Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0522/12
Data do Acordão:07/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRS
MATÉRIA COLECTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
SUJEITO PASSIVO
ÓNUS DE PROVA
REPRESENTAÇÃO
Sumário:I - Se o recorrente, co-titular de uma conta bancária que apresentava saldo e movimentos desproporcionais, na proporção exigida pela então vigente alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, com as declarações de rendimentos apresentadas, logrou fazer prova de que, não obstante a titularidade da conta, era outra a fonte do acréscimo patrimonial, pois que, a final, figurava na conta como mero “testa de ferro”, em razão da inibição - em virtude da falência – do seu pai, ilidiu a presunção que sobre si recaía.
II - Tendo ilidido tal presunção, não haverá lugar à tributação na sua esfera jurídica de qualquer “acréscimo patrimonial injustificado”, pois que o justificou, não sendo tal tributação imposta pelas regras civilísticas da representação ou pelo disposto no artigo 18.º n.º 3 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067717
Nº do Documento:SA2201207050522
Data de Entrada:05/14/2012
Recorrente:DIRECTOR DE FINANÇAS DE LISBOA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART87 N1 F ART18 N3 ART89-A N3
CCIV66 ART258
L 55-B/2004 DE 2004/12/30
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Director de Finanças de Lisboa recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 5 de Março de 2012, que julgou procedente o recurso interposto por A………, com os sinais dos autos, contra a decisão proferida em 22 de Agosto de 2011 que fixou para os anos de 2007 e 2008 o rendimento tributável (de IRS) com recurso a métodos indirectos no valor de 102.221,80 euros (2007) e 239.681,22 (2008), anulando os actos de avaliação indirecta sindicados.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso jurisdicional é interposto da douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que considerou procedente o recurso dirigido contra decisão de avaliação da matéria colectável, efectuada com recurso a métodos indirectos, em sede de IRS, por injustificada divergência entre os rendimentos declarados pelo visado e as evidências de acréscimos patrimoniais verificadas nos anos de 2007 e 2008;
b) Sucede que a douta decisão proferida padece de erro de julgamento por deficiente interpretação e aplicação das regras de Direito aplicáveis, mormente as que disciplinam a titularidade e movimentação de contas bancárias e as que estabelecem a configuração legal do instituto jurídico da representação.
c) No recurso apresentado – ao abrigo do disposto no artigo 89º-A, n.º 7, da LGT – o ora recorrido, reiterando as “justificações” apresentadas em sede de procedimento inspectivo e sem questionar a possibilidade de recurso, por parte da Administração Tributária, a métodos de avaliação indirecta da matéria colectável ou qualquer dos valores apurados em sede de procedimento, declarou, apenas, ser totalmente alheio à utilização da conta bancária onde se mostravam evidenciados os acréscimos patrimoniais considerados injustificados.
d) Para tanto, sustentou que a movimentação da conta era efectuada pelo seu pai, ao abrigo de procuração por si outorgada, e que todos os movimentos que na mesma se mostravam efectuados, a este deveriam ser imputados.
e) O procedimento inspectivo que sustentou a decisão administrativa em causa nos autos relevou parcialmente a justificação aventada e, atendendo ao facto de o aludido procurador utilizar a conta bancária como forma de efectuar os movimentos financeiros de duas empresas de que era administrador, apenas relevou para efeitos de apuramento do acréscimo patrimonial evidenciado nos anos em causa (2007 e 2008), um conjunto de operações que não se encontravam justificados e/ou permitiam a conclusão de terem sido, de facto, efectuadas em proveito do ora recorrido.
f) A douta decisão recorrida validou a posição do contribuinte e considerou a “explicação” apresentada como apta a justificar os acréscimos patrimoniais consubstanciados na aludida conta bancária.
g) Ou seja, considerou que os acréscimos patrimoniais verificados não podem ser assacados ao titular da conta, porque realizados por intermédio de procurador.
h) Salvo o devido respeito, tal entendimento não pode vingar.
i) Efectivamente, e em regra, as contas de depósito bancário só podem ser movimentadas pelos próprios titulares ou por representantes, aos quais, no âmbito da conta, aqueles tenham concedido poderes para o efeito.
j) No caso concreto dos autos, o pai do ora recorrido estava mandatado para, no âmbito da conta, efectuar movimentos, ou seja, realizar operações a débito ou a crédito dos quais resulte o aumento ou diminuição dos fundos depositados na conta.
k) Assim, não obstante se ter apurado que os movimentos em causa foram efectuados pelo “procurador”, é inegável que a realização pelo mesmo de qualquer operação bancária, a débito ou a crédito, se repercute, necessariamente, na esfera jurídica do(s) mandante (s).
l) É essa a regra que se retira do artigo 258.º do Código civil, onde se lê: «O negócio jurídico realizado pelo mandante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último».
m) Assim, a realização pelo procurador/mandatário, de qualquer operação bancária, a débito ou a crédito, produz os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica do representado.
n) No mesmo contexto, para efeitos fiscais, é a capacidade contributiva, manifestada pelos incrementos patrimoniais decorrentes dos saldos e movimentos não justificados na aludida conta bancária, que faz nascer a obrigação de imposto.
o) O sujeito passivo da relação jurídico-tributária é, por isso, necessariamente, o titular da conta bancária, a pessoa que detém a qualidade de credor, perante a instituição bancária, dos montantes depositados.
p) Ao assim não considerar, a sentença em apreço violou as regras que regem a figura da representação (nomeadamente o disposto no artigo 258.º do Código Civil) e as que definem a qualidade de sujeito passivo de imposto, definidas no n.º 3 do artigo 18º da LGT.
q) Como tal, deve a douta sentença ser substituída por outra que determine ser legal e adequada a decisão administrativa de avaliação da matéria colectável, efectuada com recurso a métodos indirectos, em sede de IRS, por injustificada divergência entre os rendimentos declarados pelo ora recorrido e as evidências de acréscimos patrimoniais verificadas nos anos de 2007 e 2008;
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, com legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.

