Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02577/12.9BELRS
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
Sumário:I – A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).
II – Não tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por se considerar a existência de actuação culposa do sujeito passivo, também não é configurável um erro imputável aos serviços como fundamento para responsabilizar a AT por juros indemnizatórios, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita, tanto mais que estes juros teriam como antecedente e suporte os juros compensatórios que se entendeu serem legalmente devidos.
Nº Convencional:JSTA000P27607
Nº do Documento:SA22021042802577/12
Data de Entrada:01/04/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.- Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA, visando a revogação da sentença de 27-03-2020, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., melhor identificado nos autos, mantendo o acto de liquidação de IRS, mas determinando a anulação da liquidação de juros compensatórios e ordenando a restituição do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, à taxa de 4%, contados desde a data do pagamento indevido até ao processamento da nota de crédito.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

A. Conforme resulta da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo, apesar de ter decidido a manutenção do ato de liquidação de IRS, determinou a anulação da liquidação de juros compensatórios e ordenou a restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios;

B. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a anulação da liquidação de juros compensatórios e, bem assim, com a condenação na restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios, porquanto entende existir erro de julgamento, dado que da prova produzida e levada aos autos da presente impugnação, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, atendendo às razões que passa a expender;

C. Conforme resulta do disposto no artigo 35.º da LGT, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros) verificados os seguintes pressupostos:
1 – Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
2 – Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
3 – Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
4 – Reembolso superior ao devido
5 – Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
6 – Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, IV Volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 235);

D. Quanto aos pressupostos para a emissão da liquidação de juros compensatórios a Meritíssima Juiz a quo não teve dúvidas em afirmar que “se verificou um retardamento na liquidação de imposto” e que “se verifica o nexo de causalidade entre o comportamento do Impugnante e o retardamento da liquidação do imposto.”;

E. Contudo, considerou que quanto à imputabilidade ao contribuinte, a título de culpa, do retardamento, “(…) não é possível formular um juízo de censura à atuação do impugnante, não resultando provado nos autos, nem tendo sido demonstrada pela AT, que o enquadramento dado pelo mesmo, à situação em apreço, tenha sido propositado ou intencional, ou que sequer tenha havido má-fé da sua parte, antes decorrendo de diferente entendimento quanto ao enquadramento legal dos rendimentos em causa.”;

F. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com tal conclusão, padecendo a douta decisão recorrida de erro de julgamento;

COM EFEITO,
G. Para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (Conforme refere sobre esta matéria o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pág. 146 e ss.) e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, cfr. acórdão do STA, de 18.02.1998, P. nº 22325;

H. Considera ainda a jurisprudência que a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, assim, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte (cfr. acórdão do STA, de 11.10.2011, p. n.º 04163/10);

I. Uma vez aqui chegados, importa referir que não ignorando a jurisprudência invocada na douta decisão judicial recorrida, que aliás supra igualmente se invocou, entende a Fazenda Pública que a Meritíssima Juiz a quo efetuou uma errónea interpretação e aplicação da mesma nos presentes autos;

J. Conforme resulta da douta decisão recorrida, entendeu a Meritíssima Juiz a quo que a atuação do contribuinte, tendo ficado a dever-se a diferente entendimento quanto ao enquadramento legal dos rendimentos em causa, afastava a formulação de um juízo de censura. Ora, salvo melhor opinião, não cremos ter sido esse o entendimento que se mostra vertido, entre outros, no acórdão do STA, de 11.10.2011, p. n.º 04163/10;

K. Desde logo, porque grande parte dos litígios existentes entre os contribuintes e a AT se reconduzem a divergências de interpretação ou enquadramento legal, e nem por isso as liquidações de juros compensatórios, a que eventualmente haja lugar, padecem de ilegalidade, nem tal circunstancialismo obsta à formulação de juízo de censura no caso em que os contribuintes optam por omitir rendimentos auferidos;

L. Acresce que, conforme resulta da jurisprudência invocada, não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”, circunstância que a Meritíssima juiz a quo não tomou em consideração;

M. No caso dos autos, certo se tornava concluir que a atuação do Impugnante, traduzida na não declaração de rendimentos auferidos em determinado ano, é reprovável.

N. Com efeito, todo o “homem médio” tem conhecimento de que o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares incide sobre os rendimentos auferidos em determinado ano e que os mesmos devem ser declarados, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, à AT para efeitos de liquidação de imposto;

O. Acresce que a dúvida sobre a sujeição de determinado rendimento a tributação também não se afigura natural ou compreensível, considerando que o Impugnante tinha conhecimento de que uma terceira entidade, in casu a Seguradora, tinha qualificado os rendimentos em causa como rendimentos da categoria A de IRS;

P. Para além disso, o Impugnante não sustentou ou alicerçou o seu entendimento sobre a não sujeição a imposto numa qualquer informação oficial da AT ou numa eventual declaração da sua entidade patronal, ou até numa interpretação veiculada pela doutrina ou pela jurisprudência sobre tal matéria, que o pudesse ter induzido em erro;

Q. Em face do circunstancialismo dos presentes autos, outra não pode ser a conclusão que não a de que por facto a si imputável foi retardada a liquidação do imposto devido, uma vez que a omissão de declaração dos rendimentos em causa não se mostra compreensível ou desculpável, mas sim reprovável, sendo, pois, devidos, pelo Impugnante, os juros compensatórios liquidados;

R. Mostrando-se devida a liquidação de juros compensatórios, inexiste qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não se mostram devidos quaisquer juros indemnizatórios;

S. Em face do exposto, ao não ter o Tribunal a quo considerado que a liquidação de juros compensatórios se mostrava devida, por se mostrarem reunidos todos os requisitos legais para o efeito e que por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços não se mostravam devidos quaisquer juros indemnizatórios ao Impugnante, incorreu em erro de julgamento por inadequada valoração da matéria de facto e errónea interpretação e aplicação dos dispositivos legais aplicáveis, nomeadamente dos artigos 35.º e 43.º da LGT, erro com o qual não pode a Fazenda Pública conformar-se, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a total improcedência da impugnação.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença ora recorrida e substituída por outra que determine a total improcedência da impugnação, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, no seguinte parecer:

