Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0532/12
Data do Acordão:06/20/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
QUESTÃO DE FACTO
AVALIAÇÃO
MATÉRIA COLECTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:Se nas conclusões das alegações de recurso são vertidos factos que não foram levados ao probatório e dos quais a recorrente pretende retirar ilações jurídicas é competente para conhecer do recurso o Tribunal Central Administrativo e não o Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P14327
Nº do Documento:SA2201206200532
Data de Entrada:05/15/2012
Recorrente:A... E B...
Recorrido 1:DIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A…… e B……, com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 9 de Março de 2012, na parte em que julgou improcedente o recurso por eles interposto contra a decisão do Director de Finanças de Coimbra, datada de 14 de Abril de 2011, que, ao abrigo dos artigos 89.º-A, n.ºs 7 e 8 da Lei Geral Tributária (LGT) e 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), fixou o seu rendimento colectável por métodos indirectos para efeitos de IRS dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 no valor global de € 1.761.860.76.
Os recorrentes concluem as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
a) A sentença recorrida procedeu a uma errada subsunção nas normas legais dos art.ºs 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, de quadro de facto antes não julgado como estando provado,
b) e isto porque entendeu que, ao dar como provados o projecto de relatório da inspecção tributária, o relatório final da inspecção tributária, estes da Direcção de Finanças de Aveiro, e a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método do art.º 89.º-A, n.º 5, da Direcção de Finanças de Coimbra, e os respectivos conteúdos, a existência dos factos e rendimentos referidos nestes elementos administrativos se tinham igualmente por fixados sem necessidade de formação de um juízo probatório sobre eles;
b) (sic) A suscitação, na pendência do recurso contencioso, da ilegalidade da obtenção, no processo de inquérito criminal, das certidões com base nas quais se instaurou o procedimento administrativo de liquidação do IRS, não corresponde à formulação de um pedido de recurso contencioso, mas antes ao exercício do contraditório sobre a legalidade das provas apreciandas pelo tribunal fiscal;
c) A obtenção de certidões do processo de inquérito criminal, sem a autorização do Ministério Público ou do Juiz de instrução, corresponde a uma violação do disposto no art.º 89.º do CPP e inquina a prova de ilegalidade;
d) A ilegalidade da obtenção da prova, no processo fiscal, em que as provas se regem pela lei geral dos art.ºs 341.º a 391.º do CC., retira-lhes valor probatório;
e) A competência de investigação criminal, que a lei presume delegada no Director de Finanças (art. 41.º, n.º 1, alínea b), do RGIT), não se estende também à competência para o exercício das demais competências legais do Ministério Público ou do Juiz de Instrução;
f) Ao tempo dos factos tributários de 2005 a 2008, inclusive, a alínea f) do art.º 87.º da LGT, aditada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, dispunha do seguinte modo: “Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”;
g) Perante os termos verbais, a ratio e a teleologia do art.º 18.º, n.º 3, da LGT, e 13.º, n.º 2, do CIRS, os sujeitos passivos do IRS, no caso de existir agregado familiar, são as pessoas a quem incumbe a sua direcção, e essas pessoas, no caso de agregado familiar constituído por cônjuges, são, actualmente, perante o disposto no art.º 1671.º, n.º 2, do Código Civil, marido e mulher;
h) Ao impor a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar, o art.º 13.º, n.º 2 do CIRS, ou qualquer outra norma do sistema, não prescreve qualquer confusão entre os rendimentos brutos das pessoas que constituem o agregado familiar ou a fusão de todos esses rendimentos brutos numa nova unidade orgânico-tributária em relação à qual todos os efeitos fiscais passem depois a ser estabelecidos imediatamente, mas continua, antes, a manter-se a autonomia dos rendimentos de cada uma das pessoas do agregado familiar até à fase do englobamento, nomeadamente, para efeitos das deduções específicas sobre cada um desses rendimentos e seus diversos tipos, mesmo que estes sejam da categoria G;
i) Se o art.º 87.º, alínea f), da LGT fala de “acréscimo patrimonial evidenciado pelo sujeito passivo” e se os rendimentos, incluindo os advindos de incrementos patrimoniais, são imputados ao agregado familiar como rendimentos próprios de que os cônjuges sejam, pessoal ou conjuntamente, titulares apenas para englobamento e depois das deduções específicas, não tem a mínima justificação racional dar ao acréscimo patrimonial a que alude o artigo 87.º, alínea f), da LGT um sentido diferente, imputando-o logo ao agregado familiar, sem primeiro o imputar como rendimentos próprios de cada um dos membros da sociedade familiar;
j) As normas do art. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT não são normas definidoras da titularidade de rendimentos fiscais ou normas de incidência tributária, mas sim normas de avaliação (indirecta) da matéria tributável, sendo que esta se exprime em elementos positivos e negativos;
l) A interpretação do art.º 87.º, alínea f), da LGT, conforme com os valores constitucionais de não discriminação negativa da família, consagrados nos art.ºs 67.º, n.º 2, alínea f), e 104.º, nº1; da igualdade, prescrito no art.º 13.º (basta pensar na existência de rendimentos diferentes dentro do agregado e iguais fora do agregado familiar) e da limitação das em face da regra constante do art.º 18.º, n.º 2, da CRP, de limitação das leis restritivas de direitos constitucionais, como são os da protecção da família, apenas ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionais, como é o direito do Estado a arrecadar as receitas fiscais necessárias para satisfazer as suas necessidades financeiras (art.º 103, n.º 1) – limitação essa prescrita no art.º 18.º, n.º 2-, todos os preceitos da CRP, é aquela segundo a qual o apuramento das situações que cabem no preceito se deve fazer em relação a cada um dos cônjuges, no caso de agregado familiar;
k) (sic) Esta interpretação é, ainda, demandada pelo facto de a não declaração de rendimentos, tributados a coberto dos preceitos dos art.ºs 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, ser susceptível de constituir o crime de fraude fiscal, previsto e punido no art.º 103.º do regime Geral das Infracções Tributárias, e de este não poder ser imputado, directamente, à unidade orgânico-fiscal do agregado familiar, mas às pessoas que tenham a sua direcção.
