Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0817/14
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CONCURSO DE PROVIMENTO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO
Sumário:I – A reconstituição da carreira implica que se tenham de levar em conta as promoções que devessem ter ocorrido por antiguidade mas já não as promoções que dependam de concurso ou escolha.
II – Uma vez que a simples admissão a um concurso não garante que nele se logre êxito, pode a carreira dos funcionários reconstituir-se através da sua candidatura a um concurso similar futuro, atribuindo-se ao eventual provimento efeitos retrotraídos à data dos provimentos resultantes do concurso anterior.
III – Uma tal solução não será possível se, entretanto, o funcionário se aposentou, consubstanciando a situação de aposentação, nesta medida, uma causa legítima de inexecução do julgado anulatório.
Nº Convencional:JSTA00070291
Nº do Documento:SA1201707120817
Data de Entrada:07/03/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - EXECUÇÃO DE JULGADO.
Legislação Nacional:CONST05 ART266.
CPTA02 ART18 ART163 N1 ART166 ART173 N1.
CPA91 ART8.
CCIV66 ART68 N1.
L 67/07 DE 2007/12/31 ART16.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01710/13 DE 2014/09/25.; AC STA PROC0949/12 DE 2012/11/20.; AC STA PROC047472A DE 2009/02/25.; AC STA PROC028127A DE 2000/11/08.; AC STA PROC023836 DE 1998/06/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO


1. A…………….., devidamente identificado nos autos, vem recorrer, nos termos dos artigos 142.º e 143.º do CPTA, da decisão do TCAS em 1ª instância, de fls. 341 a 358, a qual negou provimento à reclamação para a conferência por si apresentada.

A presente acção foi proposta inicialmente no TCAS pelo exequente, ora recorrente, contra o Ministério da Justiça (MJ). Trata-se de uma acção de execução de sentença de anulação, em que o TCAS conheceu em 1.ª instância.
Pelo mesmo TCAS fora proferido o acórdão de 06.04.06, no recurso contencioso de anulação n.º 12217/03, que anulou o despacho da Ministra da Justiça de 10.01.03, o qual negou provimento ao recurso hierárquico necessário do despacho do Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária que indeferiu o seu pedido de reconstituição da sua carreira em igualdade de circunstâncias com o candidato graduado em 118.º lugar, candidato este que, tendo lançado mão de meios contenciosos, logrou obter a anulação do concurso público em que ambos foram opositores, concurso aberto por Aviso publicado no DR, de 04.05.95, para provimento de 100 lugares para Subinspector (actual Inspector Chefe), do nível 1, do quadro de pessoal da PJ (vide ponto A. da matéria de facto assente constante do Acórdão do TCAS de execução de julgado anulatório, datado de 24.05.12). Alegando que a referida decisão do TCAS, já transitada em julgado, não foi executada, foi intentada no mesmo TCAS acção de execução de sentença. Por decisão de 24.05.12, o TCAS determinou o seguinte:

“Em face do exposto, acordam em julgar a execução procedente e, em consequência, determina-se o seguinte:
- deve o Executado determinar a repetição dos actos do concurso, desde a sua abertura e definição de critérios;
- ou, caso considere que tal repetição é de todo impossível, deverá graduar o ora Exequente em igualdade com o candidato graduado em 118 lugar, assim reconstituindo a sua carreira profissional, conferindo-lhe a antiguidade de Subinspector e seguidamente (com a entrada da Lei Orgânica Orgânica da P.J. D.L. n.º 275-A/2000 de 9 de Novembro) de Inspector Chefe desde a data em que tomaram posse os seus Colegas que ficaram admitidos, no curso aberto por via de concurso, cujo aviso foi publicado no Diário da República, n.º 81, de 5 de Abril de 1995, até à presente data, devendo tal reestruturação de carreira compreender, as subidas de escalões que se deveriam de ter dado em função dos anos de serviços na categoria, bem como, o pagamento de todas as diferenças salariais entre o Exequente recebeu desde essa data até à presente data e o que deveria de ter recebido, por efeito de cada momento em que deveria de ter ocupado o cargo que resulta da presente reestruturação de carreira, valores acrescidos de juros legais, vencidos e vincendos até o efectivo e integral pagamento.
- Fixa-se em 30 dias o prazo para que o Executado inicie os actos necessários à execução da presente decisão, sendo que se o Executado optar pela reconstituição da carreira profissional do Exequente, o prazo para o cumprimento integral desta decisão é de 60 dias, após os quais se poderá condenar o Executado, na pessoa do Ministro da Justiça, numa sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento efectivo da decisão, no montante de 5% do valor do salário mínimo nacional” (cfr. fls. 133-4 dos autos).

