Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02132/19.2BEPRT
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:IMPOSTO DE JOGOS
INCONSTITUCIONALIDADE
ILEGALIDADE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28239
Nº do Documento:SA22021100602132/19
Data de Entrada:05/19/2021
Recorrente:A…………., S.A
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO
I.1 Alegações
A…………….., S.A., melhor identificada nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13 de Novembro de 2020, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações de Imposto Especial de Jogo relativas a Março, Abril e Maio de 2019, no montante global de €3.454.087,74 referentes à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª) A presente impugnação tem por objecto uma liquidação do Imposto de Jogo;
2ª) A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao... Imposto de Jogo;
3ª) O imposto de jogo não possui base contratual - como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal;
4ª) Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão, nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato;
5ª) A recorrente contesta a legalidade de uma liquidação do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto Lei nº 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade;
6ª) A recorrente contesta, também, a legalidade de uma liquidação do Imposto de Jogo por não estar devidamente fundamentada e por violar o disposto na Lei do Jogo;
7ª) Tendo em conta a clássica definição de tributo “prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento”, é indiscutível que o imposto de jogo, cuja liquidação se impugnou, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto;
8ª) A existência de um contrato de concessão não altera a natureza do tributo em questão, não havendo aqui, como assinalada na doutrina, qualquer “lei contrato”, ou qualquer “tributo contratual”;
9ª) As liquidações de Imposto de Jogo aqui impugnadas, são ilegais por terem como fundamento legal o Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores da autorização;
10ª) As liquidações impugnadas são, também, ilegais, porque o referido Decreto-Lei nº 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade;
11ª) Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para a tributação sobre as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real do imposto;
12ª) Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto;
13ª) As impugnadas liquidações são, também ilegais, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
14ª) É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro;
15ª) O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o artº 104º, nº 2 da Constituição;
16ª) As características próprias do Imposto de Jogo, não permite afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
17ª) A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente;
18ª) A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade, sendo certo que, essa diferenciação entre os diversos contribuintes não resulta dos contratos de concessão, mas sim da Lei do Jogo;
19ª) As liquidações impugnadas são ilegais por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreta máquina, do capital em giro inicial;
20ª) As liquidações impugnadas são também ilegais por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
21ª) As liquidações impugnadas são, ainda, ilegais, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do artº 87º da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização;
22ª) Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“A………….., SA, vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13 de Novembro de 2020, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações, efectuadas pelo Turismo de Portugal, I.P., de Imposto Especial de Jogo (IEJ), referentes aos meses de Março, Abril e Maio de 2019, no montante global de €3.454.087,74 (cf. fls. 535 a 557 do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo,
Uma vez que, no seu entendimento, a liquidação acima referida é ilegal por:
i) Inconstitucionalidade orgânica do D.L. n.º 422/89, de 2/12, que serve de fundamento legal às liquidações impugnadas;
ii) Violação do princípio constitucional da legalidade tributária, uma vez que o D.L. n.º 422/89, de 2/12, remeteu a fixação da base de incidência do imposto, quanto às máquinas de jogo, para ato administrativo;
iii) Violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, dado que o imposto incide sobre o capital em giro dos jogos, sem qualquer relação com a receita bruta e com o lucro;
iv) Violação do princípio constitucional da igualdade, uma vez que o D.L. n.º 422/89, de 2/12, fixa diversas taxas de imposto para as diversas empresas concessionárias da exploração do jogo;
v) Falta de fundamentação das liquidações, que se limitam a indicar o imposto a pagar;
vi) O D.L. n.º 422/89, de 2/12, estabelece que a autoridade administrativa fixa anualmente o montante do capital em giro inicial das máquinas de jogo, porém, o Instituto do Turismo, I.P. fixa-o mensalmente e sem qualquer fundamentação;
vii) Na fixação do capital em giro não se atende às características das máquinas de jogos, nem às circunstâncias verificadas nas explorações;
viii) Nos jogos bancados o imposto incide sobre o capital em giro inicial, que nada tem que ver com o resultado real da exploração.
Requer ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 6, do artigo 7º do RCP.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
DO MÉRITO DE RECURSO
ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO
Afigura-se-nos que in casu, se deve seguir a jurisprudência firmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Dezembro de 2018 (Processo n.º 1457/15), de 23 de Janeiro de 2019 (processo n.º 1037/14.8 BEPRT) e de 13 de Março de 2019 (processo nº 1046/17.5 BEPRT), disponíveis em www.dgsi.pt.
No primeiro dos supra mencionados acórdãos sumariou-se:
“I - Conforme resulta do disposto no artigo 84.º da Lei do Jogo - Decreto-Lei n° 422/89 de 2/12, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, cujas últimas alterações foram introduzidas pela Lei 114/2017, de 29/12 (Lei do Jogo) -, o Imposto Especial de Jogo assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da atividade do jogo são sujeitos ao Imposto Especial de Jogo e não sujeitos a IRC, cfr. artigo 7.º do Código do IRC,
Sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa atividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam.
II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social.
III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art.º 103 da Constituição da República Portuguesa, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar
IV - A formulação constitucional - art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que deva incidir exclusivamente sobre o rendimento real destas.
V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art.º 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos.
VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de Imposto Especial de Jogo encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade.
VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art.º 84º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02 de Dezembro. A base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art.º 4.º do DL n.º 422/89.
VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores.
IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir,
Não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida.
X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo. Não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido.
XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ) não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples.
XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República - Lei 14/89 de 30 de Junho - Autorização ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto.
XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística.”.
Nesta conformidade, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Face ao requerimento da Recorrente, há que analisar se, in casu, se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Vejamos:
Nos termos do artigo 6º, nº 7, do RCP, nas causas de valor superior a €275.000,000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
E como se deixou explicado no Acórdão do Pleno do STA, de 15/10/2014, no proc. Nº 01435/12, disponível em www.dgsi.pt, “ (…) Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do artigo 537º, do actual CPC (art.447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir.
Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, Almedina, 4ªedição, 2012, pág. 85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes”.
Por outro lado, “ a lei não pode (…) adoptar soluções de tal modo onerosas que, na prática impeçam ao cidadão médio de aceder à justiça.
Ou seja, salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adopção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça (…) cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP anotada, ed. 2005, tomo I, pág. 183).
Também, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02,que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, “o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial…” (sublinhado nosso).
Importa pois apreciar se, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes,
Ora, relativamente à conduta processual das partes diremos já que não existe qualquer aspecto negativo a apontar.
Na verdade, in casu, afigura-se-nos, estarmos perante uma conduta normal das partes, uma vez que não suscitaram questões desnecessárias e não fizeram uso de expedientes dilatórios.
Por outro lado, quanto à falta de complexidade do caso, há que recorrer, desde logo, aos critérios indiciários constantes do actual artigo 530.º do CPC,
Devidamente harmonizados com o princípio da proporcionalidade, concretamente na sua vertente de proibição do excesso, bem como com o direito de acesso aos tribunais.
Na verdade,“(…) o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa, permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25.09.2007, processo nº 317/07).
Ora, a decisão final assentou apenas na consideração da prova documental carreada para os autos, tendo sido fixados dez (10) factos.
Por outro lado, não foi produzida prova pericial, nem inquiridas testemunhas, não tendo sido realizada audiência de julgamento, o que demonstra não só uma tramitação simples da causa, como a ausência de diligências de produção de prova morosas e/ou sequer complexas.
Nesta conformidade, entendemos que deve ser deferida a dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça
CONCLUSÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos: deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida e deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 535 e seguintes do SITAF:
A) A Impugnante é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo da Póvoa de Varzim – cfr. contrato de concessão outorgado em 14/12/2001, publicado no Diário da República, III Série, n.º 27, de 01/02/2002.
B) Pela Deliberação n.º 23/2011/CJ, datada de 11/03/2011, a Comissão de Jogos do Turismo de Portugal, I.P. deliberou que se procedesse a uma avaliação do capital em giro inicial, com uma periodicidade mensal (nos primeiros três dias de cada mês) e ao longo do ano, para efeitos tributários, das máquinas de jogo, promovendo-se, sempre que necessário, ao seu ajustamento, notificando os respetivos concessionários, previamente à sua aplicação – cfr. fls. 127, frente e verso, do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 07/01/2019, o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) notificou a Impugnante de que o capital em giro inicial anual para cada uma das máquinas automáticas colocadas à exploração no Casino da Póvoa de Varzim era fixado, para o ano 2019, em € 800,00 – cfr. fls. 360 a 364 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Pelo ofício com a referência SAI/2019/4762/SRIJ/RF, de 02/04/2019, o Casino da Póvoa de Varzim foi notificado da liquidação de IEJ a pagar pela Impugnante (€ 1 204 161,03), referente ao mês de março de 2019 – cfr. fls. 30 e 31 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
E) O imposto mencionado na alínea antecedente foi pago pela Impugnante em 15/04/2019 – cfr. fls. 40 a 43 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
F) Pelo ofício com a referência SAI/2019/6241/SRIJ/RF, de 02/05/2019, o Casino da Póvoa de Varzim foi notificado da liquidação de IEJ a pagar pela Impugnante (€ 1 120 840,90), referente ao mês de abril de 2019 – cfr. fls. 32 e 33 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
G) O imposto mencionado na alínea antecedente foi pago pela Impugnante em 15/05/2019 – cfr. fls. 44 a 47 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
H) Pelo ofício com a referência SAI/2019/7635/SRIJ/RF, de 05/06/2019, o Casino da Póvoa de Varzim foi notificado da liquidação de IEJ a pagar pela Impugnante (€ 1 129 085,91), referente ao mês de maio de 2019 – cfr. fls. 34 e 35 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
I) O imposto mencionado na alínea antecedente foi pago pela Impugnante em 17/06/2019 – cfr. fls. 48 a 52 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
J) A presente impugnação judicial foi deduzida em 02/09/2019 – cfr. fls. 3 a 26 e 89 do suporte físico do processo.

