Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0101/20.9BALSB
Data do Acordão:02/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objecto decisão arbitral e sendo dirigido ao S.T.A., pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
II - O TJUE emitiu pronúncia no sentido de que o artº.17, nº.5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo "pro rata" de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (cfr.processo C-183/13, de 10/07/2014).
III - Nesta perspectiva, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artº.23, nº.2, do Código do I.V.A., o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo "pro rata" do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o seu cálculo apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
IV - Concretamente, nos termos do disposto no artº.23, nº.2, do C.I.V.A., conjugado com a alínea b), do nº.3, do mesmo preceito legal, a A. Fiscal pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no nº.1, da norma, conduza, ou possa conduzir, a distorções significativas na tributação.

(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)

Nº Convencional:JSTA000P29017
Nº do Documento:SAP202202230101/20
Data de Entrada:09/26/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.706/2019-T, datado de 2/07/2020, o qual julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pela sociedade recorrida, em consequência do que e além do mais, anulou o acto de liquidação adicional de I.V.A. e juros compensatórios, referente ao período de Dezembro de 2008 e no montante total de € 4.663.163,81.
O recorrente invoca oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., proferido em 15/11/2017, no âmbito do rec.485/17 (cfr.cópia junta a fls.181 a 195 do processo físico), transitado em julgado.
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Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.4 a 48 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
A-O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida;
B-Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro), «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»;
C-De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral»;
D-Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que: a) As situações de facto sejam substancialmente idênticas; b) Haja identidade na questão fundamental de direito; c) Se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e d) A oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas;
E-Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas;
F-Tal como refere o acórdão do STA proferido a 2010-12-07 no âmbito do processo n.º 0511/06, (1) «Para que exista oposição, não é exigível uma total identidade de factos – que muito raramente se verificará – mas, antes, que eles preencham a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal.»;
G-A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
H-Subjacente ao acórdão recorrido, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura se remete;
I-Subjacente ao Acórdão Fundamento, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura também se remete;
J-Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto;
K-Em ambos os casos, Autora e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA;
L-Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração);
M-Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2008/12 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30- 01-2009;
N-Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório;
O-No acórdão recorrido, a declaração periódica de IVA em causa para o exercício de 2008, a Recorrida incluiu no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras relativos aos contratos de locação financeira (leasing e ALD), aplicando por essa via uma percentagem de pro rata de 20%, o que se traduziu na regularização mensal a seu favor o montante adicional de € 4.094.627,58, face ao apuramento inicial do pro rata de 6%, que, seguindo as instruções do Ofício-Circulado n.º 31.308, se cifrava num montante de dedução de € 1.769.918,09;
P-No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018;
Q-Ao incluir no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras para o ano de 2010, o pro rata apurado (provisório) fixava-se em 69%;
R-Ambas imputam aos actos de liquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD;
S-Enquanto que no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, e remetendo para o decidido nos acórdãos 309/2017-T e 311/2019-T, que a referida norma da Sexta Diretiva não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fracção a totalidade da renda (juros e capital), bem como que o artigo 23.º, n.º 3 do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas por aquele artigo, no seu n.º 4, recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009;
T-Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito;
U-Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas; Aferir se a Autoridade Tributária pode impor a uma Instituição de Crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados;
V-O acórdão arbitral decidiu por remissão argumentativa ao que foi julgado nos processos 309/2017-T e 311/2019-T, cujos excertos se encontram transcritos nas alegações, para cuja leitura se remete;
W-Os fundamentos que escoram a decisão arbitral e que assentam nos processos 309/2017-T e 311/2019-T saem reforçados, quando, acerca da alegada falta de demonstração dos pressupostos necessários à actuação da Autoridade Tributária, o Tribunal arbitral decide que:
«Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP] . Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP).»;
X-Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos;
Y-No Acórdão Fundamento, conforme excertos transcritos em sede de alegações, para cuja leitura se remete, decidiu-se no sentido diametralmente oposto;
