Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01074/09
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:COIMA
RGIT
CONSTITUCIONALIDADE
REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:Tendo o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo concedido provimento ao recurso jurisdicional com fundamento na inconstitucionalidade da norma contida no artigo 8º, n.º 1, do RGIT (quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal contra gerentes ou administradores da sociedade devedora), determinando, consequentemente, a extinção da execução fiscal contra os gerentes da sociedade executada na parte tocante às dívidas de coimas e despesas aplicadas a esta sociedade, e tendo o Tribunal Constitucional, em sede de recurso desse acórdão, decidido julgar não inconstitucional essa norma na aludida interpretação, impõe-se a reformulação do acórdão recorrido em conformidade com tal juízo de constitucionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P13635
Nº do Documento:SA22012011201074
Data de Entrada:10/30/2009
Recorrente:A......... E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. A………, B……… e C………, com os demais sinais dos autos, recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedentes as reclamações que deduziram contra os despachos do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, proferidos em 25/03/2009 e 27/05/2009, na execução fiscal n.º 1155 2006 01000063 e apensos, de indeferimento dos pedidos que cada um deles aí formulou, na qualidade de executados por reversão, no sentido de que fosse declarado que não eram responsáveis pelo pagamento das dívidas exequendas provenientes de coimas e despesas aplicadas à sociedade originária devedora.
Terminaram as respectivas alegações de recurso enunciando as seguintes conclusões:

A) Sobre a adequação do meio processual utilizado:

a. O meio processual utilizado (reclamação de despacho da Fazenda Pública que recaiu sobre requerimentos dos ora Recorrentes e que afectou direitos e interesses legítimos destes) é adequado, não tendo ocorrido erro na forma de processo.
b. O requerimento sobre o qual recaiu o despacho desfavorável de que se reclamou, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, impetrava que a Administração Tributária declarasse que os executados por reversão não eram responsáveis pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade “D………, Ldª” e que, em consequência, se ordenasse o não prosseguimento, contra eles, das execuções atinentes a tais coimas e despesas.
c. Os ora Recorrentes alegavam, em síntese, a inconstitucionalidade do art.º 8.° do R.G.I.T., quanto à responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham exercido a administração de pessoas colectivas originariamente devedoras (questão de conhecimento oficioso e que poderia ser invocada em qualquer altura e não somente no prazo da Oposição e através desta (mesmo depois de transcorrido o prazo da Oposição).
d. Face ao despacho desfavorável do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, sobre questão de conhecimento oficioso (desde logo pela Administração Pública), que afectava direitos e interesses legítimos dos ora Recorrentes, podiam estes reclamar, como fizeram, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, nos termos do art.º 276.° do C.P.P.T.
e. Nada obsta, por exemplo, a que essa questão seja suscitada em acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no art.º 145.° do C.P.P.T., uma vez que esta acção será sempre um meio processual mais adequado para assegurar, de forma plena, eficaz e efectiva, a tutela dos direitos e interesses dos contribuintes, do que a oposição prevista no art.º 203° e segs. do C.P.P.T. (em que os direitos dos oponentes são sempre inferiores aos que lhes são assegurados em quaisquer processos de natural penal ou contra-ordenacional).
f. Ora, se a acção do art.° 145.º poderá ser usada para o fim acima indicado, nada obsta a que a Administração Fiscal, oficiosamente reveja a sua posição em qualquer fase do processo executivo, ou por sua iniciativa ou a requerimento do(s) interessado(s).
g. No segundo caso, se o despacho for desfavorável ao(s) interessado(s), pode(m) este(s) reclamar nos termos e no prazo dos arts 276° e segs. do C.P.P.T.

B) Sobre a inconstitucionalidade das normas do art.º 8.°, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT

h. O Acórdão n° 129/2009, de 12 de Março, do Tribunal Constitucional rompe com o entendimento que, sobre a matéria, vinha sendo seguida por esse Tribunal.
i. O mesmo Acórdão vem também contrariar jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que os gerentes e administradores de empresas não poderiam ser responsabilizadas pelo pagamento de coimas em cujo pagamento haviam sido condenadas as empresas.
j. Apesar da posição veiculada no citado Acórdão n.° 129/2009, do TC, não estamos ainda no âmbito de uniformização de jurisprudência.
k. Mesmo tendo em consideração a posição manifestada no citado Acórdão do TC - e da qual discordamos, acompanhados de muita e sábia jurisprudência e doutrina - ainda assim, para ser ressarcida dos danos fiscais causados pela sociedade, teria a Administração Fiscal de desencadear um processo autónomo destinado a provar a ilicitude e a culpa dos gerentes ou administradores (o que, no caso “sub judice”, manifestamente não fez).
l. As normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8° do RGIT, no sentido de que o n.º 1 do art.º 8° do R.G.I.T., aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, são inconstitucionais.
m. A questão da inconstitucionalidade dessas normas do art.º 8° do RGIT é de conhecimento oficioso, podendo ser apreciada pela Administração Tributária, por sua iniciativa ou a requerimento do(s) interessado(s), e podendo estes, em caso de despacho desfavorável sobre a sua impetração nesse sentido, reclamar para o Tribunal Fiscal da 1ª Instância.
n. O n.º 3 do art.º 30° da C.R.P. enuncia o princípio da intransmissibilidade das penas que, embora previsto apenas para estas, deverá aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, uma vez que estas têm como fim a prevenção (especial e geral) e a repressão, e não a obtenção de receitas.
o. A aplicação de sanção a pessoa a quem não deve ser imputada responsabilidade pela sua prática não é necessária para satisfação dos fins que a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é constitucionalmente proibida a sua aplicação, por força do art.º 18°, n.º 2, da C.R.P.
p. A presunção legal de que a falta de pagamento consubstanciadora da infracção fiscal é imputável aos gerentes é inconstitucional por inconciliável com a presunção de inocência vigente em matéria sancionatória (art.º 32°, n.º 2, da C.R.P.).
q. O n.º 10 do art.º 32.° da C.P. assegura ao arguido, em processos sancionatórios (incluindo contra-ordenações) os direitos de audiência e de defesa, que não são assegurados ao revertido.
r. Conclui-se que, no domínio do Ilícito contra-ordenacional, se deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, nos termos do art.° 8° do RGIT.
s. Face à inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do n° 1 do art.° 8° do RGIT, não pode a Administração Fiscal cobrar dos ora Recorrentes os montantes relativos a quaisquer coimas atinentes à Sociedade “D………, Ldª”, por reversão.

C) Sobre as normas Violadas:

Com o devido respeito, consideramos que, no douto aresto recorrido, o Meritíssimo Juiz “a quo” violou o art.º 276.° do C.P.P.T., e os arts 18.º, n.º 2, 30.°, n.° 3, e 32.°, n°s 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa (segundo os quais deverão ser julgados inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8.° do RGIT).

Termos em que
Deve ser revogada douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que acolha a posição defendida pelos Recorrentes, julgando adequado o meio processual por estes utilizado (reclamação de despacho da Administração Fiscal) e declarando a inconstitucionalidade das normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8.° do R.G.I.T.
Assim se fazendo JUSTIÇA!

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.3. Por acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 16/12/2009, foram conhecidas todas as questões colocadas pelos recorrentes, concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida por se ter julgado inconstitucional a norma contida no artigo 8.º do RGIT quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária que se efectiva através da reversão da execução fiscal contra as pessoas nele indicadas, julgando-se, em consequência, extinta a execução contra os reclamantes na parte concernente às dívidas de coimas e despesas aplicadas à sociedade executada.
1.4. Desse aresto interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, através de acórdão proferido em 31 de Outubro de 2011, concedeu provimento ao recurso, decidindo, por remissão para a fundamentação constante do acórdão n.º 437/2011 do Plenário do Tribunal Constitucional, que não era inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do RGIT quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora, ordenando a reforma do aresto do STA de acordo com o juízo emitido sobre a referida questão.
1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre, então, reformular o acórdão anteriormente proferido em conformidade com o referido juízo de constitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional (artigo 80.º, nºs 2 e 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro).

2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

A- A Administração Fiscal instaurou os presentes autos de execução fiscal e apensos conta a executada D………, LDA, NIPC ………, para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2004, IVA de 2004 e Coimas Fiscais de 2006 - cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos.
B- Por despachos de 18/09/2007, a execução a que se refere a alínea anterior reverteu contra os ora Reclamantes - cfr. fls. 20 a 25 destes autos.
C- Os Reclamantes B……… e C……… foram citados em 08/10/2007 - cfr. fls. 31 a 34 e 52 a 55 dos presentes autos.

