Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0406/10
Data do Acordão:09/15/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IVA
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
ERRO NA DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
RECLAMAÇÃO PARA A COMISSÃO DE REVISÃO
IMPUGNABILIDADE
Sumário:I - Os artigo 86.º n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1 do CPPT exigem a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos.
II - A expressão "erro na quantificação" adoptada nas normas referidas restringe de forma clara esse erro aos casos em que se verifica por parte da comissão de revisão erro material de cálculo fundado em dados objectivos tecnicamente apreensíveis, aí se não englobando as situações em que o impugnante alega a inexistência dos factos tributários.
Nº Convencional:JSTA00066576
Nº do Documento:SA2201009150406
Data de Entrada:05/17/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART86 N5.
CPC96 ART715 N2.
CPPTRIB99 ART117 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC26276 DE 2002/03/13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações adicionais de IVA referente aos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 e respectivos juros, formulando as seguintes conclusões:
A. O recorrente apresentou uma impugnação judicial visando a anulação das liquidações de IVA em causa, tendo alegado como causa pedir factos que constituem válido fundamento de impugnação, concretamente inexistência de factos tributários.
B. A inexistência dos factos tributários é um vício cujo conhecimento pelo Douto Tribunal a quo não está sujeito à dedução prévia de um pedido de revisão da matéria tributável.
C. Esta posição é acolhida pela jurisprudência que dimana dos Doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-03-2002 e de 24-09-2002, Processo 6109/01 e 6754/02, respectivamente, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
D. O artigo 86.°, n.º 5 da LGT o n.º do artigo 117.° do CPPT apenas exigem o prévio pedido de revisão da matéria tributável quando se impugnem as liquidações resultantes de métodos indirectos com fundamento em erro na quantificação ou erro ou falta de pressupostos para a passagem a tais métodos.
E. É essa a jurisprudência que também dimana do referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24-09-2002, processo 6754/02, in www.dgsi.pt.
F. Aliás, já no domínio da lei anterior à LGT, o supra referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1994, perfilhava posição semelhante à referida na conclusão D).
G. Na impugnação judicial, o recorrente não alegou qualquer erro na quantificação da matéria colectável por métodos indirectos ou qualquer erro ou falta de pressupostos para a passagem a tais métodos.
H. Ao julgar a impugnação improcedente e, assim obstar ao conhecimento do mérito da causa, a douta sentença fez errada interpretação e aplicação do n.º 5 do artigo 86.° da L.G.T e do n.º 1 do artigo 117.° do CPPT.
I. Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida e, em consequência, ordenar a remessa do processo à 1ª. instância para que, se outro obstáculo não surgir, o processo continue a fim de ser proferida decisão sobre o mérito da impugnação judicial deduzida pelo Recorrente.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Objecto do recurso: necessidade de reclamação prévia para efeitos da revisão da matéria tributável, como condição de impugnabilidade a que aludem os arts. 86°, nº 5 da Lei Geral Tributária e 117° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Alega o recorrente que o nº 5 do artigo 86.° da Lei Geral Tributária e o nº 1 do artigo 11º do CPPT apenas exigem o prévio pedido de revisão da matéria tributável quando se impugnem as liquidações resultantes de métodos indirectos com fundamento em erro na quantificação ou erro ou falta de pressupostos para a passagem a tais métodos.
E que não alegou qualquer erro na quantificação da matéria colectável por métodos indirectos ou qualquer erro ou falta de pressupostos para a passagem a tais métodos.
Afigura-se-nos que carece de razão.
A jurisprudência citada pelo recorrente não tem aplicação do no caso subjudice pois trata de situações em que, para além do erro na quantificação ou dos pressupostos para a determinação da matéria tributável se invocaram outros fundamentos, nomeadamente falta de fundamentação (Acórdão 6109/01 do Tribunal Central Administrativo Sul) ou a inexistência jurídica dos actos tributários (em virtude de as notificações não conterem todos os elementos exigidos pelo art. 36° nº 2 do CPPT), a falta de fundamentação, a preterição da formalidade legal de audiência prévia e ilegalidades várias cometidas no procedimento tributário e no relatório da fiscalização (caso do Acórdão 6754/02 do Tribunal Central Administrativo Sul).
Ora no caso, como se constata da petição inicial o fundamento de impugnação invocado era a inexistência de factos tributários (o que não se confunde com ilegalidade determinante da inexistência do acto tributário) que permitissem à Administração Fiscal proceder às liquidações adicionais impugnadas, ou seja a inexistência dos pressupostos de facto que estariam na sua base - cf. o articulado da petição inicial, designadamente o artº 48, e o pedido.
Ora, como é sabido o facto tributário é o facto gerador do imposto ou o pressuposto de facto da obrigação do imposto (cf. Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª edição, pág. 261).
