Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0724/10.4BELLE-A
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
PRESSUPOSTOS
QUESTÃO PROCESSUAL
Sumário:I - As decisões proferidas pelos TCA’s, conhecendo em segundo grau de jurisdição não são em regra susceptíveis de recurso ordinário, dada a sua admissibilidade apenas poder ter lugar se verificados os pressupostos do recurso de revista, sendo estes os previstos no art. 150º, nº 1 do CPTA, norma específica do contencioso administrativo que se sobrepõe às normas referentes à revista prevista no CPC – art. 671º e seguintes do CPC, em tudo o que contrariar aquele art. 150º do CPTA, enquanto norma especial deste contencioso;
II - São tais pressupostos os seguintes: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, os quais devem ser alegados e serem comprovados, nos termos do nº 6 do art. 150º do CPTA, pela formação de apreciação preliminar à qual cabe decidir se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1, sendo de admitir, ou não, a revista.
III - Não é de admitir revista se, no juízo sumário e perfunctório que a esta formação cabe proceder, se verifica que o acórdão recorrido se mostra bem fundamentado, de forma coerente e plausível nas razões que levaram à não admissão do recurso, por irrecorribilidade do despacho, não se vislumbrando que padeça de qualquer erro ostensivo lógico ou jurídico na sua fundamentação.
Nº Convencional:JSTA000P29379
Nº do Documento:SA1202205050724/10
Data de Entrada:02/18/2022
Recorrente:A..... E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LAGOS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
A…….. e Outra vêm interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Sul em 07.07.2021 que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso que interpuseram do despacho do TAF de Loulé, de 22.10.2015, na parte em que determinou o desentranhamento de todos os requerimentos e documentos apresentados pelas Autoras e pelo R. Município de Lagos, em data posterior à diligência realizada no dia 10.12.2014 e que os mesmos se restituam aos respectivos apresentantes.
As Recorrentes interpõem revista ao abrigo, conforme alegam, do disposto nos nºs 1, al. i) e 2 do art. 24º do ETAF e dos arts. 671º e seguintes do CPC.
Em contra-alegações defende-se que o recurso é inadmissível.

2. Os Factos
Não foram considerados provados quaisquer factos.

3. O Direito
Como se disse as Recorrentes interpõem recurso de revista ao abrigo dos arts. 671º e seguintes do CPC.
A primeira questão a resolver é a de saber qual o recurso admissível no caso.
Dispõe o nº 3 do art. 140º que os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título.
Por sua vez, o nº 1 do mesmo art. 140º do CPTA prevê que os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários a apelação e a revista.
Dispõe o nº 1 do art. 150º do CPTA, que “Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
O que significa que de decisão proferida por um TCA em segundo grau de jurisdição – art. 149º do CPTA, só excepcionalmente é admissível recurso de revista. Ou seja, as decisões proferidas pelos TCA’s, conhecendo em segundo grau de jurisdição não são em regra susceptíveis de recurso ordinário, dada a sua admissibilidade apenas poder ter lugar se verificados os pressupostos do recurso de revista, sendo estes os previstos no art. 150º do CPTA, norma específica do contencioso administrativo que se sobrepõe às normas referentes à revista prevista no CPC – art. 671º e seguintes, em tudo o que contrariar aquele art. 150º do CPTA, enquanto norma especial deste contencioso.
Assim, o recurso só pode ser admitido como recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, se os pressupostos do seu nº 1: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, estivessem alegados e fossem comprovados, nos termos do nº 6 do art. 150º do CPTA, pela formação de apreciação preliminar à qual cabe decidir se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1, sendo de admitir, ou não, a revista.
Será, pois, como revista excepcional, prevista no art. 150º do CPTA, que o recurso interposto será analisado.

