Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0937/03
Data do Acordão:10/29/2003
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
QUESTÃO FISCAL.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS DE 1 INSTÂNCIA.
BENEFÍCIOS FISCAIS.
QUESTÃO FINANCEIRA.
BONIFICAÇÃO.
JUROS.
CRÉDITO BONIFICADO.
Sumário:I - Para efeitos da determinação de competência dos tribunais tributários e nos termos dos art°s 51 n° 3 e 62 n° 1 al. e) do ETAF, deve entender-se por "questões fiscais" tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores como também das que as dispensem ou isentem ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos.
II - Segundo o preceituado no artº 2° do EBF - aprovado pelo dec-lei 215/89, de 01Jul - consideram-se benefícios fiscais "as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extra fiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem", tais como as isenções, as reduções de taxa, as deduções à matéria colectável, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características ali enunciadas, considerando-se como "despesas fiscais".
III - As bonificações de juros usufruídas pelo mutuário de um crédito à habitação bonificado, nos termos do dec-lei 349/98, de 11 de Nov, não são qualificáveis como benefícios fiscais mas, antes, financeiros integrados na chamada "administração prestativa do Estado", que não na "administração fiscal.".
IV - Pelo que o reembolso respectivo, nos termos do art° 12° do mesmo diploma, não concretiza a obtenção de receitas destinadas, como os impostos, à satisfação de encargos públicos nem se insere no exercício da função tributária da Administração Pública.
V - Nem, por outro lado, se trata da interpretação ou aplicação de qualquer norma de direito fiscal substantiva ou mesmo adjectiva.
VI - Assim, o indeferimento de pedido de dispensa do reembolso dos ditos juros, nos termos do falado art° 12°, não emerge de uma relação jurídica fiscal ou tributária mas, antes, administrativa, stricto sensu: fundamentalmente a interpretação e aplicação do predito artº 12 do dec-lei 349/98 que, aliás, e salvo o art° 31, não contém qualquer norma de direito fiscal ou tributário.
VII - Pelo que o recurso contencioso de anulação interposto daquele indeferimento é da competência do Tribunal Administrativo de Círculo, nos termos do artº 51° n° 1 al. a) do ETAF.
Nº Convencional:JSTA00062143
Nº do Documento:SAP200310290937
Data de Entrada:05/12/2003
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TAC DO PORTO
Recorrido 2:TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE 1ª INSTÂNCIA DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO COMPETÊNCIA TAC - TT1INST.
Decisão:DECL COMPETENTE TAC PORTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:ETAF84 ART51 N1 A N3 ART62 N1 E.
EBFISC89 ART2 N1 N2 N3.
DL 349/98 DE 1998/02/11 ART11 N7 ART12 N4 ART31.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 2001/01/24 IN AD N478 PAG1309.; AC STA PROC24528 DE 1990/12/06.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 2ED PAG6.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Plenário do STA:
O MP vem, ao abrigo do art° 22° al. c) do ETAF, requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição entre o Tribunal Administrativo do Círculo e o Tribunal Tributário de 1ª Instância, ambos da cidade do Porto.
Alega, em síntese, que os dois se julgaram incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do recurso contencioso de anulação interposto por A..., para aquele primeiro tribunal, de despacho de 06-07-99, da Directora Geral do Tesouro, sendo que as respectivas decisões transitaram em julgado.
Notificadas as entidades em conflito, para resposta, nos termos do ano 118° do CPCivil, nada vieram dizer.
O Exmº magistrado do MP emitiu parecer no sentido de que "não está em causa acto administrativo respeitante a questão fiscal" já que, "a bonificação do crédito à habitação regulada no dec-lei 349/98, de 11 de Novembro, não constitui benefício fiscal" mas, antes, "uma bonificação financeira que o Estado atribui, em certas condições, às famílias e que se concretiza no pagamento ao banco mutuante de parte dos juros devidos pelo mutuário", integrando-se, assim, na chamada "administração prestativa do Estado", que não na sua "administração fiscal", concluindo pela competência do TAC.
E, corridos que se mostram os vistos legais, nada obsta à decisão.
Vejamos, pois:
Nos termos do art° 51 n° 1 al. a) do ETAF, "compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer dos recursos de actos administrativos dos directores-gerais e de outras autoridades da .administração central, ainda que praticados por delegação de membros do Governo, dispondo o art° 62° n° 1 al. e) do mesmo diploma, competir aos T T de 1ª Instância conhecer dos recursos dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais para cujo conhecimento não sejam competentes o STA e o TCA, ressalva esta última que não está em causa nos autos, já se trata de acto, como se disse, da Directora Geral do Tesouro.
Preceituando, por sua vez, o nº 3 daquele art° 51°, que "o disposto nos números anteriores não abrange aí matérias respeitantes ao contencioso fiscal".
E o cerne da questão está no que haja de entender-se por "questão fiscal", abrangente, sem dúvida, dos chamados "benefícios fiscais".
O TCA considerou que o acto em causa retirou um beneficio fiscal, anteriormente concedido ao requerente - bonificação de juros a quando da aquisição de um imóvel - cuja dispensa de reembolso lhe denegou.