“O presente recurso vem interposto pela Fazenda Pública visando a reapreciação da decisão proferida em 27/03/2020 que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………….., nos termos da qual, apesar de manter o acto de liquidação de IRS questionado, determinou a anulação da liquidação de juros compensatórios e ordenou a restituição do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, à taxa de 4%, contados desde a data do pagamento indevido até ao processamento da nota de crédito.
São as conclusões da Alegação da Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Nas conclusões da sua Alegação defende a recorrente, em síntese e de entre o mais, que:
[…
B - Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a anulação da liquidação de juros compensatórios e, bem assim, com a condenação na restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios, porquanto entende existir erro de julgamento, dado que da prova produzida e levada aos autos da presente impugnação, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, atendendo às razões que passa a expender;
C - Conforme resulta do disposto no artigo 35.º da LGT, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros) verificados os pressupostos ali mencionados:
D - Quanto aos pressupostos para a emissão da liquidação de juros compensatórios a Meritíssima Juiz a quo não teve dúvidas em afirmar que “se verificou um retardamento na liquidação de imposto” e que “se verifica o nexo de causalidade entre o comportamento do Impugnante e o retardamento da liquidação do imposto.”;
E - Contudo, considerou que quanto à imputabilidade ao contribuinte, a título de culpa, do retardamento, “(…) não é possível formular um juízo de censura à atuação do impugnante, não resultando provado nos autos, nem tendo sido demonstrada pela AT, que o enquadramento dado pelo mesmo, à situação em apreço, tenha sido propositado ou intencional, ou que sequer tenha havido má-fé da sua parte, antes decorrendo de diferente entendimento quanto ao enquadramento legal dos rendimentos em causa.”;

G - Para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (Conforme refere sobre esta matéria o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pág. 146 e ss.) e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, cfr. acórdão do STA, de 18.02.1998, P. nº 22325;
H - Considera ainda a jurisprudência que a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, assim, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte (cfr. acórdão do STA, de 11.10.2011, p. n.º 04163/10);

L - Acresce que, conforme resulta da jurisprudência invocada, não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”, circunstância que a Meritíssima juiz a quo não tomou em consideração;
M - No caso dos autos, certo se tornava concluir que a atuação do Impugnante, traduzida na não declaração de rendimentos auferidos em determinado ano, é reprovável.

O - Acresce que a dúvida sobre a sujeição de determinado rendimento a tributação também não se afigura natural ou compreensível, considerando que o Impugnante tinha conhecimento de que uma terceira entidade, in casu a Seguradora, tinha qualificado os rendimentos em causa como rendimentos da categoria A de IRS;

Q - Em face do circunstancialismo dos presentes autos, outra não pode ser a conclusão que não a de que por facto a si imputável foi retardada a liquidação do imposto devido, uma vez que a omissão de declaração dos rendimentos em causa não se mostra compreensível ou desculpável, mas sim reprovável, sendo, pois, devidos, pelo Impugnante, os juros compensatórios liquidados;

S - Em face do exposto, ao não ter o Tribunal a quo considerado que a liquidação de juros compensatórios se mostrava devida, por se mostrarem reunidos todos os requisitos legais para o efeito e que por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços não se mostravam devido quaisquer juros indemnizatórios ao Impugnante, incorreu em erro de julgamento por inadequada valoração da matéria de facto e errónea interpretação e aplicação dos dispositivos legais aplicáveis, nomeadamente dos artigos 35.º e 43.º da LGT, erro com o qual não pode a Fazenda Pública conformar-se, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a total improcedência da impugnação.
…].
A recorrente imputa à decisão recorrida, erro de julgamento defendendo o provimento do recurso e, defende que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que determine a total improcedência da impugnação.
Analisando a matéria de facto dada como provada e as conclusões da alegação da recorrente consideramos que o litígio se traduz na apreciação do despacho de indeferimento proferido no processo de revisão oficiosa apresentado pelo Impugnante, nos termos do artigo 78.º da LGT, referente às liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios, relativas ao ano 2000.
Considerando o acabado de referir quanto às questões objecto do litígio, importa ter presente a seguinte matéria de facto considerada pelo tribunal a quo. Assim:
1. Em 31.12.1990 foi celebrado um contrato de seguro de grupo entre o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) e a B…………….. - Companhia de Seguros, S. A., mediante o qual foi constituído um seguro do ramo “vida”, a favor dos pilotos da TAP – Air Portugal, SA de que o recorrido era beneficiário.
2. O Impugnante prestou serviço como piloto aviador da TAP S.A. até perfazer 60 anos, requerendo a sua passagem à reforma em 09.09.2000 e o resgate total do seguro, supra referido, em 19.09.2000.
3. Em 23.09.2000, na sequência do mencionado no ponto que antecede, o Impugnante recebeu do seguro as seguintes importâncias: € 19.365,88, sobre os quais não foram efectuadas quaisquer retenções na fonte e € 110.696,96, a título de rendimentos das categorias A e E,
4. Da declaração anual Modelo n.º 10, entregue pela seguradora, consta como valor pago ao Impugnante € 102.630,05, a título de rendimentos da categoria A, e retenções na fonte, desta categoria, no montante de € 29.444,81.
5. O Impugnante não declarou, nas declarações Modelo 3 de IRS, apresentadas, referentes ao ano de 2000, as importâncias recebidas e mencionadas.
6. Em 07.10.2004, os serviços da AT emitiram uma declaração oficiosa, em nome do Impugnante, onde foram incluídos os rendimentos pagos pela seguradora, conforme declaração Modelo n.º10, mencionada.
7. Em 08.11.2004, em consequência da declaração oficiosa, mencionada foram emitidas, em nome do Impugnante: a Liquidação de Imposto n.º 2004 5004229595, no valor de € 14.037,73, a Liquidação de juros compensatórios n.º 2004 2013114, no valor de € 2.042,17 e Estorno –Liquidação n.º 2001 5003857636, no valor de € 4.100,32, apurando-se o valor a pagar de € 11.979,58.
8. Em 30.12.2004, o Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações mencionada o que veio a ser indeferido.
Ao contrário do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), o impugnante e aqui recorrido entendeu que os valores recebidos da Seguradora não estavam sujeitos a tributação em sede de IRS, em virtude do contrato de seguro ter sido celebrado no dia 31 de Dezembro de 1990 e os mesmos só passarem a ser sujeitos a IRS a partir da entrada em vigor da Lei n.º 39-B/94, com o aditamento do n.º3 à alínea c) do n.º3 do art.º 2.º do Código do IRS (CIRS).
Nos termos do preceito referido consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários , sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remissão ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento de capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.
Como é referido na sentença recorrida questão idêntica foi já apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão recente, de 11 de Outubro de 2017, no proc. 195/16, acessível em www.dgsi.pt, relativo, à interpretação da norma constante do art. 2.º n.º 3 al. b) 3) CIRS (redação vigente em 2006). Segundo este Acórdão [2.2.2.1 … a regra geral de incidência sobre os rendimentos do trabalho dependente, designadamente o n.º 2 do art.º 1.º do Código, levam a que não existam dúvidas de que ficam incluídas no âmbito da aplicação do imposto sobre rendimentos do trabalho dependente todas as vantagens acessórias postas à disposição do trabalhador (fringe benefits), quer em dinheiro quer em espécie.
Estas vantagens acessórias, na definição do corpo da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, são «todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica». Nas diversas alíneas da mesma norma, o legislador ensaiou a construção de uma lista, não exaustiva, de remunerações acessórias do trabalho dependente passíveis de tributação em IRS.
Entre essas alíneas, encontramos, no ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, numa formulação de manifestamente difícil interpretação, «[a]s importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado».

