Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0136/96.0BTLRS 01139/16
Data do Acordão:01/22/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
MÉTODOS INDICIÁRIOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão que recusou a apreciação do vício de falta de audição prévia imputado aos actos tributários com o fundamento de que não tinha sido invocado na petição de impugnação judicial (mas apenas nas alegações pré-sentenciais).
II - Não pode extinguir-se por prescrição a obrigação tributária anteriormente extinta pelo pagamento voluntário.
III - Está fundamentado o recurso a métodos indiciários quando as irregularidades na organização e execução da escrita contabilística impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, tendo sido utilizado o critério da margem média de lucro no sector de actividade (arts.51º nº1 al.a) e 52º al.a) CIRC redação e numeração vigentes na data da prática dos factos).
IV - Está legalmente fundamentada a decisão de tributação por métodos indiciários que manifesta concordância com os pressupostos do recurso a métodos indiciários e o critério utilizado na determinação do lucro tributável supra enunciados (nº3), expressos no relatório da inspeção tributária (art.81º Código de Processo Tributário; art.125º nº1 CPA 1992).
V- Está legalmente fundamentada a liquidação do imposto que resulta do lucro tributável fixado pela Comissão de revisão, por acordo entre os vogais, após apreciação crítica da fundamentação do relatório da inspeção tributária (arts 82º e 85º nº1 Código de Procedimento Tributário).
Nº Convencional:JSTA000P25426
Nº do Documento:SA2202001220136/96
Data de Entrada:03/20/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A…………., L.da interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) em 28 abril 2016, que, concedendo provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 30 junho 2014, a qual julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IRC e juros compensatórios (ano 1991), anulou a sentença recorrida e, em substituição, julgou a impugnação judicial improcedente.

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A — DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA
1º O acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia (v. art. 144°/1 do CPT: cfr. art. 615°/1/d) do NCPC e art. 2°/f) do CPT) pois não apreciou, nem decidiu a questão de direito da falta de audição prévia que foi expressamente invocada nas alegações apresentadas pela ora recorrente, em 2013.10.21 cujo conhecimento é legalmente imposto e não estava, nem está prejudicado pela decisão das demais questões que foram objecto de apreciação (v. art. 608°/2 do NCPC; cfr. art. 286º do Cód. Civil — cfr. texto n°s. 1 a 4;
B - DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
2° Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, o pagamento do tributo exigido pela liquidação sub iudice não pode qualificar-se como acto espontâneo, pois tal pagamento destinou-se a evitar prejuízos acrescidos na esfera jurídica da ora recorrente (v. arts. 2°, 9°, 18°, 20° e 202° da CRP; cfr. Ac, STA de 2013.07.10, Proc 912/13), com penhoras e vendas no processo de execução fiscal (v. fls. 357 dos autos), não podendo deixar de se “prescrita a obrigação exequenda se entretanto esta ocorreu” (v. Ac. TCA Sul de 2008.03.11, Proc 01347/03; cfr. Ac. STA de 2009.03.11, Proc 0659/08, ambos in www.dgsi.pt.) - cfr. texto nºs. 5 e 6;
3°. O referido pagamento não constitui presunção de renúncia não torna inútil nem impede o cômputo do prazo prescricional (v. Acs. STA de 2002.10.09, Proc 0213/02 e de 2002.03.14, Proc 48085, ambos in www.dgsi.pt) como resulta de duas razões principais:
a) “Não pode considerar-se pagamento espontâneo o pagamento que, apesar de voluntário, tenha sido efectuado para obviar à iminente prossecução da execução e à prática de um acto lesivo (...), mante(ndo) utilidade o conhecimento da questão da prescrição da dívida exequenda, uma vez que o executado poderá obter a restituição do montante pago” (v. Ac. STA de 2013.07.10, Proc 912/13; cfr. Acs. STA de 1999.12.15, Proc 024144; de 1999.09.22, Proc 023349 e de 1999.03.24, Proc 022978, todos in www.dgsi.pt.
