Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0228/15
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO
DECISÃO
COIMA
INEXIGIBILIDADE
DÍVIDA
Sumário:A falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. i) do art. 204º, nº 1, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P18974
Nº do Documento:SA2201505060228
Data de Entrada:02/27/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., LDA E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

O Ministério Público, inconformado, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 13 de Novembro de 2014, que julgou procedente a oposição que A………… Lda, havia deduzido à execução fiscal nº 1970200901065858, proveniente da falta de pagamento de coima no valor de € 36.401,00, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 19702009060009050.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1° Ao decidir matéria respeitante ao processo de contra-ordenação onde foi aplicada a coima que se encontra em execução, e na qual foi apresentada a presente oposição, a Mmª Juiz “a quo”, exerceu poderes que lhe não estão confiados;
2° Com efeito em relação a processos de contra-ordenação em que não foi apresentado recurso, tais processos não se encontram no âmbito judicial, mas no âmbito administrativo;
3° Detendo apenas a AF autoridade para sobre eles se pronunciar, e cabendo recurso, se necessário, dessa decisão para o TAF;
4° Violou assim a douta sentença dos autos, o disposto nos arts. 52°, 53°, e 80° do RGIT;
5° Devendo, assim, ser anulada a sentença em causa, e substituída por outra que absolva a AF da instância, por erro na forma do processo.
Contra-alegou a oponente ora recorrida tendo concluído:
1°- A douta decisão ora em recurso está conforme a lei e o direito.
2°- Ao contrário do que pretende o Mm.° Magistrado do Ministério Público não existe qualquer violação do disposto nos art.°s 52º, 53.° e 80.° do RGIT.
Pelo que, deverão V. Ex.as julgar improcedente o douto recurso de fls. confirmando-se a decisão original com as legais consequências.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A- Corre termos no Serviço de Finanças de Benavente, em nome da Oponente, “A………….., Lda.”, o processo de execução fiscal n.° 1970200901065858, instaurado por dívida proveniente de coima fiscal, no valor de € 36.350,00, acrescida de custas, no valor de €51,00, que lhe foi fixada no âmbito do processo de contra-ordenação n.° 1970200906009050 (facto não controvertido);
B- A sociedade referida em A. tinha a sua sede social e morada registada junto da AT na Rua ………., n.° ……….., em ………. (cfr. certidão permanente, a fls. 133 a 134 dos autos, situação cadastral, a fls. 137 a 142 dos autos);
C- Foram designados gerentes da sociedade referida em A. B………… e C……….., residentes na ………., n.° ………., …………, …………, ……….., Salvaterra de Magos, e na Rua ………, n.º………., em …., respectivamente (cfr. certidão permanente, a fls. 133 a 134 dos autos, situação cadastral, a fls. 137 a 142 dos autos);
D- Através do ofício n.° 5014, de 15.05.2009, foi remetida à sociedade referida em A., por correio registado com aviso de recepção, para a morada referida na alínea B., notificação, nos termos do art. 55º do RGIT, relativa à instauração de processo de contra-ordenação n.° 1970200906009050, que foi devolvida com a menção “não atendeu” (cfr. fls. 13 a 16 dos autos);
E- Através do ofício n.° 5327, de 01.06.2009, foi repetida a notificação referida na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, nos termos do art. 39°, n.° 5 do CPPT, que foi devolvida com a mesma menção (cfr. fls. 17 a 20 dos autos);
F- Através do oficio n.° 3144, de 09.07.2009, foi remetida à sociedade referida em A., por correio registado com aviso de recepção, para a morada referida na alínea B. supra, notificação de defesa/pagamento com redução, nos termos do art. 70.° do RGIT, que foi devolvida com a menção “não atendeu” (cfr. fls. 21 a 23 dos autos);
G- Através do oficio n.° 8775, de 03.08.2009, foi repetida a notificação referida na alínea antecedente, nos termos do art 39º, n.° 5 do CPPT, que foi devolvida com a menção “não atendeu” (cfr. fls. 24 a 28 dos autos);
H- Em 19.10.2009, no âmbito do processo de contra-ordenação referido na alínea A. supra, foi proferida decisão de fixação de coima, que foi notificada à sociedade, para a morada referida em B. supra, através do ofício n.° 12990, enviado sob correio registado com aviso de recepção, que foi devolvida com a menção “não atendeu” (cfr. fls. 32 a 37 dos autos);
I- Através do ofício n.° 13599, de 02.11.2009, foi repetida a notificação referida na alínea antecedente, nos termos do art. 39º, n.° 5 do CPPT, que foi assinada “por pessoa a quem foi entregue”, em 03.11.2009 (cfr. fls. 38 e 39 dos autos);
J- A notificação referida na alínea antecedente encontra-se assinada por D………., Pai do gerente da Oponente, C………….. (cfr. fls. 39 dos autos);
K- A notificação referida na alínea antecedente foi entregue na ………., n.° ……………….., onde tem uma Residencial, através do serviço de reencaminhamento de correspondência (cfr. depoimento da testemunha, D…………);
L- O Pai do gerente da Oponente assinava correspondência que vinha endereçada ao filho mas nem sempre o alertava (cfr. depoimento da testemunha, D…………).
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
— Tenha chegado ao conhecimento da Oponente a decisão de fixação da coima em causa.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Como bem se percebe das alegações deste recurso, e o mesmo resulta directamente da sentença recorrida, a presente oposição à execução fiscal foi julgada procedente, com a consequente extinção da execução fiscal, por se ter entendido que a Administração Tributária não conseguiu provar a efectiva notificação da decisão que aplicou a coima, pelo que, deve-se considerar a notificação irregular e ineficaz, subsumindo-se tal questão ao disposto no artigo 204º, n.º 1, al. i) do CPPT.