m) O uso, pela LGT, de um instrumento jurídico-fiscal, como é o previsto no art.º 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, que tenha como resultado, poder imputar-se, directa e imediatamente, a cada um dos dois cônjuges, ou a quem tiver a direcção conjunta do agregado familiar, o rendimento bruto indistinto apurado em relação ao agregado familiar, advindo de tais acréscimos patrimoniais não justificados, é, chocantemente, desproporcionado e ilegítimo constitucionalmente, em face da regra constante do art.º 18.º, n.º 2, da CRP, de limitação das leis restritivas de direitos constitucionais, como são os da protecção da família, ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionais, e da possibilidade de ambos os cônjuges poderem ser directamente constituídos como arguidos do crime de burla p. p. pelo art.º 103.º do RGIT;
n) A exigência constante do art.º 9.º do C. Civil, adquirida também para o direito fiscal, por mor da regra constante do art.º 11.º da LGT, de que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, tem de ser entendida, no domínio do direito definidor de tipos legais, como é o direito fiscal que se prende com os elementos essenciais dos impostos (art.ºs 103.º, n.ºs 2 e 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), como sendo aquele sentido que pode ser captado pelo cidadão medianamente diligente, sensato e avisado, e esse sentido do art.º 87.º, alínea f), da LGT não é o de que o apuramento das situações que cabem no preceito se faça em relação ao agregado familiar, mas em relação a cada um dos cônjuges;
o) A disposição do art.º 87.º, alínea f), da LGT, na versão introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, não deve ser interpretada de forma diferente no tocante à questão analisada nas conclusões antecedentes;
p) Ao falar da “diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”, como sendo o “rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G”, a fixar pela administração tributária, no caso da alínea f) do art.º 87.º da LGT, o n.º 5 do art.º 89.º-A, da mesma LGT, entende, como não pode deixar de ser, a diferença entre o acréscimo de património acima do valor de um terço (cuja margem é tida como por justificada) e os rendimentos declarados no mesmo período de tributação);
q) Se a lei irreleva a diferença que seja inferior a um terço existente entre os rendimentos evidenciados pelo sujeito passivo, no período de tributação, e os declarados, por razões de segurança jurídica de obtenção da justiça fiscal relativa a uma presunção de existência de rendimentos, não pode, sob pena de incongruência, vir, depois, a tomar esse terço como rendimento não justificado e incluí-lo na determinação do rendimento tributável;
r) Interpretação contrária é fiscalmente injusta e atentatória do princípio da proporcionalidade a que a lei fiscal está sujeita, nos termos do art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, decorrente do facto de constituir uma restrição desproporcionada ao direito fundamental de propriedade dos contribuintes e não necessária para salvaguardar o direito fundamental do Estado à arrecadação das receitas fiscais;
s) A procedência do recurso contencioso, quanto à falta de fundamentação e ao erro nos pressupostos de facto relativos à taxa de câmbio, apenas pode implicar a anulação da decisão administrativa inquinada, por o contencioso ser de mera anulação, não podendo o tribunal fiscal definir como deve ser renovado o acto, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no art.º 111.º da CRP (cf. Acórdão do STA, de 1/6/2011, Rec. 058/11, in www.dgsi.pt-Acórdãos do Supremo tribunal administrativo);
t) o n.º 3 do art.º 60.º é materialmente inconstitucional, por afectar o conteúdo essencial do direito de audiência, constitucionalmente garantido pelo art.º 267.º, n.º 5, da C.R.P. e concretizado nos art.ºs 8.º e 100.º a 103.º C.P.A., quando interpretado no sentido de que, não se estando perante uma decisão administrativa totalmente favorável ao interessado, admite a prolação da decisão administrativa sem que este tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre quaisquer questões de direito apreciadas na decisão ou haja realização de diligências que produzam prova sobre factos que lhe possam aproveitar e sobre os quais não tenha podido pronunciar-se;
u) A circunstância de o lapso ter sido explicitado no relatório final da inspecção, sob a forma estilística de um “EM TEMPO”, não faz com que essa explicitação se possa também ter como efectuada ao anterior Projecto de Relatório, apenas do qual foram os recorrentes notificados;
v) A correcção efectuada pela administração, a coberto de tal “EM TEMPO”, não tem a natureza ou qualificação de um simples “lapso”, violando o direito de audição estabelecido no art.º 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, pois o juízo da sentença só é possível porque efectua antecipação quanto à definição de efeitos no que importa à situação de facto e de direito que pode emergir de todos os factos, incluindo dessa parte dos factos;
y) (sic) Não é irrelevante que o Projecto de Relatório, sobre o qual foram os recorrentes ouvidos, tenha incluído ou não essa explicitação, quer do ponto de vista factual, quer jurídico;
w) O facto de os recorrentes conhecerem a existência do rendimento, a que alude esse “EM TEMPO”, não autoriza a sentença a ponderar que os recorrentes tinham de necessariamente pressupor que eles haviam sido tomados como tal, como rendimentos da categoria A, e não como rendimentos da categoria G;
x) Enquanto pressupostos de facto da decisão administrativa, os elementos desse “EM TEMPO” careciam de ser evidenciados, nos seus precisos termos, até porque o contribuinte não pode adivinhar se os factos que conhece pessoalmente e que não são assumidos como tais pela administração fiscal são ou não fundamento de facto da decisão administrativa;
z) Tendo-se a sentença recorrida decidido pela ilegalidade da determinação da matéria tributável dos anos de 2005 e 2006 segundo os rendimentos líquidos declarados, a procedência do recurso contencioso, apenas pode implicar a anulação da decisão administrativa inquinada, por o contencioso ser de mera anulação, não podendo o tribunal fiscal definir como deve ser renovado o acto, pois não é um órgão da administração activa dos impostos, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no art. 111.º da CRP;
aa) Ao contrário do decidido, mesmo perante os dados de facto constantes da decisão de avaliação impugnada, relativos ao ano de 2005, sempre essa situação de facto não cabe na previsão da alínea f) do art. 87.º da LGT.
Termos em que – e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, com o qual sempre se conta – deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional, revogada a decisão recorrida e anulada a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante dos arts. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, aqui impugnada, com todas as legais consequências.