O MJ optou pela primeira das opções, e assim, por despacho do Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, de 14.06.12, foi decidido o seguinte (cfr. fls 143 a 145 dos autos):
“(…)
Com essa finalidade, e se assim se pode fazer justiça, determinou o seguinte:

1. A URHRP deve apresentar, no prazo máximo de oito dias, uma proposta de nomeação de um novo júri para este concurso, constituído por membros que não tenham integrado ou participado no júri anterior e que satisfaçam os requisitos legais.
2. Ao novo júri compete, como primeira e prioritária atribuição, a fazer constar em ata, a definição e aprovação dos critérios de avaliação e de classificação da prova de avaliação curricular, com o possível aproveitamento e ou reformulação dos adotados pelo júri anterior.
3. Será da responsabilidade do novo júri dar continuidade às operações do concurso, com a realização e classificação da prova curricular e das restantes fases, assumindo e aprovando o processado relativamente aos restantes métodos de seleção.
4. A URHRP, logo que o júri apresente a primeira ata, com os critérios de avaliação curricular aprovados, deve preparar um aviso, para alteração do aviso de abertura e a publicitar pela mesma forma, que, designadamente:
- Divulgue a constituição do novo júri;
- Incorpore a nova ficha de avaliação, com destaque para os novos critérios de avaliação curricular, ou indique que esses critérios constam da ata do júri, a qual é facultada aos candidatos, se solicitada;
- Esclareça a função seletiva complementar do curso de formação, sem a natureza de método de seleção;
- Mencione o sistema de classificação final;
- Conceda novo prazo para que os candidatos, à luz dos novos critérios de avaliação curricular, possam, querendo, reformular o currículo profissional, frisando que do mesmo só poderão constar elementos curriculares adquiridos ou ocorridos até à data de abertura do concurso, não sendo admitidas atualizações ou referências a dados posteriores;
- Introduza outros elementos ou retificações que se revelem necessários ou adequados, em decorrência da lei ou de irregularidades invocadas que se mostrem pertinentes;
5. A URHRP, como depositária do processo do concurso, deve providenciar para que o novo júri não tenha acesso, por qualquer forma ou meio, aos processos dos candidatos admitidos a este concurso, nomeadamente aos seus currículos, antes da aprovação dos critérios de avaliação curricular e da receção da ata da qual os mesmos constem”.

Por requerimento de fls. 154 a 157 veio o exequente, constatado que o executado tinha feito aquela opção, invocar, antes de mais, e em síntese, que o MJ “escolheu uma via claramente ilegal”, porque desrespeitadora da decisão judicial, e isso, na medida em que “o Acórdão estabelece, explicitamente, que tem que ser lançado novo concurso, mas a PJ pelo contrário, decide apenas alterar os critérios pretendidos, não tendo qualquer suporte legal para o efeito”. Além disso, entendeu “alertar para o facto – do qual a PJ tem conhecimento – de que a opção pela primeira alternativa (lançamento de um novo concurso) é impossível, uma vez que o exequente se encontra aposentado desde 01.02.2011 (vd. Aviso n.º 6841/2011, publicado no DR, 2.ª série, n.º 53 – 16 de Março de 2011), bem como a maioria dos opositores ao concurso em referência, sendo que alguns deles infelizmente já faleceram”.
Por despacho de 07.03.12 (cfr. fls. 188 a 195) foi indeferido o requerimento em causa, tendo sido rebatidos ambos os argumentos apresentados pelo exequente, concluindo-se “Que nada há, portanto, nada a apontar à execução do Acórdão que está a ser levada a cabo pelo Executado, sendo o requerimento de fls. 184 a 187, apresentado pelo Exequente, totalmente desprovido de fundamento”. Desse despacho houve recurso para o TCAS e, após algumas vicissitudes (a necessidade de convolar o recurso em reclamação para a conferência, a qual se operou por ainda estar em prazo), o TCAS acabaria conhecer da reclamação, decidindo no sentido de que, tendo em conta a factualidade apurada, “o Executado deu correcta execução ao acórdão proferido” (cfr. acórdão de fls. 341 a 358). É deste acórdão, de 20.03.14, que agora se recorre para este STA.

