Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0765/10
Data do Acordão:02/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário:I - O indeferimento liminar da petição deve ser cautelosamente decretado justificando-se, nomeadamente, em casos em que a continuação do processo constitua manifesto desperdício de actividade judicial.
II - Ora, impondo-se nos autos a averiguação factual relevante para a decisão, a continuação destes é essencial para se chegar a uma decisão de mérito, pelo que a petição não podia ser liminarmente indeferida
Nº Convencional:JSTA000P12637
Nº do Documento:SA2201102240765
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 22 de Abril de 2010, que, por manifesta improcedência do pedido, indeferiu liminarmente a petição inicial de impugnação por si deduzida contra a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Bens Imóveis (IMT) relativa à aquisição que efectuou em 2007/04/04, no Cartório Notarial de B…, em Santo Tirso, de uma parcela de terreno destinada à construção urbana, da freguesia e concelho de Santo Tirso, inscrita na matriz predial sob o artigo 5298 e respectivas benfeitorias, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1 - Foram dados como provados todos os requisitos da simulação do negócio, que conduzem à sua nulidade.
2 – A impugnação deveria ter sido julgada procedente.
3 - Porque, atenta a nulidade do negócio, por simulação, inexiste o facto tributário subjacente à liquidação adicional de Imposto do Selo impugnada.
4 - O Estado não pode ser entendido como terceiro na economia do artº 243º do C. Civil.
5 - A protecção prevista no citado artigo dirige-se aos terceiros de boa fé que, em relação ao objecto do negócio simulado (nulo), tenham adquirido direitos incompatíveis com este.
6 - O que não é caso da administração Fiscal que apenas beneficia dos efeitos colaterais (tributários) do negócio simulado.
7 - A Administração Fiscal deve desconsiderar os efeitos jurídico-tributários do negócio nulo.
8 - A nulidade poderia e deveria ter sido declarada neste processo, tanto mais que foram dados como provados todos os requisitos atinentes à simulação, não carecendo qualquer intervenção dos tribunais comuns.
9 - A invocação da simulação não constitui exercício ilegítimo de um direito ou o seu abuso.
10 - Não tem aplicação ao caso o disposto no artigo 10° da LGT porque, tendo em vista a tributação do facto tributário, ainda que ilícito, não se destina àquelas situações em que o facto tributário simplesmente não existe.
11 - Foi violado o disposto nos artigos 99º do CPPT, 10° e 39° da LGT, 243°, 286º, e 334°. do Código Civil.
Termos em que revogando a decisão recorrida e declarada a nulidade do negócio com a consequente destruição dos seus efeitos juridico-tributários, se fará JUSTIÇA.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer (fls. 142/143) no qual se pronunciou no sentido do não provimento do recurso.
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 158 a 160 dos autos) veio a recorrente responder nos termos de fls. 165 a 167 dos autos.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, havia fundamento para indeferimento liminar da petição de impugnação por “manifesta improcedência do pedido”.
5 – Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A) A impugnação alega como fundamento da impugnante a inexistência da dívida de qualquer imposto (fls. 44). --
B) O fundamento da inexistência da dívida do imposto é a alegada nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda que está subjacente à transmissão do imóvel que determinou a sua avaliação e consequente liquidação adicional do IMT que deu origem à impugnação judicial (fls. 44).—
C) A impugnação, anteriormente denominada "C..., Ldª", pessoa colectiva nº …, alega que em 2006 era devedora de avultadas quantias e que para criar dificuldades à acção dos seus credores acordou com D… a transmissão simulada do referido prédio (fls. 43 e 44).--
D) Em 16/3/2006, no Cartório Notarial do Notário E…, em Vila Nova de Famalicão, compareceu a impugnante e D… para celebração de escritura de compra e venda, declarando a impugnante vender o aludido prédio urbano a D… pelo preço de 600.004,46 € e este, por sua vez, declarando comprar o dito prédio (fls. 43 a 45 e 54 a 58). –
E) Porém, nem a impugnante nem D… manifestaram a sua vontade real (fls. 47). --
F) A impugnante nunca teve vontade de vender o prédio em causa, nem D… vontade de o comprar (fls. 47). --
G) A impugnante, ao declarar vender, e D…, ao declarar comprar, não quiseram concretizar qualquer negócio (fls. 48).—
H) A outorga da escritura em causa apenas teve como objectivo evitar que credores da oponente executassem o seu património (fls. 48). --
I) A escritura de compra e venda celebrada no dia 16/03/2006 foi simulada, com o intuito de frustrar a execução do património da oponente por parte dos seus credores (fls. 49). --
J) Na petição inicial a impugnante invoca como fundamento da anulação da liquidação adicional a simulação do negócio jurídico e a sua consequente nulidade (fls. 43 a 49).