2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos termos seguintes:
A. Em sede de alegações, em primeira instância, os Recorrentes vieram alegar que as provas documentais carreadas ao processo não o poderiam ter sido, porquanto dos autos de que foram extraídos se encontravam abrangidos pelo segredo de justiça.
B. É na petição que os Recorrentes tinham de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o seu pedido, é nesse preciso âmbito que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e delineado o pedido que daquela decorre, salvo se os mesmos factos forem supervenientes ou de conhecimento oficioso.
C. Assim sendo, a ulterior invocação de um eventual vício só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismo previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação do pedido/causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT).
D. Não se verificando a possibilidade de ampliação prevista no artigo 273.º, do CPC, não pode a pretensão dos Recorrentes proceder, conforme bem decidiu o douto Tribunal a quo – vide, no mesmo sentido o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado no Processo: 0761/09 a 25-11-2009.
E. Os Recorrentes pugnam que o acréscimo patrimonial não justificado não se coaduna com o conceito de sujeito passivo e agregado familiar, concluindo que “não são os rendimentos do agregado familiar qua tale que são determinados indirectamente, mas sim os rendimentos de cada um dos sujeitos passivos que compõem esse agregado”
F. Contudo, conforme determina o artigo 13.º, n.º6, do CIRS: «As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais do que um agregado familiar nem integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos.»
G. O douto Tribunal a quo concluiu, em linha aliás com a melhor jurisprudência, como é o citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00470/05.05.0BEBRG, a 13 de Novembro de 2008, que: «(…) os pressupostos do facto tributário devem ter-se por preenchidos em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos e para os efeitos do art. 21.º, n.º 1, da LGT».
H. Também no que respeita à falta de fundamentação da taxa de câmbio, bem andou o douto Tribunal a quo quando, não tendo os Recorrentes justificado a origem – também – daqueles valores, decidiu o seguinte: «A recorrida, na contestação, veio reconhecer lapso aritmético, pois a fixação do valor dos 4.013,00 dólares (moeda sem curso legal em Portugal), foi efectuada através da taxa de Câmbio de 1,3197 – conforme consta do site do Banco de Portugal – cfr. artigo 23.º, n.º 1, al. b), do CIRS. Sendo que essa taxa refere-se ao câmbio de euros em dólares e não ao câmbio de dólares em euros, como por lapso se indicou. Assim, pelo exposto tendo vindo a AT a reconhecer o lapso aritmético quanto á conversão dos 4.013,00 dólares apreendidos na residência dos recorrentes, determina-se a anulação parcial quanto à quantificação apurada, relativa ao exercício de 2009, devendo ser corrigido o valor, pela aplicação da taxa correta, reduzindo assim o montante do incremento patrimonial relativo ao referido exercício.»
I. O acto tributário é por definição e natureza um acto divisível, pelo que, no que respeita à condenação na aplicação da taxa correcta, a mesma decorre da lei – vide artigo 23.º do CIRS -, ao que acresce ainda referir que o douto Tribunal a quo não desonerou a administração fiscal da sua concretização, não se substituindo à mesma, em respeito, portanto, do propalado princípio da separação de poderes.
J. Na mesma linha de argumentação prosseguem os Recorrentes ao pugnarem pela anulação integral das liquidações de IRS referentes aos anos de 2005 e 2006, na medida em que relativamente a esses, a douta decisão do Tribunal a quo foi a de anular parcialmente as correcções à matéria tributável fixada, considerando-se o valor do rendimento bruto declarado.
K. Carecem, todavia, os recorrentes de razão, primeiro, porque desconhecem a figura da anulação parcial, sendo que, como se demonstrou supra, é doutrina e jurisprudência comummente aceite que a liquidação é um acto divisível e, portanto, susceptível de anulação parcial;
L. Segundo, porque confundem os Recorrentes uma anulação parcial decorrente duma mera operação aritmética (a diferença a imputar como incremento patrimonial deixou de ser o rendimento liquido para ser o rendimento bruto, ou “declarado”), com um juízo estritamente administrativo subtraído ao poder judicial, face ao princípio da separação de poderes.
M. Se assim fosse, então muito menos seriam susceptíveis de anulação as determinações de matéria tributável em obediência, por exemplo, ao disposto no artigo 89.º-A, n.º 4, da LGT, mas em que existem justificações parciais dos incrementos patrimoniais, como, comummente, são.
N. A divergência não justificada é aferida não a partir do incremento patrimonial não justificado, mas sim do rendimento declarado, como é, claramente perceptível da redacção em vigor à data dos factos do artigo 87.º, al. f), da LGT: «Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terlo entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.»
O. Assim, considerando (bem) os rendimentos brutos declarados – quanto ao ano de 2005 – num total de 97.250,74€, existirá susceptibilidade de aplicação daquela disposição a partir do momento em que o sujeito passivo apresente incrementos patrimoniais superiores a 129.667,65€ (97.250,74€ acrescidos de um terço desse valor).
P. Disto mesmo, deu conta ao Recorrente a douta decisão ora recorrida, em termos que não podem, pois, merecer qualquer reparo.
Q. Alegam os Recorrentes que o seu direito de audição – que não exerceram – não correspondeu a um efectivo exercício de audiência prévia por, no Relatório Final, terem sido aduzidos novos factos sobre os quais não teve oportunidade de se pronunciar.
R. Contudo, tais “factos novos”, decorrem de um lapso, explicado no próprio Relatório Final de Inspecção, onde se pode ler: «No quadro constante da página 12 do relatório, por lapso foi mencionado como rendimento da categoria G, no exercício de 2009. O montante de € 22.000,00. No entanto, este montante respeita a rendimentos da categoria A e não a rendimentos da categoria G. tal inexactidão não interfere com o total de rendimentos declarados no exercício de 2009, conforme se demonstra no quadro seguinte (…)«, onde tal facto se ilustra.
S. Não interferindo nem com o total de rendimentos declarados no exercício de 2009 – como se disse-, nem com a determinação da matéria tributável…
T. E se tal não bastasse, os alegados “factos novos” são elementos que constam da declaração de IRS dos próprios Recorrentes!
U. Não decorre da douta sentença recorrida qualquer dúvida relativamente aos factos provados.
V. Mais, resulta de forma clara da douta decisão recorrida quais os factos não provados.
W. Considerações por de mais evidentes não só no elencar da matéria de facto dada como provada e não provada, como da motivação subjacente a tal julgamento.
X. Por assim ser, não padece a douta sentença recorrida de qualquer dos vícios que lhe são assacados, correspondendo isso sim a uma correcta e justa aplicação do Direito aos factos.
Nestes termos, e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas: Deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão do Director de Finanças de Coimbra que determinou a avaliação indirecta da matéria colectável de IRS aos r, nos termos decididos pelo douto Tribunal a quo assim se fazendo a acostumada Justiça,

