Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/15
Data do Acordão:05/20/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
ENCARGO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
PENSÃO COMPLEMENTAR
Sumário:I – A nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto ou de direito só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
II – Nada obsta a que a fundamentação se faça por adesão à fundamentação jurídica de anterior acórdão de tribunal superior, sendo que a lei apenas impede que a fundamentação se faça por mera adesão aos fundamentos alegados por uma das partes.
III – A CGA exerce uma função administrativa, dotada dos devidos poderes de autoridade, na fixação de pensões de aposentação e sobrevivência. E se nessa função praticou actos administrativos considerando a recorrente responsável por pensões complementares ao abrigo do DL nº 141/79, de 22/5, e a notificou para proceder aos pagamentos que se vão vencendo, é o tribunal administrativo o competente para conhecer da legalidade ou ilegalidade de tais actos e não o tribunal tributário através do meio processual da impugnação judicial, uma vez que não estamos aqui perante mera liquidação de receitas parafiscais, antes perante actos administrativos dos quais resultam os valores a pagar.
Nº Convencional:JSTA00069209
Nº do Documento:SA220150520050
Data de Entrada:01/16/2015
Recorrente:A................,S.A.
Recorrido 1:CGA - CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 ART49 ART1.
LGT98 ART3 N1 A.
CPTA02 ART148 N1.
CPC13 ART615 N1 B ART154 N1 N2.
CCIV66 ART8 N3.
CONST76 ART212.
DL 141/79 DE 1979/05/22.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0653/10 DE 2010/09/01.; AC STA PROC01075/09 DE 2010/12/07.; AC STA PROC0881/10 DE 2011/03/02.; AC STA PROC01015 DE 2015/03/25.; AC STA PROC0641 DE 2013/10/23.; AC STAPROC01846 DE 2014/02/05.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS - CPC ANOTADO VOLV PÁG140.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1 – A…………, S.A., melhor identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo do Porto que se julgou incompetente em razão da matéria para conhecer o presente recurso.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) A Recorrente/A…….….. impugnou judicialmente as liquidações de que foi notificada e que lhe foram enviadas pela Entidade Recorrida/CGA, ou seja, impugnou cada um dos actos de liquidação que fixaram a concreta contribuição alegadamente devida pela A………… para o financiamento daquela CGA, pretendendo ver apreciada a sua legalidade.
B) São duas as questões que se levantam: saber se a sentença está ferida de nulidade e, subsidiariamente, saber se enferma de vício de julgamento.
C) A Recorrente entende que a sentença é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., porquanto não se encontra fundamentada de direito, nem sequer de facto, não explicando o Tribunal recorrido em que medida que a CGA actua mensalmente para com a Recorrente A…………, no âmbito dos seus poderes de autoridade, nem explicando como entre ambas se desenha uma relação jurídico – administrativa.
D) Não pode bastar, como fundamentação, a mera remissão para um Acórdão, seguida de transcrição de texto seu.
E) Além do mais, tendo presente o raciocínio expositivo sobre a competência dos tribunais fiscais constante da parte final da página segunda da sentença, não se infere em que medida é que os actos de liquidação praticados pela CGA deixam de ser uma questão fiscal para passar a ser uma questão administrativa....