1.1. O exequente, ora recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 383 e ss.):

“1. O acórdão objecto do presente recurso, ao entender que o Executado, ao publicar o Aviso n.º 14110/2012 - Alteração ao Aviso publicada no DR, 2.ª série, N.º 81, de 05.04.1995, ficcionando que (i) que se candidataram os mesmos candidatos que já haviam concorrido em 1995, (ii) que continuavam vivos e com vínculo à administração Pública, (iii) que se candidataram e que apresentaram os mesmos elementos curriculares que haviam apresentado em 1995 (iv) que prestaram prova de conhecimentos na forma escrita e oral exactamente nos mesmos moldes em que haviam prestado tais provas no âmbito do procedimento concursal aberto pelo aviso publicado no DR, 2.ª série, N.º 81, em 05.04.1995 e publicando uma lista de classificação final em tudo semelhante à que foi contenciosamente anulada, incorreu em erro de julgamento violando o art. 173.º n.º 1 do CPTA.

2. Desde logo, o acórdão recorrido parte do pressuposto errado de que "O despacho da ministra da Justiça, de 10.01.2003, foi anulado por julgar-se verificado o vício de violação de lei por preterição do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 498/88 por não constar do aviso de abertura do concurso a divulgação atempada e a especificação dos métodos de classificação" quando resulta claramente dos autos que o despacho da Ministra da Justiça, de 10.01.2003, não foi anulado por preterição do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 498/88 mas sim por violação dos princípios da justiça e da igualdade, pelo que confunde o acórdão recorrido a anulação contenciosa do despacho de homologação da lista de classificação final que esteve na origem da anulação do concurso pelo concorrente B…………, com o despacho da Senhora Ministra da Justiça que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto pelo Recorrente e que tinha por objecto a reapreciação hierárquica da pretensão deduzida: a de que lhe fosse reconstituída a carreira.

3. Incorre ainda em erro manifesto quando conclui que "da anulação resultava que se pudesse aproveitar os actos já praticados e que não sofressem de qualquer invalidade, não haveriam necessariamente de serem repetidas outras provas já prestadas pelos candidatos, nem tinham de ter sido entregues novos currículos, porquanto as mesmas não sofriam de nenhuma invalidade intrínseca e a factualidade a corrigir era a existente à data do acto anulado ".

4. Com efeito, atendendo ao fundamento que outrora esteve na base da anulação do referido concurso – omissão do sistema de classificação final e dos critérios de avaliação – e considerando que tal exigência legal destina-se a permitir ao candidato definir a estratégia de preparação que entender mais correcta para poder alcançar o fim a que se propôs com a sua candidatura, todos os actos posteriores são actos consequentes e como tal ficam inquinados de nulidade, não podendo ser aproveitados.

5. Aliás, que outrora foi invalidado todo o processo do concurso resulta do decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal Central administrativo no âmbito do recurso contencioso interposto pelo concorrente B……………..

6. Por outro lado, a definição de critérios de selecção quando a administração já tem na sua posse todos os curricula dos candidatos, consubstancia uma grave violação do princípio da imparcialidade, justiça e igualdade, pelo que a execução levada a cabo nestes moldes deveria ter sido julgada legalmente impossível.

