior ao perímetro de cognição do STA na qualidade de tribunal de recurso.

Ora, como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (Cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.03.2019, recurso 0155/18 (Cuja fundamentação vimos seguindo de perto e que tratou de caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, como idênticas são as conclusões das alegações de recurso e a fundamentação da sentença recorrida.), 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 29.11.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)

Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre (Neste sentido vide Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.), neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso.

O que não é o caso da questão ora em apreço.

Consequentemente, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo, por para tanto não lhe assistir poder jurisdicional, conhecer de qualquer outra questão suscitada.

6. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.