No caso não se discute que o montante em causa foi recebido no âmbito de um contrato de seguro em que figura como segurada a entidade patronal do ora Recorrente, que foi quem pagou os prémios do seguro.]
Mais adiante escreveu-se nesse Acórdão que “a questão é a de saber se o montante recebido … da seguradora em 2006 (no caso destes autos em 2000) está sujeito a tributação em IRS, categoria A, como considerou a AT, …”.
E mais adiante lê-se: “foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora recorrente ter 65 anos – que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura –, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A.

Pelo exposto, de acordo com o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redação vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efetivamente, nessa situação.” (sublinhado nosso).
Porém, se bem interpretamos o recorrido conformou-se com o decidido quanto à tributação dos montantes em causa, já que nem recorreu nem contra alegou o recurso interposto pela ATA.
Diga-se, também, em concordância com a decisão recorrida que o que releva para a questão em análise, é o ano em que foram recebidos os montantes em causa e não o ano em que o primeiro capital de seguro foi entregue, nem o ano em que o contrato de seguro foi firmado.
Quanto à liquidação de juros compensatórios, defendeu o impugnante, aqui recorrido, que os mesmos dependem de um comportamento culposo que tenha conduzido ao retardamento da liquidação do imposto e que, por isso, deveria a sua liquidação ter sido fundamentada pela AT, sendo que não existindo responsabilidade objetiva no presente caso, nem se presumindo a mesma, a liquidação de juros compensatórios padece de falta de fundamentação, por não ser demonstrado o comportamento culposo do contribuinte.
Estabelece o artigo 35º da LGT, em linha com o art.º 91.º do Código do IRS, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
A exigência de pagamento de juros compensatórios é a forma de compensar o Estado pelo atraso na liquidação e pagamento de imposto, imputável ao contribuinte, dependendo da verificação cumulativa de ambos os pressupostos.
Ora, note-se que, desde logo, o recorrido não declarou os rendimentos correspondentes ao resgate do seguro em causa, o que determinou a revisão oficiosa de IRS por parte da ATA; digamos que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação, restando a apreciação sobre se esse comportamento deve, ou não, considerar-se culposo, devendo relevar-se, desde já que a B………….. – Companhia de Seguros S.A., pagou ao Impugnante a quantia de € 102.630, 05, a título de rendimentos da Categoria A, (os quais são Rendimentos do trabalho dependente) e procedeu a retenções na fonte no montante de € 29.444,81, o que deveria ter relembrado o contribuinte sobre a sujeição a IRS do montante recebido. Aliás, qualquer trabalhador por conta de outrem sabe que estão sujeitos a IRS os rendimentos provenientes do trabalho dependente ou seja os da categoria A.
Como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 0942/16 “os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito, exigindo-se a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento liquidação e o comportamento do sujeito passivo: a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483° do CCivil). No mesmo sentido se decidiu no Acórdão proferido no processo n.º 0632/14, (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
No tocante à invocada falta de fundamentação afigura-se-nos que a mesma se não verifica e o impugnante não teve quaisquer dúvidas quanto à compreensão da decisão tomada pela AT nem a sua defesa foi de alguma forma prejudicada por deficiente percepção dos motivos da decisão. Aliás, como considerou o tribunal a quo, “decorre do pedido de revisão oficiosa, apresentado pelo Impugnante, que o mesmo compreendeu, na íntegra, o que fundamentou, quer de facto, quer de direitos, os atos de liquidação”.
Em consequência e como resulta do que deixámos exposto, entendemos que deve ser concedido provimento ao recurso, alterando-se a decisão recorrida no sentido de que os juros compensatórios eram devidos.”

O então recorrente, ora recorrido, A………….. veio responder ao Parecer do Ministério Público, nos termos que se seguem:

1. Sustenta o MP que o recurso merece provimento e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida na parte que anulou os juros compensatórios.
2. Acrescentando quer assim seria uma vez que o Recorrido não havia declarado rendimentos no momento próprio e que a culpa resultaria de acordo com aquilo que julga ser i entendimento de dois Arestos do Supremo Tribunal Administrativo que cita.
3. Diga-se, desde já que não assiste razão ao MP.
4. Desde logo e salvo o devido respeito, que muito é, mas a invocação dos dois Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo para procurar sustentar a sua posição só por distração, incúria e desleixo pode ter sido feita.
5. Uma vez que os ditos Acórdãos se a algo dão sufrágio é ao contrário do entendimento do MP.
6. Sendo certo que nos termos do artigo 35º, nº 8 da LGT os juros compensatórios se integram na própria dívida de imposto menos verdade não será que, nos termos do nº 1 do mesmo normativo, os ditos juros dependem de um comportamento culposo imputável ao Recorrido que retardou a liquidação do imposto.
7. 123. «Com efeito, a responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483º, nº 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se a imputabilidade a que alude o art. 35º, nº 1, da Lei Geral Tributária como exigindo que possa formular-se um juízo de censura ao sujeito passivo (Lopes de Sousa, Juros nas Relações Tributárias in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, a pp. 147/148) ( Sublinhado do Recorrido)
8. 124. Ora como a responsabilidade objectiva não existe no presente caso nem a mesma se presume deveria ter sido fundamentada, que não foi, a razão de ser de tais juros e não apenas serem os mesmos lançados na notificação da liquidação efectuada com mera invocação abstracta de preceitos legais.
9. Como veio a decidir a mais capaz jurisprudência;
10. «A liquidação de juros compensatórios, por exigência legal, deve ser sempre fundamentada, indicando-se as razões que motivam a liquidação (nomeadamente factos que demonstrem que o atraso na liquidação da prestação tributária se deveu a facto imputável ao contribuinte), bem como a importância sobre que incidiram, a taxa e o prazo.» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06/02/2007, Processo nº 01339/03 in http://www.dgsi.pt) ()Sublinhado do Recorrido)
11. E também se decidiu no Supremo Tribunal Administrativo;
12. «I - A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – 2ª Secção, de 19/11/2008, Processo nº 0325/08 in http://www.dgsi.pt)
13. Opinando também, a dois tempos, o Saudoso Professor SALDANHA SANCHES;
14. «E se têm natureza sancionatória só devem ser aplicados se houver um comportamento censurável da parte do contribuinte (Saldanha Sanches in A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, a pp. 462)
15. «Ora, esta imputação do atraso ao contribuinte tem de ser entendida não como uma mera correlação fáctica entre o atraso e qualquer comportamento do contribuinte, mas, sim, como a correlação existente entre o atraso e um comportamento culposo ou negligente do contribuinte. O sujeito passivo, pelo seu não cumprimento ou cumprimento deficiente de um dever de cooperação, provocou um atraso na liquidação de um certo imposto. A aplicação de juros compensatórios implica, pois, um juízo administrativo sobre os motivos do atraso na liquidação. Há que saber a razão do atraso e a maior ou menor censurabilidade deste(Saldanha Sanches in Manual de Direito Fiscal, a pp. 264) (Sublinhado do Recorrido)
16. Ora tal comportamento deveria ter sido alegado e provado pela AT.
17. E também não o foi pois que esta se limitou a lançar os mesmos nas liquidações notificadas.
18. E em acrescento a tudo isto, e também em seu reforço, dirá o Recorrido o que segue;
19. A AT já por diversas ocasiões decidiu no sentido propugnado pelo Recorrido;
20. O que ocorreu na decisão da Direcção de Finanças de Lisboa de 29/09/2014, tirada no processo de reclamação graciosa nº 1546 -14- 0/400263.6 – Doc. 1 que se junta.
21. Novamente tal tendo sucedido na decisão da Direcção de Finanças de Lisboa de 29/09/2014, tirada no processo de reclamação graciosa nº 3239-14/04002229 – Doc. 2 que se junta.
22. Ibidem na decisão da Direcção de Finanças de Lisboa de 31/10/2013 tirada no processo de reclamação graciosa nº 3522201304001270 – Doc. 3 que se junta.
23. E anteriormente também.
24. Foi o que ocorreu na decisão tomada, de idêntico sentido, pela Direcção de Finanças do Porto no processo de reclamação graciosa nº 3204200594001516 – Doc. 4 que se junta.
25. E para além da própria Administração também já os Tribunais se vieram a pronunciar no sentido defendido pelo Impugnante.
26. Tal tendo ocorrido no Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 25/02/2015 tirada no processo nº 973/10.5BELRS – Doc. 5 que ora se junta.
27. E também no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por sentença de 28/09/2015 tirada no processo nº 2801/11.5BEPRT – Doc. 6 que se junta.
28. Ora face a tudo isto torna-se manifesto que a interpretação que da lei fez o Recorrido não era absurda ou que não lograsse obter qualquer respaldo na mesma.
29. Pois que entender o contrário seria entender que a própria Administração e os Tribunais também a haviam andado a interpretar mal.
30. Em suma, não é intelectualmente honesto procurar imputar responsabilidade a título de culpa ao Recorrido numa situação em que a Administração e a Justiça já acolheram o seu entendimento.
31. At last o argumento do MP de que o Recorrido nem havia recorrido da Sentença que razão não lhe havia dado quanto à questão do imposto.
32. Não é que muito interesse e o mesmo nada tem de comovente.
33. Mas quanto a tal a única razão, para a não apresentação de recurso da Sentença, encontra-se bem espelhada na frase do Recorrido, dita ao seu mandatário aqui Signatário e no dia que este informou aquele da Sentença mais informando que a solução teria de ser o recurso, e que foi esta (quase literalmente citada porque o Signatário a guarda na memória):
«Não Xoutor, não quero recorrer porque desde que isto começou na fase administrativa e depois em tribunal já lá vão mais de 9 anos. Daqui a pouco morro e não quero deixar isto nas costas dos meus filhos
34. Não assiste, pois, qualquer razão ao MP na tese por si sustentada, antes se devendo manter a decisão que os juros compensatórios anulou.
É o que se oferece dizer ao Recorrido.