Não obstante a natureza urgente do processo, colheram-se os vistos legais.

Cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como alegado, a sentença recorrida, ao ter julgado procedente o recurso interposto anulando os actos de avaliação indirecta da matéria tributável para efeitos de IRS praticados ao abrigo da alínea f) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), enferma de erro de julgamento por deficiente interpretação e aplicação das regras de direito aplicáveis, mormente as que disciplinam a titularidade e a movimentação das contas bancárias e as que estabelecem a configuração legal do instituto da representação bem como o disposto no n.º 3 do artigo 18.º da LGT.

5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) Em 1986, foi atribuída a B……… a conta com a nomenclatura ………, pelo Banco C………, por ser accionista fundador do banco, cfr. depoimento das testemunhas B……… e D……….
B) Por sentença de 25/01/2002, no âmbito do processo 139/1998, que correu termos no 1º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi declarada a falência de B………, nos termos constantes de fls. 80, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) A conta, referida em A), ficou desactivada até 31 de Dezembro de 2003, data em que foi celebrado um acordo com o C………, que entretanto adquirira o Banco ………, nos termos constantes de fls. 81 a 98, dos autos em suporte papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) O C……… comprometeu-se nesse acordo a manter activa a conta, referida em A), em nome de B……… e E………, nos termos constantes da cláusula 4º, do acordo, referido em C), cfr. fls. 85, dos autos em suporte papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) O administrador do, então, C………, Dr. ………, propôs a B……… que a conta, referida em A), fosse titulada em nome dos seus filhos, entre os quais o recorrente, por se encontrar falido, o que foi feito, cfr. depoimento das testemunhas B……… e D……….
F) E que a conta seria movimentada por B………, a título de procurador, cfr. depoimento das testemunhas B……… e D……….
G) O levantamento dos efeitos decorrentes da falência de B……… só veio a efectivar-se em 19/01/2010, nos termos constantes de fls. 100 a 101, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
H) Todos os movimentos da conta ………, referida em A), foram efectuados por B………, cfr. depoimento das testemunhas B………, D………, F……… e G……….
I) O recorrente é sócio de diversas empresas, nos termos constantes de fIs. 53, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
J) O recorrente é presidente do conselho de administração das empresas H……… S.A., I……… S.A., sendo B……… que as administra, através de procuração, em representação do filho, cfr. relatório de inspecção, a fls. 34, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e depoimento das testemunhas B………, F……… e G……….
K) Os movimentos financeiros das empresas H……… S.A. e I……… S.A. passaram a ser efectuados através da conta ………, do C………, e da conta Nº ………, nos termos constantes dos anexos VIII e IX, juntos com o relatório de inspecção, a fls. 122 a 162, dos autos, em suporte de papel, e depoimento das testemunhas B………, F……….
L) O recorrente é sócio gerente da sociedade J……… Lda., nos termos constantes de fls. 164 a 166, dos autos em suporte de papel.
M) Em 9/04/2008, a sociedade referida em K), celebrou uma escritura de aumento de capital, de cinco mil euros para um milhão e trezentos mil euros, subscrito por ambos os sócios, em partes iguais, nos termos constantes de fls. 164 a 166, dos autos em suporte de papel.
N) Em cumprimento das ordens de serviço OI200909020 e OI200909021, com despacho de 29/01/2010, emitidas no âmbito do Código de Actividade 12222009, iniciou-se o procedimento de inspecção externa ao recorrente, respeitante a IRS, aos exercícios de 2007 e 2008, nos termos constantes de fls. 331 e 332, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
O) Na sequência do procedimento, referido em M), em 8/09/2010, foi o recorrente notificado pessoalmente para apresentar na Direcção de Finanças de Lisboa as informações tendentes ao esclarecimento de certas operações, nos termos constantes de fls. 333, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e depoimento da testemunha L……….