b) O “direito ao recurso contencioso e impugnação judicial dos actos de liquidação de impostos constitui garantia fundamental de natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias que, por isso mesmo e nos termos do art. 18° da CRP, é insusceptível de restrições ao seu exercício, fundamentadas em meras presunções de renúncia (v. Ac. STA de 2002.10.09, Proc 0213/02; cfr. Ac. STA de 2002.03.14, Proc 048085, ambos in www.dgsi.pt - cfr. texto n°. 6;
4°. A procedência da questão da prescrição da obrigação tributária sub judice resulta, em síntese, do seguinte:
a) Os actos tributários em causa respeitam a pretensos factos e liquidação adicional de IRC relativamente ao exercício de 1991;
b) Desde o exercício de 1991, a que se referem os actos sub judice decorreram mais de vinte e cinco anos;
c) Verifica-se assim inquestionavelmente a prescrição das pretensas obrigações tributárias em análise, ex vi do disposto nos arts. 34° do CPT, 48° e 49° da LGT e 175° do CPPT (cfr. art. 5° do DL 398/98, de 17 de Dezembro, e art. 279°/1 do C. Civil)— cfr. texto n°. 7;
5°. Mesmo considerando eventuais interrupções do prazo prescricional determinadas pelos factos enunciados no art. 49°/1 da LGT — impugnação judicial — estas deixaram de produzir quaisquer efeitos, ex vi do art. 49°/2 da LGT, pois o processo esteve parado por muito mais de um ano em consequência de actuações alheias e não imputáveis à ora recorrente — cfr. texto n°s. 7 e 8.
6°. Sendo múltiplos os factos interruptivos da prescrição, conforme se verifica in casu, “só o primeiro tem relevância legal (v. Ac. STA de 2006.09.20, Proc 0997/05, in www.dgsi.pt) pelo que, na contagem do prazo de prescrição aplicável à pretensa obrigação tributária em causa, apenas se deve considerar “o tempo decorrido desde o início do prazo de prescrição até à data da autuação” da presente impugnação — de 1992.01.01 a 1996.07.18 —, “mais o decorrido posteriormente ao ano referido na lei” — desde 1997.07.18 (v. Ac. STA de 2006.09.20, Proc 0997/05, in www.dgsi.pt) donde resulta que tal pretensa obrigação se encontrava extinta por prescrição antes de ter sido decidida a extinção da execução, por pagamento, em 2001.08.01 (v. fls. 355 dos autos; cfr. art. 348° do CPT — cfr. texto n°s. 7 a 9;
C — DA ILEGALIDADE DO RECURSO A MÉTODOS INDICIÁRIOS
7°. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, no caso sub judice não se verificam, nem sequer foram invocados os pressupostos que permitiriam o recurso a métodos indiciários pela Administração Fiscal (v. arts. 51° e 52° do CIRC; cfr. Ac. TCA Sul de 2004.09.21, Proc 5046/01), reconhecendo-se expressamente que “não foram encontrados elementos na contabilidade que indiciassem a existência de outras vendas de imóveis ou outros proveitos para além daqueles que se encontram contabilizados (v. fls. 77 dos autos), e que a ora recorrente “possui os livros obrigatórios de acordo com o determinado no art° 33° do Código Comercial e escriturados dentro do prazo legal (v. fls. 25 dos autos) — cfr. texto n°. 10;
8°. Os elementos contabilísticos da ora recorrente, os respectivos documentos de suporte e os esclarecimentos prestados pelos representantes da ora recorrente à Administração Fiscal, no âmbito do dever de cooperação (v. fls. 52-52v. dos autos), permitiam determinar obiectivamente o respectivo lucro tributável, pelo que, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, não se verificou qualquer “ruptura daquele dever” (v. Ac. TCA Sul de 2005.03.01, Proc 371/04), tendo sido frontalmente violado o disposto nos arts. 51º e 52° do CIRC - cfr. texto n°. 10;
9°. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, o recurso a métodos indiciários na liquidação impugnada nunca se poderia fundamentar nas “conclusões do relatório inspectivo” das contas da ora recorrente, pois:
a) O relatório de exame à escrita deu origem à liquidação oficiosa de IRC n° 46585 de 1995.09.12 com base no seguinte pressuposto:
“ Lucro tributável — 254.623.639$00 (v. fls. 33 dos autos);
b) A liquidação impugnada n°. 8310004828, de 1996.02.06 teve por base o seguinte:
- Lucro tributável — “26.795.000$00” (v. fls. 98 dos autos);
o) O “relatório inspectivo não “especifica os motivos por que a contabilidade não merece crédito” — fundamentação formal -, nem “demonstra o bem fundado das suas conclusões” — fundamentação material — relativamente à “tributação por métodos indiciários (v. Ac. TCAN de 2008.02.28, Proc 04634/04, in www.dgsi.pt — cfr. texto n°. 10;
10ª. A Administração Fiscal “não alegou e demonstrou a impossibilidade de apurar a matéria tributável por métodos directos (v. Ac. TCA Sul de 2005.05.24. Proc 505/05), pelo que, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, é inquestionável a ilegalidade da determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos e indiciários (v. art. 268°/3 da CRP, arts. 124° e 125° do CPA e arts. 51° e 52° do CIRC), não se tendo procedido à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da Secção II do CIRC por razões que são exclusivamente imputáveis à própria AT (v. art. 51°/2 do CIRC; cfr. art. 8° da LGT) — cfr. texto n°. 10;
D — DA FALTA DE AUDIÇÃO PRÉVIA
11ª. Os actos tributários sub judice têm natureza de actos administrativos, estando sujeitos à disciplina do CPA, maxime ao estabelecido nos respectivos arts. 8° e 100º e segs. (v. arts. 1° e 2° do CPA e art. 1° e 2º do NCPA cfr. Acs. STA de 1991.12.11, Proc 010591, de 1991.12.11, Proc 012044; de 1991.10.30, Proc 013467; de 1991.10.16, Proc 013553; de 1991.05.29, Proc 012477, in www.dgsi.pt - cfr. texto n°. 11;
12ª. A audição prévia do contribuinte constitui uma formalidade essencial dos procedimentos administrativos tributários (v. art. 19°/c) do CPT) que “antes da entrada em vigor da L.G.T., tinha de ser assegurado nos termos dos arts. 100.º e seguintes do C.P.A” (v. arts. 8°, 55° e 100° e segs. do CPA e art. 60° da LGT; cfr. Ac. STA de 2006.01.11., Proc. 0584/05, www.dgsi.pt) constituindo questão de direito que deverá ser apreciada por este Venerando Tribunal (v. arts. 32°/1/a) e 41°/1/a) do ETAF cfr. texto nº. 12;
13°. Como resulta claramente dos documentos juntos pela AT a fls 19 a 131 dos autos, a ora recorrente nunca foi notificada para se pronunciar sobre “a decisão de aplicação de métodos indiciários” nem para se pronunciar previamente à liquidação n°. 8310004828, de 1996.02.06 que integra o objecto da presente impugnação pelo que foi frontalmente violado o disposto nos arts. 8°, 55° e 100º e segs. do CPA (v. art. 267°/5 da CRP, arts. 19° do CPT e 60° da LGT; cfr. Ac. STA de 2006.01.11, Proc 0584/05,www.dgsi.pt)— cfr. texto n°s. 12 e 13;
E — DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
14°.Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, os actos sub iudice não contêm em si quaisquer razões de facto e de direito, nem remetem, de forma expressa e inequívoca para qualquer parecer, proposta ou informação, pelo que enfermam de falta de fundamentação (v. art. 268°/3 da CRP; cfr. arts. 124° e 125° do CPA)— cfr. texto n°s. 14 e 15;
15°. A acção de fiscalização da contabilidade da ora recorrente, levada a cabo pela AT, o respectivo relatório e o “despacho que a sustenta” (v. n.° 7 dos FP), nunca poderiam constituir fundamentação adequada e suficiente da liquidação de IRC sub judice como se decidiu no douto acórdão recorrido, pois:
a) O relatório de exame à escrita deu origem à liquidação oficiosa de IRC n°. 46585, de 1995.09.12 com base num “lucro tributável (de) 254.623.639$00 (v. fls. 33 dos autos);