*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*


2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Em 31.12.1990 foi celebrado um contrato de seguro de grupo entre o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) e a B………… -Companhia de Seguros, S. A., mediante o qual foi constituído um seguro do ramo “vida”, a favor dos pilotos da TAP – Air Portugal, SA – cfr. fls. 154 a 172 do PAT apenso aos autos

2. O tomador do seguro foi até 16.06.1994 o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) e após esta data, a TAP S.A., cabendo-lhe efetuar o pagamento do prémio do seguro -fls. 154 a 172 do PAT apenso aos autos;

3. Do contrato de seguro, constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
-ponto n.º 1.2 dos Princípios subjacentes à Apólice de Seguro “São incluídos neste Plano todos os Pilotos da Empresa que se encontrem em efetividade de serviço, de idades inferiores a 60 anos
-ponto 1.5 dos Princípios subjacentes à Apólice de Seguro “Cessação de serviço antes da idade normal de reforma: Se um Participante deixar de estar ao serviço da Empresa perderá o direito a qualquer benefício ao abrigo deste Plano (…)”
-ponto n.º 2 dos Princípios subjacentes à Apólice de Seguro “ (…) o financiamento do Plano de Benefícios é feito através de uma Apólice de «REFORMA COLETIVA …………», a qual é «creditada» pelas contribuições (prémios) efetuadas pelo segurado (Empresa” e pelo rendimento obtido a partir das aplicações financeiras realizadas pela B………… do Fundo Autónomo que suporta esta modalidade de seguro”.
- cfr. fls. 154 a 172 do PAT apenso aos autos;

4. Em 15.08.1999 foi publicado, no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE), n.º 30, o Acordo de Empresa (AE) entre a TAP Air Portugal S.A. e o SPAC, constando da cláusula 41.º, com a epígrafe “Retirada do serviço de voo” , designadamente, o seguinte :
“ (…) 4 -“ O piloto retirar-se-á ainda do serviço de voo ao atingir os 60 anos de idade, devendo requerer, no prazo máximo de 60 dias a contar dessa data, a passagem à situação de reforma. 5 –No caso previsto no número anterior, a TAP garantirá ao piloto o recebimento, a título de complemento de reforma, de um montante calculado de acordo com a cláusula 14.º do RRRGS” – cfr. fls. 176 a 212 do PAT apenso aos autos;

5. O Impugnante prestou serviço como piloto aviador da TAP S.A. até perfazer 60 anos, requerendo a sua passagem à reforma em 09.09.2000 e o resgate total do seguro, supra referido, em 19.09.2000 - doc. fls. 38 e 220 do PAT apenso aos autos;

6. Em 23.09.2000, na sequência do mencionado no ponto que antecede, o Impugnante recebeu do seguro as seguintes importâncias:
-€ 19.365,88, sobre os quais não foram efetuadas quaisquer retenções na fonte;
-€ 110.696,96, a título de rendimentos das categorias A e E,
- cfr. fls. 37 a 40 do PAT apenso aos autos.

7. Da declaração anual Modelo n.º 10, entregue pela seguradora, consta como valor pago ao Impugnante € 102.630,05, a título de rendimentos da categoria A, e retenções na fonte, desta categoria, no montante de € 29.444,81 – cfr. fls. 44 e 93 do PAT apenso aos autos;

8. O Impugnante não declarou, nas declarações modelo 3 de IRS, apresentadas, referentes ao ano de 2000, as importâncias recebidas, mencionadas no ponto 6 – cfr. fls. 95 e 96 do PAT apenso aos autos;

9. Em 07.10.2004, os serviços da AT emitiram uma declaração oficiosa, em nome do Impugnante, onde foram incluídos os rendimentos pagos pela seguradora, conforme declaração Modelo n.º10, mencionada no ponto 6 –cfr. fls. 110 do PAT apenso aos autos;

10. Em 08.11.2004, em consequência da declaração oficiosa, mencionada no ponto 10, foram emitidas, em nome do Impugnante:
-Liquidação de Imposto n.º 2004 5004229595, no valor de € 14.037,73;
-Liquidação de juros compensatórios n.º 2004 2013114, no valor de € 2.042,17;
-Estorno –Liquidação n.º 2001 5003857636, no valor de € 4.100,32
- cfr. fls. 129 do PAT apenso aos autos;