6 – Do indeferimento liminar da petição de impugnação
A sentença recorrida, a fls. 84 a 89 dos autos, indeferiu liminarmente, atenta a manifesta improcedência do pedido, a petição inicial de impugnação oportunamente apresentada pela então impugnante contra o acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Bens Imóveis (IMT) devido pela aquisição que efectuou em 2007/04/04, no Cartório Notarial de B…, em Santo Tirso, de uma parcela de terreno destinada à construção urbana, da freguesia e concelho de Santo Tirso, inscrita na matriz predial sob o artigo 5298 e respectivas benfeitorias.
Apesar de ter indeferido liminarmente a petição, o juiz “a quo” deu como provados, entre outros, os factos seguintes (sublinhados nossos):
A) Em 16/3/2006, no Cartório Notarial do Notário E…, em Vila Nova de Famalicão, compareceu a impugnante e D… para celebração de escritura de compra e venda, declarando a impugnante vender o aludido prédio urbano a D… pelo preço de 600.004,46 € e este, por sua vez, declarando comprar o dito prédio (fls. 43 a 45 e 54 a 58). –
B) Porém, nem a impugnante nem D… manifestaram a sua vontade real (fls. 47). --
C) A impugnante nunca teve vontade de vender o prédio em causa, nem D… vontade de o comprar (fls. 47). --
D) A impugnante, ao declarar vender, e D…, ao declarar comprar, não quiseram concretizar qualquer negócio (fls. 48).—
E) A outorga da escritura em causa apenas teve como objectivo evitar que credores da oponente executassem o seu património (fls. 48). --
F) A escritura de compra e venda celebrada no dia 16/03/2006 foi simulada, com o intuito de frustrar a execução do património da oponente por parte dos seus credores (fls. 49). --
G) Em 16/3/2006, no Cartório Notarial do Notário E…, em Vila Nova de Famalicão, compareceu a impugnante e D… para celebração de escritura de compra e venda, declarando a impugnante vender o aludido prédio urbano a D… pelo preço de 600.004,46 € e este, por sua vez, declarando comprar o dito prédio (fls. 43 a 45 e 54 a 58). –
H) Porém, nem a impugnante nem D… manifestaram a sua vontade real (fls. 47). --
I) A impugnante nunca teve vontade de vender o prédio em causa, nem D… vontade de o comprar (fls. 47). --
J) A impugnante, ao declarar vender, e D…, ao declarar comprar, não quiseram concretizar qualquer negócio (fls. 48).--
K) A outorga da escritura em causa apenas teve como objectivo evitar que credores da oponente executassem o seu património (fls. 48). --
L) A escritura de compra e venda celebrada no dia 16/03/2006 foi simulada, com o intuito de frustrar a execução do património da oponente por parte dos seus credores (fls. 49). --
Ora, o pedido apresentado pela então impugnante na sua petição inicial de impugnação respeita ao IMT devido pela aquisição que efectuou em 2007/04/04, no Cartório Notarial de B…, em Santo Tirso, e não à venda que terá efectuado em 16/3/2006, no Cartório Notarial do Notário E…, em Vila Nova de Famalicão, a que se refere o probatório fixado.
Compulsada a petição inicial de impugnação (em especial os seus artigos 12.º, 13.º, 22.º, 33.º e 34.º) bem como os documentos autênticos e particulares junto aos autos compreende-se que, afinal, não se realizou apenas a venda simulada a que se refere a alínea D) do probatório, mas também um contrato-promessa e uma nova venda do imóvel à impugnante, sendo esta que motivou a liquidação sindicada nos presentes autos.
Deste modo, e à semelhança do que sucedeu no processo n.º 766/10 (decidido por Acórdão deste Supremo Tribunal do passado dia 12 de Janeiro, também subscrito pela relatora, e que tinha por objecto o Imposto do Selo liquidado em razão da mesma transmissão), existe défice instrutório, que este Tribunal não pode suprir por apenas conhecer de direito.
E deste modo, como se decidiu naquele outro Acórdão, tem de julgar-se que o indeferimento liminar não é adequado ao caso dos autos, pois que este deve ser cautelosamente decretado justificando-se, nomeadamente, em casos em que a continuação do processo constitua manifesto desperdício da actividade judicial, o que não sucede no caso dos autos, em que se impõe a cuidada averiguação dos factos relevantes para a decisão, pelo que a continuação do processo não pode considerar-se actividade jurisdicional desnecessária.
Diga-se, finalmente, que o relatório da sentença recorrida (fls. 84 e 85 dos autos) parece incluir no seu objecto tanto o IMT impugnado nos presentes autos, como o Selo devido pela mesma aquisição mas objecto do processo no qual foi proferido o nosso Acórdão de 12 de Janeiro de 2011 (rec. n.º 766/10). Trata-se, com certeza, de lapso, mas que importará corrigir, pois que embora ambos os tributos resultem da mesma transmissão, terão sido objecto de autónomas impugnações.
– Decisão –
7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, com a presente fundamentação, conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, devendo os autos baixar à primeira instância para prosseguirem, se nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - António Calhau - Casimiro Gonçalves.