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 1218/1219, no qual suscitou a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso, porquanto «(…) o recorrente, como fundamento da sua pretensão, além do mais, invoca nas conclusões a) e b) que a sentença recorrida fez uma errada subsunção nas normas dos artigos 87.º/1/f) e 89.º-A/5, da LGT, de quadro de facto que não está provado, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida e isto porque o tribunal recorrido ao dar como provados os projectos de RIT, o RIT e a decisão do Director de Finanças de Coimbra, e os respectivos conteúdos deu como provada a existência de factos dos factos e rendimentos referidos nesses elementos produzidos pela AT. Ou seja, o recorrente sustenta que os factos e rendimentos constantes dos referidos documentos administrativos não se mostram provados, ao contrário da posição assumida pela sentença recorrida. Por outro lado, os recorrentes alegam que o procedimento administrativo de liquidação do IRS teve na sua génese certidões extraídas de inquérito criminal sem autorização do MP ou do Juiz de Instrução, factualidade essa que não tem suporte na decisão recorrida e da qual os recorrentes pretendem extrair consequências jurídicas, a saber, que não têm valor probatório. (…)»

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 1220 a 1222), vieram os recorrentes responder nos termos de fls. 1223 a 1225, concluindo que deve julgar-se improcedente a questão prévia suscitada pelo MP.