P) Nessa mesma data, o recorrente esclareceu o Senhor Inspector que os movimentos da conta, referida em A), eram realizados pelo seu pai, B………, cfr. depoimento da testemunha L……….
Q) Em 22/09/2010, foi realizada uma reunião, na sede da H………, entre o Senhor Inspector, B………, o mandatário do recorrente e contabilista das empresas, cfr. depoimento das testemunhas B……… e L……….
R) Na reunião, referida em P), o pai do recorrente, B………, assinou a autorização para a inspecção ter acesso à conta bancária, referida em A), nos termos constantes de fls. 56 a 58, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e depoimento da testemunha L……….
S) Em 8/08/2011, o recorrente exerceu o direito de audiência dos interessados, nos termos constantes de fls. 168 a 178, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
T) Em 17/08/2011, foi elaborado o relatório final de fiscalização, nos termos constantes de fls. 21 a 51, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere designadamente o seguinte:
"( ... )Capítulo IV - Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
Tendo a Administração Fiscal conhecimento de que o contribuinte era titular juntamente com a sua irmã, de uma conta bancária no C………, a qual apresentava movimentos consideráveis, era importante ter acesso sem restrições à referida conta bancária: Conta bancária ……… do C……….
( ... )114 Caracterização do sujeito passivo
(…)3. Os rendimentos da Categoria A são pagos pela M……… Lda NIPC ……… e H......... SA NIPC ……….
(…)5. Analisados todos os elementos apresentados pelo contribuinte A……… e pelo seu pai B……… concluímos que apesar de ser o pai B……… que movimenta a conta, há movimentos efectuados em beneficio dos filhos nomeadamente todos os movimentos que envolvem a empresa J……… Lda NIPC ……… que, tal como é referido no ponto 28° da exposição enviada por B……… que deu entrada na Direcção de finanças de Lisboa no dia 24/03/2001 (Anexo VI) é a única empresa da esfera familiar do exponente que de facto e de direito é administrada exclusivamente pelos dois filhos do exponente.
Acrescenta no ponto 29° da sua exposição, que a empresa J………, é detentora de dois aviões de longo curso e já presta serviços às empresas controladas pelo exponente.
Nos nºs 97, 105 e 106 do ponto 26° da exposição, o exponente declara que saíra, da conta ……… para a J……… os seguintes valores:
--- n° 105 - saíram em 02/12/2008, 30.000,00€ a título de empréstimo;
--- n° 97 - saíram em 23/04/2008 200.000,00€ a título de empréstimo para início de actividade; e
--- n° 106 - saíram 26.220,24€ para pagamento de serviços da J………, que esta não facturou.
(…)

e entraram na conta ………, em 18/12/2008, proveniente da J………, 60.000,00€ e 30.000,00€, a título de reembolso de suprimentos, sendo os cheques da J……… assinados por A……….

(…)

Estes movimentos demonstram que saiu dinheiro da conta que foi aplicado numa empresa gerida exclusivamente por A……… e sua irmã N………, pelo que se verifica que o dinheiro proveniente da conta ......... também foi utilizado em seu beneficio.
Fica demonstrado que o contribuinte A……… e a sua irmã N……… não só detêm a titularidade da conta ……… como também têm o poder de a movimentar, e utilizaram esse direito.
(…)

Os rendimentos declarados por A……… em 2007 e 2008 totalizaram respectivamente 43.926,40 e 42.354,08 €, e para além do aumento de capital na empresa J………, efectuou na mesma empresa suprimentos no montante de 855.000,00 €, o que demonstra uma capacidade contributiva muito superior à declarada.
Referimos ainda que o contribuinte A……… é presidente do conselho de administração das empresas H……… SA, I……… SA e O……… SA, sendo o pai o Sr. B……… procurador em representação do filho. (…)
U) Sobre o relatório, referido em T), foi proferido o despacho, constantes de fls. 17, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere designadamente o seguinte:

"Concordo com os pareceres e com o relatório da acção inspectiva em anexo.