b) A liquidação impugnada nº. 8310004828, de 1996.02.06 teve por base a acta da Comissão de Revisão e um lucro tributável de “26.795$00 (v. fls. 98 dos autos) — cfr. texto n°s. 15 e 16;
16°. As decisões impugnadas não indicam quaisquer razões de facto e de direito, um lado do recurso infundamentado a métodos indiciários e por outro, da liquidação e cobrança à ora recorrente do tributo sub judice (v. art. 268°/3 da CRP e arts.21°, 81°e 82°do CPT)— cfr. texto n°. 17;
17°. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, os actos sub iudice enfermam assim de manifesta falta de fundamentação tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 268°/3 da CRP, 36° do CPPT, 21°, 81° e 82° do CPT, 124° e 125° do CPA e 51° e 53° do CIRC (cfr., actualmente, arts. 152° e 153° do NCPA - cfr. texto n°s. 18 e 19;
18°. O douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 2°, 9°, 18° 20°, 202°, 267°/5 e 268° da CRP, nos arts. 51° a 53° do CIRC nos arts. 8°, 48°, 49° e 60° da LGT, nos arts. 8°, 55°, 100°, 124° e 125° do CPA, nos arts. 36°, 125° e 175° do CPPT nos arts 19°, 21°, 34°, 81° e 82° do CPT e nos arts. 608° e 615°/1/d) do NCPC

NESTES TERMOS,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.


1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo físico fls.430/434)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença do tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A impugnante é uma empresa que tem como objeto social a indústria de construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim - cfr. fls. 68 a 74 dos presentes autos.
2. A impugnante encontra-se enquadrada, em IRC, no regime geral de tributação e, isenta de IVA - cfr. fls. 68 a 74 dos presentes autos.
3. A impugnante foi objeto de ação inspetiva ao IRC dos exercícios de 1990, 1991, 1992 e 1993, a coberto da Ordem de Serviço nº 5401, de 17/04/1995 - cfr. fls. 21 dos presentes autos.
4. A impugnante foi notificada pelos serviços inspetivos da AT para, no dia 15/06/1995, apresentar os extratos das contas e respetivos documentos referentes ao valor de 145.660.000$00 do exercício de 1991 – cfr. fls. 35 dos presentes autos.
5. Em sede inspetiva a AT concluiu que a contabilidade da impugnante sofria de várias irregularidades, nomeadamente “A empresa não possui contabilidade organizada, conforme o determinado no art. 98° do CIRC e 44° do CIVA, no entanto, possui os livros obrigatórios de acordo com o determinado no art. 33° do Código Comercial e escriturados dentro do prazo legal. Não é prática corrente nesta empresa, a movimentação de contas de meios monetários, por esse facto todos os pagamentos e recebimentos são efetuados através da conta 21551, empréstimos de sócios. Por esse facto torna-se completamente impossível o controlo dos fluxos financeiros, até porque nem mesmo existem documentos internos que provem esses fluxos. Foram solicitados os inventários, bem como os documentos referentes às existências iniciais de 1990 e compras de 2991, tendo a contribuinte sido notificada em 16 de Maio do corrente ano (...) para apresentar esses documentos. Como os mesmos não foram apresentados no dia indicado e, depois de o contribuinte ir protelando por diversas vezes a sua entrega, foi ouvido em auto de declarações (…) Pelos factos descritos, nomeadamente, inexistência de contabilidade organizada, inexistência de movimentos financeiros, inventários, entre outros, concluímos que não é possível determinar com rigor e exatidão, o valor declarado pelo contribuinte, pelo que o mesmo deverá ser determinado pelos métodos indiciários, nos termos dos arts. 51°, n° 1 al. a) e 52°, nº 1 al a) do CIRC (...)” cfr. fls. 25 a 26 dos presentes autos.