Com dispensa dos vistos, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à Conferência.
- Fundamentação -
5 – Questões a decidir
Importa primariamente decidir da questão prévia da suscitada pelo Ministério Público – da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso.
Improcedendo a excepção de incompetência, haverá então que conhecer do mérito do recurso.


6 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 22/07/2010, foi elaborada informação pela Direção de Finanças de Aveiro, na qual se solicitou à Direção de Finanças de Coimbra autorização para elaboração de atos de inspeção aos Impugnantes; (fls. 322 a 336 dos autos)
2. A informação foi determinada em consequência, das ações inspetivas às empresas "C……, S.A.", NIF …., "D……, S.A." NIF …. e "E……, S.A." NIF …." que culminaram na abertura de Processo de Inquérito, n.º 93/08.2IDAVR (fls. 322 a 336 dos autos);
3. Em 30/03/2009, no âmbito do referido Processo de Inquérito procedeu-se ao Mandado de busca e apreensão, quer nas referidas empresas, quer na residência dos recorrentes, tendo sido apreendidos na residência destes, entre outros, documentos bancários de contas particulares, dólares e dinheiro. (fls. 322 a 336 dos autos);
4. Os recorrentes eram à data dos actos administradores comuns às três empresas: C……., S.A., D……., S.A. e E……., S.A.". (fls. 322 a 336 dos autos);
5. Em 18/03/2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Aveiro elaboraram o projeto de relatório de inspeção tributária de que se junta cópia certiticada de fls. 43 a 57 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde, além do mais, consta o seguinte:
«DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO
Em sede de Imposto S/ Rendimento Pessoas Singulares ………….€ 1.761.890,76
Em sede de Imposto S/ Rendimento Pessoas Singulares ………….€ 1.761.890,76
Exercício de 2005 …………………………………………………….106.328,28
PONTO DO RELATÓRIO RESUMO DA INFRAÇÃO ARTIGO(S) INFRINGIDO MONTANTE
IV e V
Falta de englobamento dos rendimentos
Artigo 22.º CIRS
€106.328,28
Exercício de 2006 …………………………………………………….410.576,17
PONTO DO RELATÓRIO RESUMO DA INFRAÇÃO ARTIGO(S) INFRINGIDO MONTANTE
IV e V
Falta de englobamento
dos rendimentos
Artigo 22.º CIRS
410.576,17
Exercício de 2007 …………………………………………………….870.285,96
PONTO DO RELATÓRIO RESUMO DA INFRAÇÃO ARTIGO(S) INFRINGIDO MONTANTE
IV e V
Falta de englobamento
dos rendimentos
Artigo 22.º CIRS
870.285,96
Exercício de 2008 …………………………………………………….266.258,62
PONTO DO RELATÓRIO RESUMO DA INFRAÇÃO ARTIGO(S) INFRINGIDO MONTANTE
IV e V
Falta de englobamento
dos rendimentos
Artigo 22.º CIRS
266.258,62
Exercício de 2009 …………………………………………………….€108.441,73
PONTO DO RELATÓRIO RESUMO DA INFRAÇÃO ARTIGO(S) INFRINGIDO MONTANTE
IV e V
Falta de englobamento
dos rendimentos
Artigo 22.º CIRS
108.441,73

