Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0840/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
APENSAÇÃO
Sumário:I - Não é legalmente admissível deduzir uma única oposição a várias execuções fiscais que não se encontrem apensadas, constituindo tal situação uma excepção dilatória inominada que determina o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da Fazenda Pública da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na sentença.
II - O direito de defesa do oponente não fica, porém, comprometido, já que pode fazer-se valer da faculdade que lhe concede o art. 289.º, n.º 2, do CPC.
Nº Convencional:JSTA00067975
Nº do Documento:SA2201211280840
Data de Entrada:07/19/2012
Recorrente:A.........
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART188 N2 ART179 ART151.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou “procedente a excepção da cumulação ilegal de pedidos e absolveu a R. da instância” no processo de oposição à execução fiscal que contra si corre no Serviço de Finanças de
Terminou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1ª O executado e oponente foi citado, em simultâneo, para 3 processos de execução fiscal melhor identificados nos autos de oposição, que têm em comum a identidade de partes, de causas de pedir e de pedidos.

2ª Impunha-se a apensação dos 3 processos, não só pelo interesse do executado, mas por razões evidentes de economia processual e uniformidade de decisões.

3ª A não apensação prejudica o executado e oponente, que se vê confrontado com 3 processos distintos e 3 defesas distintas, incluindo a obrigação de liquidar 3 taxas de justiça distintas.

4ª Acresce a necessidade de autuação de 3 processos judiciais distintos, com a possível distribuição a 3 juízos distintos, com a triplicação de formalismos, seja em matéria de despacho processual, seja em audiências de julgamento e respectivas decisões, e o risco de desuniformidade de decisões, se, sobre a mesma matéria factual e de direito, ocorrerem decisões distintas.

5ª A não apensação viola claríssimamente os princípios de economia processual e da celeridade processual, não se justificando que corram 3 processos distintos em juízo, quando poderia e deveria correr um só.

6ª O executado formulou esse requerimento no início da petição inicial, nos termos do art. 179°do CPPT.

7ª Sobre esse requerimento não recaiu qualquer despacho.

8ª Sobre o tribunal recorrido pendia o dever de pronúncia, previsto, designadamente, nos arts. 156º e 158º do CPC.

9ª No entanto, o tribunal aderiu sem qualquer reserva ou alteração da fundamentação às diversas promoções do Ministério Público, julgando ilegal o pedido de cumulação ilegal de pedidos.

10ª O entendimento sufragado está errado.

11ª Não há nada no texto da norma do art. 179º do CPPT que imponha a apensação de execuções ao órgão de Execução Fiscal e apenas a ele.

12ª O texto da lei é suficientemente abrangente para que a apensação possa ocorrer oficiosamente, pelo tribunal, ou a requerimento do executado.

13ª Assim o impõe o dever de poder de direcção do juiz (art. 265° do CPC) e princípio da adequação formal (art. 265º-A do CPC).

14ª Assim o impõe o art. 275º do CPC, especialmente no seu n.º4.

15ª Os princípios sufragados nessas normas enformam o direito processual, sem serem exclusivos do processo judicial tributário.

16ª Encontram também expressão no art. 105º do CPPT, bem como no referido art. 179º do CPPT.

17ª O despacho recorrido violou as normas e princípios jurídicos referidos nas alegações e conclusões.

NESTES TERMOS, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA, DEFERINDO-SE A REQUERIDA APENSAÇÃO DE EXECUÇÕES E OPOSIÇÕES, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART. 179º DO CPPT, COM TODAS AS CONSEQUÉNCIAS QUE DAÍ RESULTAM, DESIGNADAMENTE A LEGALIDADE DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por remissão para a fundamentação do acórdão proferido por esta Secção do STA em 21 de Março de 2012, no proc. 0867/11.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na decisão recorrida constam como assentes os seguintes factos:
1. «A………, NIF ………, veio deduzir oposição às seguintes execuções fiscais pendentes no Serviço de Finanças de Barcelos:
1) execução fiscal n.° 0353200601108123 e apensos;

2) execução fiscal n° 0353200401028995 e apensos;

3) execução fiscal n°0353200401040634 e apensos.