6. Aduz, ainda, o relatório inspetivo o seguinte: “Exercício de 1991 - Em relação a este exercício, a empresa efetuou vendas no montante de 1.150.000.000$00, entre as quais se encontram 7 andares e uma garagem em Alfragide, conforme escrituras que se juntam em anexos 7 e 8. Das existências iniciais de 1.205.156.314$00, desconsiderou-se para além do prédio sito na Praça ……….., nºs 5, 6 e 7 e respetivas indeminizações, também está incluído o custo dos andares e garagens referidas no montante de 29.925.900$00, encontrando como segue:
41,91%=51.000.000$00xCMV51.000.000$00
41,91%=51.000.000$00=51.000.000$00 – CMV
21.374.100$00=51.000.000$00 - 21.374.100$00=29.925.900$00
CMV=29.925.900$00
Também em relação às compras do exercício de 1991 declaradas no quadro 14, linha 2, no montante de 145.600.000$00, o sujeito passivo alega não ter documentos, conforme termo de declarações, que se junta em anexo 6, no entanto, existe a compra no valor de 13.500.000$00, respeitante a 1/6 indiviso de 8% do prédio sito na Praça ……………, nºs 5, 6 e 7, conforme escritura que se junta e, uma indeminização de 5.000.000$00, cujo recibo se junta o que totaliza 18.500.000$00. As existências finais da empresa (...) para o diferencial de 127.160.000$00 (145.660.000$00 - 18.500.000$00), compras indicadas no quadro 14 linha 2, não foi apresentada qualquer justificação nem documento que as suporte, por esse facto, considerou-se que as mesmas foram alienadas neste exercício, atendendo a que não foram declaradas quaisquer existências finais por parte da empresa. Assim, foram presumidas vendas neste exercício no montante de 395.557.694$00 (…) Aplicando a MBV no sector para o ano de 1991 de 43,74 (...)” - cfr. fIs. 28 a 30 dos presentes autos.
7. As correções propostas em sede de inspeção, foram sancionadas por despacho do "Diretor Distrital de Finanças (Por delegação), ……….. (Diretor de Finanças) - cfr. fls. 21 dos presentes autos.
8. A delegação de competências, a que se reporta o ponto anterior, encontra-se publicada no DR nº 257/94, II Série, de 07/11/1994 - cfr. fls. 109 e 110 dos presentes autos.
9. Para o exercício de 1991, a inspeção tributária propôs, quanto à quantificação do IRC:
i) Prejuízo Fiscal declarado: 140.503.842$00 ii) Vendas Presumidas: 295.147.487$00 iii) Lucro Trib. Proposto: 254.623.639$00 - cfr. fls. 33 dos presentes autos.
10. Tendo sido deduzida reclamação para a comissão de revisão, a mesma reuniu e deliberou por unanimidade, para o exercício de 1991, que o valor fixado de 254.623.639$00, fosse alterado para 26.795.000$00 - cfr. fIs. 75 a 77 dos presentes autos.
11. Para o funcionamento da Comissão de Revisão, referida no ponto anterior, o Diretor Distrital de Finanças de Lisboa, delegou no Diretor de Finanças, ………., a presidência da comissão de revisão, e nomeou como vogal da Fazenda Nacional, o PFT, de 1ª, ………. - cfr. fls. 113 dos presentes autos.
12. Em 06/02/1996, foi realizada a liquidação com nº 8310004828, cuja matéria colectável é de 26.795.000$00, apurando um imposto de 9.646.200$00, derrama no valor de 936.620$00 e juros compensatórios no valor de 6.309.368$00, cujo total a pagar é de 16.920.188$00 - cfr. fls. 86 a 90 dos presentes autos.
13. A impugnante, durante o ano de 2001, procedeu ao pagamento do imposto apurado no ponto 12 - cfr. fls. 175 a 179 dos presentes autos.
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«II.2- Dos FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou a existência de elementos documentais, na contabilidade da impugnante, destinados a suprir a ausência de inventários físicos para os anos de 1990 e 1991. // Não se provou a existência de outros elementos contabilísticos ou documentos externos de suporte à contabilidade para além dos referidos no relatório inspetivo. // Não se provou que a impugnante tenha apresentado os extratos das contas e respetivos documentos externos, referentes ao valor de 145.660.000$00, do exercício de 1991. // Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados. //1 A convicção do tribunal no estabelecimento do quadro factológico fundou-se, em primeira linha, no teor dos documentos citados nas alíneas supra, nomeadamente da informação constante dos relatórios de inspecção, e bem assim na acta da comissão de revisão».