Z-Tal como é salientado nas alegações apresentadas pelo Banco recorrente no Acórdão fundamento, pontos 5), 7) e 14), o tribunal de primeira instância considerou, naquele caso, que nos termos conjugados dos artigos 23.º, n.º 2 e 3 do CIVA, a Autoridade Tributária podia aplicar o método de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, o qual não é contrário e é, em alternativa, compaginável - desde que concorra para um apuramento mais preciso do direito à dedução -, com o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA;
AA-De notar, também, que conforme é salientado no parecer emitido pelo Representante do Ministério Público, constante na redacção do Acórdão Fundamento:
«Neste contexto a interpretação das normas constantes do art. 23° n° 2 e 3 CIVA, expressa no ofício circulado n° 30103, de 23.04.2008, do gabinete do subdirector-geral da área de gestão do IVA, em conformidade com o qual o sujeito passivo procedeu à autoliquidação controvertida do IVA não enferma de ilegalidade, harmonizando-se com a interpretação do art. 17° n° 53° parágrafo al. c) Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7 maio 1977 efectuada no acórdão do TJUE (cf. designadamente, considerandos 16/19, 33 e 34).»;
BB-Enquanto que no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem, através de Ofício Circulado, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu no sentido oposto;
CC-O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, já repetida, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos;
DD-Concluiu-se no Acórdão Fundamento que essa restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009;
EE-O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014;
FF-O Acórdão Fundamento está também em linha com a mais recente jurisprudência do STA sobre a matéria, no âmbito dos processos n.º 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB;
GG-Observando a factualidade do acórdão arbitral, infere-se que o Tribunal não concluiu se a utilização dos bens e serviços de utilização mista são sobretudo determinados pela aquisição e disponibilização dos veículos, se determinados pelo financiamento e gestão dos contratos;
HH-Devê-lo-ia ter feito, através do princípio do inquisitório, poder que lhe está conferido, e considerando tanto o Acórdão Banco Mais como todos os Acórdãos produzidos pelo STA a respeito da presente matéria, que sucessivamente têm determinado a baixa dos processos para os Tribunais de primeira instância, a fim de que providenciem nova fase de instrução para a ampliação da matéria de facto, com o propósito de definir se no âmbito dos contratos de locação financeira, os custos promíscuos são incorridos sobretudo no âmbito da aquisição e disponibilização dos veículos, se no financiamento e gestão dos contratos;
II-A respeito dos inputs no seio dos contratos de locação financeira, bem aponta, no seu voto de vencido, a Dra. Sofia Ricardo Borges no processo 383/2019-T, www.caad.org.pt, que se está perante uma união ou coligação de contratos, o que:
«Como quer que seja, ele implica um contrato de compra e venda que o precede e, desde logo, elementos próprios da locação, com todas as complexidades que daí poderão advir. Tendo o legislador permitido a aplicação supletiva, em certa medida, de normas próprias da locação (cfr. Código Civil), aquilo que ficou mais patente foi o afastamento, legislativamente querido e claramente adoptado, desse regime geral. Queremos referir-nos, em termos breves, a que no contrato de lf - cfr. DL n.º 149/9519 – ao contrário do que seria a regra numa locação, os riscos, encargos, responsabilidades em geral relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário. Ou seja, o locador fica, na lf, liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação. Entre o mais, não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário; não corre por conta dele locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes; ao locatário é reconhecido o direito de fazer uso de acções possessórias, sendo a ele locatário que compete defender a integridade do bem e o respectivo gozo; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem. Tudo cfr. art.ºs 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95. Sendo ainda elucidativo, quanto a nós, o art.º 22.º do mesmo Diploma, sob a epígrafe “Operações anteriores ao contrato”, ao determinar que se, antes de celebrado o contrato de lf, “qualquer interessado [tiver] procedido à encomenda de bens, com vista a contrato futuro, entende-se que actua por sua conta e risco, não podendo o locador ser, de algum modo, responsabilizado por prejuízos eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, (…).” Tudo a configurar, parece-nos líquido, uma relação na qual o locador, não obstante se tornar proprietário, fica desresponsabilizado (afastado) de praticamente tudo (senão tudo) o que sejam as obrigações regra de um proprietário. Posto isto, parece-nos evidente decorrência do próprio regime legal, os custos (inputs) em que o locador incorre para a disponibilização dos veículos aos locatários, como proprietário sui generis que os “aluga”, circunscrever-se-ão essencialmente ao da aquisição do veículo (supra tratado). Incorrendo, a par desses, como será de admitir, em custos de financiamento e gestão dos contratos. Será pois neste último contexto - custos de financiamento e gestão dos contratos - que se detectarão com relevo, é a nossa maneira de ver, possíveis inputs promíscuos.»;
JJ-Neste sentido, o Acórdão do TJUE Banco Mais conclui que:
«A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.»;
KK-O core business da Recorrida situa-se no âmbito dos contratos de locação financeira em que, por contrapartida da referida prestação de serviços, o locatário fica obrigado a pagar uma retribuição, a qual assume a forma de renda;
LL-A componente da renda correspondente a juros e outros encargos constitui contraprestação pelo serviço prestado, constitui um proveito da Requerente, integra o respectivo volume de negócios, contribuindo para influenciar o resultado do exercício;