F) Por outro lado, ainda que assim não se entenda, sempre se impõe que a sentença seja revogada e substituída por uma outra que conclua pela competência da jurisdição tributária (como, aliás, já foi decidido pelo mesmo TAF do Porto), por a sentença recorrida padecer de vício de julgamento.
G) Salvo o devido respeito por entendimento diverso, o Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 016/11 pelo Tribunal de Conflitos nada tem a ver com a situação dos autos.
H) A questão sub judice nada tem a ver com as pensões concretas que a CGA entende ser de pagar a cada um dos 6 subscritores referidos na p.i.; tem sim a ver com a concreta contribuição da Recorrente para a pensão global que aqueles beneficiários auferem mensalmente da CGA.
I) Os descontos para a CGA são verdadeiras quotizações sociais com natureza parafiscal que se encontram no âmbito das imposições financeiras públicas a favor de organismos do Estado (in casu, CGA) - os actos impugnados são, pois, actos tributários parafiscais (artigo 3.º/1 da LGT),
J) Os documentos que corporizam os actos impugnados materializam todos os elementos típicos e constitutivos de uma liquidação (concretamente, o valor a pagar, o período a que se reportam as obrigações, a sua espécie, a data limite de pagamento e a entidade responsável pelo pagamento).
K) Os tribunais tributários são, nos termos do artigo 49.º/1/a)/i) do ETAF, os competentes para conhecer das acções de impugnação dos actos de liquidação de receitas parafiscais.
L) Nos termos do artigo 97.º/1/a) do CPPT, o processo judicial tributário compreende a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais.
M) O quid disputatum impõe que se conclua pela competência do tribunal tributário, por o meio competente, para a apreciação da legalidade da fixação de cada um dos encargos mensais, ser a impugnação judicial prevista no CPPT.
N) A Caixa Geral de Aposentações, IP., é um instituto público que tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras de natureza especial (cfr. artigo 3.º do DL n.º 84/2007, de 29.03), sendo, nesta matéria, semelhante ao Instituto da Segurança Social, I.P..
O) Sobre esta matéria, interessa lembrar o que tem sido decidido pelos tribunais superiores, destacando-se, por exemplo:
n.1) os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 23.06.2006 (Proc. n.º 24/05), de 19.10.2006 (Proc. n.º 9/06), de 29.06.2005 (Proc. n.º 1/05, de 19.11.2009 (Proc. n.º 015/08);
n.2) o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08.04.2008 (proc. n.º 02211/08);
n.3) o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04.11.2011 (Proc. n.º 00086/11.2BECBR;
n.4) os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.1996 (Processo n.º 039 623), de 11.02.2004 (Proc. n.º 01927/03) e de 23.05.2007 (Processo n.º 063107), de 24.03.2004 (Recurso n.º 1906/03),
P) A decisão recorrida, ao entender que a resolução autoritária que impõe aos cidadãos o pagamento de uma prestação com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos é uma “questão fiscal” e, ao mesmo tempo, decidindo pela incompetência material do tribunal tributário, violou o artigo 49.º/1/a)/i) do ETAF, o artigo 3.º/1 da LGT, o artigo 97.º/1/ do CPPT e o art. 615.º/1/b) do CPC.
Q) O artigo 212.º da CRP, os artigos 1.º/1, 4.° e 49.°/1/a/i) do ETAF, o artigo 3.º, n.º 1, a) da LGT, os artigos 96.º e 97.º/1/a) e o artigo 3.º do DL n.º 84/2007, de 29.03, deveriam ter sido interpretados no sentido de se concluir que o meio escolhido é o meio próprio para a discussão da legalidade de cada um dos actos praticados pela CGA e aqui em causa e que os mesmos consubstanciam liquidações porquanto materializam todos os respectivos elementos típicos e constitutivos [como se refere em J)], visando satisfazer os encargos públicos da pessoa colectiva pública CGA.»