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Porto, proferida no dia 13 de Novembro de 2020, a qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente – A…………….., S.A. – contra as liquidações do imposto especial de jogo, regulamentado no Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, referentes aos meses de Março, Abril e Maio de 2019, no montante global de €3.454.087,74.
Para assim decidir, entendeu o tribunal a quo que os vícios imputados pela impugnante, ora Recorrente, ao acto sob recurso, já tiveram amplo tratamento jurídico nas várias decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos e Fiscais como também foram objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, de modo uniforme e reiterado em vários acórdãos, pelo que remeteu para a fundamentação vertida no processo n.º 01457.1BEPRT – recurso no STA n.º 1457/15, de 5 de Dezembro de 2018, que seguiu de perto e aplicou consequentemente à presente decisão.

II. Com o assim decidido não se conforma a recorrente invocando nas suas alegações de recurso, erro de julgamento da sentença recorrida por ter procedido a uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis aos actos de liquidação impugnado.

III. Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que as questões objecto do recurso são:
1 - a de saber se existe ilegalidade do ato de liquidação impugnado por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do rendimento real e da proporcionalidade;
2 - a de saber se existe ilegalidade do ato de liquidação por o Decreto-Lei nº 422/89 violar o princípio constitucional da legalidade, na sua vertente de reserva de lei material;
3 - a de saber se existe ilegalidade do ato de liquidação porque a Lei do Jogo é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade;
4 - a de saber se existe ilegalidade do ato de liquidação por falta de fundamentação;
5 - a de saber se existe ilegalidade do ato de liquidação por o capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
6 - a de saber se existe ilegalidade do ato de liquidação por o “capital em giro inicial” ter sido fixado sem serem tidas em consideração as características das diversas máquinas de jogo e as circunstâncias concretas verificadas na sua utilização.

IV. Ora, sobre tais questões, que são substancialmente idênticas às que foram objecto de julgamento noutras ocasiões, já este Supremo Tribunal teve ocasião de se pronunciar em inúmeras oportunidades, em termos uniformes e que não reconhecem suporte legal às pretensões da Recorrente.
Fê-lo, muito em particular, por meio de julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ocorrido no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15), através do acórdão de 5 de Dezembro de 2018, disponível em www.dgsi.pt.
E aí se defendeu, em jeito de conclusão, que:
I - Conforme resulta do disposto no artigo 84.º da Lei do Jogo - Decreto-Lei n° 422/89 de 2/12, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, cujas últimas alterações foram introduzidas pela Lei 114/2017, de 29/12 (Lei do Jogo) -, o Imposto Especial de Jogo assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da atividade do jogo são sujeitos ao Imposto Especial de Jogo e não sujeitos a IRC, cfr. artigo 7.º do Código do IRC, sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa atividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam.
II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social.
III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art.º 103 da Constituição da República Portuguesa, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar -.
IV - A formulação constitucional - art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que deva incidir exclusivamente sobre o rendimento real destas.
V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art.º 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos.
VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de Imposto Especial de Jogo encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade.
VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art.º 84º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02 de Dezembro. A base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art.º 4.º do DL n.º 422/89.
VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores.
IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida.
X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo. Não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido.
XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ) não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples.
XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República - Lei 14/89 de 30 de Junho - Autorização ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto.
XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística.

V. Neste cenário, e porque concordamos, integralmente, com o que aí ficou decidido e os respetivos fundamentos – como já tivemos oportunidade de salientar nas decisões vertidas nos Acórdãos n.ºs 133/18 e 1006/18, de 10 de Março de 2021, ou 545/16, de 7 de Abril de 2021 (disponíveis em www.dgsi.pt) –, obedecendo ao disposto no artigo 8.º, n.° 3 do Código Civil e usando da faculdade concedida pela 2.ª parte do n.° 5 do artigo 663.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, remetemos para a fundamentação jurídica aí adotada.

VI. Julgamos, ainda, que se verificam, no caso vertente, os requisitos contidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais para a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, tendo em conta, por um lado, que a conduta processual das partes não merece censura que obste a essa dispensa e, por outro lado, que ocorre uma menor complexidade do recurso, porquanto as questões em discussão foram já objecto de análise e decisão noutro recurso deste Supremo Tribunal.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 6 de Outubro de 2021

Considerando que o texto do referenciado acórdão do STA proferido em 5.12.2018 no processo n.º 2224/13.1BEPRT se encontra disponível na base de dados da DGSI, dispensa-se a junção da respectiva cópia.


O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exmºs Senhores Conselheiros Adjuntos: – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia


Gustavo Lopes Courinha