Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0660/12
Data do Acordão:10/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:VENDA DE SALVADOS
ISENÇÃO
IVA
Sumário:A aquisição e venda de “salvados” pelas companhias de seguros é uma actividade complementar das operações de seguro e resseguro que não está incluída nas normas de isenção de IVA previstas nos nºs 28º e 32º do artigo 9º do CIVA.
Nº Convencional:JSTA00067889
Nº do Documento:SA2201210310660
Data de Entrada:06/14/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA08 ART9 N28 N32 N33 N29 ART1.
DL 94-B/98 DE 1998/04/17 ART8 N1.
DL 144/2006 ART9.
DL 199/96 DE 1996/10/18.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 94/5/CE DE 1994/02/14.
Legislação Estrangeira:AC STA PROC026435 DE 2003/02/19
AC STA PROC0101/12 DE 2012/04/19
AC STA PROC0642/12 DE 2012/05/02
Referência a Doutrina:ODETE OLIVEIRA - ANOTAÇÃO AO AC STA PROC26435 DE 2003/02/19 JURISPRUDÊNCIA FISCAL ANOTADA 2003 PAG93.
XAVIER DE BASTOS - A TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO E A SUA COORDENAÇÃO INTERNACIONAL CIENCIA E TECNICA FISCAL 362 1991 PAG148.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que A……., SA, convenientemente identificada nos autos, deduziu contra a liquidação adicional do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) do exercício de 2006, no montante de €128.215,72.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos Juros Compensatórios, do exercício do ano de 2006, cujo montante global ascende a 128.215,72, por erro nos pressuposto de direito em violação dos nºs 29 e 33 do artigo 9° do Código do CIVA.
II. Para assim decidir entendeu o Tribunal a quo que, «... assiste razão à Impugnante quando defende que a venda dos salvados adquiridos em resultado de contratos de seguro realizados com os seus segurados, integra o conceito de bens exclusivamente afectos a actividade isenta, nos termos e para os efeitos dos nºs 29 e 33, do artigo 9°, do CIVA, motivo pelo qual as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade, por violação dos citados normativos, o que acarreta a sua anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente pago.
III. Como consequente direito ao recebimento dos peticionados juros indemnizatórios.
IV. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento - de direito - relativamente às correcções constantes dos autos, pelas razões que passa a expender.
V. A questão controvertida prende-se objectivamente com o entendimento sobre quais as normas aplicáveis em sede de IVA às operações de venda de «salvados» realizadas por companhias de seguros, como a aqui recorrida.
VI. Sobre esta matéria o Despacho n.º 1854/2002-XV, de 18-12-2002, do Sr. SEAF, que confirmou a Informação n° 1765, de 30.09.1999, da Direcção de Serviços do IVA, com Despacho concordante do Subdirector-Geral da DGCI, de 06.10.1999, está na origem de correcções que têm originado situações sucessivas de contencioso, como a presente.
VII. Através do citado Despacho o Sr. SEAF fixou a seguinte doutrina: «Em relação aos bens em que o segurado, seu anterior proprietário, era um não sujeito passivo de IVA ou, sendo-o, não deduziu o imposto referente à sua aquisição, por ser excluído desse direito, face ao disposto na artigo 21º do CIVA, poderá ser aplicável o regime de tributação pela margem, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro. Em relação aos bens em que o direito à dedução foi exercido e em que foi liquidação imposto à companhia de seguros, a venda do salvado deverá ficar sujeita a imposto nos termos gerais».
VIII. É Jurisprudência do STA, Acórdão de 19.02.2003, Proc. 026435, que «A aquisição e subsequente venda de salvados pelas companhias de seguros, no âmbito de contrato de seguro automóvel, porque de bens exclusivamente afectos a actividade isenta (operações de seguro, resseguro e prestação de serviços conexos) que não confere direito à dedução, integra a isenção prevista pelo artigo 9º, nºs 28º e 32º (anteriormente à redacção dada pelo Decreto-Lei nº 102/2008, de 20 de Junho, estas isenções estavam previstas nos nºs 29 e 33, do artigo 9º) do CIVA.
IX. Não se conhece jurisprudência do TJCE que se ocupe concretamente desta questão.
X. Estão em causa as situações resultantes «de sinistros», em que se verifica a perda total dos veículos e as companhias seguradoras são obrigadas a indemnizar, em termos monetários, o lesado, mediante o pagamento do valor total do veículo segurado. Mais concretamente, as circunstâncias em que aquelas entidades acordam com os seus segurados e/ou outros lesados, para além de uma indemnização em dinheiro, tomar os veículos sinistrados, procedendo posteriormente à venda dos mesmos no estado em que os adquiriram.
XI. Segundo o artigo 13° do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que procedeu à revisão do Código da Estrada, o «salvado» abrange o veículo a motor que, em consequência de acidente, entre na esfera patrimonial de uma empresa de seguros por força de contrato de seguro automóvel e tenha sofrido danos, que afectem gravemente as suas condições de segurança, ou cujo valor de reparação seja superior a 70% do valor venal do veículo à data do sinistro.