C1- Em 15/03/2009, os Reclamantes a que se refere a alínea anterior, requereram ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António que declarasse que não eram responsáveis pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade “D………, Lda.”, e que, em consequência ordenasse o não prosseguimento contra eles das execuções atinentes e tais coimas e despesas - cfr. fls. 105 a 111 destes autos.


C2- requerimento a que se refere a alínea anterior foi indeferido por despacho de 27/05/2009 - cfr. fls. 116 e 117 dos presentes autos.


C3- Os Reclamantes foram notificados do despacho a que se refere a alínea anterior em 29/05/2009 - cfr. fls. 118 e 119 dos presentes autos.


C4- A reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças em 05/06/2009 - cfr. fls. 71 destes autos.

D- A Reclamante A……… foi citada em 14/10/2008 - cfr. fls. 58 dos autos.

D1- Em 20/03/2009, a Reclamante a que se refere a alínea anterior, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António que declarasse que não era responsável subsidiária pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade “D………, Lda.”, e que, em consequência, ordenasse o não prosseguimento contra ela das execuções atinentes a tais coimas e despesas - cfr. fls. 59 a 63 destes autos.


D2- Por despacho de 25/03/2009, foi indeferido o requerimento a que se refere a alínea anterior - cfr. fls. 67 e 68 dos presentes autos.


D3- A Reclamante foi notificada do despacho a que se refere a alínea anterior em 27/03/2009 - cfr. fls. 69 e 70 dos presentes autos.


D4- A reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças em 15/04/2009 - cfr. fls. 71 destes autos.

3. Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmº Juiz do TAF de Loulé que julgou improcedentes as reclamações que os executados A………, B……… e C……… deduziram contra os despachos do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, proferidos em 25/03/2009 e 27/05/2009 na execução fiscal que contra eles reverteu, de indeferimento dos pedidos que aí formularam no sentido de que fosse reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 8° do RGIT, o qual alicerça o seu chamamento à execução como responsáveis subsidiários pelo pagamento das dívidas provenientes de coimas e despesas aplicadas à sociedade devedora originária.

A decisão de improcedência das reclamações radicou no entendimento de que ocorria erro na forma de processo utilizado e que, não obstante, não se verificava a invocada inconstitucionalidade desse preceito legal na parte relativa à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação.

Por acórdão proferido em 16/12/2009 por este Supremo Tribunal, foram conhecidas as questões colocadas neste recurso, tendo-se julgado que assistia razão aos recorrentes, tanto no que toca à inexistência de erro na forma de processo, como no que toca à inconstitucionalidade da norma contida no artigo 8.º do RGIT, razão por que se concedeu provimento ao recurso e se revogou a sentença recorrida, julgando-se extinta a execução contra os reclamantes na parte concernente às dívidas de coimas e despesas aplicadas à sociedade executada.

Desse acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, restrito ao segmento decisório que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 8.º do RGIT, tendo esse Tribunal decidido, através do acórdão n.º 519/2011, proferido em 31 de Outubro de 2011, a fls. 316/319 dos autos, que não se verificava a apontada inconstitucionalidade.

Em face do trânsito em julgado desse acórdão do Tribunal Constitucional, há que dar-lhe execução, reformulando o aresto proferido por esta Secção de Contencioso Tributário apenas na parte tocante à aludida questão de constitucionalidade, mantendo-se, quanto ao demais, tudo o que nele foi apreciado e decidido.

Na sentença recorrida julgou-se que «não eram inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação», reproduzindo a fundamentação aí aduzida.».

Embora os Recorrentes discordem desse julgamento, sufragando entendimento contrário, há que acolher esse juízo de constitucionalidade face ao teor do acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Constitucional.

E nada mais havendo a apreciar e decidir no presente recurso, deve ser mantida a decisão de improcedência das reclamações deduzidas contra os despachos do Chefe do Serviço de Finanças proferidos em 25/03/2009 e 27/05/2009, uma vez que estes não padecem, assim, de vício ou ilegalidade por aplicação de norma inconstitucional, devendo, por conseguinte, prosseguir a execução fiscal contra os reclamantes, ora recorrentes.

4. Nestes termos, e com os fundamentos supra expostos, acorda-se em reformar o acórdão que consta de fls. 231 a 250 e manter a sentença recorrida na parte em que decidiu julgar improcedentes as reclamações com base no juízo de constitucionalidade da norma contida no artigo 8º, n.º 1, do RGIT.
Custas pelos Recorrentes neste Supremo Tribunal, fixando-se em 1/8 a procuradoria.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) - Pimenta do Vale - Valente Torrão.