2 – A CGA, Caixa Geral de Aposentações não apresentou contra alegações.

3 – O Ministério Público emitiu parecer a fls. 236, com o seguinte conteúdo:
«Questiona a Recorrente o acerto da sentença do tribunal tributário do TAF do Porto de 29.04.2014 que se julgou incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos autos, considerando competente para o efeito o tribunal administrativo.
Por se tratar de uma situação similar dou por reproduzido o parecer que sobre a matéria emiti no Proc. n.º 10/15, que é do seguinte teor:
Para além do erro de julgamento que Imputa à sentença recorrida, sustenta também a Recorrente que a sentença é nula, por violação do disposto no art. 668.º, n.º 1, al b) do CPC, por não se encontrar fundamentada de facto e de direito.
As questões colocadas no presente recurso já foram apreciadas por este Supremo Tribunal no douto Acórdão de 23.10.2013 — Rec. n.º 0641/13, em cuja doutrina inteiramente se louva a sentença recorrida e da qual não vê razão para divergir pois os sindicados actos de fixação de encargos com pensões de aposentação e sobrevivência, como nesse douto aresto bem se demonstra, não revestem natureza tributária, antes constituem actos administrativos de imputação de encargos por parte da CGA, enquanto entidade pública dotada de poderes de autoridade, no exercício da função administrativa, no âmbito do DL n.º 141/79, de 22 de Maio. E, salvo melhor entendimento, louvando-se integralmente na doutrina desse douto aresto, que no essencial transcreve e no qual se mostram perfeitamente identificadas e tratadas a questão de facto e a questão de direito, em tudo similares à dos presentes autos, carece de sentido a alegação de que a sentença é nula por falta de fundamentação.
Nesta conformidade, sem mais delongas, pronuncio-me pela improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela confirmação do julgado».

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- A decisão recorrida é do seguinte teor:

«A…………, SA, pessoa colectiva nº …….., com sede na Av. da Liberdade, ………., …….., deduziu contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a presente impugnação judicial visando os actos de fixação de encargos com pensões de Aposentação e de Sobrevivência relativos a vários períodos do ano de 2008 (Novembro e Dezembro) e 2009 (Janeiro) e a vários subscritores.
Para o efeito alegou a ilegalidade dos actos nos moldes que melhor expõe na petição inicial.
Concluiu pedindo a procedência da impugnação com a anulação dos actos que fixaram os encargos com pensões de aposentação e sobrevivência praticados pela CGA requerendo, ainda, que seja fixada indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia nos termos do disposto no art. 57° da LGT e 171º do CPPT.
Admitida a impugnação, a CGA foi notificada para contestar, querendo, o que veio a fazer a fls. 54 e ss. dos autos, ali pugnando pela inidoneidade do meio processual utilizado, uma vez que não estamos na presença de actos de fixação e liquidação, ou acto tributário ou liquidação de tributos.
Depois, defende a incompetência absoluta do tribunal, por considerar que competente é o tribunal administrativo e não o fiscal, atenta a matéria em discussão. --Por fim, e para o caso de não se considerarem as questões prévias suscitadas, pugna pela total improcedência da impugnação.
Concluiu pedindo a procedência das excepções com a consequente absolvição da instância, ou caso assim não se entenda, deve a acção ser julgada improcedente. Procedeu-se ao aproveitamento da prova produzida no processo 1791/07.3BEPRT.
As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas prerrogativa que apenas a CGA usou para renovar, no essencial, a posição já vertida na contestação.
Foram os autos com vista ao DMMP que emitiu o parecer de fls. 131/135 dos autos, no sentido de ocorrerem as excepções suscitadas na contestação pela CGA.
Da (IN)COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 660º n.º 2 Código de Processo Civil (C.P.C.), ex vi do art. 2° al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Para além de se tratar de questão de conhecimento oficioso, sustentou a impugnada, secundada pelo IMMP, a incompetência em razão da matéria.
Vejamos.
Decorre do art. 16º, nº 1 do CPPT que “A infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal”.
O âmbito da jurisdição fiscal encontra-se definida nos artigos 212º da Constituição da República Portuguesa, 4° e 49° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.02, de onde decorre que compete aos tribunais fiscais pronunciarem-se apenas sobre as relações jurídicas fiscais.
Entende-se como uma questão fiscal a que emerge de uma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto das relações jurídicas com tal objectivamente conexas ou objectivamente subordinadas.
A impugnante intentou a presente impugnação judicial visando os actos de fixação de encargos com pensões de aposentação e de sobrevivência fixados pela CGA, alegando, em síntese, a sua ilegalidade.
Acerca da incompetência em apreço e em caso em tudo igual ao dos presentes autos permitimo-nos, com a devida vénia, aludir e reproduzir o vertido no Ac. do STA de 23/10/2013, processo nº 0641/13 que refere:
“Escreveu-se no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20.06.2013 - Processo nº 016/11, para além do mais, o seguinte:
“A competência dos tribunais administrativos e fiscais está definida no artº. 212º nº 3 da CRP:
“Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
E está também fixada no art. 1º nº 1 do ETAF (correspondente ao art. 3º do ETAF/84):
“Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. O quadro legal transcrito aponta pois para a consideração dos tribunais administrativos como os tribunais ordinários da jurisdição administrativa, competindo-lhes o exercício da justiça administrativa, ou seja, o julgamento dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, não podendo, em princípio, os litígios emergentes de relações dessa natureza ser dirimidos por outros tribunais (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3° ed., pg. 814). As relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo, ou seja, “normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no desempenho da atividade administrativa de gestão pública” (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, pg. 134), ou, segundo a jurisprudência do Pleno do STA e do Tribunal dos Conflitos, “os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes do exercício da função administrativa” (Ac. do Pleno do STA de 16.04.97 - Rec. nº 31.873, e Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 28.11.2000 - Proc. 345). Por outro lado, a competência dos tribunais é normalmente aferida em função dos termos em que a ação é proposta, ou seja, tendo em conta o pedido e a causa de pedir tal como encontram formulados pelo Autor (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91)
Atento o teor do pedido da recorrente e embora aparentemente pareça que estamos perante liquidações de receitas parafiscais (à semelhança do que sucede com as contribuições para a Segurança Social), entendemos que não é essa a situação dos autos.
Na verdade, no caso dos autos, a CGA exercendo uma função administrativa e dotada de poderes de autoridade, praticou atos administrativos de concessão de pensões de aposentação e de sobrevivência e considerou a recorrente responsável por pensões complementares ao abrigo do diploma acima citado.
Sendo assim, não estamos perante meros atos de liquidação de receitas parafiscais, antes perante liquidações decorrentes de atos administrativos. E são estes que devem ser atacados.
É certo que afixação da pensão em si, é matéria alheia à recorrente. Já assim não é (são), todavia, o(s) ato(s) administrativo(s) praticado (s) pela CGA, que ao abrigo do DL nº 171/79, de 22 de maio, imputa(m) à mesma a responsabilidade pelas pensões complementares. Deste modo, estabeleceu-se entre a recorrente e a recorrida uma relação jurídico administrativa, tal como delineada no acórdão acima transcrito e para cujo diferendo são competentes os tribunais administrativos.
Deste modo, entende-se que a apreciação da legalidade dos encargos em causa nos autos cabe ao tribunal administrativo.”
Seguindo o entendimento sufragado no Acórdão transcrito, considera-se que a apreciação da legalidade dos encargos em apreço compete ao Tribunal Administrativo, pelo que este Tribunal Tributário é materialmente incompetente.
DECISÃO
Termos em que, julgo este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer esta acção e competente o Tribunal Administrativo do Porto.»

6. Do objecto do recurso:
São duas as questões objecto do presente recurso:
a) Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artº 615º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil);
b) Saber se a sentença sob recurso padece também de erro de julgamento ao julgar que a apreciação da legalidade dos encargos em causa compete ao Tribunal Administrativo.

6.1 Da invocada nulidade da decisão recorrida

Alega a recorrente que a sentença é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., porquanto não se encontra fundamentada de direito, nem sequer de facto, não explicando o Tribunal recorrido em que medida que a CGA actua mensalmente para com a Recorrente A…………, no âmbito dos seus poderes de autoridade, nem explicando como entre ambas se desenha uma relação jurídico - administrativa.
E que por outro lado, não pode bastar, como fundamentação, a mera remissão para um Acórdão, seguida de transcrição de texto seu.
Prosseguindo neste discurso argumentativo alega que tendo presente o raciocínio expositivo sobre a competência dos tribunais fiscais constante da parte final da página segunda da sentença, não se infere em que medida é que os actos de liquidação praticados pela CGA deixam de ser uma questão fiscal para passar a ser uma questão administrativa.