XII. De harmonia com o disposto no artigo 566° do Código Civil, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
XIII. Nestes casos, estabelece-se uma relação jurídica entre o lesado e a seguradora, com vista ao pagamento da indemnização, podendo haver a transferência do «salvado» da titularidade daquele para a titularidade desta. A posterior venda desse «salvado», por parte da companhia de seguros, contra o pagamento de um preço por parte dos seus adquirentes, não pode deixar de configurar uma verdadeira transmissão de bens, e como tal, sujeita a IVA.
XIV. Com efeito, nos termos do artigo 3° do CIVA, considera-se transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade. Uma transmissão de bens realizada, por um sujeito passivo, em território nacional, face às normas de incidência do CIVA, é sujeita a IVA.
XV. No entanto, se conforme defende a jurisprudência do STA, a operação de venda de «salvados», por parte das companhias de seguros, embora sujeita a IVA, não é tributada, por beneficiar de isenção, ao abrigo do artigo 9º, nºs 28 ou 32, do CIVA, temos que, nos termos do n.º 28, encontram-se isentas de imposto «As operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e Intermediários de seguro».
XVI. A redacção deste preceito foi integralmente transposta do texto do artigo 13°, ponto B, alínea a), da Directiva 77/388/CEE «Sexta Directiva», do Conselho de 17 de Maio de 1977 (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135° da Directiva 200611 12/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA). Todavia, o legislador fiscal não define o que se deve entender por «operações de seguro e resseguro».
XVII. No que se refere à actividade seguradora e resseguradora, de harmonia com artigo 8° do Decreto-Lei n.º 94-B/98 de 17.04, «As empresas de seguros são instituições financeiras que têm por objecto exclusivo o exercício da actividade de seguro directo e ou de resseguro, salvo naqueles ramos ou modalidades que se encontrem legalmente reservados a determinados tipos de seguradoras, podendo ainda exercer actividades conexas ou complementares de seguro ou resseguro, nomeadamente no que respeita a actos e contratos relativos a salvados,...»
XVIII. A Informação n.º 1279 de 23 de Fevereiro de 1998, da Direcção de Serviços do SIVA, no ponto 3, esclareceu que, «cabem no âmbito da isenção referida apenas as operações de seguros e resseguro e as prestações de serviços conexas efectuadas pelos correctores e intermediários de seguros. Não poderão enquadrar-se no seu âmbito quaisquer outras operações realizadas a título complementar da actividade seguradora, ainda que isentas plenamente no objecto da entidade seguradora, não tenham conexão directa com aquelas operações.
XIX. No ponto 4 da mesma Informação, explica-se que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não se verificasse a lesão (artigo 563° do Código Civil). A aquisição das viaturas sinistra das por parte das seguradoras e sua posterior revenda é efectuada no âmbito da livre negociação comercial não é inerente às operações de seguro e resseguro, cujas obrigações resultam do cumprimento de obrigações de responsabilidade civil (não comercial) extra-contratual.»
XX. No acórdão de 3 de Março de 2005 2, in Proc. C-472/03, Arthur Andeen, o TJCE declarou que: «O artigo 13°, 8, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de, Maio de 1977 (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135° da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA), deve ser interpretado no sentido de que actividades de «back office», que consistem em prestar serviços, mediante remuneração, a uma empresa de seguros, não constituem prestações de serviços relacionadas com operações de seguro efectuadas por correctores ou intermediários de seguros, na acepção desta disposição.
XXI. No Sumário do dito Acórdão, pode ler-se: «Com efeito, na medida em que, por um lado, os referidos serviços apresentam especificidades, como a fixação e o pagamento das comissões de intermediários de seguros, o acompanhamento dos contactos com estes, a gestão dos aspectos ligados ao resseguro assim como ao fornecimento de informações aos intermediários de seguros e à Administração Fiscal, e em que, por outro não existem aspectos essenciais de função de intermediação no ramo dos seguros, tais como a angariação de clientes e o estabelecimento de relações entre, estes e o segurador, as actividades em causa devem ser analisadas como uma forma de cooperação que consiste em ajudar a empresa de seguro na realização de actividades que incumbem normalmente a esta última, sem manter relações contratuais com os segurados.
XXII. No mesmo Acórdão, nº 24, o TJCE começa por recordar que «os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13° da Sexta Directiva (actuais artigos 131° a 135° e 137° da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA) são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o IVA é cobrado por cada prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo». (v. acórdãos de 8 de Março de 2001, skandia, C-240/99, n.º 32; e de 20 de Novembro de 2003, Taksatorringeri, C8/01, no 36).
XXIII. Referindo, no n.º 25, que «é igualmente jurisprudência assente que as referidas isenções constituem noções autónomas do direito comunitário, que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro e que devem ser situadas no contexto geral do sistema comum do IVA.» (v. Acórdão Skandia, já referido, n° 23).