MM-As comissões, escrupulosamente debitadas aos clientes, somadas à fixação inicial das taxas de financiamento e ao subsequente ajustamento dessas mesmas taxas sempre que existem custos acrescidos que resultem do acto de gestão dos contratos de locação financeira, permitem concluir que a Requerente acomoda todas e quaisquer as despesas em que incorre;
NN-E, assumindo que muitos destas despesas consomem recursos inerentes ao funcionamento interno da instituição bancária em análise, como seja água, luz, tonners, conservação de edifício, telefones, tudo custos comuns, é legítimo concluir que estes custos indiferenciados ou mistos são suportados pelos clientes através de débito destas rubricas;
OO-Bem como são contabilizados e se encontram principalmente presentes, ainda que indirectamente, aquando da fixação inicial da taxa de juro ou, mais tarde, aquando da necessidade de ajustamento da taxa de juro, se a ela houver lugar;
PP-Recorrendo a uma lógica um pouco simplista, mas que ilustra bem, pensamos, o negócio em questão e a situação em apreço, é a partir do produto das taxas de juro e das comissões que a Requerente paga as suas despesas correntes (as tais mistas, promíscuas) aos fornecedores - água, luz, condomínio, telefones, internet, etc;
QQ-Ao arrepio do que vem sendo decidido pelo STA e do que foi sublinhado no âmbito do Acórdão Banco Mais, entendeu o tribunal arbitral ancorar também a sua decisão na doutrina acolhida no Acórdão do TJUE C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, onde foi julgado que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações;
RR-Acrescentando que o método postulado na lei portuguesa e a que se refere o Acórdão Banco Mais não é susceptível de garantir um repartição mais precisa do que o que decorria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios;
SS-Salvo o devido respeito, no Acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd ( Ler também Sérgio Vasques in “IVA, métodos de dedução e legalidade tributária”, Cadernos Justiça Tributária, n.º 26, Outubro-Dezembro 2019), estava em causa uma sociedade financeira do Reino Unido – que também realizava operações de leasing automóvel -, mas cujo direito do Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA;
TT-A componente do juro estava isenta de imposto e apenas a componente da amortização era tributada, sendo que, a somar a isto, as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade;
UU-Assim, estando a componente juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado mais gravoso para os contribuintes e não tão rigoroso quanto o assumido a nível nacional, uma vez que para o cálculo da percentagem de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente juros;
VV-O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode ser aplicado à situação em concreto, porquanto o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente juro; componente, essa, que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13, e que é secundado pelo Acórdão Fundamento, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do Acórdão TJUE C-183/13;
WW-Não é possível retirar da factualidade dada como provada no acórdão arbitral que os custos mistos tenham sido preponderantemente determinados pela disponibilização dos veículos e não tanto pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes;
XX-A tese defendida pela ora Recorrente entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade”– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág.111;
YY-Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a actividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA;
ZZ-A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução;
AAA-Mais tarde, no Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução;
BBB-Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível;
CCC-Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações;
DDD-No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são directamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível;
EEE-A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA;
FFF-Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»;
GGG-O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito:
«Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»;
HHH-É exercitada uma habilidade semântica, truncada, efectuada na decisão arbitral, que respeita a um dos segmentos da linha de argumentação adoptada para sustentar a declaração da ilegalidade dos actos tributários em questão;
III-O Tribunal, sem nunca o dizer expressamente, acaba por afirmar, de forma indirecta, que o Ofício-Circulado n.º 31308/2009 não consubstancia a materialização do artigo 23.º, n.º 2 e 3, última parte do CIVA;
JJJ-É errado, porquanto, quando concatenados, os aludidos números referem que sempre que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas e que sempre que os métodos da afectação real e do pro rata – este último, conforme retratado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA – conduzam a distorções significativas da concorrência, «a Direcção-Geral dos Impostos pode vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.», o que aconteceu na situação em apreço;
KKK-Esta possibilidade encontra-se, de resto conforme abundantemente já mencionado acima, tanto no Acórdão Banco Mais, como nos sucessivos Acórdãos lavrados pelo STA, de que é exemplo o seu mais recente, o 52/19.0BALSB: «Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”;
LLL-Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento;
MMM-Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, por julgar verificada a alegada oposição entre o aresto arbitral e o acórdão fundamento, mais ordenando a notificação da sociedade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.197 do processo físico).