11. Em consequência das liquidações mencionadas no ponto 10, foi apurado o valor a pagar de € 11.979,58 – cfr. fls. 36 do PAT apenso aos autos;

12. Em 30.12.2004, o Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações mencionada no ponto 10 – cfr. fls. 4 a 6 do PAT apenso aos autos;

13. Em 05.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3239200501003410, foi efetuado o pagamento do valor mencionado em 11 – cfr. fls. 37 do PAT apenso aos autos;

14. Em 22.02.2012, por técnica superior da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimentos das pessoas Singulares, foi elaborada informação propondo o indeferimento do pedido mencionado em 12 – cfr. fls. 236 a 240 do PAT apenso aos autos;

15. Em 30.03.3012, sobre a referida informação, foi proferido despacho concordante, pela Chefe de Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – cfr. fls. 236 do PAT apenso aos autos;

16. Através do ofício n.º 6513, datado de 04.04.2012, o Impugnante foi notificado para exercer o direito de audição prévia, sobre o projeto de despacho de indeferimento, que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, constando do mesmo, com interesse para os presentes autos, designadamente, o seguinte:
“ (…)
2. Na situação concreta o sujeito passivo veio proceder ao resgate de um seguro do ramo vida, celebrado em finais de Dezembro de 1990, cujo tomador inicial foi o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC), do qual o recorrente era sócio. No entanto, em 1994, a posição contratual e as inerentes responsabilidades foram transferidas e assumidas pela TAP, entidade patronal do contribuinte.
3. De acordo com o estipulado no art.º 2.º, n.º3 alínea b), n.º3 do CIRS (com a redação introduzida pela Lei n.º 39-B/94 de 27.12) consideram-se rendimentos do trabalho dependente, e, como tal sujeitos a tributação, as remunerações acessórias auferidas devido à prestação do trabalho ou em conexão com essa prestação, que se traduza numa vantagem económica para o beneficiário, nomeadamente as importâncias despendidas pela entidade patronal com seguros e operações do Ramo Vida, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários e, sendo-o, sejam objeto de resgate.
4. Em 1994, a posição do tomador do seguro, celebrado em finais de 1990 pelo SPAC, passou a ser assumida pela entidade patronal do SP, a TAP Air Portugal, pelo que se entende encontrarem-se preenchidos os pressupostos da norma de incidência e, como tal, nesta parte, sujeito a tributação. Este é, aliás, o entendimento sancionado por despacho do Subdiretor-Geral proferido em 08.09.1998, i.é, apenas as importâncias despendidas pelo sindicato é que não podem ser consideradas rendimentos de trabalho dependente, em virtude da inexistência de qualquer vínculo jus-laboral entre o sindicato e o piloto associado, ora recorrente.
5. Assim, relativamente ao rendimento da Cat A, no valor de € 19.635€, objeto de resgate em 2000 e sobre o qual não incidiu qualquer retenção em virtude de corresponder a prémios pagos antes da assunção pela TAP da qualidade de tomador de seguro, conclui-se pela correção do seu enquadramento.
6. Por outro lado, o mesmo artigo 2.º, n.º9 (anterior n.º8) explicita para os efeitos do dispositivo legal acima referido, qual o entendimento de direitos adquiridos, traduzindo-se naqueles cujo exercício não depende da manutenção do vínculo laboral.
7. Nestes termos e no caso concreto, entende-se que o contrato de seguro constituído pela entidade patronal do contribuinte –TAP (uma vez que apenas neste se cumprem as exigências de norma de incidência), em favor dos seus trabalhadores, no qual se incluía o recorrente, se encontrava condicionado à manutenção do vínculo laboral, ter-se-á de concluir no sentido de que nos encontramos perante uma expetativa e não perante um direito adquirido, pelo que a tributação, concretiza-se à saída do capital aplicado na constituição do seguro, i.é, aquando do resgate.
8. Portanto, no caso dos prémios pagos pela TAP, enquanto tomador do seguro, estes estão sujeitos a tributação, mostrando-se correta a retenção na fonte concretizada pela seguradora, no total de 29.444,81 e que foi inscrita em conformidade com a mod.10, na liquidação oficiosa controvertida.
9. No que respeita à matéria cuja norma de incidência se situa no art.º5, n.º3 do CIRS, ter-se-á de concluir que a diferença entre os pagamentos realizados pela TAP, uma vez assumida a posição de tomador do seguro e as importâncias pagas a título de resgate, encontram enquadramento no âmbito da categoria E de IRS e, como tal, sujeitas a retenção na fonte. No entanto o disposto em sede da Lei 2/92, de 09.03, no n.º4 do art.º 28, mais concretamente, que o disposto no então art.º 6.º, n.º2 do CIRS apenas se aplica aos rendimentos auferidos na sequência de contratos celebrados a partir de 01.01.1991, excluindo todos os anteriores.
10. Conclui-se, portanto, no sentido da não sujeição a tributação dos rendimentos controvertidos em sede da cat E, o que se verificou uma vez que os serviços não procederam oficiosamente à sua inscrição no ato tributário contestado, bem como de qualquer retenção na fonte, em conformidade com a declaração mod. 10 apresentada pela própria seguradora.
11. Se materialmente a liquidação controvertida não se mostra incorreta, o que aliás já havia sido expresso na apreciação do recurso hierárquico interposto do despacho proferido em sede da RG e após o qual foi concretizado o ato tributário oficioso, importa agora a ponderação do presente pedido à luz dos regimes processuais que o contribuinte identifica, tendo presente o normativo que à data se encontrava em vigor.
12. Ora, considerando o art. 78.º, n.º1 LGT, na sua primeira parte, ter-se-ia de considerar a eventual convolação em reclamação graciosa, o que de todo seria incongruente face aos autos de contribuinte; por outro lado, considerando o regime previsto à luz da 2.ª parte do mesmo dispositivo, parece que igualmente o pedido não se apresentaria com fundamento, já que não se entende a existência de erro por parte da administração tributária no apuramento contestado, tendo sido considerada a retenção na fonte da Cat A que efetivamente se revela correta conforme acima foi referido.
13. Por seu turno e por maioria de razão, considerando-se o pedido à luz do regime da revisão por injustiça grave ou notória, então também se conclui que não se configura uma qualquer manifesta injustiça face a um ato tributário que se revela correto.
14. A única dúvida que se poderia suscitar, colocar-se-ia quanto à matéria da Cat E, já que, a mod 10 não contém qualquer menção a rendimentos e respetiva retenção desta categoria, embora a seguradora tenha mencionado tal em elemento emitido para o contribuinte, mas que não tem qualquer expressão no ato tributário controvertido.
15. Pelo exposto, parece ser de indeferir o presente pedido de revisão.” - cfr. fls. 243 a 246 do PAT apenso aos autos;