(…)
IV.6
Ora no caso em apreço verificamos que, se por um lado:
O valor correspondente aos depósitos efectuados, que integram os saldos das contas bancárias, cujos titulares são o casal (B…… e A…….), ascendem o €193.880,60 (2005); €501.086,60(2006); €963.320,00(2007); €359.872,26 (2008) e € 93.561,94 (2009).

Os montantes apreendidos na residência dos sujeitos passivos em 2009, ascendem a € 257.755,96.
Por outro lado:
Os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e cônjuge, cingiram-se às importâncias de € 87.552,32 (2005), €90.510,43(2006), €93.034,04 (2007) , €93.673,64(2008) e €242.876 não comportam, em cada ano, o referido acréscimo patrimonial.


Art. 87.º alínea f) LGT
2005
2006
2007
2008
2009
Totais
Depósitos
numerário e cheques
(1)
193.880,60
501.086,60
963.320,00
359.872,26
93.561,44
2111.721,40
Dinheiro
apreendido
residência
(2)257.755,96
257.755,96
Total(3)=(1)+(2)
193.880,60
501.086,60
963.320,00
359.872,26
351.317,90
2.369.477,36
Ren. Líquidos Declarados (4)
87.552,32
90.510,43
93.034,04
93.613,64
242.876,17
2.627.233,32

Questionados os sujeitos passivos, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 89.ºA- da LGT, sobre a origem daqueles rendimentos, não foi prestado, até à data, qualquer esclarecimento e/ou justificação, pelo que os valores em causa, passam a constituir rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, integrando o seu património.

Assim, face à divergências não justificados quando comparadas com os rendimentos declarados estão reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, previstos na alíneas f) do artigo 87.º da LGT, a fim destes Serviços determinarem o rendimento tributável do sujeito passivo em apreço para os anos de 2005 a 2009, conforme se apura no capítulo seguinte.

Estes incrementos patrimoniais não justificados e determinados nos termo do art.º 87.º e 89.º-A da LGT, constituem rendimentos da categoria G, de acordo com o descrito na alínea d) do n.º 3 do artigo 9.º do CIRS.

V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS (...)
V. 1. 1 Exercício de 2005, 2006, 2007 e 2008
Nos termos da alínea f) do artigo 87.º da LGT, redacção anterior à Lei n.º 94/2009 de 1 Setembro, a avaliação indirecta pode efectuar-se no caso de “(…) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação."
Assim existindo pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, propomos os seguintes incrementos patrimoniais a tributar, conforme quadro anexo:

Alínea a) do n.º5 do Art. 89.º-A da LGT
2005
2006
2007
2008
Depósitos
numerário e cheques
(1)193.880,60501.086,60963.320,00359.872,26
Ren. Líquidos Declarados (2)87.552,3290.510,4393.034,0493.613,64
Incremento patrimonial a tributar(3)=(1)-(2)106.328,28410.576,17870.285,96266.258,62

V. 1.2 Exercício de 2009

Relativamente ao exercício de 2009, a alínea f) do art.º 87 da LGT, com a redacção dada pela Lei n.º 94/2009 de /09, dispõe que a avaliação indirecta pode efectuar-se em caso de "(…) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificado com os rendimentos declarados", pelo que neste exercício propomos o seguinte incremento a tributar, conforme quadro abaixo:

Alínea a) do n.º5 do Art. 89.º-A da LGT2009
Depósitos
numerário e cheques
(1)93.561,94
Dinheiro apreendido residência

Total
(2)



(3)=(1)+(2)
257.755,96



351.317,90
Ren. Líquidos Declarados(4)242.876,17
Incremento patrimonial a tributar (5=3-4)108.441,73

(…)»

6. Os recorrentes foram notificados na pessoa do seu mandatário Dr. F……., por carta registada, datada de 21/03/2011 do projeto de decisão para efeitos de direito de audição, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (fls 42 dos autos);
7. Em 04/04/2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Aveiro elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária que mereceu provimento superior do Diretor de Finanças de Coimbra, conforme documento de fls. 322 a 336 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde, consta que o descrito e proposto no projeto de relatório e ainda o seguinte:
«(…)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Através do ofício n.º 8403367 do dia 21 de Março de 2011, notificamos o mandatário de B…… e A……., por carta registada, ( ... ), para no prazo de 15 dias exercer, querendo, o Direito de Audição, sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção( ... ).