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.202 a 215 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-A Recorrente vem, nos presentes autos, requerer a revogação da Decisão Arbitral proferida no processo nº 706/2019-T em virtude de a mesma, alegadamente, se encontrar em oposição com “a jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), prolatado no processo n.” 0485/17 em 15-11-2017”, o Acórdão Fundamento;
B-Neste sentido, alega a Recorrente que, verificando-se uma identidade substancial da situação fáctica em causa em ambas as decisões, há contudo uma “contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, o que, naturalmente, leva à adopção de soluções opostas expressas”;
C-Contudo, sendo evidente que a adopção das referidas “soluções opostas” resulta directamente de estarem em causa, num e noutro processo, situações de facto totalmente distintas, não pode o presente recurso merecer provimento;
D-Nos termos do regime legal aplicável, verifica-se uma efectiva oposição de acórdãos, passível de recurso, sempre que se encontrem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, ii) haja identidade na questão fundamental de direito, iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta;
E-Contudo, ao contrário do quanto foi alegado pela Recorrente, não se verifica uma identidade substancial entre as situações de facto em causa nos arestos aqui convocados;
F-De facto, em ambas as decisões estão em causa sujeitos passivos de IVA que adquirem recursos que são afectos simultaneamente a operações tributadas em IVA e a operações isentas de imposto;
G-Porém, a natureza das operações desenvolvidas pelos sujeitos passivos em causa e, bem assim, os recursos utilizados (ou afectos) pelos mesmos ao desenvolvimento daquelas, são distintos e mereceram uma análise (e uma decisão) necessariamente distinta;
H-No Acórdão fundamento estava em causa a uma situação em que se verificavam maioritariamente gastos suportados com o “financiamento” e a “gestão” dos contratos de locação financeira mobiliária – e não uma situação em que os gastos em causa eram (e são) essencialmente com a “disponibilização” dos veículos no âmbito dos contratos de locação financeira, como in casu;
I-De facto, na situação em causa naquele aresto fundamento, “a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações (…) respeitavam”; e ainda, nos termos dos factos ali não provados, foi considerado “não provado o seguinte facto: A) Os custos mencionados em 13) [relativos a operações que conferem ou não o direito à dedução] respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação”;
J-E, neste contexto, foi negado provimento àquele Recurso, decidindo então esse Digníssimo Tribunal, em linha com o Acórdão Banco Mais, proferido pelo TJUE, no processo C-183/13, de 10 de Julho de 2014;
K-Jurisprudência comunitária esta que foi no sentido que “não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”;
L-Ademais, concluiu ainda aqui o TJUE que “embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”;
M-Esta solução jurídica – adoptada pelo TJUE no Acórdão Banco Mais e sufragada no Acórdão fundamento – foi adoptada face a uma situação de facto em que estavam em causa (apenas ou maioritariamente) gastos relacionados com o “financiamento” e a “gestão” dos contratos de locação financeira – o que não sucedeu, de todo, no processo arbitral cuja Decisão é aqui recorrida;
N-Acresce que, na situação de facto em causa neste Acórdão fundamento, a AT logrou demonstrar que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação [condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA]. O que, conforme se demonstra infra, não sucedeu na situação de facto em causa;
O-Na situação em causa na Decisão Arbitral recorrida, foram alegados e demonstrados, pelo ora Recorrido, os custos suportados no âmbito dos contratos de locação que celebra com os seus clientes, ficando devidamente demonstrado que, in casu, os seus gastos se relacionam essencialmente com a “disponibilização” dos veículos (e não com o “financiamento” e a “gestão” dos contratos de locação);
P-Com efeito, o Recorrido incorre não apenas em gastos relativos à gestão dos contratos e financiamento (que se materializam na proposta por parte do cliente, seguida de uma análise de risco e de uma decisão, culminando com a emissão do contrato) mas também, e num montante muito mais significativo, em despesas e recursos com vista a garantir a disponibilização dos bens locados [i.e. autorização da entrega do bem locado após emissão do contrato; pagamento a fornecedores e carregamento do empréstimo; participação no processo de legalização; processo de controlo do pagamento de impostos das viaturas financiadas em leasing; processo de identificação de condutores das viaturas locadas; manutenção de seguros dos bens locados; envio de comprovativo de apresentação e documento único automóvel; emissão de declarações; gestão de recibos de indemnização; contabilização e reporte financeiro dos bens recuperados e posteriormente alienados, em virtude de incumprimento contratual e/ou pelo não exercício de opção de compra; cedência de posição contratual e outras vicissitudes];
Q-Adicionalmente, importa salientar que a disponibilização de viaturas ou equipamentos objecto de contrato de leasing implica, ainda, a necessária participação dos balcões de atendimento do Recorrido (aproximadamente, 400), com os inerentes gastos associados aos mesmos, bem como de um serviço de call centers e o acesso a software (aplicação) para apoio ao cliente;