17. Por despacho de 29.05.2012, da Diretora de Serviços da DSIRS, foi convolado, em definitivo, o projeto de despacho de indeferimento do pedido de revisão, referido no ponto 12 – cfr. fls. 241 e 242 do PAT apenso aos autos;

18. Através do ofício n.º 48915, datado de 20.06.2012, o Impugnante foi notificado do despacho referido no ponto 15 – cfr. fls. 247 a 249 do PAT apenso aos autos;

19. Em 25.09.2012, foi apresentada, neste Tribunal, a petição inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 2 dos autos.
*

2.2.- Motivação de Direito

2.2.1.- Questão prévia da admissibilidade da junção de documentos

Antes de tudo há que solver a questão prévia da admissibilidade da junção dos documentos que o recorrido veio requerer com os quais que visa apoiar o seu ponto de vista, tratando-se de várias decisões tiradas pela AT em várias reclamações graciosas e de sentenças proferidas por tribunais de 1ª instância.
Como ressalta do relato supra, tal junção foi requerida após a emissão do Parecer pela EPGA, portanto, posteriormente à apresentação das alegações recursórias e apontando demonstrar o acerto da decisão recorrida e o erro da posição da EPGA secundando o ponto de vista da recorrente ART.
Antecipe-se que é indeferir a sua junção pois os documentos que a Recorrente pretende juntar não foram apresentados com as contra-alegações de recurso (que nem sequer foram produzidas) e, ainda que o fosse, não poderia ser admitida a pretendida por não se enquadrar em nenhuma das excepções justificativas previstas na lei e que doutamente refere.
Aquilatando.
A junção de documentos com as alegações de recurso assume na nossa lei processual natureza verdadeiramente excepcional, conforme advém do estatuído nos artigos 423.º, 425.º e 651.º, todos do CPC.
Assim a regra geral (princípio da oportunidade da prova) é a de que «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» [artigo 423.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável aos nossos autos por força do disposto no artigo 2.º, al. e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
No entanto, o legislador admite excepções à aludida regra, uma das quais (a que aqui releva) é a junção de documentos apenas em sede de recurso jurisdicional, situação incidental regulada no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a qual as partes apenas podem juntar documentos com as alegações em três tipos de situações: (i) - quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) - quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) -quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1.ª instância.
Ora, nas decisões contidas nos documentos que o requerente pretende juntar ao processo, discute-se a questão em apreciação nos presentes autos e, como é bom de ver, esta decidiu no sentido que o Recorrente pretende.
É que se nesta fase processual não era admissível a sua junção, por maioria de razão, após a apresentação das alegações de recurso, também não o será, tanto mais que é notório que a pretendida junção não tem por finalidade uma melhor aplicação do direito ao facto concreto, mas antes tentar influenciar o sentido da decisão.
Acrescendo que a apreciação dos pressupostos do recurso em causa são-no sempre por referência à sentença recorrida, assim como a respectiva solução jurídica quanto à questão a decidir, pelo que não se prognostica como relevante as decisões administrativas e judiciais agora apresentadas para a decisão do recurso e a composição da lide.
Sendo assim, e em conformidade com a conclusão extraída, é de indeferir, por manifesta falta de fundamento legal, o pedido de junção de documentos apresentados, a justificar a ordem de desentranhamento e a condenação do Recorrido em custas pelo incidente a que deu causa, nos termos do artigo 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), e tabela II do mesmo diploma, que se fixa desde já em 1 UC.
*