(…)

Proceda-se à recolha e processamento dos DC, para efeitos de liquidações correctivas (…)”.

Factos não provados

Não há outros factos a relevar para a decisão e a considerar, nomeadamente, como não provados.



A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, bem como no depoimento das testemunhas B………, D………, F………, G……… e L………, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



Relativamente aos factos A), E) e F) o tribunal fundou a sua convicção no depoimento, com conhecimento directo dos factos, da testemunha B………, pai do recorrente, por ser o titular da conta ……… do C………, aquando da sua constituição e por ter participado nas negociações com o C……… para a reactivação da referida conta, e do depoimento convergente, isento e coerente da testemunha D………, por ser o gestor da conta ……… do C………, desde 2003 até 2011, e ter conhecimento, ainda que indirecto, do historial da mesma, antes de 2003.



No que respeita ao facto H), o tribunal assentou a sua convicção nos depoimentos convergentes das testemunhas B………, D…….., F……… e G………. A primeira testemunha por ter conhecimento directo dos factos, a testemunha D……… pela sua isenção e conhecimento directo dos factos, na qualidade de gerente da conta ………, no período em causa, a testemunha F………, por ter sido até 2009 director administrativo-financeiro, das empresas H……… e I………, com conhecimento directo dos factos, a testemunha G………, por ser empregada de serviço exterior da H………, desde a sua criação, e ser ela quem vai ao banco levantar e depositar cheques na conta ……….



No que se refere ao facto J), o tribunal estribou-se no depoimento convergente e com conhecimento directo do facto das testemunhas B………, F……… e G……….



Quanto ao facto K), o tribunal assentou a sua convicção, para além prova documental aí referida, nos depoimentos convergentes e com conhecimento directo do facto das testemunhas B……… e F……….



Relativamente aos factos O) e P), o tribunal fundou a sua convicção no depoimento coerente e com conhecimento directo dos factos da testemunha L……….



No que concerne ao facto Q), o tribunal baseou-se no depoimento convergente, coerente e com conhecimento directo dos factos das testemunhas B……… e L……….



Finalmente, no que diz respeito a facto R), para além da prova documental, o tribunal assentou a sua convicção no depoimento coerente da testemunha L……….