R-De notar que o procedimento supra descrito, adoptado pelo Recorrido no desenvolvimento da actividade de leasing, tem vindo a manter-se inalterado ao longo dos anos;
S-Assim, é manifesto que o contrato de leasing é muito mais do que um contrato de financiamento, consistindo, também e sobretudo, numa efectiva (e diária) disponibilização do veículo ao locatário;
T-Neste âmbito, a Decisão Arbitral aqui recorrida revela (necessariamente) uma evidente identidade factual com o Acórdão Volkswagen, proferido pelo TJUE, no processo C 153/17, de 18 de Outubro de 2018;
U-De facto, no Acórdão Recorrido (tal como sucede no Acórdão Volkswagen), a utilização dos recursos adquiridos pelo Recorrido é, igualmente, determinada sobretudo pela “disponibilização” dos bens locados, e não apenas ou maioritariamente pelo “financiamento” e pela “gestão” dos contratos de locação financeira;
V-De notar que, no âmbito deste Acórdão Volkswagen, o TJUE traz à colação o processo Banco Mais, referindo que, neste Acórdão em concreto, se concluiu, a respeito das operações de locação financeira de automóveis, que «embora a realização de tais operações por um banco possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”;
W-E, nesta senda, o entendimento do TJUE no Acórdão Volkswagen, afasta-se do anteriormente sustentado no âmbito do processo Banco Mais (processo C-183/13) porquanto a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais (e, de igual forma, no Acórdão fundamento) era, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, ao passo que a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services (tal como pelo Recorrido) é determinada maioritariamente pela disponibilização dos bens locados;
X-Na esteira das conclusões do TJUE no Acórdão Volkswagen, no que respeita à imposição de medidas passíveis de desconsiderar do critério de dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista o valor do bem locado no momento da sua entrega, os Estados-Membros não podem, de maneira geral, aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega;
Y-Acresce que, na situação de facto em causa na Decisão arbitral recorrida, e ao contrário do que sucedeu no processo que deu origem ao Acórdão fundamento, a AT não veio demonstrar que a aplicação do pro rata conduziria a distorções significativas na tributação [condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA];
Z-Finalmente, cumpre referir que a temática em análise foi já decidida por este Supremo Tribunal, desde logo na apreciação (em sede de recurso) das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 11/2019-T, n.º 72/2019-T e n.º 646/2018-T, os quais opuseram o aqui Recorrido e a AT;
AA-Pelo que ficou exposto, resulta evidente que inexiste (a alegada) identidade factual entre o Acórdão fundamento e a Decisão Arbitral aqui recorrida;
BB-De facto, se no Acórdão fundamento foram demonstrados e provados, apenas ou maioritariamente, – e, portanto, considerados na decisão – custos relativos ao “financiamento” e à “gestão” no âmbito dos contratos de locação financeira, no Acórdão recorrido foram demonstrados e provados maioritariamente – e, portanto, considerados na decisão – custos relativos à “disponibilização” de veículos no âmbito dos contratos de locação financeira.
CC-Esta falta de identidade entre as situações de facto em causa em cada uma das decisões judiciais controvertidas resulta, ainda, demonstrada das próprias conclusões alcançadas pela AT num e noutro processo: se, no processo que deu origem ao Acórdão fundamento, a AT logrou demonstrar que a aplicação do método do pro rata conduziria a distorções na tributação [e por isso impôs a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA], no processo que deu origem à Decisão Arbitral recorrida, a AT não logrou efectuar aquela demonstração;
DD-Ora, uma vez que a factologia que esteve na génese da Decisão Arbitral recorrida é distinta da factologia em causa no Acórdão fundamento, sempre se justificaria uma solução jurídica distinta – tal como sucedeu, em paralelo, na jurisprudência comunitária acima descrita (i.e. Acórdão Volkswagen vs. Acórdão Banco Mais);
EE-O que não significa que se verifique uma situação de “conflito” entre as decisões judiciais aqui em causa – tais decisões são (necessariamente) distintas porque assentam em factos distintos;
FF-Por tudo o exposto, resulta assim demonstrado que não existe identidade entre as situações de facto em causa nos dois processos e que, como tal, as diferentes soluções adoptadas na Decisão recorrida e no Acórdão fundamento não estão em oposição entre si – bem como a Decisão recorrida não se encontra desconforme com a jurisprudência mais recente do STA;
GG-Com efeito, a solução preconizada na Decisão recorrida encontra-se alinhada com a jurisprudência recente e dominante do STA, de que é exemplo o Acórdão de 9 de Outubro de 2019, proferido no processo 0401/14.7BEPRT, de cujo sumário se transcreve: “I - Por Acórdão de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13 considerou o TJUE que os Estados Membros em circunstâncias como as do referido processo, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou outros serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”;
HH-Pelo que, não estando verificados in casu os requisitos legais aplicáveis, não pode o presente Recurso proceder, devendo ser mantida, na íntegra, a Decisão Arbitral recorrida.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui pugnando pela admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência, mais se devendo apreciar do respectivo mérito e conceder-lhe provimento (cfr.fls.222 a 236 do processo físico).