Por sua vez, o TT entendeu o contrário por, tratando-se, embora, de uma "receita", esta não ter natureza tributária, mesmo em sentido amplo - "todas as receitas autoritária e coactivamente impostas" - pois "não visa a satisfação de encargos públicos do Estado ou outro ente público", não se tratando da perda de qualquer beneficio fiscal "pois se não trata de suspender, impedir ou reduzir uma qualquer tributação - v.g. art° 2° do EBF".
Ora, por "questões fiscais, deve entender-se tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos.
Cfr., abundante citação jurisprudencial no Ac. da Secção do Contencioso Tributário, deste STA, de 24Jan01 in Acd. Dout'. 478-1309/10.
Na verdade, aquela nova competência dos tribunais tributários teve em vista, tanto a intenção de desagravar o contencioso administrativo como uniformizar, nos tribunais para tal especializados, com a augurada e natural melhoria de qualidade, o conhecimento de todas as matérias fiscais.
Intenção patente na nova designação de "questões fiscais" da lei 4/86 de 21/03 - cfr. a versão original do ETAF que se referia a "benefícios fiscais" - que, pois, só pode significar um alargamento da referida competência, por só este ser compatível com as preditas finalidades.
E o EBF, aprovado pelo dec-lei 215/89, de 01Jul - art° 2°- considera "benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem " – nº 1 - elencando, como tal – nº 2 - "as isenções, as reduções de taxa, as deduções à matéria colectável, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior."
Estabelecendo, ainda, o seu nº 3, que "os benefícios fiscais são considerados despesas fiscais".
Ora, o acto em causa indeferiu o pedido de dispensa do reembolso de bonificações, de juros acrescidas de 20%, usufruídas pelo mutuário de um crédito à habitação bonificado, nos termos do dec-lei 349/98, de 11 Nov.
Tal diploma legal, no seguimento do dec-lei 328-B/86, de 30Set, veio regular, nomeadamente e para o que ora interessa, o regime de concessão do crédito bonificado para aquisição de habitação própria, visando contribuir para o seu maior rigor até em termos de "adaptação à evolução da conjuntura económico-financeira".
Aí, segundo dispõe o art° 11° epigrafado "condições do empréstimo", os mutuários beneficiam de uma bonificação de juro, em condições a definir por portaria - seu nº 7 - , tendo em conta o rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar.
E, nos termos do art° 12, os mutuários não poderão alienar o fogo adquirido, "durante o prazo de cinco anos após a data da concessão do empréstimo salvo casos especiais, devendo então "reembolsar a instituição de crédito do montante das bonificações entretanto usufruídas, acrescido de 20%;" reembolso que reverte para o Estado.
Todavia - seu nº 4 - tal não se aplicará, nomeadamente, quando a alienação do fogo seja determinada por "razões ponderosas" e avaliadas caso a caso pela Direcção Geral do Tesouro.
E foi tal "dispensa de reembolso" que foi indeferida pelo acto em causa - como se disse, da Directora Geral do Tesouro.
Trata-se, pois, de uma bonificação da taxa de juros de que goza o mutuário, em empréstimos para aquisição de habitação própria permanente.
Mas, assim sendo, não estão em causa benefícios fiscais, nos aludidos termos, mas antes financeiros, integrados na chamada "administração prestativa do Estado" , que não na Administração fiscal" - cfr. o Ac. do STA de 06-12-90 Proc. 24.528.
Não se trata da obtenção de receitas destinadas, como os impostos, à satisfação de encargos públicos nem o reembolso em causa se insere no exercício da função tributária da Administração Pública.
Nem por outro lado, da interpretação ou aplicação de qualquer norma de direito fiscal substantiva ou mesmo adjectiva.
O reembolso relativo à bonificação da taxa de juro do empréstimo não concretiza uma receita coactiva de natureza contributiva, qualquer tributo integrado no direito tributário, não estando em causa "o direito das receitas coactivas unilaterais, (nem bilaterais) isto é, o direito dos impostos ou direito fiscal".
Cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 6.
Mas, assim sendo, o litígio em causa não emerge de uma relação jurídica fiscal mas, antes, administrativa stricto sensu: fundamentalmente, a interpretação e aplicação do predito art° 12 do dec-lei 349/98, de 11 de Nov que, aliás e salvo o seu artº 31, não contém qualquer norma de direito fiscal ou tributário.
(Neste se insere aquele art° 31, respeitante a "isenções emolumentares" - sendo generalizado o entendimento de que tais emolumentos constituem "taxas" - qualificativo aliás constante do próprio articulado legal).
Refira-se finalmente que em nada prejudica o exposto, a autoria do acto, emanado da Direcção Geral do Tesouro (que não, aliás, da Direcção Geral dos Impostos - DGCI).
Pois o conceito ou âmbito das preditas "questões fiscais" ou "benefícios fiscais" nada tem a ver com o autor do acto, que o não integra, nos enunciados termos: tal aspecto subjectivo não tem relevância no ponto.
Termos em que, decidindo-se o presente conflito negativo de jurisdição, se acorda em julgar o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto o competente, em razão da matéria, para apreciação do predito recurso contencioso.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Outubro de 2003
Brandão de Pinho – Relator – António Samagaio – Azevedo Moreira – Mendes Pimentel – Isabel Jovita – Adelino Lopes – Lúcio Barbosa