2.2.2. Do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação, mantendo o acto de liquidação de IRS, mas determinando a anulação da liquidação de juros compensatórios e ordenando a restituição do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação das normas legais, nomeadamente do disposto nos artigos 35.º e 43.º da LGT, uma vez que a omissão de declaração dos rendimentos por parte do recorrido não se mostra compreensível ou desculpável, impendendo sobre essa omissão um juízo de censura juridicamente reprovável, sendo, nessa conformidade, devidos os juros compensatórios liquidados, bem como inexistindo qualquer erro imputável aos serviços, também não se mostram devidos quaisquer juros indemnizatórios por parte da AT.
Atentemos.
A recorrente AT imputa à sentença erro de julgamento de direito porquanto e no essencial, do disposto no artigo 35.º da LGT, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros) verificados os seguintes pressupostos: (i) retardamento na liquidação de imposto e (ii) nexo de causalidade entre o comportamento do Impugnante e o retardamento da liquidação do imposto.
Reconhecendo, muito embora, que eram os pressupostos de tal responsabilidade, o tribunal a quo veio a entender, no tangente à imputabilidade ao contribuinte, a título de culpa, do retardamento, que “não é possível formular um juízo de censura à atuação do impugnante, não resultando provado nos autos, nem tendo sido demonstrada pela AT, que o enquadramento dado pelo mesmo, à situação em apreço, tenha sido propositado ou intencional, ou que sequer tenha havido má-fé da sua parte, antes decorrendo de diferente entendimento quanto ao enquadramento legal dos rendimentos em causa.”
Dissentindo, a recorrente sustenta que no caso dos autos impõe-se concluir que a actuação do Impugnante, traduzida na não declaração de rendimentos auferidos em determinado ano, é reprovável e que a dúvida sobre a sujeição de determinado rendimento a tributação também não se apresenta natural ou compreensível, na medida em que o Impugnante tinha conhecimento de que uma terceira entidade, a Seguradora, tinha qualificado os rendimentos em causa como rendimentos da categoria A de IRS.
Por assim ser, conclui a recorrente não pode deixar de entender-se que foi por facto imputável ao impugnante que foi retardada a liquidação do imposto devido, uma vez que a omissão de declaração dos rendimentos em causa não se mostra compreensível ou desculpável, mas sim reprovável, sendo, pois, devidos, pelo Impugnante, os juros compensatórios liquidados e que por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços não se mostravam devido quaisquer juros indemnizatórios ao Impugnante, afrontando a sentença o disposto nos artigos 35.º e 43.º da LGT, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a total improcedência da impugnação.
Já o Ministério Público se pronunciou no sentido da procedência do recurso pelas razões constantes no Parecer supra transcrito e contra o qual se insurgiu o recorrido nos termos que também ficaram expostos no relatório acima.
Diga-se, desde já, que alinhamos pelo prisma do Ministério Público.
Na verdade, brota do probatório que o dissídio se prende com a apreciação do despacho de indeferimento proferido no processo de revisão oficiosa apresentado pelo Impugnante, nos termos do artigo 78.º da LGT, alusivo às liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios, relativas ao ano 2000.
Em termos de incidência, aqueles actos tributários versam sobre um contrato de seguro de grupo, celebrado em 31.12.1990 entre o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) e a B……………. - Companhia de Seguros, S. A., mediante o qual foi constituído um seguro do ramo “vida”, a favor dos pilotos da TAP – Air Portugal, SA de que o recorrido era beneficiário.
Mais patenteia o probatório que o Impugnante prestou serviço como piloto aviador da TAP S.A. até perfazer 60 anos, requerendo a sua passagem à reforma em 09.09.2000 e o resgate total do seguro, supra referido, em 19.09.2000; que, sequentemente, em 23.09.2000, o Impugnante recebeu do seguro as seguintes importâncias: € 19.365,88, sobre os quais não foram efectuadas quaisquer retenções na fonte e € 110.696,96, a título de rendimentos das categorias A e E; que da declaração anual Modelo n.º 10, entregue pela seguradora, consta como valor pago ao Impugnante € 102.630,05, a título de rendimentos da categoria A, e retenções na fonte, desta categoria, no montante de € 29.444,81; que o Impugnante não declarou, nas declarações Modelo 3 de IRS, apresentadas, referentes ao ano de 2000, as importâncias recebidas e mencionadas; que, em 07.10.2004, os serviços da AT emitiram uma declaração oficiosa, em nome do Impugnante, onde foram incluídos os rendimentos pagos pela seguradora, conforme declaração Modelo n.º10, mencionada; que, em 08.11.2004, em consequência da declaração oficiosa, mencionada foram emitidas, em nome do Impugnante: a Liquidação de Imposto n.º 2004 5004229595, no valor de € 14.037,73, a Liquidação de juros compensatórios n.º 2004 2013114, no valor de € 2.042,17 e Estorno – Liquidação n.º 2001 5003857636, no valor de €4.100,32, apurando-se o valor a pagar de €11.979,58 e que, em 30.12.2004, o Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações mencionada o que veio a ser indeferido.
Em termos de enquadramento jurídico-fiscal, foi exteriorizada entre o impugnante e a AT uma divergência, entendendo o contribuinte o impugnante que os valores recebidos da Seguradora não estavam sujeitos a tributação em sede de IRS, em virtude do contrato de seguro ter sido celebrado no dia 31 de Dezembro de 1990 e os mesmos só passarem a ser sujeitos a IRS a partir da entrada em vigor da Lei n.º 39-B/94, com o aditamento do n.º3 à alínea c) do n.º3 do art.º 2.º do Código do IRS (CIRS).
Mas o certo é que, por força deste preceito consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remissão ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento de capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.
A própria sentença recorrida se louvou na doutrina firmada sobre questão idêntica à dos autos pelo acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Outubro de 2017, no proc. 195/16, relatado pelo Exmº Conselheiro Francisco Rothes, acessível em www.dgsi.pt, incidente sobre a interpretação da norma constante do art. 2.º n.º 3 al. b) 3) CIRS (redacção vigente em 2006) de cujo discurso jurídico emerge a seguinte solução:
“2.2.2.1 … a regra geral de incidência sobre os rendimentos do trabalho dependente, designadamente o n.º 2 do art.º 1.º do Código, levam a que não existam dúvidas de que ficam incluídas no âmbito da aplicação do imposto sobre rendimentos do trabalho dependente todas as vantagens acessórias postas à disposição do trabalhador (fringe benefits), quer em dinheiro quer em espécie.
Estas vantagens acessórias, na definição do corpo da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, são «todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica». Nas diversas alíneas da mesma norma, o legislador ensaiou a construção de uma lista, não exaustiva, de remunerações acessórias do trabalho dependente passíveis de tributação em IRS.
Entre essas alíneas, encontramos, no ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, numa formulação de manifestamente difícil interpretação, «[a]s importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado».
(…)
No caso não se discute que o montante em causa foi recebido no âmbito de um contrato de seguro em que figura como segurada a entidade patronal do ora Recorrente, que foi quem pagou os prémios do seguro.]
(…)
“a questão é a de saber se o montante recebido … da seguradora em 2006 (no caso destes autos em 2000) está sujeito a tributação em IRS, categoria A, como considerou a AT, …”.
(…)
“ foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora recorrente ter 65 anos –que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura –, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A.