XXIV. Segundo conclusões apresentadas pelo Advogado-Geral, em 12 de Janeiro de 2005, no âmbito do citado processo, pontos 20, 23 e 24:
«A redacção do artigo 13°., B, alínea a), da Sexta Directiva (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135° da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA) revela o que são todas as «prestações de serviços relacionadas com (as operações de seguro)» que estão isentas, O conceito de «prestações de serviços relacionadas» seria suficientemente amplo para incluir virtualmente todas as prestações que, apresentando uma relação com a prestação de seguros, poderiam considerar-se relacionadas com essas operações. Ora, é manifesto que o legislador comunitário limitou o alcance da isenção unicamente à parte dessas prestações que sejam efectuadas por correctores e intermediários de seguros. A qualificação da pessoa que reivindica a isenção como corrector ou intermediário constitui, portanto, um elemento-chave na determinação das actividades relativas às operações de seguros que estão isentas ao abrigo do referido artigo 13°, B, alínea a) (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135° da Directiva 2006/112/CE do sistema comum o IVA]. Deve-se ... tomar como referência a definição dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taksatorringen, já referido, proferido no domínio do IVA. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «prestações de serviços relacionadas com as operações de seguro efectuadas por correctores e intermediários de seguros», na acepção do artigo 13. °, 8, alínea a), da Sexta Directiva (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135° da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA), «visa unicamente as prestações efectuadas por profissionais que estão ligados, quer ao segurador, quer ao segurado, sendo precisado que o corrector não é senão um intermediário». Este conceito põe a tónica num domínio como o da distribuição de produtos de seguros, caracterizado, no seu modus operandi, por uma grande complexidade e diversidade - na acção externa de um intermediário de seguros, isto é, na sua posição da mediação entre o segurado e a sociedade de seguros, o que Implica necessariamente a existência de relações com as duas partes.»
XXV. Mais recentemente, no Acórdão de 22 de Outubro de 2009, in Proc. C-242 108, Bundesfmanzhof, o TJCE declarou que: «Uma cessão a titulo oneroso, por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma companhia de seguros com sede num Estado terceiro, de uma carteira de contratos de resseguro do ramo vida que implica que esta Última assuma, com o acordo dos segurados, todos os direitos e obrigações decorrentes desses contratos não constitui uma operação abrangida pelos artigos 9°, nº 2, alínea, e), quinto travessão, e 13º, B, Alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (actuais artigos, respectivamente, 56°, n.º 1, alíneas a) a e 135° nº 1, alínea a), ambos da Directiva 2006/121/CE do sistema comum do IVA)...»
XXVI. Do que ali se deixou expresso, importa realçar os pontos 34 a 39, com interesse para a presente analise: « … Recorde-se que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de “operações de seguro” se caracteriza, como geralmente admitido, pelo facto de o segurador, mediante o pagamento prévio de um prémio pelo segurado, se comprometer a fornecer a este último, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada no momento da celebração do contrato (V. acórdãos, CPP, n° 17; Skandia, n.° 37 e Taksatorregen, n.º 39 já referidos).
A este respeito, o Tribunal de Justiça especificou que, embora seja ponto assente que e expressão «operações de seguro» referida no artigo 13º, B, alínea a), da Sexta Directiva (actual artigo 135°, nº 1, alínea a), da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA) engloba, em qualquer caso, a situação em que a operação em questão é efectuada pelo próprio segurador que assumiu, a cobertura do risco seguro, tal expressão não visa apenas as operações efectuadas pelas próprias seguradoras e é em principio, suficientemente ampla para englobar a concessão de uma cobertura de seguro por um sujeito passivo que não seja o próprio segurador, mas que, no âmbito de um seguro colectivo, fornece aos seus clientes tal cobertura, utilizando as prestações de um segurador que assume o risco seguro (v. acórdãos, já referidos, CPP, n.º 22; Skandia, n.° 38; e Taksatorrlngen, n.º 40). Todavia, o Tribunal de Justiça também declarou que, em conformidade com a definição da operação de seguro que consta do n.º 34 do presente acórdão, a identidade do destinatário da prestação tem importância para efeitos da definição do tipo de serviços visado pelo artigo 13°, B, alínea a), da Sexta Directiva (actual artigo 135. °, n.º 1, alínea a), da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA), o que tal operação implica, pela sua própria natureza, a existência de uma relação contratual entre o prestador do serviço de seguro e a pessoa cujos riscos são cobertos pelo seguro, ou seja, o segurado (v. acórdãos, já referidos, Skandia n.° 41, e Taksatorringen, n.° 41). No processo principal, a cessão a titulo oneroso de uma carteira de contratos de resseguro do ramo vida entre a sociedade cedente e a companhia que consistiu no pagamento, por esta última, de um preço em contrapartida da aquisição dos referidos contratos não corresponde ás características de um operação de seguro, recordadas no n.º 34 do presente acórdão. Essa cessão também não corresponde a uma operação de resseguro através do qual uma seguradora celebra um contrato nos termos do qual se compromete a assumir, mediante o pagamento de um prémio e dentro dos limites fixados por esse contrato, as dívidas resultantes, para outra seguradora, dos compromissos assumidos por esta última no âmbito dos contratos de seguro que celebrou com os próprios segurados. Com efeito, contrariamente a essa operação de resseguro, a referida cessão traduz-se na assunção, pela companhia, de todos os direitos e obrigações da sociedade cedente inerentes aos contratos de resseguro objecto da cessão, deixando esta última, na sequência dessa assunção, de ter qualquer relação jurídica com os ressegurados.»