7. Merece ainda censura o Acórdão recorrido quando que "tal reconstituição em nada fica afectada por uma eventual aposentação dos anteriores candidatos, que por essa razão não padecem de nenhuma inibição de participação na repetição dos actos do concurso".

8. Uma vez que com a sua aposentação o Recorrente – à semelhança de grande parte dos candidatos – ficou definitivamente desligado do serviço, o concurso em causa deixou de poder ter por candidato quer o Recorrente quer os restantes candidatos aposentados (já para não falar dos mortos), deixando assim de ser possível repetir os actos viciados de forma a repor, na medida do possível, a situação que ocorreria se não tivessem sido praticado, como foi, o acto de que resultou a anulação do concurso.

9. À possibilidade lógica e legal da repetição do procedimento concursal obsta a realidade de o Exequente, à imagem de grande parte dos candidatos, já não se poder candidatar.

10. Encontrando-se os candidatos do concurso na situação de aposentados, antes mesmo do aresto exequendo ter sido proferido, existe impossibilidade total em dar execução nos moldes determinados como primeira opção de execução pelo acórdão executivo proferido: repetição dos actos do concurso, desde a sua abertura e definição de critérios.

11. Assim, esta "repetição" não passa de uma ficção que ao invés de contribuir para uma reposição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, contribui para agravar as consequências das ilegalidades cometidas da primeira vez, sendo que a injustiça e desigualdade introduzidas pela administração e que determinaram a anulação do despacho impugnado pelo Recorrente se mantêm.

12. Impõe-se pois concluir que os actos praticados traduzem-se na prática de um conjunto de actos e operações materiais impossíveis e inúteis, por não poderem produzir o efeito visado pela execução do julgado anulatório qual seja o de reconstituir a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado nem a pretensão desde sempre formulada pelo ora Recorrente de ver reconstituída a sua carreira à semelhança do que sucedeu com todos os candidatos que, na presente data, já têm a sua situação jurídica estabilizada pelo decurso do tempo.

13. Caso o acórdão recorrido tivesse procedido a uma correcta interpretação dos acórdãos proferidos no âmbito do recurso contencioso de anulação e das finalidades da execução do julgado anulatório, mormente do disposto no art. 173.º do CPTA, teria concluído pela impossibilidade da execução mediante a repetição dos actos de concurso desde a abertura e da não definição de critérios e teria declarado nulos os actos praticados, determinando que a execução fosse operada de acordo com a segunda alternativa estabelecida no acórdão executivo: graduar o Exequente em igualdade com o candidato graduado em 118 lugar, assim reconstituindo a sua carreira profissional, conferindo-lhe a antiguidade de Subinspector e seguidamente com a entrada em vigor da Lei Orgânica da Polícia Judiciária) de Inspector-Chefe desde a data em que tomaram posse os seus Colegas que ficaram admitidos no curso aberto por via do concurso, até à presente data, devendo tal reestruturação da carreira compreender as subidas de escalões que se deveriam ter dado em função dos anos de serviço na categoria, bem como, o pagamento de todas as diferenças salariais entre o que o Exequente recebeu desde essa data até à presente data e o que deveria ter recebido, por efeito de cada momento em que deveria ter ocupado o cargo que resulta da presente reestruturação da carreira, valores acrescidos de juros legais, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS,

Deverá ser admitido e dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!”

1.2. O executado MJ apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fl. 398v.):

“a) Os acórdãos que, respetivamente, condenaram a Administração e de execução que deu origem à lide transitaram em julgado;

b) O Rr. pretende eternizar a controvérsia ao redor da reconstituição da carreira que, de resto, nem é nova, apesar da matéria de facto e de direito estar perfeitamente formulada e constar do acórdão recorrido; por isso,

c) A decisão impugnada não tem qualquer vício e encontra-se corretamente fundamentada, bem como o iter decisório;

Nestes termos, e nos mais de direito deverá ser considerado o recurso improcedente, e confirmada a decisão recorrida”.


2. O Digno Magistrado do MP junto deste Supremo Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 146.º do CPTA, não produziu qualquer pronúncia.

3. Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito:

2.1. Como resulta do Relatório, o exequente, ora recorrente, não se conforma com o acórdão do TCAS de 20.03.14, não concordando com a interpretação de certas normas aplicáveis ao caso dos autos e, consequentemente, com o modo como foram aplicadas e com os efeitos jurídicos associados a essa aplicação. De forma mais concreta, invoca erro de julgamento, pois, em aplicação do o artigo 173.º, n.º 1, do CPTA o concurso teria de ser repetido desde o anúncio da abertura, não sendo possível aproveitar os actos já praticados e que não sofressem de qualquer invalidade. Segundo o recorrente, o acórdão recorrido erra ainda em relação a outros aspectos: houve uma má interpretação do despacho da Ministra da Justiça que indeferiu o recurso hierárquico por si apresentado, e 2) a opção feita pela executada não é viável, uma vez que já se encontra aposentado (ele e outros opositores ao concurso).
Vejamos.

Relativamente à questão da má interpretação do despacho da Ministra da Justiça, independentemente de assistir ou não razão ao exequente, a verdade é que ela está já ultrapassada. Com efeito, o acórdão do TCAS de 24.05.12, acórdão de execução de julgado, reconheceu, na esteira de decisão do STA, que o exequente não pretendeu, com o pedido feito à Administração, beneficiar dos efeitos do julgado anulatório que teve na base o recurso do candidato graduado em 118.º lugar, antes se tratando de requerimento novo que pretendia, em face desse julgado, um tratamento igual ao concedido ao referido candidato. Não obstante, concluiu no sentido de que o acórdão do TCAS de 06.04.06, confirmado pelo acórdão do STA de 13.09.07, determinou a repetição do concurso ou, em alternativa, a atribuição de tratamento igual ao candidato graduado em 118.º lugar. Com isto, ainda que o acórdão recorrido tenha feito uma errada interpretação do despacho da Ministra da Justiça, a verdade é que decidiu em consonância com o acórdão de execução de julgado de 24.05.12.
O mesmo raciocínio vale em relação à alegação da violação dos princípios da imparcialidade, justiça e igualdade – sem embargo de se reconhecer que o recorrente não deixa de ter, pelo menos em parte, alguma razão, em especial quando invoca que fere, entre outros, o princípio da imparcialidade, constitucional e legalmente previsto (cfr. arts. 266.º da CRP e 6.º, actualmente 8.º, do CPA), a circunstância de “a definição de critérios de selecção [ocorrer] quando a administração já tem na sua posse todos os curricula dos candidatos”.
Ainda assim, e atalhando caminho, onde nos parece que o acórdão recorrido claramente errou foi ao não ter concluído pela impossibilidade de execução do julgado anulatório em virtude da aposentação do exequente. É verdade que a solução da repetição do concurso, não interessando agora averiguar quais os exactos actos e operações materiais deveriam integrar o cumprimento do julgado anulatório, é, em abstracto, a que melhor se compagina com a situação em apreço. Efectivamente, a execução de julgados determinada por tribunais administrativos que decidiram a anulação de actos administrativos tem como escopo a reintegração efectiva da ordem jurídica violada mediante a reconstituição da situação actual hipotética, isto é, a situação em que o administrado presumivelmente estaria se a ilegalidade de que está ferido o acto anulado não tivesse sido praticada. Mas, mais ainda, como se afirma no sumário do Acórdão do STA de 08.11.00, Proc. n.º 28127A, “IV - Nesse género de casos, e como a simples admissão a um concurso não garante que nele se logre êxito, pode a carreira dos funcionários reconstituir-se através da sua candidatura a um concurso similar futuro, atribuindo-se ao eventual provimento efeitos retrotraídos à data dos provimentos resultantes do concurso anterior”. No entanto, e como também se diz no mesmo sumário, “V - A solução dita em IV é impossível se entretanto a funcionária se aposentou, pelo que a situação de aposentação constitui, nessa parte, uma causa legítima de inexecução do julgado anulatório”. A igual conclusão se chega no Acórdão do STA de 23.06.98, Proc. n.º 023836, prolatado ainda na vigência do DL n.º 256-A/77, de 17.06, mas que permanece actual e pleno de sentido em face do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPTA. Aí se disse, no respectivo sumário, que “I - O artigo 6º do D.L. 256-A, de 17/6, que impõe a ressalva no n.º 2 duas situações integradoras de causa legítima de inexecução: a) impossibilidade; b) grave prejuízo para o interesse público no cumprimento do julgado. II - A impossibilidade é a que tenha carácter absoluto, não a simples dificuldade ou maior onerosidade. III - Na situação de impossibilidade absoluta se enquadra a cessação da relação de emprego devida a causas exteriores ao acto anulado. IV - É o caso da aposentação, que inviabiliza nova graduação do candidato no concurso cujo acto classificativo foi anulado. V - A reconstituição da carreira só é viável durante a permanência do recorrente no activo. VI - Aposentado o agente, a Administração fica impossibilitada de emitir novo acto de natureza do anterior, isento do vício que o inquinado”.