Pelo exposto, de acordo com o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redação vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efetivamente, nessa situação.”
Perante essa solução, tal como adverte a EPGA no seu douto Parecer e sem curar agora das razões porque o fez, o recorrido conformou-se com o decidido quanto à tributação dos montantes em causa, não tendo recorrido nem sequer contra alegado no presente recurso interposto pela ATA.
E também se revela assertivo o Parecer da EPGA ao apontar que “…, também, em concordância com a decisão recorrida que o que releva para a questão em análise, é o ano em que foram recebidos os montantes em causa e não o ano em que o primeiro capital de seguro foi entregue, nem o ano em que o contrato de seguro foi firmado.
Quanto à liquidação de juros compensatórios, defendeu o impugnante, aqui recorrido, que os mesmos dependem de um comportamento culposo que tenha conduzido ao retardamento da liquidação do imposto e que, por isso, deveria a sua liquidação ter sido fundamentada pela AT, sendo que não existindo responsabilidade objetiva no presente caso, nem se presumindo a mesma, a liquidação de juros compensatórios padece de falta de fundamentação, por não ser demonstrado o comportamento culposo do contribuinte.
Estabelece o artigo 35º da LGT, em linha com o art.º 91.º do Código do IRS, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
A exigência de pagamento de juros compensatórios é a forma de compensar o Estado pelo atraso na liquidação e pagamento de imposto, imputável ao contribuinte, dependendo da verificação cumulativa de ambos os pressupostos.
Ora, note-se que, desde logo, o recorrido não declarou os rendimentos correspondentes ao resgate do seguro em causa, o que determinou a revisão oficiosa de IRS por parte da ATA; digamos que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação, restando a apreciação sobre se esse comportamento deve, ou não, considerar-se culposo, devendo relevar-se, desde já que a B……………. – Companhia de Seguros S.A., pagou ao Impugnante a quantia de €102.630, 05, a título de rendimentos da Categoria A, (os quais são Rendimentos do trabalho dependente) e procedeu a retenções na fonte no montante de €29.444,81, o que deveria ter relembrado o contribuinte sobre a sujeição a IRS do montante recebido. Aliás, qualquer trabalhador por conta de outrem sabe que estão sujeitos a IRS os rendimentos provenientes do trabalho dependente ou seja os da categoria A.
Como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 0942/16 “os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito, exigindo-se a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento liquidação e o comportamento do sujeito passivo: a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483° do CCivil). No mesmo sentido se decidiu no Acórdão proferido no processo n.º 0632/14, (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
No tocante à invocada falta de fundamentação afigura-se-nos que a mesma se não verifica e o impugnante não teve quaisquer dúvidas quanto à compreensão da decisão tomada pela AT nem a sua defesa foi de alguma forma prejudicada por deficiente percepção dos motivos da decisão. Aliás, como considerou o tribunal a quo, “decorre do pedido de revisão oficiosa, apresentado pelo Impugnante, que o mesmo compreendeu, na íntegra, o que fundamentou, quer de facto, quer de direitos, os atos de liquidação”.
E, tal como ali também ocorreu, não obstará a que deva considerar-se que o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, inscrita no perímetro de cognição do STA, na medida em que aqueles factos são admitidos pela impugnante, inexistindo divergência sobre a sua verificação.
É que a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, a qual resulta comprovada nos autos pelo que, estando verificados os pressupostos de que a lei (artº 35º da LGT) faz depender o direito do Estado a liquidar juros compensatórios, não devem os mesmos ser anulados.
Na verdade, estando demonstrada a legalidade das correcções, o atraso das liquidações é claramente imputável ao impugnante ao não imputar os proveitos ao exercício em causa pelo que tais juros são devidos por forma a completar a indemnização devida, compensando o Estado do ganho perdido até ter alcançado a reintegração do seu crédito.
Sempre que a liquidação do imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessários para que a referida liquidação possa ser operada.
Não fazendo o contribuinte a entrega ou apresentação, designadamente porque entende que não tem essa obrigação declarativa, ou fazendo-a mas contendo deficiências, fica sujeito, aquando liquidar o imposto, a juros compensatórios, que são devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte.
Já o Conselheiro Rodrigues Pardal, in «Questões de Processo Fiscal» - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, págs. 19 e ss, luminosamente ensinava que «Os juros compensatórios aparecem como um agravamento "ex-lege" proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.
Fundamentam-se no princípio geral de que a utilização de um capital ou de uma coisa frutífera alheia obriga o utente ao pagamento de uma quantia correspondente ao tempo do respectivo gozo. Trata-se de uma «indemnização» pelo dano resultante do atraso da liquidação (cfr. artº 562º do Cód. Civil).» (...) Os juros compensatórios integram mais um caso de cláusula penal legal- «sopratassa», dos italianos (artº 5º da Lei de 7 de Janeiro de 1929, nº 4) - tendo a mesma natureza que a obrigação de imposto, liquidando-se conjuntamente com a obrigação principal.»
E segundo a jurisprudência Uniforme do S.T.A. (vide, por todos, o Acórdão supra transcrito), são três os requisitos da existência de juros compensatórios, a saber:- (i) retardamento da respectiva liquidação base; (ii) do imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.
Trata-se, pois, de uma obrigação com carácter indemnizatório, com equivalente no direito privado na responsabilidade pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação (artº 798º CCivil).
O nexo de imputação do facto (:- o retardamento da liquidação) ao agente (:-o contribuinte) - nos termos gerais de direito, porque só há responsabilidade objectiva quando expressamente prevista ( artº 483º do C Civil )-‚ um nexo subjectivo baseado na culpa, na modalidade de erro de conduta, traduzido no incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação fiscal acessória de apresentar a declaração de rendimentos num determinado prazo e de, nessa declaração, informar com verdade, por uma certa forma e com observância dos critérios impostos pelas leis fiscais.
O princípio da legalidade da tributação impõe que se afira a obrigação de juros pelo princípio da causalidade adequada face ao qual o retardamento da liquidação‚ devido ao contribuinte, a conduta omissiva ou deficiente deste é causalmente adequada à verificação do dano até ao momento em que a AF deva praticar o acto legalmente previsto para pôr termo às consequências danosas dessa conduta omissiva.
Ora, resulta das considerações supra expostas, que só há lugar a juros quando seja devido imposto sobre cujo montante terão de ser calculados.
Havendo-se decidido em definitivo (a sentença recorrida transitou em julgado nesse segmento) que era devido o imposto, terá de concluir-se que são devidos juros compensatórios, sendo errática a sentença ao proceder em contrário.
Manifestamente que no caso concreto pode ser afirmada a culpa do impugnante e ora recorrido à luz dos aludidos critérios pela singela razão de que existia facto tributário que obrigava aquela à liquidação, visto tratar-se de operações tributáveis nos indicados termos fixados na própria sentença.
Por isso, a sentença recorrida não merece ser confirmada na medida em que, existindo facto tributário à luz das considerações expostas, há que falar em retardamento da entrega da declaração, e que resultou prejuízo para o Estado e, onde há dano, há responsabilidade do contribuinte, sendo devidos juros compensatórios.
Em reforço, diga-se, em sintonia com a recorrente e a EPGA, que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto, isso na senda de Jorge Lopes de Sousa, CPPT, pág. 146 e ss. e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, como se asseverou de modo sapiente no acórdão do STA, de 18.02.1998, P. nº 22325.
Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do STA, consagrada, entre outros, no acórdão do de 11.10.2011, p. n.º 04163/10, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”, circunstância que a Meritíssima juiz a quo não tomou em consideração.
E essa “compreensibilidade” não surge no caso concreto porquanto, como já se disse e ficou provado, a B…………… – Companhia de Seguros S.A., pagou ao Impugnante a quantia de €102.630,05, a título de rendimentos da Categoria A, (os quais são Rendimentos do trabalho dependente) e procedeu a retenções na fonte no montante de €29.444,81, o que deveria ter relembrado o contribuinte sobre a sujeição a IRS do montante recebido.
Sucede que, para além de ter anulado a liquidação dos juros compensatórios, a sentença ainda ordenou a restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Porém, mostrando-se devida a liquidação de juros compensatórios, tem de entender-se que inexiste qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não se mostram devidos quaisquer juros indemnizatórios.
Sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», nos nºs. 1, 2 e 3 do art. 43º da LGT dispõe-se o seguinte:
«1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços no caso em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.»
Neste conspecto cabe chamar à colação e a contrario sensu, o estatuído no art. 100º da LGT (Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo), que, acolhendo uma previsão ampla da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, impõe à AT a obrigação, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, da imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei (cfr. a redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12).
Sopesando a matéria e regime legal dos juros compensatórios e indemnizatórios, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, de 21/01/2015, proc. nº 0632/14, sumaria-se o seguinte:
«I - A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).
II – Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.
III – Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de actuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (art. 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações.»
Assim, como já sobejamente os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito, exigindo-se a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento da liquidação e o comportamento do sujeito passivo: a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483° do CCivil).
E, por outro lado, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (art. 43° n° 1 da LGT).
Não se discutindo que, no caso, como reconhecido na própria sentença, as liquidações têm fundamento legal, também não se verificaria a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no transcrito nº 1 do art. 43º da LGT.
Na verdade, apesar de não existir qualquer ilegalidade substantiva das liquidações, os juros compensatórios que vieram a ser anulados, haviam sido liquidados ao abrigo do art. 35º nº 1 da LGT, sendo que, todavia, a sentença considerou que, não devendo censurar o comportamento do ora recorrido, à luz do critério legal de culpa, também não apontou a existência de erro imputável aos serviços na liquidação dos juros compensatórios (fundamento da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios), assumindo que a anulação radicou na inexistência de qualquer comportamento censurável do sujeito passivo, à luz do critério legal de culpa: ou seja, reconhece a prática do acto tributário sem violação do seu pressuposto legal subjectivo.
Procede, assim, o recurso.

*
3.- Decisão:

Nestes termos acorda-se em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar totalmente improcedente a impugnação mantendo, em consequência, os actos impugnados na ordem jurídica.
Custas pelo recorrido.

*

Lisboa, 28 de Abril de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.