XXVII. Ante a jurisprudência acabada de referir, tendo em conta as definições de «operações de seguro e resseguro» que dela se retiram, julgamos que a venda de «salvados» por companhias de seguros não se poderá considerar isenta de IVA, com base no disposto no artigo 9°, n.º 28, do CIVA.
XXVIII. Na verdade, as vendas dos «salvados» em apreço não se inserem no âmbito de relações estabelecidas entre os segurados e as companhias de seguros, nem se trata de prestações de serviços conexas realizadas por intermediários ou corretores.
XXIX. Não obstante, nos termos do n.º 32 do artigo 9.° do CIVA, são ainda isentas de IVA: «As transmissões de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta, quando não tenham sido objecto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afectação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21°»; Na venda de «salvados» por entidades seguradoras, estaremos perante «transmissões de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta, quando não tenham sido objecto do direito à dedução». Defende-se que não, para tal perfilhamos o entendimento do Sr. Subdirector-geral da DGCI, expresso no seu Parecer de 27 de Março de 2002, que se transcreve: «1.1 (...) De facto, o cerne da questão é o de saber se o bem transmitido (salvado) está ou não afecto, nos precisos termos que o refere o citado número 33° (actual número 32°), a uma actividade isenta, na circunstância, a que respeita a operações de seguros e resseguro. Dir-se-á, em favor de tal tese, que os salvados resultam dessa actividade e só existem, na posse da companhia de seguros, porque existe a actividade seguradora. É um facto, mas considerar os salvados como afectos a essa actividade é ir longe de mais. É permitir que se tirem lições idênticas para outras situações ...», relatadas no articulado a titulo exemplificativo.
XXX. Por outro lado, atenta a peculiar forma de aquisição dos «salvados» pelas seguradoras, forçoso será concluir que, relativamente à mesma, não existe exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21° do CIVA.
XXXI. Por tudo o que vem exposto, concluímos que a venda de «salvados» por companhias de seguros não beneficia das isenções previstas no artigo 9°, nºs 28 ou 32, do CIVA, podendo, no entanto, beneficiar do regime especial de tributação da margem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, salvo em relação aos bens em que o direito à dedução foi exercido pelo segurado, seu anterior proprietário, caso em que este deverá liquidar imposto à seguradora, sendo a venda do «salvado», por parte desta, sujeita a IVA nos termos gerais.
XXXII. O citado Regime Especial, que se traduz num regime de tributação da margem do revendedor, tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tenham sido definitivamente tributados.
XXXIII. Isto significa que a aplicação do regime especial de tributação da margem, previsto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, exige que se proceda a uma distinção, previamente à alienação dos «salvados», dos bens susceptíveis de enquadramento no referido regime.
XXXIV. Aos «salvados» relativos a bens oriundos de sujeitos passivos que tiveram direito a dedução do IVA suportado na respectiva aquisição, conforme já referimos, será aplicável o regime geral do IVA.
XXXV. Face ao exposto, concluí-se que, reanalisada a questão do tratamento fiscal, em sede do IVA, às operações de venda de «salvados» realizadas por companhias de seguros, é de manter a doutrina veiculada pelo Despacho n.º 1854/2002-XV, de 18.12.2002, do Sr. SEAF.
XXXVI. Nesta conformidade a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira foi conforme à lei e ao entendimento que dali decorre, justificando-se a manutenção das liquidações efectuada.
XXXVII. A douta Sentença recorrida os princípios e as disposições legais supracitadas.

1.2. Nas contra-alegações, a recorrida concluiu o seguinte:
A. A aquisição de salvados pela seguradora é um elemento do processo de indemnização no âmbito do contrato de seguro, pois a seguradora não celebra como o segurado qualquer contrato de compra e venda.
B. A seguradora adquire a propriedade do salvado unicamente ao abrigo do contrato de seguro, e em resultado do pagamento da indemnização, sendo a transferência de propriedade inerente à obrigação legal de pagamento de indemnização e, portanto, inerente à própria actividade seguradora.
C. A aquisição dos salvados não é, simplesmente, uma “actividade conexa” ou “complementar” da actividade seguradora, mas sim uma das diversas operações em que se decompõe a actividade seguradora, que envolve a prática de vários actos jurídicos, em que se desdobra um negócio Jurídico complexo.
D. A tese que recusa a isenção de IVA assenta numa autêntica ficção: de que as seguradoras, para além da respectiva actividade, exercem uma outra, de compra e venda de salvados.