Assim ocorre inexistência do facto tributário quando se dá como existente um facto tributário que nunca existiu, o que implica um erro sobre os pressupostos de facto - cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 4ª ed., pág. 449.
Ou seja o recorrente alegava na impugnação erro sobre os pressupostos de facto, consubstanciados numa disparidade entre a realidade e a quantificação da matéria tributável o que constitui, para todos os efeitos, invocação de erro na quantificação da matéria tributável e cabe assim na previsão dos artº 117º nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e 86º, nº 5 da Lei Geral Tributária.
A decisão recorrida não merece pois, neste ponto, qualquer censura.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto.
A) Foram emitidas as liquidações adicionais de IVA nºs 04332438, 04332444, 04332451 e 04332456 referente aos anos de 2000, 2001, 2002 e 20003 e respectivos juros á sociedade “B…, Ldª”.
B) O impugnante foi citado para os termos do processo de execução fiscal de Lisboa 13 na qualidade de responsável subsidiário por reversão da execução fiscal instaurada originariamente á sociedade “B…, Ldª”, para pagamento do imposto e juros mencionados na alínea anterior.
C) As liquidações mencionadas em A) resultam de correcções efectuadas à matéria colectável da sociedade “B…” com recurso a métodos indirectos.
D) Não foi apresentado pedido de revisão da matéria colectável.
5- A questão objecto do presente recurso consiste em saber da necessidade, “in casu”, de ser apresentado prévio pedido de revisão da matéria colectável, como condição da impugnabilidade de acto tributário a que se alude nos artigos 86.º n.º 5 da LGT e 117.º n.º 1 do CPPT.
Certo é que o ora recorrente fundamentou a impugnação deduzida das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 na inexistência dos respectivos factos tributários.
Na sentença recorrida, por entender-se que a impugnação dessas liquidações não poderia ser deduzida sem previamente ter sido apresentado pedido de revisão da matéria colectável conforme impõem os dispositivos legais acima referidos, a impugnação foi julgada improcedente.
Na sua alegação de recurso, em síntese, o recorrente defende que a inexistência dos factos tributários não consubstancia vício cujo conhecimento contencioso esteja sujeito a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável, sendo certo que não alegara qualquer erro na quantificação dessa matéria por métodos indiciários, nem na verificação nos pressupostos de aplicação desses métodos.
Vejamos.
Os artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º n.º 1 do CPPT, de forma idêntica, exigem como condição de impugnabilidade de actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos a prévia apresentação do pedido de revisão da matéria colectável.
Sendo inquestionável que não se verifica esta última hipótese, resta-nos apurar se a alegação de inexistência dos factos tributários, enquanto denúncia de erro nos pressupostos de facto, “consubstanciados numa disparidade entre a realidade e a quantificação da matéria tributável, constitui, para todos os efeitos, invocação de erro na quantificação da matéria tributável e cabe assim na previsão dos artigos 117.º n.º 1 do CPPT e 86.º n.º 5 da LGT”, como defende o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer.
Entendemos que não.
Com efeito, a expressão de “erro na quantificação” adoptada na norma em causa restringe de forma clara esse erro aos casos em que se verifica por parte da comissão de revisão erro material de cálculo fundado em dados objectivos tecnicamente apreensíveis e já não quando a questão que se coloca, como é o caso da inexistência de factos tributários, contende ou pode contender com a ponderação de matéria de direito, como sucede na situação “sub judicio” em que, para além do mais, face à circunstância da devedora originária ter cessado a actividade comercial no ano de 1999, se questiona a legitimidade da AT presumir a existência de operações sujeitas a tributação em sede de IVA-cfr. artigos 46.º a 49.º da petição inicial.
Como se afirma no acórdão de 13/03/02, no recurso n.º 26.276 - “Ora, resulta destas disposições que a reclamação para a comissão de revisão só é condição da impugnação judicial quando este tenha como exclusivo fundamento a errónea quantificação da matéria tributável.
Se o fundamento da impugnação judicial for outro, mormente uma questão de direito, já a reclamação para a comissão de revisão não é condição de impugnação judicial.
E compreende-se que assim seja, pois os membros da comissão de revisão podem não ser juristas e podem não ter competência técnica para a resolução de questões de direito. A sua competência está direccionada para a decisão de questões técnicas, de questões de quantificação a partir de métodos de prova indirecta, como seja presunções e estimativas”.
Sendo assim, não é de manter a sentença recorrida ao julgar improcedente a sentença recorrida com fundamento na inimpugnabilidade das liquidações como decorrência do facto de não ter sido apresentado prévio pedido de revisão da matéria colectável.
Não se conhece em substituição da questão de mérito suscitada pelo impugnante, nos termos do artigo 715.º n.º 2 do CPC, uma vez que, nomeadamente, do probatório não constam os elementos necessários para o efeito.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida, devendo os autos baixar ao Tribunal Tributário de Lisboa para conhecimento de mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Setembro de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do ValeJorge Lino.