O TAF de Loulé no despacho de 22.10.2015, na parte em causa no recurso, determina que, “…se desentranhem todos os requerimentos e documentos apresentados pelas autoras e pelo réu Município de Lagos em data posterior à da diligência realizada no dia 10 de Dezembro de 2014, e se restituam aos respectivos apresentantes”.
Nesse despacho foi ainda determinada a notificação das autoras para apresentarem, no prazo de 10 dias, o seu requerimento probatório – rol de testemunhas e outros meios de prova, como documentos, abstendo-se de produzir alegações sobre a matéria de facto e de direito, sob pena de condenação em multa, mais determinando que a Entidade Demandada aguarde o convite formal do tribunal para apresentar o seu requerimento probatório e exercer o contraditório em relação à prova requerida por aquelas

Por sua vez o acórdão do TCA Sul de que se recorre, refere que do despacho recorrido consta o resumo dos actos processuais praticados pelas partes após a diligência realizada em 10/12/2014, “que se traduzem, nos exatos termos descritos no despacho recorrido, numa sucessão de requerimentos probatórios pelas Autoras e pela Entidade Demandada, repartidos em diversos requerimentos, apresentados em diferentes datas e momentos, assim como de diversas pronúncias e alegações das partes em relação aos diversos requerimentos que iam apresentando, em total desvio das regras legais processuais que regulam a prática dos atos processuais, ordenadores e disciplinadores da marcha do processo.”. Tal despacho foi proferido com expressa invocação do princípio da adequação formal, previsto no art. 547º do CPC, de forma a assegurar o processo equitativo, mas de forma a regular e simplificar a causa, retirando-lhe requerimentos inúteis, inadmissíveis, prolixos e manifestamente dilatórios, pelo que se determinou o desentranhamento nos termos sobreditos.
Mais refere o acórdão que, “Com o teor do despacho recorrido, as partes não ficaram privadas do direito à prova, nem da possibilidade de apresentar requerimentos probatórios ou de juntar prova ao processo, antes foram regulados os termos em que o devem fazer, por não ser livre o direito de as partes praticarem atos processuais no processo. (…)
No presente caso, atento o tão elevado número de requerimentos probatórios apresentados pelas partes, ao invés de os concentrarem num único requerimento, sendo, por isso, dispersos em múltiplos requerimentos e apresentadas várias alegações, em momento processual desadequado, proferiu o juiz da causa um despacho a regular a ordenação dos atos processuais pelas partes, assumindo a direção efetiva do processo e sob a égide de gestão processual, previsto nos artigos 7.º-A do CPTA e 547.º do CPC.
Assim, por entender que o despacho era de simplificação ou de agilização processual, proferido nos termos dos referidos preceitos (arts. 7º-A do CPTA e 6º, nº 1 e 547º, ambos do CPC, não contendendo com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual dos factos ou com a admissibilidade de meios probatórios, considerou o acórdão que tal despacho não era subsumível à previsão do art. 644º, nº 2, al. d) do CPC.
Termos em que, considerou irrecorrível o despacho recorrido, face ao disposto no art. 7-A, nº 3 do CPTA e do art. 630º, nºs 1 e 2 do CPC, “por ter sido proferido ao abrigo de um poder discricionário e sob a expressa finalidade da adequação formal da causa, constituindo um despacho de simplificação ou de agilização processual, proferido nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º do CPC e do n.º 1 do artigo 7.º-A do CPTA e de adequação formal, nos termos previstos no artigo 547.º [do CPC] não contendendo com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.” O que determina que não se subsuma ao disposto no art. 644º, nº 2, al. d) do CPC.
Assim, o acórdão julgou o recurso inadmissível por irrecorribilidade do despacho recorrido, de cujo objecto não conheceu.

Das prolixas conclusões das Recorrentes retira-se que estas consideram que o acórdão recorrido terá incorrido em erro de julgamento ao não admitir o recurso.
No entanto, as Recorrentes não são convincentes.
Com efeito, no juízo sumário e perfunctório que a esta Formação cabe proceder, verifica-se que o acórdão recorrido se mostra bem fundamentado, de forma coerente e plausível nas razões que levaram à não admissão do recurso.
Com efeito, não se vislumbra qualquer erro ostensivo lógico ou jurídico na fundamentação do acórdão recorrido.
Assim, face ao aparente acerto do acórdão recorrido, e não tendo a questão em discussão relevância jurídica ou complexidade especial, não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir o recurso.
Custas pelas Recorrentes.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.