E. Além disso, a AT não pode exigir que a Seguradora apresente factura ou documento equivalente de acordo com o disposto no n°5 do artigo 35° do CIVA, ou que a Impugnante demonstre que não lhe foi liquidado IVA por parte dos anteriores proprietárias dos salvados, dado que a aquisição dos salvados resulta de um processo de pagamento de indemnizações no âmbito de um contrata de seguro e não de um contrato de compra e venda.
F. Por esse motivo, não há lugar à emissão de uma factura, nem essa aquisição dá origem a liquidação de IVA.
G. Sendo assim, porque os actos e contratos relativos a salvados são Inerentes à actividade seguradora e indissociáveis dessa actividade, a aquisição e subsequente vendo de “salvados” pelas companhias de seguros, no âmbito de contrato de seguro automóvel, abrangendo bens exclusivamente afectos a actividade isenta (operações de seguro, resseguro e prestação de serviços conexos) que não confere direito à dedução, integra a isenção prevista pelo art.º 9° n.º 29 e 33 do CIVA.

1.2. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:

A) A Impugnante dedica-se ao exercício da actividade de seguro e resseguro para todos os ramos técnicos, excluindo o ramo “vida”, sendo que, no âmbito dessa actividade, efectua a aquisição de veículos salvados resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados, procedendo, posteriormente, à sua venda - cfr. 16 a 63 do PA apenso aos autos.
B) A coberto da ordem de serviço n.º 01200800287, de 21107/2008, a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), da Direcção Geral dos Impostos, levou a cabo um procedimento instrutivo externo à ora Impugnante, em resultado do qual lhe foram efectuadas, além do mais, correcções de natureza meramente aritmética, em sede de IVA, no valor de € 117 413,64, relativas ao ano de 2006, com base nos seguintes fundamentos:
“Apurou-se imposto em falta relativo à venda de salvados no montante de 117.413,64€, resultante da aplicação da taxa (de 21%) prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º ° Código do IVA sobre o valor tributável determinado nos termos do disposto no Despacho n.º 185412002 - XV, de 18 de Dezembro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (adiante designado SEAF), o qual se encontra apurado conforme Anexo 5.
A venda de salvados é qualificada como transmissão de bens nos termos do artigo 3° do Código do IVA sendo passível de tributação à taxa em vigor, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18.º do Código do IVA.
Igualmente, por Despacho de 18/12/2002 do SEAF (Despacho nº 1854/2002 - XV), foi confirmado o enquadramento tributário em sede de IVA dado pelo Despacho de 06/10/1999 do Subdirector Geral da DGC exarado na Informação n.º 1765, de 30/09/1999 da DSIVA, aplicável às operações de venda de Salvados efectuadas pelas Companhias de Seguros, o qual estabelece, por um lado, que “Em relação aos bens em que o segurado, seu anterior proprietário, era um não sujeito passivo do IVA ou, sendo-o, não deduziu o imposto referente à sua aquisição, por ser excluído desse direito, face ao disposto no artigo 21° do CIVA, poderá ser aplicável o regime de tributação pela margem, ao abrigo do D. Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro”, e, por outro lado, que “Em relação aos bens em que o direito à dedução foi exercido e em que foi liquidado imposto à companhia de seguros, a venda do salvado deverá ficar sujeita a imposto nos termos gerais”.
Assim sendo, foram solicitados ao Sujeito Passivo os elementos indispensáveis ao correcto apuramento do IVA a liquidar relativamente à alienação de Salvados, nomeadamente, a identificação do salvado (veículo ligeiro de passageiro, misto ou pesado, e matricula); a identificação do antigo proprietário; o valor de custo do salvado (valor deduzido na indemnização atribuída); a data de venda; o valor de venda e o valor do IVA liquidado.
Da validação efectuada aos registos dos salvados alienados no decorrer do exercício disponibilizados pelo Sujeito Passivo, verificou-se que não foi efectuada qualquer liquidação de IVA, conforme Despacho n° 1854/2002 - XV do SEAF, de 18 de Dezembro, não tendo sido aplicado, desta forma, o referido despacho.
Com efeito a Seguradora deveria ter liquidado IVA na alienação dos salvados, nos seguintes termos:
a) Nos casos em que o anterior proprietário exercia a actividade de ALD/Rent a car/Leasing, os salvados alienados pela Seguradora estavam sujeitos ao IVA pelo regime geral - nos termos da segunda parte do Despacho 1854/2002-XV - uma vez que o artigo 21.° do Código do IVA estabelece a não dedução do IVA nas viaturas ligeiras de passageiros ou mistas com exclusão das destinadas ao exercício das actividades supra referidas.
b) Nos casos em que o anterior proprietário era sujeito passivo do IVA com direito a dedução e o bem uma viatura de mercadorias, os salvados alienados pela Seguradora estão, igualmente, sujeitos ao IVA pelo regime geral - nos termos da segunda parte do Despacho 1854/2002-XV - uma vez que o artigo 21.° do Código do IVA apenas estabelece a não dedução do IVA nas viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.
c) Nos casos em que o anterior proprietário era uma empresa e o bem viaturas ligeiras de passageiros, os salvados alienados pela Seguradora estão sujeitos a IVA pelo regime da margem nos termos da primeira parte do Despacho 1854/2002-XV.
d) Nos casos em que o anterior proprietário era um Particular, os salvados alienados pela Seguradora estão sujeitos ao IVA pelo regime da margem de acordo com a primeira parte do Despacho 1854/2002-XV.