X
Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
O aresto arbitral recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.154 a 156 do processo físico):
A-Em 04/02/2011, a Requerente submeteu declaração periódica de IVA de substituição, para o período de tributação de dezembro de 2008, na qual relevou como regularização mensal a seu favor o montante adicional de € 4.094.627,58 (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B-Na sequência da submissão dessa declaração de substituição, e ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201200047, foi instaurada uma ação inspetiva parcial, incidente sobre o IVA referente ao período de 12/2008, da qual resultaram as liquidações ora sindicadas;
C-Na sequência de tal procedimento inspetivo, e discordando da posição adotada pela ora Requerente, os serviços da AT corrigiram a regularização de IVA efetuada, tendo emitido os atos tributários, sobre os quais recai o presente pedido de pronúncia arbitral, quais sejam, a liquidação adicional de IVA n.º 12115390, no montante de € 4.094.627,58, e a liquidação de juros compensatórios n.º 12115391, no valor de € 568.536,23 (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D-Não efetuando o pagamento voluntário das citadas liquidações, em 02/01/2013, a Requerente foi notificada da instauração do processo de Execução Fiscal n.º 3182 201201133179;
E-O Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças do Porto-2, requerimento nos termos do número 2 do artigo 169.º do CPPT com vista à suspensão do mencionado processo de execução fiscal, tendo apresentado Garantia Bancária na mesma data (documento 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F-O Requerente deduziu, no dia 07/02/2013, a reclamação graciosa n.º 3182 201304000765 relativa aos atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios acima melhor discriminados e decorrentes da ação inspetiva, tendo sido notificada do indeferimento da mesma, através do Ofício n.º 1959, em 30/08/2013 (cfr Doc 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral);
G-Inconformada com o indeferimento da referida reclamação graciosa, recorreu hierarquicamente daquela decisão (recurso hierárquico n.º 3182 201310001367), em 13/09/2013. (Doc 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral);
H-A Requerente foi notificada no dia 14 de julho de 2014, através do Ofício n.º 2493, do ato de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico por si deduzido com respeito à reclamação graciosa dos atos tributários de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios relativos ao período de dezembro de 2008 (documento 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I-A Requerente deduziu Impugnação Judicial, em 14 de outubro de 2014, a que foi atribuído o n.º 2482/14.4BEPRT, pendente de decisão em outubro de 2019 na 3ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sendo o valor da causa de € 4.663.163,81 (quatro milhões, seiscentos e sessenta e três mil, cento e sessenta e três euros, e oitenta e um cêntimos) (documento 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J-A Requerente é uma instituição de crédito cujo objecto social consiste na realização de operações financeiras, ao abrigo do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
K-No exercício da sua atividade a Requerente celebra também contratos de locação financeira, nos quais figura como locador, adquirindo os bens (v.g. viaturas ou equipamentos), acrescidos de IVA a terceiros fornecedores, entregando-os de imediato para uso e fruição dos locatários;
L-Como contrapartida da cedência dos bens em locação, à Requerente são pagas rendas, pelo locatário, em geral acrescidas de IVA, e que contêm uma parcela de amortização de capital e outra de juros e encargos;
M-Em sede de IVA, a Requerente é considerada um sujeito passivo “misto”, uma vez que exerce atividades que conferem o direito à dedução (Cf. artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA), bem como atividades que o não conferem (como é o caso da atividade financeira isenta do imposto ao abrigo do artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA), utilizando os métodos de dedução previstos nos artigos 20.º e 23.º, para dedução do imposto incorrido na realização das operações tributadas e do imposto incorrido na aquisição de bens de utilização mista, respetivamente;
N-Relativamente às situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre a aquisição de bens e serviços (inputs) e operações ativas por si realizadas (outputs), a Requerente aplicou o método da imputação direta (“direct attribution”), ao abrigo do artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA;
O-Quanto à determinação do IVA dedutível relativamente às restantes aquisições de bens e serviços afetas indiscriminadamente às diversas operações por si desenvolvidas (ou seja, de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método geral e supletivo do pro rata, conforme o disposto no artigo 23.º, n.ºs 1 e 4 do Código do IVA;
P-Quanto aos contratos de Leasing e ALD, a Requerente verificou que não estava a exercer plenamente o direito à dedução que lhe assistia, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA, porquanto, no seu entendimento, a componente do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de Leasing e ALD integra o conceito de volume de negócios para efeitos de IVA, devendo, por isso, ser contabilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA;
Q-No exercício de 2008, a Requerente apurou um pro rata de 6%, não obstante, com a inclusão da componente de amortização do capital no cômputo da percentagem de dedução, como decorre do artigo 23.º, n.º 4 conjugado com o artigo 16.º, n.º 2, ambos do Código do IVA, a percentagem de dedução apurada devesse ser de 20%;
R-O recálculo do IVA deduzido através do pro rata culminou no apuramento do montante de € 5.899.726,97, em vez de € 1.769.918,09 apurado inicialmente;
S-Tendo requerido a extinção da instância no processo referido supra, em I), em 21-10-2019 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.