O TCA Sul aditou a seguinte matéria de facto (artigo 662.° nº1 CPC):
14. Por meio de despacho do Chefe de Repartição de Finanças, de 11.01.2001, foi deferido o pedido de pagamento em prestação da dívida de IRC de 1991, em causa nos autos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10.09.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questões decidendas:
Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia/falta de audição prévia
Prescrição da obrigação tributária
Ilegalidade do recurso a métodos indiciários
Falta de fundamentação da decisão de tributação por métodos indiciários e da liquidação do imposto

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia/falta de audição prévia
A recorrente imputa ao acórdão recorrido nulidade consistente na omissão de pronúncia sobre a questão da falta de audição prévia à decisão de aplicação de métodos indiciários e à liquidação impugnada (conclusão A) (art.125º nº1 CPPT; art.615º nº1 al.d) CPC/art.2º al.e) CPPT)
Contrariamente à alegação da recorrente o acórdão impugnado pronunciou-se sobre a questão no sentido de que ela não deveria merecer apreciação porque não tinha sido suscitada na petição inicial mas apenas nas alegações pré-sentenciais, não tendo sido invocado facto superveniente que justificasse a alegação tardia do vício.
Neste contexto o acórdão não enferma da nulidade imputada, apenas lhe podendo ser imputado, em abstracto, eventual erro de julgamento da pronúncia sobre a recusa de apreciação da questão.
No caso concreto tal erro de julgamento é inexistente porque se, como se afirma acertadamente na fundamentação do acórdão, citando doutrina qualificada «nas alegações, em regra, apenas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição de impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitar novas questões de ilegalidade do acto impugnado.
Este entendimento tem sido baseado no princípio da estabilidade da instância (art.268º CPC) [art.260ºCPC actual], e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (nº1 do art.108º CPPT)
Assim, só relativamente a questões de conhecimento oficioso ou quando surjam factos subjectivamente supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar factos novos ou suscitar novas questões de legalidade do acto impugnado, designadamente imputar-lhe novos vícios» (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição Volume II pp.297/298)
2.2.2.2. Prescrição da obrigação tributária
A obrigação tributária foi extinta por pagamento voluntário efectuado em 1 agosto 2001, no âmbito do plano de regularização da dívida tributária, ao abrigo do DL nº 124/96, 10 agosto (6ª conclusão; processo físico fls.355).
A extinção da obrigação pelo pagamento voluntário impede a sua posterior extinção por prescrição.
No caso concreto nem sequer poderia invocar-se que a extinção da obrigação por prescrição se verificou antes da extinção pelo pagamento voluntário, considerando que:
a) o prazo de 10 anos de prescrição da obrigação tributária emergente de IRC (ano 1991) se iniciou em 1 janeiro 1992 (art.34º nºs 1 e 2 CPT);
b) a contagem contínua do prazo (independentemente de causas de interrupção e de suspensão) teria o seu termo final em 31 dezembro 2001, data posterior à extinção da obrigação pelo pagamento voluntário.
Não obstante a extinção da obrigação pelo pagamento voluntário, a lide mantém a sua utilidade, devendo prosseguir para apreciação da legalidade da liquidação, visando a restituição do imposto pago, na medida em que aquele pagamento não implica renúncia ao exercício do direito de impugnação (art.96º nº2 LGT) (desenvolvimento da questão em Jorge Lopes de Sousa ob.cit. Volume III pp.279/280)
2.2.2.3. Ilegalidade do recurso a métodos indiciários
O relatório do exame à escrita do sujeito passivo revela:
- contabilidade não organizada de acordo com as regras estabelecidas nos termos da lei comercial e fiscal (art.98º nº1 CIRC);
- irregularidades na organização e execução contabilística;
- inexistência de movimentos de tesouraria, nomeadamente pelas contas caixa e bancos, sendo todos os pagamentos e recebimentos efectuados através da conta 21551 empréstimos de sócios, sem qualquer apoio documental (nem sequer documentos internos que provem os fluxos financeiros);
- inexistência de inventários;
- compras e vendas não identificadas nem documentadas
Da conjugação das premissas enunciadas resulta, inequivocamente, a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, tendo sido utilizado para a sua determinação o critério da margem média de lucro no sector de actividade (art.81º CPT; arts.51º nº1 al.a) e 52º al.a) CIRC, redação e numeração vigentes na data dos factos).