O IVA liquidado na venda dos salvados deveria ser entregue nos cofres do Estado nos prazos previstos no n.º 1 do artigo 40.º do Código do IVA.
Face ao exposto, dado que o Sujeito Passivo não liquidou o IVA devido, não tendo, consequentemente, efectuado a correspondente entregas nos cofres do Estado, resulta uma correcção a favor da Administração Fiscal efectuada nos termos do Despacho acima mencionado, com imposto em falta no montante de 117.413,64€, apurado nos termos do artigo 16.0 conjugado com a alínea c) do n.° 1 do artigo 18°, ambos, do Código do IVA.
Esta correcção é efectuada nos termos das disposições legais, despachos e informações, supra mencionadas” - cfr. 16 a 63 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Na sequência da inspecção tributária acima referida, a Direcção Geral dos Impostos emitiu as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios ora impugnadas, com data limite de pagamento em 3 1/03/2009 - cfr. fls. 28 a 51 dos autos.
D) A ora Impugnante efectuou o pagamento das liquidações impugnadas em 24/03/2009, no total de € 128 215,72 - cfr. fls. 28 a 51 dos autos.

3. A única questão que é submetida a novo julgamento consiste em determinar se os “salvados” adquiridos e alienados pelas companhias de seguros estão ou não abrangidos pelas regras de isenção do IVA, mais propriamente pelos números 28 e 32 do artigo 9º do CIVA.
A sentença recorrida, seguindo a jurisprudência constante do acórdão do STA de 19/2/2003, rec. nº 026435, decidiu que a venda dos salvados adquiridos pela impugnante em resultado das indemnizações pagas aos seus segurados por motivo de perda total de veículos está isenta de IVA.
Tal conclusão assenta na seguinte argumentação: «Na verdade, é de entender que a integração dos salvados na esfera patrimonial da impugnante ocorre por força dos contratos de seguro realizados com os seus segurados e, consequentemente, no âmbito das operações de seguro e resseguro a que alude o art. 9º, nº 29 do CIVA, para efeitos de isenção de IVA, ou seja, tal aquisição resulta exclusivamente da actividade desenvolvida pela Impugnante, uma vez que esta só “adquire” os salvados porque, previamente, celebrou um contrato de seguro automóvel com o seu primitivo proprietário. Sendo assim, a subsequente venda dos salvados continua a ser considerada uma venda de bens exclusivamente afectos à actividade seguradora, ou seja, de bens afectos a uma actividade isenta de IVA. Tal transmissão cai, necessariamente, no âmbito da isenção do art. 9º nº 33, do CIVA, uma vez consubstancia uma transmissão de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta (actividade de seguro e resseguro, isenta nos termos do nº 29 da citada norma) e que não forma objecto de direito à dedução».
Todavia, em jurisprudência mais recente, com a qual se concorda, numa análise mais aprofundada desta questão, chegou-se a um entendimento diferente do julgado pela sentença recorrida. Seguindo o sumário dos acórdãos deste Tribunal de 19/4/2012 e de 2/5/2012, proferidos nos recursos nº 0101/12 e 0642/12, conclui-se que: (i) «considerando a letra e a razão de ser da isenção consagrada no art. 9º, nº 29, do CIVA, ao dizer-se que estão abrangidas na referida isenção as operações de seguro e de resseguro realizadas por companhias de seguros, bem como as prestações de serviço conexas efectuadas pelos correctores e intermediários de seguros, deve entender-se que não cabe na mesma a actividade de venda de salvados pelas companhias de seguros»; (ii) «a venda de salvados também não preenche as condições da isenção prevista no nº 33 do art. 9º do CIVA (que o bem esteja afecto à actividade isenta e que a aquisição do bem pelo sujeito passivo tenha sido feita com exclusão do direito a dedução) porque não se trata de uma actividade isenta, mas apenas de operações isentas e a lei não estabelece que ficam isentas todas as actividades de seguro e resseguro, mas apenas as operações de seguro e resseguro. Por outro lado, também não foram abrangidas as actividades conexas ou complementares em geral, mas só as dos intermediários e correctores de seguro e não todas mas apenas das conexas com as operações de seguro e resseguro. Finalmente, o salvado não deve ser qualificado como bem afecto à actividade seguradora, pois quando se fala de bens afectos à actividade isenta quer-se significar os bens que tenham sido utilizados na empresa transmitente na realização de operações isentas do imposto. Aplicá-la aqui era partir não da utilização do bem para determinar o regime da subsequente venda mas inverter a relação e ir buscar o regime que se pretende para a venda para qualificar a utilização anterior».