X
O acórdão fundamento julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.186 a 189 do processo físico):
1-Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA - gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA”
(cfr. fls. 165 a 167);
2-A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176);
3-A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283);
4-No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283);
5-Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286);
6-A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22;
7-A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito;
8-No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285);
9-Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284);
10-Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289);
11-Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163);
12-Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163);
13-Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam;
14-Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) supra (cfr. fls. 163);
15-Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219);
16-O pro rata provisório mencionado em 15) incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9);
17-A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em 1), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163);
18-Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).
X
Quanto a factualidade não provada exarou-se o seguinte no acórdão fundamento:
"Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos). , o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (R.J.A.T.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.706/2019-T (datada do pretérito dia 2/07/2020), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do rec.485/17, datado de 15/11/2017 e já transitado em julgado. Para tanto, alega existir uma manifesta identidade de situações de facto subjacente aos dois acórdãos, igualmente se verificando a identidade da questão de direito, pois em ambos os arestos a questão a decidir consiste em aferir da determinação da percentagem do I.V.A. dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista que são afectos, tanto a operações tributadas como a operações isentas. Que em ambos os arestos está em causa saber se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13, de 10/07/2014, podia ou não o Estado Português (o que se verificou através do Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009) obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo "pro rata" de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Por último, conclui que os citados arestos consagraram soluções opostas para a mesma questão jurídica fundamental, pois que no acórdão arbitral recorrido se decidiu que não tem suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado nº.30108, de 30/01/2009, pelo que é ilegal a imposição da sua utilização à requerente e, por sua vez, no acórdão fundamento se decidiu de acordo com tese contrária, na senda do identificado processo C-183/13, de 10/07/2014, do TJUE.
Pelo contrário, a sociedade recorrida, em síntese, defende que não deve este Tribunal tomar conhecimento do mérito do recurso, desde logo, porque não existe identidade entre as situações de facto em causa nos dois processos em confronto, assim não se verificando os requisitos exigidos no artº.152, do C.P.T.A., para o conhecimento do mérito em sede de recurso para uniformização de jurisprudência.
Por sua vez, o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, conclui que estão reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência no caso concreto, pelo que se deve conhecer do mérito do mesmo e conceder-lhe provimento.
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Examinemos, antes de mais, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub iudice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T., norma que remete, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para o S.T.A. da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que exista contradição entre essa decisão arbitral e outra decisão arbitral, um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo S.T.A., relativamente à mesma questão fundamental de direito;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec. 8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
Vejamos se tais pressupostos substanciais se verificam no caso concreto.
Examinado o probatório fixado nos presentes autos e no acórdão fundamento, ambos supra exarados, verifica-se que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas.
Com efeito, tanto no caso subjacente à decisão arbitral recorrida como no caso sob exame no acórdão fundamento estamos perante sujeitos passivos que são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo dec.lei 298/92, de 31/12 (RGICSF) e que exercem, entre outras, operações de concessão de crédito e de locação financeira, mais recorrendo, a montante, a bens e serviços de utilização mista, isto é, suportando gastos que alocam ao exercício de ambas as actividades.
Nos exercícios fiscais sob análise em cada um dos processos (2008 e 2010), ambos os sujeitos passivos estavam enquadrados no regime normal mensal de I.V.A., enquanto sujeitos passivos mistos, ou seja, enquanto contribuintes que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras do mesmo tributo isentas.
Nos dois casos, ambos os sujeitos passivos corrigiram os valores deduzidos a título provisório ao longo do exercício fiscal por força da aplicação de um "pro rata" definitivo, que foi determinado para o respectivo ano ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009. Com esta operação, ambos os sujeitos passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir diferente (para menos) do que foi apurado por recurso ao "pro rata" de dedução nos termos previstos no artº.23, nº.4, do C.I.V.A.
Refere a sociedade recorrida que as situações fácticas subjacentes aos dois arestos em confronto não são idênticas, na medida em que no probatório da decisão arbitral recorrida consta a prova de que os custos suportados pela mesma no âmbito dos contratos de locação que celebra com os seus clientes se relacionam, essencialmente, com a "disponibilização" dos veículos e não com o "financiamento" e a "gestão" dos contratos de locação, contrariamente ao que se passa no probatório do acórdão fundamento. Ora, não é verdade tal conclusão, visto que do probatório da decisão arbitral recorrida não consta a prova da identificada factualidade (cfr.als.O) e P) do probatório supra). Pelo que, quanto a tal factualidade, em ambos os acórdãos nos quedamos pela falta de prova (cfr.probatório supra do acórdão fundamento, em sede de matéria de facto não provada).