No dia 25 de Março, deu entrada nesta direcção de Finanças, uma carta proveniente do mandatário dos sujeitos passivos, comunicando que prescindem do direito de audição e que requerem o prosseguimento do procedimento, pelo que mantêm na integra as correcções constantes no Projecto de Relatório.

Em tempo:
No quadro constante da pag. 12 do relatório, por lapso foi mencionado como rendimento da categoria G, do exercício de 2009, o montante de €22.000,00. No entanto, este montante respeita a rendimentos da categoria A e não a rendimentos da categoria G. Tal inexactidão não interfere com o total dos rendimentos declarados no exercício de 2009, conforme se demonstra no quadro seguinte que se apresenta devidamente rectificado:

Evolução Rendimentos declarados pelo agregado familiar (casal)
A…… e B……
Exercícios
2005
2006
2007
2008
2009
Mod ..
Cat.A
96.984.20
100.567.20
103.371.14
104.015.14
222.091,01
Cat. E
266.54
Cat.B
40.618,74
Total
Rendimento
Bruto
97.250,74
100.567,20
103.371, 14
104.015,14
262.709,75

(…)»
8. Os recorrentes não exerceram o direito de audição prévia;
9. Em 11/04/2011, o Sr. Diretor de Finanças de Coimbra, lavrou decisão final, para cada um dos anos (2005, 2006, 2007, 2008 e 2009) nos termos que constam de fls. 322 a 336, aqui também dado por reproduzido.

10. Os recorrentes foram notificados na pessoa do seu mandatário Dr. F……, por carta registada, datada de 11/04/2011, do Relatório de Inspeção Tributária, que consta de fls 316 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzindo:
11. Nesta sequência foram fixado o conjunto de rendimentos líquidos, por métodos indiretos, nos termos previstos nos artigos 87.º e 89.º-A, ambos da LGT e do artigo 65.º do CIRS, no(s) seguinte(s) exercício(s):
Ano
Rendimentos Liquido Fixado
2005
€193.880,60
2006
€501.086,60
2007
€963.320,00
2008
€359.872,26
2009
€351.317,90.


12. Os recorrentes foram emigrantes em França;
13. Nas declarações, modelo 3 de IRS, os sujeitos passivos, no exercício de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 declaram, na categoria A, B e F, os rendimento declarados de € 87.552,32, € 90.570,43, € 93.673,64 e € 242.876,77 respetivamente (fls. 43 a 57 dos autos):
14. O presente recurso deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 20/04/2011 (fls. 1 dos presentes autos).

2.2 FACTOS NÃO PROVADOS
A proveniência do acréscimo patrimonial, relativamente aos anos de 2005 a 2009, detetado pela Administração Fiscal, nas contas bancárias e montantes aprendidos na residência recorrentes.