2. Tais acções não se encontram apensadas, estando a correr separadamente (cfr. informação de fls. 37 e ss.).

3. Perante as conclusões da alegação do recurso, que delimitam o seu âmbito e objecto, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, em matéria de direito, na apreciação da questão da admissibilidade de dedução de uma única oposição contra várias execuções fiscais que se encontram a correr no Serviço de Finanças contra o mesmo devedor/executado e que não se encontram apensadas, tendo em conta que a sentença recorrida considerou não ser admissível uma única oposição a essas várias execuções fiscais.
Trata-se de matéria que foi já por diversas vezes julgada nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, sempre no sentido de que não é admissível a dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais, e que tal constitui uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 5/12/2007, no recurso nº 0795/07, em 9/09/2009, no recurso nº 0521/09, em 14/09/2011, no recurso nº 0242/11, em 25/1/2012, no recurso nº 0802/11, e em 21/03/2012, no recurso n.º 0867/11, havendo, assim, jurisprudência firmada sobre a matéria.
Não descortinamos razões para divergir desse entendimento, que se subscreve e ora se reitera, pelo que acolhendo a fundamentação jurídica em que esses arestos se alicerçaram, passa-se a transcrever, na parte que ora interessa, o acórdão de 25.01.2012, no recurso nº 0802/11, onde ficou escrito o seguinte:
«Como tem vindo a afirmar a doutrina, «[c]onquanto a oposição apresente a fisionomia de uma acção, instaurada pela apresentação duma petição inicial, a verdade é que ela funciona como contestação. O seu fim é impugnar a própria execução fiscal; daí o nome de oposição» (ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, Almedina, 4.ª edição, anotação 2 ao art. 285.º, pág. 603.) e «a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona na dependência deste como uma contestação à pretensão do exequente» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 203.º, pág. 428, com indicação de jurisprudência.).
Assim, afigura-se-nos insustentável a dedução de uma única oposição contra execuções fiscais que não estejam apensadas. Por certo, ninguém sustentará que possam contestar-se diversas acções que corram separadamente contra o mesmo réu mediante uma única contestação, ainda que instauradas pelo mesmo autor e com idêntica fundamentação.
A dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas constitui uma razão obstativa do conhecimento do mérito e, por isso, uma excepção dilatória (A excepção dilatória, segundo MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 129, consiste na «arguição de quaisquer irregularidades ou vícios de natureza processual que faz obstáculo - se não for sanada, quando a lei o consinta - à apreciação do mérito da causa (bem ou mal fundado na pretensão do autor; procedência ou improcedência da acção) no processo de que se trata ou pelo tribunal onde ela foi proposta».), nos termos do art. 493.º, n.ºs 1 e 2, do CPC; excepção dilatória inominada, porque não consta do elenco meramente exemplificativo do art. 494.º do mesmo Código. Essa excepção, porque evidente, se detectada na fase liminar, determina o indeferimento liminar da oposição, nos termos do art. 234.º-A, n.º 1, sem prejuízo do recurso à faculdade concedida pelo art. 476.º, ambos do CPC.
Se não detectada liminarmente, a excepção dilatória deve ser conhecida na sentença, dando origem à absolvição da instância, nos termos do disposto nos arts. 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 495.º e 660.º, n.º 1, do CPC, sempre sem prejuízo da faculdade concedida pelo art. 289.º, n.º 2, do mesmo Código (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 12 ao art. 206.º, págs. 543 a 545, que considera juridicamente adequadas estas soluções.).
É certo que nem sempre a verificação de uma excepção dilatória deverá conduzir à decisão de absolvição da instância, atento o disposto no art. 288.º, n.º 3, do CPC, preceito introduzido pela reforma de 1995/1996 (Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e n.º 180/96, de 25 de Setembro.) e que dispõe: «As excepção dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deve ser integralmente favorável a essa parte».
Trata-se de «um regime francamente inovador», que surge por razões de «economia processual decorrentes da necessária prevalência das decisões de fundo sobre as de mera forma – ultrapassando os obstáculos a uma verdadeira composição do litígio, fundados numa visão puramente lógico-conceptualista do processo» (Cf. o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.).
Significa isto que, por força do citado art. 288.º, n.º 3, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo judicial tributário (cf. art. 2.º, alínea e), do CPPT), a verificação de uma excepção dilatória não suprida não conduz inexoravelmente à absolvição da instância: se o pressuposto processual em causa se destinar à tutela do interesse de uma das partes, desde que se não verifique qualquer outra circunstância impeditiva do conhecimento do mérito e se a decisão a proferir dever ser inteiramente favorável à parte em cujo interesse o pressuposto foi estabelecido, o juiz poderá, no momento da apreciação da excepção, conhecer do mérito da causa. Visa-se, assim, assegurar a prevalência dos critérios de justiça material sobre os critérios de justiça formal, tendo sempre presentes também razões de economia processual.
Impõe-se, pois, indagar dos interesses que a referida excepção dilatória inominada visa tutelar.
A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os interesses das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente os seus interesses em juízo (quando autor) e não seja indevidamente incomodada com a propositura de acções inúteis ou destituídas de objecto (quando réu). É para estas situações que o art. 288.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC, estipula que, ainda que a excepção dilatória subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça do mérito da causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa parte.
Mas os pressupostos processuais podem ter como escopo acautelar, não o interesse das partes, mas o interesse público da boa administração da justiça, e, neste caso, já não pode funcionar o princípio da sanação contido no n.º 3 do art. 288.º do CPC.
No caso sub judice, a exigência de que seja deduzida uma oposição relativamente a cada execução fiscal que não esteja apensada, não visa tutelar o interesse das partes, designadamente o do oponente; visa, isso sim, assegurar o interesse público da boa administração da justiça, sabido que se pode tornar inviável para o tribunal apreciar uma contestação a diversas execuções que não estão apensadas e que até podem estar em fase processuais completamente distintas, eventualmente, até em serviços de finanças diferentes, bem como lhe será impossível, a final, dar cumprimento ao disposto no art. 213.º do CPPT, que prescreve que a oposição, quando terminada, deverá ser apensada ao processo de execução fiscal.».