Mais defende a sociedade recorrida que na situação de facto em causa no acórdão fundamento, a A. Fiscal logrou demonstrar que a aplicação do "pro rata" na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, o que não sucedeu na situação de facto em causa na decisão arbitral recorrida. Mais uma vez, tal conclusão não é verídica, dado que em nenhum dos probatórios acima identificados se encontra a prova das ditas distorções significativas na tributação. O que consta da matéria de facto de ambas as decisões judiciais é a existência de um "pro rata" definitivo, que foi determinado para o respectivo ano (2008 e 2010) ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009 (o que implica a prévia conclusão de que existam, ou possam existir, distorções significativas na tributação, aquando da aplicação do "pro rata" de dedução), sendo que, com esta operação, ambos os sujeitos passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir diferente (para menos) do que foi apurado por recurso ao "pro rata" de dedução nos termos previstos no artº.23, nº.4, do C.I.V.A. (cfr.als.C) e Q) da matéria de facto da decisão arbitral recorrida; nºs.15 e 17 da matéria de facto do acórdão fundamento).
Avançando, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação legal, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma: a de saber se a A. Fiscal pode obrigar uma instituição bancária que realiza operações sujeitas - incluindo as relativas à locação financeira mobiliária ("leasing" e "ALD") - e operações isentas - como as que derivam da concessão de crédito - a aplicar um método de dedução como aquele que é preconizado no supra referido ofício circulado à luz do disposto do artº.23, do C.I.V.A., em consequência do que, na determinação do "pro rata" dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, se considere apenas os juros incluídos nas rendas, excluindo da fracção a parte referente à amortização das próprias rendas dos contratos de locação financeira.
Concretizando, no acórdão fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13, decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artº.17, nº.5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977, "não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista" apenas "a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos", mais incumbindo "ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso". Em consequência, o mesmo aresto considerou legal o acto tributário objecto do processo, o qual foi estruturado ao abrigo das instruções veiculadas pelo citado Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009.
Pelo contrário, a decisão arbitral recorrida (ostentando voto de vencido que faz menção expressa à jurisprudência oriunda deste Tribunal e Secção). , em síntese, conclui pela ilegalidade da actuação da A. Fiscal, dado que, o método de cálculo da percentagem de dedução preconizado pela Fazenda Pública, traduzido na imposição de utilização do "coeficiente de imputação específico", enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação do artº.23, nºs.2, 3 e 4, do C.I.V.A., e artºs.173 e 174, nº.1, da Directiva 2006/112/CE. Em consequência, o acórdão arbitral, além do mais, anulou os actos tributários objecto do processo, o qual foi estruturado ao abrigo das instruções veiculadas pelo dito Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009.
É, pois, manifesto que em face de quadros factuais substancialmente idênticos e envolvidos no mesmo panorama jurídico, os arestos em confronto ditaram soluções divergentes sobre a mesma questão fundamental de direito.
Por último, importa sublinhar que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com jurisprudência mais recente e consolidada do S.T.A.
Em conclusão, mostram-se reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A., pelo se passará ao conhecimento do mérito do recurso.
X
A questão objecto do presente recurso, conforme já se deixou expresso supra, consiste em examinar se a decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de I.V.A. (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do "pro rata" dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira.
Ora, esta questão foi já objecto de decisão em diversos arestos recentes do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., em sentido que aqui se reitera e cujos textos estão integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, orientação jurisprudencial essa que se pode, actualmente, ter por consolidada (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.101/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec. 87/20.0BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.113/20.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 22/09/2021, rec.145/20.0BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/11/2021, rec.63/20.2BALSB).
Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, tendo presente o disposto no artº.8, nº.3, do C.Civil, e a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, os quais visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos Tribunais respostas diferentes, limitamo-nos a remeter, nos termos dos artºs.663, nº.5, e 679, ambos do C.P.Civil, regime aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T., para a fundamentação do referido acórdão de 24 de Março de 2021, proferido no processo com o nº.87/20.0BALSB, o qual uniformizou jurisprudência no sentido de que "[n]os termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.", para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO E, CONCEDENDO-LHE PROVIMENTO, ANULAR A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA.
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Condena-se a sociedade recorrida em custas, porque produziu contra-alegações, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito da instância de recurso (cfr.artº.6, nº.7, do R.C.Processuais), atendendo ao carácter parcialmente remissivo do presente acórdão, o que o torna de "complexidade inferior à comum".
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 23 de Fevereiro de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.