6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 451 a 463 dos autos, julgou procedente o recurso judicial interposto pelo ora recorrido, anulando o despacho recorrido que fixara ao sujeito passivo para os anos de 2007 e 2008 o rendimento tributável com recurso a métodos indirectos no valor de 102.221,80 euros e 239.681,22 euros, respectivamente, ex vi da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, na redacção ao tempo vigente, por ter julgado que o recorrente logrou provar que os movimentos bancários provenientes da conta ………, do C………, não lhe trouxeram qualquer acréscimo patrimonial, conseguindo, assim, elidir a presunção que sobre si recaía (cfr. sentença recorrida a fls. 463 dos autos).
Para tanto, considerou a sentença recorrida que:
«Resulta da matéria de facto provada, alíneas A), B) e C), que a conta ………, do C………, foi inicialmente titulada pelo pai do recorrente, B………, e que por vicissitudes posteriores, relacionadas com a sua situação de falência, foi a mesma desactivada até 31/12/2003, data em que foi celebrado um acordo entre o C……… e o pai do recorrente.
Mais se provou, alínea D), que, do referido acordo, o C……… manteria a conta ……… activa e em nome dos pais do recorrente.
Provou-se, ainda, alínea E), que o Administrador do C………, Dr. ………, propôs ao pai do recorrente que a conta ……… fosse titulada pelo recorrente e pela sua irmã, ficando o seu pai como procurador.
Decorre da matéria de facto provada, alínea H), que todos os movimentos da conta ……… foram efectuados pelo pai do recorrente.
Resulta, ainda, provado, alíneas J) e K), que o pai do recorrente administra as sociedades H……… S.A. e I……… S.A., e que utilizava a conta ……… para fazer movimentos financeiros destas sociedades.
Com efeito, dos factos provados, O), P), Q) e R), verifica-se que, à excepção da primeira reunião realizada com o Senhor Inspector, na data em que foi notificado pessoalmente para apresentar esclarecimentos sobre certas operações, designadamente, sobre a conta do C………, foi sempre o pai do recorrente e o seu mandatário que prestaram todos os esclarecimentos sobre a referida conta. Na verdade, resulta provado, alínea O), que logo nessa primeira reunião o recorrente informou de imediato o Senhor Inspector de que todos os movimentos da conta ……… eram realizados pelo seu pai.
Acresce que foi o pai do recorrente quem deu autorização para o levantamento do sigilo bancário da referida conta, alínea R), agindo como se a conta fosse "sua".
Aliás, é a própria Administração Tributária que assume que é o pai do recorrente que movimenta a conta, no capítulo IV, ponto 5, do Relatório de Inspecção, alínea T).
Invoca, porém, a Administração Tributária que há movimentos efectuados em beneficio dos filhos, nomeadamente os que envolvem a empresa J………, de que o recorrente é sócio gerente.
Como já foi referido supra, ficou provado que todos os movimentos da conta ……… foram praticados pelo pai do recorrente, pelo que o acréscimo patrimonial resultante dessa conta apenas veio beneficiar o pai do recorrente, procurador dessa conta, e não o recorrente.
Os movimentos de saída da conta ……… aplicados na empresa J……… não implicam acréscimo patrimonial na esfera pessoal do recorrente mas, eventualmente na da própria empresa.
Nesta medida, não se pode assacar um acréscimo patrimonial na esfera pessoal do recorrente.
Pelo exposto, verifica-se que o recorrente logrou provar que os movimentos bancários provenientes da conta ………, do C………, não lhe trouxeram qualquer acréscimo patrimonial, conseguindo, assim, elidir a presunção que sobre si recaía.» (fim de citação).
Contra o assim decidido se insurge o Director de Finanças de Lisboa alegando que a douta decisão proferida padece de erro de julgamento por deficiente interpretação e aplicação das regras de Direito aplicáveis, tendo violado as regras que regem a figura da representação (nomeadamente o disposto no artigo 258.º do Código Civil) e as que definem a qualidade de sujeito passivo de imposto, definidas no n.º 3 do artigo 18º da LGT e como tal deve a douta sentença ser substituída por outra que determine ser legal e adequada a decisão administrativa de avaliação da matéria colectável, efectuada com recurso a métodos indirectos, em sede de IRS, por injustificada divergência entre os rendimentos declarados pelo ora recorrido e as evidências de acréscimos patrimoniais verificadas nos anos de 2007 e 2008.
Vejamos.
A alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30/12, na redacção vigente à data dos factos (anterior à data da entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, que deu nova redacção ao preceito), legitimava o recurso à avaliação indirecta em caso de existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Uma vez verificados os pressupostos de avaliação indirecta previstos, designadamente, naquela norma, dispunha o n.º 3 do artigo 89°-A da LGT que caberia ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial.
No caso dos autos, o ora recorrente, co-titular de uma conta bancária que apresentava saldo e movimentos desproporcionais, na proporção exigida pela então vigente alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, com as declarações de rendimentos apresentadas nos anos de 2007 e 2008, logrou fazer prova de que, não obstante a titularidade da conta, era outra a fonte do acréscimo patrimonial, pois que, a final, figurava na conta como mero “testa de ferro”, em razão da inibição - em virtude da falência – do seu pai (cfr. as alíneas A) a F), H), P), R) e T) do probatório fixado).
O recorrente, sem pôr em causa que o recorrido ilidiu a presunção que sobre ele recaía, contesta o decidido por, alegadamente, ter violado as regras que regem a figura da representação (nomeadamente o disposto no artigo 258.º do Código Civil) e as que definem a qualidade de sujeito passivo de imposto, definidas no n.º 3 do artigo 18º da LGT.
Não se vê, contudo, que assim seja.
Porque o ora recorrido era juridicamente o titular da conta, se legitimou, que em face a ele, com fundamento da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, o recurso à avaliação indirecta e, se não tivesse logrado satisfazer o ónus da prova que sobre si recaía seria ele o sujeito passivo de IRS relativo ao “acréscimo patrimonial injustificado”. Apenas não o é porque não há acréscimo patrimonial injustificado na sua esfera jurídica, pois que logrou demonstrar ser outra – que não os seus rendimentos - a fonte de tal acréscimo patrimonial. Não há, pois, qualquer violação do artigo 18.º n.º 3 da LGT.
Não há, também, no decidido qualquer violação das regras que regem a representação, designadamente do disposto no artigo 258.º do Código Civil, nos termos do qual «O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último», pois que a prova produzida nos autos permitiu apurar que o verdadeiro detentor da conta era, afinal, não o representado, mas o representante.
É evidente que a prova produzida veio revelar uma conduta eticamente censurável, tanto mais que visou obviar à inibição legal do verdadeiro mandante em virtude da sua falência. E, claro está, que é compreensível alguma frustração do recorrente por não ver sancionada, ao menos por via fiscal, tal conduta.
A prova produzida não permite, porém, sancionar decisão diversa daquela que foi tomada na sentença recorrida, que nenhuma censura merece.

Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente.


- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Julho de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.