Entendemos porém que carece de razão, já que não se verifica a arguida nulidade.
Com efeito, como é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Já por outro lado a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, que afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140, bem como os Acórdãos desta secção do Supremo Tribunal Administrativo de 1/09/2010, recurso 653/10, 07.12.2010, recurso 1075/09 e de 02.03.2011, recurso 881/10, in www.dgsi.pt.
No caso subjudice é patente que na sentença recorrida estão bem explicitados os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida no sentido de se julgar incompetente o Tribunal Tributário.
Refere-se que estão em causa os actos de fixação de encargos com pensões de Aposentação e de Sobrevivência relativos a vários períodos do ano de 2008 (Novembro e Dezembro) e 2009 (Janeiro) e a vários subscritores, que não constituem taxas, nem impostos, ou tributos de qualquer natureza. E esta frase reporta-se ao teor da petição inicial, pelo que não se vê a necessidade de especificação de quaisquer outros factos, já que inequivocamente estão em causa os valores ali referenciados a propósito de cada um dos ali também identificados trabalhadores.
E relativamente à fundamentação de direito, também se encontra presente na decisão, quer pela referência ao âmbito da jurisdição fiscal nos termos dos artigos 212º da Constituição da República Portuguesa, 4° e 49° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quer pela referência às disposições legais do ETAF que regulam a competência dos tribunais administrativos como tribunais ordinários da jurisdição administrativa, quer ainda por referencia à fundamentação jurídica da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que transcreve e de que se apropria.
Acresce que nada impede que a fundamentação se faça por adesão à fundamentação jurídica de anterior acórdão de tribunal superior.
Sendo inequívoca a obrigatoriedade do juiz fundamentar as decisões, expressamente consagrada no n.º 1 do art. 154.º do CPC («As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».), o que o n.º 2 do mesmo artigo («A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade».) visa impedir é que a fundamentação se faça por mera adesão aos fundamentos alegados por uma das partes, prática que não dá garantias de efectiva ponderação dos argumentos aduzidos por ambas as partes.( Cf., neste sentido, Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 05.02.2014, recurso 1846/13, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso a decisão recorrida não aderiu à alegação de qualquer das partes.
O que a sentença fez foi remeter a fundamentação de direito para um Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, que transcreveu na parte relevante.
Ora, essa prática, não só não está vedada pelo n.º 2 do art. 154.º do CPC, como também não compromete nenhuma das duas razões por que a lei impõe a fundamentação das decisões judiciais: por um lado, ficaram bem expressas na sentença as razões que se julgaram relevantes no sentido de se julgar incompetente o Tribunal Tributário; por outro lado, a remissão para a citada jurisprudência em nada comprometeu a recorribilidade da sentença, como bem o demonstra o teor das alegações do recurso na parte em que se lhe imputa erro de julgamento.
Improcederá, pois, a arguida nulidade.