De forma distinta concluiu o acórdão recorrido. Assim, tendo o exequente, ora recorrente, no requerimento de fls. 154 a 157, criticado a opção do executado no sentido da repetição do concurso – e dos moldes em que o fez –, mais entendeu dever “alertar para o facto – do qual a PJ tem conhecimento – de que a opção pela primeira alternativa (lançamento de um novo concurso) é impossível, uma vez que o exequente se encontra aposentado desde 01.02.2011 (vd. Aviso n.º 6841/2011, publicado no DR, 2ª série, n.º 53 – 16 de Março de 2011), bem como a maioria dos opositores ao concurso em referência, sendo que alguns deles infelizmente já faleceram”. Notificado para responder, querendo, ao requerimento apresentado pelo exequente, o executado não questionou a aposentação daquele. Já o TCAS, sobre o mesmo assunto, asseverou que “Tal reconstituição em nada fica afectada por uma eventual aposentação dos anteriores candidatos, que por essa razão não padecem de nenhuma inibição de participação na repetição dos actos do concurso.
Repare-se que aquela repetição dos actos do concurso, sempre se teria de ater-se à data do termo do prazo de candidatura que havia sido antes fixado, como se indica no supra indicado aviso.
Igualmente, a reconstituição da situação teria de ser feita essencialmente a partir da nova definição dos critérios de avaliação e de classificação da prova de avaliação curricular, portanto, da análise dos currículos dos candidatos àquela data.
Ora, os currículos não são uma realidade modificável, o percurso profissional de um candidato, a uma dada data, não pode ser alterado, mas haverá, pela natureza das coisas, que se manter sempre igual.
Portanto, não existem interferências do tempo que possam alterar a realidade a reconstituir, de forma a tornar essa reconstituição impossível.
Haverá a impossibilidade de candidatos do concurso, que entretanto hajam falecido, de nele voltar a participar fisicamente. Mas apesar de o Executado invocar esses falecimentos, não os prova ou sequer indica que candidatos foram esses que faleceram.
Ademais, tendo falecido algum candidato, tal também não impede a repetição dos actos do concurso, mas apenas implica a cessação do vínculo jurídico-laboral que se mantivesse existente entre esse concreto candidato e a PJ, já que com a morte desse candidato cessava a sua personalidade jurídica (cf. artigo 68º, n.º 1, do CC).
Acresce, que reportando-se a reconstituição da situação à data do termo do prazo de candidatura que havia sido fixado no anterior aviso e versando essencialmente sobre a análise curricular àquela data, mesmo que algum candidato haja entretanto falecido – o que não está alegado com suficiente especificação e concretização, nem está provado – tal circunstância também não impossibilita a reconstituição da anterior situação e a execução do Acórdão proferido” (cfr. fls. 357-8).
Como resulta do acima exposto, não se pode concordar com a decisão recorrida quanto a este específico aspecto, sendo certo que consideramos que o simples facto da aposentação do exequente – não contestado pelo executado e não posto de lado pelo acórdão recorrido, que, no ponto 9 da matéria de facto assente, menciona a referência feita pelo exequente à sua aposentação –, é suficiente, a nosso ver, para trazer à colação a figura da causa legítima de inexecução (do julgado anulatório). A isto não obsta a circunstância de esta não ter sido invocada pelo executado. Com efeito, e como se disse no Acórdão do STA de 25.09.14, Proc. n.º 01710/13, “Assim sendo, nada impede que, em sede de recurso, se determine o pagamento de uma indemnização por inexecução de sentença, na sequência da declaração da causa legítima de inexecução, ainda que esta não tivesse sido peticionada pelo exequente ou que, tendo sido peticionada, não o tenha sido nas conclusões da alegação de recurso, as quais fixam o thema decidendum. Mais ainda, esta solução deverá ser seguida mesmo naqueles casos em que a própria Administração nunca tenha chegado a invocar a causa legítima de inexecução de sentença. A isto não obstará a letra do texto do n.º 1 do art. 178.º do CPTA, ab initio: “Quando se julgue procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução”. À primeira vista, este inciso apontaria para a necessidade da invocação expressa dessa causa enquanto pressuposto da própria indemnização. Não obstante, todos os elementos supra referenciados apontam claramente para o carácter oficioso da fixação desta indemnização compensatória, além de que a palavra “invocação” admite um sentido amplo, de tal modo que o conhecimento oficioso por parte do tribunal pode ser considerada também ele uma invocação. Considerando todos estes elementos conjugadamente, não colhe o argumento de que a questão só pode ser tratada em via de recurso se tiver sido colocada pela via do recurso subordinado ou através da ampliação do recurso”.
Resta dizer que a solução da causa legítima de inexecução vale, pelos mesmos motivos, e, portanto, sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, para a 2.ª opção ou alternativa fixada pelo acórdão de execução de sentença.