Os números 29 e 33 (actuais 28º e 32º do CIVA) estabelecem que, «as operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro» e que «as transmissões de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta, quando não tenham sido objecto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afectação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º».
Para desvendar o verdadeiro sentido e alcance destas normas, tendo presente que as normas de isenção do IVA estão sujeitas a um princípio de interpretação “estrita” ou “declarativa”, tal como vem defendendo a jurisprudência comunitária, o acórdão do STA de 19/4/2012, acima referido, socorreu-se dos elementos gramatical, sistemático e racional para concluir que a venda dos “salvados” não é uma operação incluída no âmbito daquelas normas.
No que se refere à primeira delas, o nº 29 do art. 9º do CIVA, partindo do escopo social das empresas de seguros, tal como está definido no nº 1 do artigo 8º do DL nº 94-B de 17/4, só se pode concluir que a 1ª parte da norma se reporta ou remete para a actividade principal das companhias de seguro, de que têm o exclusivo se devidamente autorizadas, que é a realização de «operações de seguro e resseguro» e não para as actividades conexas ou complementares referidas no artigo, onde se inclui o negócio dos “salvados”. Aquele artigo 8º distingue, de forma clara e precisa, a actividade principal de seguro directo e resseguro, que só as companhias de seguro podem exercer, quando devidamente autorizadas, das actividades acessórias ou complementares, que podem ser levadas a cabo por outras entidades, sem sujeição a prévia autorização administrativa. Ora, a letra da 1ª parte do nº 29º do artigo das isenções de IVA, ao referir-se apenas às «operações de seguro e resseguro» só pode comportar um único significado: isentar de IVA as operações incluídas na actividade principal das seguradoras, mas a contrario deixar de fora as actividades conexas ou complementares. Sendo a isenção de natureza excepcional, digamos que a partir da norma excepcional se deduz um princípio de sentido oposto para os casos nela não abrangidos.
De igual modo, não é através do enunciado linguístico da 2ª parte da norma que se pode chegar à conclusão que a venda dos “salvados” está abrangida pela norma de isenção. Nesse segmente normativo estende-se a isenção «às prestações de serviço conexas efectuadas pelos correctores e intermediários de seguro», querendo referir-se às actividades que o artigo 9º do DL nº 144/2006 inclui no âmbito da sua actividade e que se estão conexionadas com o ramo dos seguros, tais como operações de capitalização ou mediação no âmbito dos fundos de pensões.
O argumento de ordem sistemática, que afasta os “salvados” do âmbito da norma daquele nº 29 do art. 9º, é-nos dado por Maria Odete Oliveira, em anotação ao acórdão do STA referido na sentença recorrida: «o preceito não comporta quanto às companhias de seguros quaisquer outras operações, contrariamente ao que sucede em isenções consignadas em diferentes números do art. 9º do CIVA em que o legislador entendeu abranger no âmbito da isenção algumas outras transmissões de bens ou prestações de serviços para além das que directamente justificaram a consagração da isenção, designado essa outras por conexas ou mesmo estritamente conexas. Só que quando assim o quis disse-o expressamente, como aliás se exige em matéria de normas que consagram isenções» (cfr. “Anotação ao Acórdão do STA, de 19 de Fevereiro de 2003, Proc. nº 26435”, Jurisprudência Fiscal Anotada, Almedina, Coimbra, 2003, p. 93). Ou seja, no contexto das várias normas de isenção que compõem o artigo 9º do CIVA, que por princípio obedecem a um pensamento unitário, conclui-se que a isenção só é estendia às operações conexas nos casos taxativamente indicados pela legislador, o que, desde logo, afasta a possibilidade de se incluir a compra e venda dos salvados nas actividade de seguro e resseguro.
Também, a razão de ser da norma em causa afasta a possibilidade de se incluir no seu espírito a compra e venda de salvados. A racionalidade da norma foi encontrada por José Xavier de Bastos, que a ela se refere nestes termos: «O argumento mais corrente a favor da isenção de IVA para as actividades seguradoras é o de que o preço a que os serviços respectivos são vendidos – os chamados “prémios de seguro” - não reflecte necessariamente o valor dos serviços efectivamente prestados pelo segurador. A operação de uma companhia seguradora, na sua forma pura, consiste em recolher “prémios” dos clientes, formando um fundo, cujo valor, na sua maior parte, está consignado ao pagamento das “indemnizações”. As somas pagas pelos clientes só em pequena parte se destinam a cobrir os custos de administração e funcionamento; o resto constitui, a bem dizer, transferências. É este o caso da generalidade dos seguros de risco, por exemplo, de incêndio, de acidente de trabalho, etc. No caso de seguros de vida, há, no prémio pago pelos clientes, também um elemento de poupança, o que apela para um tratamento fiscal idêntico ao que recebem outros activos em que se fazem aplicações financeiras (…). A tributação do prémio bruto, permitindo apenas à seguradora a dedução do IVA contido nas aquisições de bens e de serviços de terceiros, não constituiria, nesta lógica, solução aceitável. Separar, todavia, de modo não arbitrário, a componente que se relaciona com o serviço da seguradora, como coisa distinta da componente que se destina a dar solidez financeira ao fundo segurador, ou da componente de poupança, é a dificuldade técnica principal com que se defronta a tributação pelo IVA das operações de seguro e de resseguro” (Cfr. “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, Ciência e Técnica Fiscal, 362, 1991, p. 148).