Porque o presente recurso é essencialmente idêntico ao rec. n.º 0191/14, com acórdão datado de 06/05/2015, limitar-nos-emos a dar aqui por reproduzido o que ali se deixou escrito:
Discordando, o recorrente MP sustenta que o processo de oposição à execução fiscal é inadequado para se ver sindicada a falta de notificação de uma decisão de uma coima fiscal ainda que esteja a ser cobrada em sede de execução fiscal, a coberto de um título executivo, cuja validade não é questionada, pois que isso implicaria uma interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que extraiu e certificou o título.
Sendo o título executivo (art. 162º do CPPT) constituído por uma coima, aplicada por decisão com trânsito em julgado, como foi atestado por entidade administrativa competente, qualquer ilegalidade a ter-se verificado no respectivo procedimento contra-ordenacional, mormente com a notificação da decisão condenatória, deveria aí ter sido conhecida, como estabelece a al. h) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
Vejamos.
4.1. Não se questiona que o processo de execução fiscal seja o processo próprio para cobrança coerciva de coimas aplicadas em processo de contra-ordenação tributária (cfr. o nº 1 do art. 65º do RGIT) sendo que, como estabelece a al. b) do nº 1 do art. 162° do CPPT, podem servir de base à execução fiscal, entre outros títulos executivos, as certidões de decisões exequíveis proferidas em processo de aplicação de coimas.
Por outro lado, de acordo com o estabelecido na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT a oposição à execução fiscal pode ser deduzida com quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores desse mesmo normativo, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
E também não sofre dúvida que a inexigibilidade da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos daquela mencionada al. i), sendo que as decisões exequíveis a que tal normativo se reporta são as proferidas por tribunais tributários ou pelas autoridades administrativas que se tornem definitivas, quer por trânsito em julgado, quer por não interposição de recurso judicial [cfr. arts. 79°, nº 2 do RGIT e 88° e 89° do RGCO ( )].
No caso, o recorrente MP alega que a invocada falta de notificação da decisão de aplicação de coima integra nulidade insanável (al. d) do nº 1 do art. 63º do RGIT) e que serão aplicáveis apenas os meios previstos nos arts. 59º do RGCO e 80º do RGIT.
Todavia, independentemente da tramitação processual da contra-ordenação (e seria nesse processo que, em bom rigor, caberia, se fosse o caso, a invocação do alegado nas Conclusões 4 a 9 do recurso), tem sido entendimento dominante do STA que a apreciação da legalidade da notificação efectuada da decisão de aplicação de coimas não implica a apreciação da legalidade da própria dívida exequenda emergente daquelas, sendo já exterior à mesma [cfr., entre outros os acs. de 18/6/2014, proc. nº 01549/13 e de 3/12/2014, proc. nº 0426/14, em que se considerou que a falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. i) do art. 204º, nº 1, do CPPT. ( )]
Ora, sendo certo que a dívida exequenda a que se reporta o presente recurso teve origem em decisões condenatórias proferidas em processo de contra-ordenação, também é certo que não ficou provado que a AT tenha procedido ao envio das notificações dessas decisões de fixação de coima, pelo que a ora executada nem teve oportunidade de proceder ao respectivo pagamento voluntário nem de impugnar (caso o quisesse fazer) aquelas decisões: ou seja, os processos de execução fiscal foram instaurados com base em certidões de dívida extraídas dos referidos processos de contra-ordenação no pressuposto de que tais decisões se haviam tornado definitivas, quando não o eram.