2.2. Em face de todo o exposto, deverão os autos baixar ao TCAS para que possa ser arbitrada uma indemnização nos termos do artigo 166.º do CPTA. Cumpre alertar para a circunstância, assinalada no Acórdão do STA de 25.09.14, supra citado, de que, “Em face do exposto, nenhuma dúvida há de que, em relação aos danos ressarcíveis no âmbito da acção executiva, não é aplicável, neste caso de indemnização por inexecução da sentença,o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos (Vd. acórdão de 25.02.09, Proc. n.º 047472A). Basta atentar na circunstância de que o que se está a considerar é uma situação em que se verifica uma causa lícita de incumprimento do julgado, ou seja, em que a inexecução não pode ser considerada um acto ilícito. De igual modo, não se está perante nenhuma das situações, excepcionais, em que o legislador admitiu a responsabilidade da Administração por actos lícitos, designadamente a indemnização pelo sacrifício (art. 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31.12). Ainda assim, tratando-se de um caso de responsabilidade civil do Estado, não poderá a indemnização ser atribuída sem que se verifiquem alguns dos seus pressupostos, a saber, a existência de danos e a verificação do nexo de causalidade. O carácter sui generis da indemnização por inexecução de sentença reflecte-se em ambos, mas é em relação ao nexo de causalidade que poderão surgir algumas dificuldades que se repercutirão, sobretudo, na avaliação dos danos e na consequente fixação do quantum reparatório. Basicamente, este nexo de causalidade tem que ser relativizado, devendo a avaliação dos danos fazer-se com base numa ideia de maior ou menor grau de probabilidade (ou de maior ou menor “margem de incerteza”) – sendo certo que a sua quantificação também não se afigura fácil (Vd. acórdão de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12.
Acresce que apenas poderão ser contemplados os danos que decorram de a sentença não poder ser executada e de, por esse motivo, o exequente não poder ser colocado na situação que teria não fora a ilegalidade que determinou a anulação do acto. Excluídos ficam, desde logo, os danos emergentes e os lucros cessantes em razão do acto administrativo apreciado no recurso contencioso” (cf. acórdão do STA de 20.11.12 , Proc. n.º 0949/12)”.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogar a decisão judicial recorrida, ordenando-se a baixa dos autos ao TCAS para a tramitação necessária.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 12 de Julho de 2017. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.