7 – Apreciando.
7.1 Questão prévia: Da incompetência deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso
No seu parecer junto aos autos suscita o Ministério Público a excepção de incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso, pois que a sua competência é restrita à matéria de Direito (artigos 26.º alínea b) e 30.º, alínea a) do ETAF e 280.º n.º 1 do CPPT) e os recorrentes, como fundamento da sua pretensão, além do mais, invocam nas conclusões a) e b) que a sentença recorrida fez uma errada subsunção nas normas dos artigos 87.º/1/f) e 89.º-A/5, da LGT, de quadro de facto que não está provado, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida e isto porque o tribunal recorrido ao dar como provados os projectos de RIT, o RIT e a decisão do Director de Finanças de Coimbra, e os respectivos conteúdos deu como provada a existência de factos dos factos e rendimentos referidos nesses elementos produzidos pela AT, para além de que alegam que o procedimento administrativo de liquidação do IRS teve na sua génese certidões extraídas de inquérito criminal sem autorização do MP ou do Juiz de Instrução, factualidade essa que não tem suporte na decisão recorrida e da qual os recorrentes pretendem extrair consequências jurídicas, a saber, que não têm valor probatório.
Notificados do parecer do Ministério Público vieram os recorrentes defender a improcedência da questão prévia suscitada, afirmando que o que os recorrentes questionam é, pura e simplesmente, ou a correcção jurídica do juízo de aplicação do direito que a decisão recorrida levou a cabo, relativamente a cada uma das questões sobre os factos constantes da sua fundamentação de facto, ou a correcção jurídica do juízo de determinação da lei aplicável a cada uma das questões, ou a validade constitucional da lei aplicada ou aplicável (…), concretizando que (…) o que se discute, no recurso jurisdicional, é a correcção da decisão recorrida em não conhecer da questão da ilegalidade das provas no procedimento administrativo, que lhe foi colocada, depois da instauração do processo, por considerar essa questão como consubstanciando em pedido da acção ou do recurso (…) e que (…) não é verdade que os recorrentes, como fundamento da sua preensão (sic), “invoquem nas conclusões a) e b) que a sentença recorrida fez uma errada subsunção nas normas dos artigos 87.º/1/f) e 89.º-A/5, da LGT, de quadro de facto que não está provado, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida e isto porque o tribunal recorrido ao dar como provados os projectos de RIT, o RIT e a decisão do Director de Finanças de Coimbra, e os respectivos conteúdos deu como provada a existência de factos dos factos e rendimentos referidos nesses elementos produzidos pela AT”, pois que (…) o que aí se diz é tão só que a fundamentação da sentença recorrida, de dar como provados os projectos de RIT, o RIT e a decisão do Director de Finanças de Coimbra, e os respectivos conteúdos, não se equivale a um juízo probatório de dar como provada a existência dos factos e rendimentos referidos nesses elementos produzidos pela AT.
Vejamos, pois.
Como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Por essa razão, o artigo 280.º, n.º 1 do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo (TCA), salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Assim, para aferir da competência, em razão da hierarquia do STA, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo - cf. os arts. 684.°, n.º 3, e 690.°, n.º 1 e 3, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto - seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa (cfr. o Ac. deste Tribunal de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 201/10).
Ora, a alegação dos recorrentes sintetizada nas a) e b) das conclusões das suas alegações de recurso – de que a sentença recorrida procedeu a uma errada subsunção nas normas legais dos art.ºs 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, de quadro de facto antes não julgado como estando provado, e isto porque entendeu que, ao dar como provados o projecto de relatório da inspecção tributária, o relatório final da inspecção tributária, estes da direcção de Finanças de Aveiro, e a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método do art.º 89.º-A, n.º 5, da Direcção de Finanças de Coimbra, e os respectivos conteúdos, a existência dos factos e rendimentos referidos nestes elementos administrativos se tinham igualmente por fixados sem necessidade de formação de um juízo probatório sobre eles - implica a necessidade de dirimir “questões de facto”, porque se defende, a final, que os factos levados ao probatório não estão provados (cfr. o Ac. deste Tribunal de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 201/10), o que tem por efeito a incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso.
Também na conclusão c) das alegações de recurso se invocam factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da questão da causa, pois que os recorrentes dão como implicitamente assente que foram obtidas certidões do processo de inquérito criminal sem autorização do Ministério Público ou do Juiz de Instrução e tal facto, sem qualquer correspondência no probatório fixado, pode, em abstracto, relevar para o julgamento da questão da tempestividade da alegação feita em primeira instância – e aí não conhecida – da ilegalidade das provas utilizadas no procedimento administrativo porque alegadamente obtidas com violação do segredo de justiça.
O facto de em causa no recurso serem igualmente colocadas questões “de direito”, não obsta à incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecimento do recurso, pois que, como se disse no Acórdão deste Tribunal de 9 de Setembro de 2009 (rec. n.º 558/09), se o recurso versar matéria de direito e matéria de facto é (este Tribunal) incompetente para dele conhecer, em razão da hierarquia, sendo antes, para tanto, competente a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo – art. 38º al. a) do novo ETAF.

Deste modo, tem de entender-se que em causa no recurso não está “matéria exclusivamente de direito”, pelo que este Supremo Tribunal é hierarquicamente incompetente para a conhecer do recurso, sendo competente para o seu conhecimento o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção de Contencioso Tributário), ex vi dos artigos 280.º, n.º 1 do CPPT e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Verifica-se, pois, excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, o que obsta ao conhecimento do mérito e dá lugar à absolvição da instância do recorrido (artigos 101.º, 494.º, alínea a) e 493.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), salvo se for oportunamente requerida a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar este Supremo Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso.

Custas do incidente pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UCs.

Lisboa, 20 de Junho de 2012. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro –Dulce Neto.