2.2.2.4 Falta de fundamentação da decisão de tributação por métodos indiciários e da liquidação do imposto
2.2.2.4.1. No domínio da fundamentação do acto administrativo é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material:
- à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo;
- à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (traduzida na real verificação dos pressupostos de facto invocados e na correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)
Na síntese impressiva de autor conceituado:
«…o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (Vieira de Andrade O dever de fundamentação expressa de actos administrativos Almedina, 2003, p.231)
O princípio constitucional da fundamentação formal dos actos administrativos (art.268º nº3 CRP) foi densificado nos arts.124º e 125º CPA (aprovado pelo DL nº 442/91, 15 novembro) e, actualmente no art.77º nºs 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário)
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência;
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa
Segundo ensinamento pacífico da doutrina e da jurisprudência a fundamentação do acto administrativo há-de ser:
- expressa, traduzida na exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão
- clara, permitindo que pela leitura do seu teor se apreendam com precisão os factos e as normas jurídicas conducentes à decisão;
- suficiente, permitindo um conhecimento concreto da motivação da decisão;
- congruente, por forma a que a decisão seja a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação
As características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas da chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Sob pena de perversão das funções endógena e exógena de controlo da legalidade (supra assinaladas,) a fundamentação deve ser contextual e integrante do acto tributário, sendo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que pretenda suprir lacuna posteriormente detectada
2.2.2.4.2. Aplicando as considerações doutrinárias antecedentes ao caso concreto:
A decisão de tributação por métodos indiciários proferida pelo Director Distrital de Finanças adopta os fundamentos do relatório da inspeção tributária, onde se especificam os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e os critérios da sua determinação, nos termos enunciados antecedentemente (2.2.2.3.Ilegalidade do recurso a métodos indiciários)
A fundamentação do relatório acolhida na decisão cumpriu a sua dupla função de controlo endógeno e exógeno, permitindo ao sujeito passivo uma contestação esclarecida na reclamação para a Comissão de Revisão, onde logrou obter a alteração do lucro tributável do exercício de 1991 de 254 623 639$00 para 26 795 000$00 (factos provados nºs 9/10; processo físico fls.21/34)
A liquidação do imposto impugnado teve por base o lucro tributável revisto, cujo valor foi fixado com o acordo de ambos os vogais (factos provados nºs 10/12, processo físico fls.75/77; art.85º nº1 CPT)
O argumento invocado pela recorrente de que a liquidação impugnada teve como fundamento a deliberação da Comissão de Revisão e não o relatório de inspeção não colhe: aquela comissão procedeu a uma apreciação crítica dos fundamentos do relatório, tendo eliminado custos não documentados que haviam sido considerados 2 vezes para efeitos de cálculo das vendas presumidas (decisão da comissão, fls.77)
Neste contexto os actos tributários sob análise não enfermam de falta de fundamentação:
- a decisão de tributação por métodos indiciários está legalmente fundamentada, por declaração de concordância com os fundamentos expressos no relatório da inspeção tributária (arts.21º e 81º CPT; arts.125º CPA 1992);
- a liquidação do imposto resulta da fundamentação da decisão da Comissão de revisão a qual, após apreciação crítica da fundamentação do relatório da inspeção tributária, fixou, por acordo dos vogais, o lucro tributável do exercício de 1991

3. DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica o acórdão recorrido
Custas pela recorrente (art.527º nºs 1 e 2 CPC)

Lisboa, 22 de janeiro de 2020. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.