Ora, se a isenção das operações de seguro e resseguro assenta na dificuldade em apurar o valor acrescentado dos prémios de seguro, o mesmo não ocorre na compra e venda dos salvados, em que facilmente se determinava tal valor.
E afastada também está a possibilidade de se incluir o negócio dos salvados no âmbito da norma do nº 33 do artigo 9º do CIVA, acima transcrita, que inclui duas espécies de «transmissões»: (i) «de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta», quando não tenham sido objecto do direito à dedução; (ii) «de bens cuja aquisição ou afectação tenha sido feita com a exclusão do direito à dedução nos termos do nº 1 do artigo 21º».
Como se refere no Ac. de 19/4/2012, não se inclui na primeira parte da norma, por vários motivos: (i) a aquisição dos salvados não resulta do cumprimento do contrato de seguro, porque, em caso de sinistro, a companhia de seguros fica obrigada a pagar uma indemnização, mas tal não implica necessariamente a aquisição dos salvados; (ii) a compra e venda dos salvados, apesar de complementar dos seguros, é uma actividade meramente eventual que pode ser despenhada por outras entidades; (iii) a norma refere-se a uma “actividade isenta” e não a “operação isenta”, como é o caso da compra e venda de salvados; (iv) mesmo que a compra do salvados decorresse das cláusulas do contrato de seguro, ainda assim só a aquisição poderia eventualmente beneficiar de isenção de IVA, caso se entendesse que não tem subjacente um preço, mas sim o pagamento do prémio de seguro; (v) no caso do transmitente da propriedade do salvado ser um particular sujeito passivo de IVA, está fora da incidência do imposto, pelo artigo 1º do CIVA, faltando o pressuposto de que se trate de um bem que não tenha sido objecto do direito à dedução.
E também não está ao alcance da segunda parte da norma, porque, como se refere no referido acórdão, citando o artigo de Maria Odete Oliveira: (i) «(…) escapando à incidência do imposto, a entrega da viatura sinistrada à seguradora pelo segurado, não se poderá com propriedade dizer que a seguradora a adquiriu sem que tenha havido exercício do direito a dedução. Este direito de dedução é do IVA suportado. Se não houve IVA suportado nunca poderá falar-se em exercício ou não do respectivo direito a dedução»; (ii) «a estender-se o âmbito da isenção prevista no nº 33 do art. 9º do CIVA, no sentido do defendido na jurisprudência do Acórdão do STA, que serviu de fundamento à sentença “a quo”, implicaria aceitar-se que sempre que um qualquer sujeito passivo, uma vez que o preceito é de aplicação genérica, adquirisse um qualquer bem a um particular estaria em condições de isentar a sua posterior transmissão. Ora, acontece que, no caso mais frequente de comercialização de bens em segunda mão, em que os bens são adquiridos a particulares com intenção de os voltar a reintroduzir no circuito da comercialização, foi necessário prever uma disposição especial para cobrir tais situações, que não ficaram desta forma isentas de IVA. A questão foi objecto da emissão de directiva própria (Directiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994 (7ª Directiva de IVA), transposta para o direito interno por força do Decreto-Lei nº 199/96, de 18 de Outubro. Segundo o regime decorrente da mencionada Directiva, nas situações em que o segurado seja um particular ou um sujeito passivo que não deduziu o IVA suportado aquando da aquisição do veículo aplica-se à venda pela companhia de seguros o regime da margem, uma vez que se verifica também aqui de bens usados adquiridos para venda»; (iii) acresce que, no caso particular da aquisição/venda de salvados, o alargamento do âmbito da isenção levaria a questionar se o mesmo seria igualmente extensível às demais actividades conexas ou complementares previstas no art. 8º, nº1, do Decreto-Lei nº 94-B/98 (2ª parte), uma vez que também em relação às mesmas se pode argumentar que ocorrem ainda no seguimento ou decorrência do pagamento do prémio do seguro e no quadro dos contratos de seguros, entendido num sentido amplo.
Em suma: a aquisição e venda de “salvados” pelas companhias de seguros é uma actividade complementar das operações de seguro e resseguro não incluída nas normas de isenção de IVA previstas nos nºs 28º e 32º do CIVA.

4. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente a impugnação, com a consequente manutenção das liquidações impugnadas.
Custas pela recorrida nesta e na 1ª instância.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.