Por outro lado, como também se deixou esclarecido no acórdão de 21.03.2012, no recurso nº 0867/11, é inquestionável o interesse do executado na apensação das execuções fiscais quando estão reunidas as condições legais para o efeito, já que «as regras da autuação conjunta de execuções e de apensação de processos estabelecidas no nº 2 do artigo 188º e no artigo 179º do CPPT, respectivamente, têm por fundamento os princípios da celeridade e economia processual e da boa realização da justiça, pois a sua operatividade proporciona economia de actividade processual e uniformidade de decisões.
Mas, tal como está desenhado o processo de execução fiscal, o juiz não tem o poder de ordenar à administração fiscal que proceda à junção das execuções. Apenas nas situações referidas no artigo 151º do CPPT é que podemos considerar que a execução fiscal é, pelo menos parcialmente, verdadeira jurisdição. Nesses casos deparamos com a série de acções e incidentes declarativos dispostos para assegurar a defesa do executado e que implicam o desenvolvimento efectivo de uma actividade jurisdicional. Fora desses casos, o processo executivo, embora tenha natureza judicial, no sentido de que segue o esquema próprio dos processos judiciais, é dirigido e instruído por uma entidade que não exerce a função jurisdicional. É o órgão de execução fiscal quem, oficiosamente ou a pedido do executado, toma a iniciativa de proceder à apensação das execuções. Só ele tem competência e está em condições de saber se (i) as execuções se encontram na mesma fase; (ii) se há ou não prejuízo para cumprimento de formalidades especiais e (iii) ou qualquer outro motivo que possa comprometer a eficácia da execução.
Os actos processuais e os considerados simultaneamente processuais e materialmente administrativos, não incluídos no artigo 151º do CPPT, são da exclusiva responsabilidade da administração tributária. A autoria desses actos cabe à administração tributária, em regra, ao órgão de execução fiscal, apenas sujeitos ao controle (posterior) do juiz tributário, mediante a reclamação prevista no artigo 276º do CPPT. A função do tribunal é pois meramente “fiscalizadora”, não lhe competindo praticá-los, substituindo-se ao órgão de execução fiscal, ou ordená-los, sem que tenha sido solicitado o reexame judicial.
Assim sendo, não se pode considerar que a ausência de uma de ordem de apensação das execuções fiscais ou de um despacho judicial a ordená-la directamente, tenha constituído violação do poder de conformação do processo estabelecido no artigo 265º do CPC. Os poderes de direcção e de instrução do juiz relevam apenas dentro da instância que está incumbido de julgar e não nos processos ou actos processuais da competência de outras entidades. Na parte não jurisdicional da execução fiscal, da competência do órgão de execução fiscal, a nulidade processual derivada da omissão de autuação conjunta ou do indeferimento da apensação das execuções fiscais, poderia ser arguida no processo, com possibilidade de reclamação com subida imediata, desde que susceptível de causar prejuízo irreparável (cfr. art. 278º do CPPT). Apenas nessa eventualidade é que o tribunal poderia ordenar a apensação das execuções fiscais.».

Neste contexto, e frisando que o direito de defesa do oponente não ficará comprometido, já que se poderá fazer valer da faculdade que lhe concede o art. 289.º, n.º 2, do CPC, impõe-se manter a decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância por força da excepção dilatória inominada da ilegal dedução de uma única oposição contra várias execuções fiscais não apensadas.

4. Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 28 de Novembro de 2012. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.