6.2 Do alegado erro de julgamento imputado à decisão sindicada
Alega a recorrente que a sentença do tribunal tributário do TAF do Porto de 29.04.2014 que se julgou incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos autos, considerando competente para o efeito o tribunal administrativo, incorre em vício de violação de lei, nomeadamente dos arts. 212.º da CRP, os artigos 1.º/1, 4.º e 49.º/1/a/i) do ETAF, o artigo 3.º, n.º 1, a) da LGT, os artigos 96.º e 97.º/1/a) e o artigo 3.º do DL n.º 84/2007, de 29.03.
Como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, esta questão foi já apreciada por este Supremo Tribunal nos acórdãos proferidos em 25.03.2015, no recurso 10/15 e em 23/10/2013, no recurso nº 0641/13, processos em que, entre as mesmas partes, se controvertia matéria em tudo idêntica à dos presentes autos, até nos pressupostos de facto.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por concordarmos com a respectiva fundamentação e por não serem aportados novos argumentos relevantes, pelo que, para obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do Código Civil e 148º, nº 1 do CPTA), nos limitaremos a reproduzir o que sobre tal matéria se disse nos referidos arestos, no entendimento de que também os aqui controvertidos actos de fixação de encargos com pensões de aposentação e sobrevivência, não revestem natureza tributária, antes constituem actos administrativos de imputação de encargos por parte da CGA, enquanto entidade pública dotada de poderes de autoridade, no exercício da função administrativa, no âmbito do DL nº 141/79, de 22/5.
Como ficou dito no citado acórdão 10/15 «a recorrente refere (no nº 1 da petição inicial) que “pretende ver apreciada a legalidade do acto praticado pela Caixa Geral de Aposentações que fixou e lhe impôs o pagamento de determinada quantia, a título de encargos com pensões de aposentação e de sobrevivência…” decorrendo dos demais artigos da PI que a questão controvertida se reconduz à da legalidade ou ilegalidade da repartição de encargos prevista no DL nº 141/79 (segundo o qual passou a estar inscrito na Caixa Geral de Aposentações o pessoal ao serviço dos organismos de coordenação económica e de várias outras entidades ali indicadas, com os encargos com as pensões complementares de reforma atribuídas por força dessa inscrição a serem suportados pelos serviços em que o pessoal tenha sido integrado ou por outras entidades públicas), alegando a recorrente que perante a lei não pode ser considerada responsável pelos encargos de sobrevivência e aposentação. Ora, atendendo ao teor do pedido formulado pela recorrente e como se exarou no citado acórdão do STA, «embora aparentemente pareça que estamos perante liquidações de receitas parafiscais (à semelhança do que sucede com as contribuições para a Segurança Social), entendemos que não é essa a situação dos autos. Na verdade, no caso dos autos, a CGA exercendo uma função administrativa e dotada de poderes de autoridade, praticou atos administrativos de concessão de pensões de aposentação e de sobrevivência e considerou a recorrente responsável por pensões complementares ao abrigo do diploma acima citado.
Sendo assim, não estamos perante meros atos de liquidação de receitas parafiscais, antes perante liquidações decorrentes de atos administrativos. E são estes que devem ser atacados. É certo que a fixação da pensão em si, é matéria alheia à recorrente. Já assim não é (são), todavia, o(s) ato(s) administrativo(s) praticado (s) pela CGA, que ao abrigo do DL nº 171/79, de 22 de maio, imputa (m) à mesma a responsabilidade pelas pensões complementares. Deste modo, estabeleceu-se entre a recorrente e a recorrida uma relação jurídico administrativa, tal como delineado no acórdão acima transcrito e para cujo diferendo são competentes os tribunais administrativos.»
Em suma, a apreciação da legalidade dos encargos em causa nos autos cabe ao tribunal administrativo, improcedendo, portanto, as demais conclusões das alegações da recorrente.»

Do exposto se conclui que a CGA exerce uma função administrativa, dotada dos devidos poderes de autoridade, na fixação de pensões de aposentação e sobrevivência.
E se nessa função praticou actos administrativos considerando a recorrente responsável por pensões complementares ao abrigo do DL nº 141/79, de 22/5, e a notificou para proceder aos pagamentos que se vão vencendo, é o tribunal administrativo o competente para conhecer da legalidade ou ilegalidade de tais actos e não o tribunal tributário através do meio processual da impugnação judicial, uma vez que não estamos aqui perante mera liquidação de receitas parafiscais, antes perante actos administrativos dos quais resultam os valores a pagar.

É esta a jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera, já que se entende que a respectiva fundamentação é inteiramente transponível para o caso dos autos, pelo que, com base nessa mesma fundamentação jurídica, se conclui que o recurso não merece provimento.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 20 de Maio de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca CarvalhoIsabel Marques da Silva