4.2. Aliás, como se exarou no citado acórdão de 3/12/2014 (proc. nº 0426/14) não é o processo de execução «… o processo próprio para se notificar a decisão que aplicou uma coima, nem se pode conceber que se entenda que a citação, em processo de execução fiscal, para pagar um montante referido a uma coima fiscal possa, em caso algum, ser um meio que assegure os meios de defesa contra tal decisão. Tal citação é uma interpelação bastante para que o executado saiba que contra ele pende uma execução, o que é completamente diferente de ter conhecimento do teor da decisão que a entidade exequente pretende executar, em termos de conhecer o seu conteúdo e a respectiva fundamentação.
Face a esta citação, não tendo havido, como consta da matéria de facto provada que não houve, uma notificação da decisão que aplicou a coima, a recorrida está não só privada da possibilidade de impugnar aquela decisão condenatória como também não dispõe de elementos suficientes para poder aquilatar da falsidade/veracidade do título, verificar se estão devidamente contabilizados os juros de mora, o montante exequendo, etc..
Um título executivo é um documento que dá notícia de uma dívida e que a lei dota de força executiva, confiada na legalidade da respectiva emissão.
Sempre a fase executiva se sucede, de uma forma ou outra a uma fase de cariz “declarativa”, aqui “condenatória” que, por imposição constitucional, mas também, repetida na lei ordinária, e, de forma clara no RGIT, pressupõe que a entidade emitente do título o fez no termo de um procedimento legal, justo, assegurando o contraditório e com absoluto respeito pelos direitos de defesa do prevaricador.
É uma exigência elementar que esta fase declarativa/condenatória termine com uma decisão final, notificada à arguida a quem se deu conhecimento não só da decisão e seus fundamentos, mas, também dos meios pelos quais pode recorrer dessa decisão. (…)
A execução fiscal é instaurada com base na certidão de dívida que tem de indicar que a decisão que aplicou a coima se tornou definitiva, ou transitou em julgado podendo então falar-se de decisão exequível.
Mas, não tendo havido, como não houve, notificação da decisão que aplicou a coima, nem se iniciou o prazo de pagamento voluntário da coima ou de interposição de recurso, muito menos qualquer um dos prazos terminou para que a certidão de dívida pudesse ser extraída em conformidade com a lei nos termos do disposto no art. 65º do RGIT.
Apesar do título conter, formalmente, os elementos essenciais referidos no art. 163º do Código de Procedimento e Processo Tributário não é, como vimos, uma certidão fiel de uma decisão exequível, tendo apenas a aparência, desconforme com a realidade, de legalidade.
Assim, sendo ainda uma certidão de dívida, certifica uma dívida ainda não passível de cobrança coerciva.
Instaurada uma execução fiscal o executado tem a possibilidade de contra ela reagir mediante oposição a essa execução, nos estreitos limites dos fundamentos constantes do art. 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário, requerendo, como fez a recorrida a extinção da execução, neste caso assente nesse vício que afecta desde a sua génese a execução, por prematuramente se pretender cobrar coercivamente um montante que, nem sequer está estabelecido, de forma definitiva, que é devido. (…)
A decisão não é exequível porque não é nem definitiva nem transitou em julgado. A extracção da certidão de dívida foi prematura, ilegal, pelo que não confere a força executiva de que tinha aparência.
A citação no processo de execução instou a oponente, aqui recorrida, a pagar um montante que ou não é exigível, ou, pelo menos não é coercivamente, exigível neste momento, o que fundamenta o seu direito de se recusar a pagar e justifica o seu pedido de extinção da instância executiva.»
4.3. Em suma, como se decidiu na sentença recorrida, a factualidade invocada pela recorrida substancia a inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de notificação da decisão de aplicação de coima, subsumível à al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT.”.

Sem necessidade de mais argumentação impõe-se, pois, a improcedência do recurso.

Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar, nessa medida, a sentença recorrida.
Sem custas, dado que o recorrente (MP) delas está isenta.
D.n.

Lisboa, 6 de Maio de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.