Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01587/16.1BEBRG
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
FALÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, no caso, das pessoas coletivas.
II - O código do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (CIRC) ostentou e ostenta uma subsecção (de normas) dedicada à “Liquidação de sociedades e outras entidades”, onde, sempre, esteve (e está) positivada a regra de que “Relativamente às sociedades em liquidação, o lucro tributável é determinado com referência a todo o período de liquidação”.
Nº Convencional:JSTA000P30984
Nº do Documento:SA22023051001587/16
Data de Entrada:03/21/2023
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA FALIDA DA A..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, oriunda do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, com data de 19 de dezembro de 2022, que julgou procedente impugnação judicial (“e, em consequência, (i) anula-se a liquidação de IRC do ano de 2013 e (ii) reconhece-se o direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante de € 208.296,57, contados desde 31.05.2016 até à data do processamento da respectiva nota de crédito”.), apresentada pela Massa Falida da A..., S.A. (Em liquidação), …, visando “a liquidação de IRC relativa ao ano de 2013, no valor a pagar de € 208.296,57”.

A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

A. Vem o presente recurso apresentado pela FP (Fazenda Publica), aqui recorrente, da douta sentença proferida pelo TAF (Tribunal Administrativo e Fiscal) de Braga, que julgou a impugnação judicial dos presentes autos procedente e, consequentemente, anulou a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2013, com base na inexistência de facto tributário.

B. Para julgar procedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte: “(…) a inatividade ou a não exploração de estabelecimentos compreendidos na massa insolvente não significa necessariamente a impossibilidade de ocorrência de factos tributários posteriores, nem legitima que tais factos se devam excluir da tributação. No caso dos autos, com a declaração de falência, verificou-se a cessação da atividade da empresa falida, passando os bens a integrar essa massa. (…) não sendo esta situação impedimento para incidência em IRC, atenta a possibilidade de existir alguma atividade económica geradora de rendimentos durante o período de liquidação da massa falida (…) Ora, no caso dos autos, os rendimentos e os gastos contabilizados pela impugnante no ano de 2013 resultaram de regularizações de saldos, ou seja, de meros movimentos contabilísticos que não têm subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento e que, por essa razão, são destituídos de relevância fiscal. Assim, ao contrario do que defende a AT, os movimentos contabilísticos realizados pela Impugnante não traduzem verdadeiros factos tributários, ou seja, situações de facto concretas que se encontrem previstas abstrata e tipicamente na lei fiscal, inexistindo qualquer incremento patrimonial suscetível de constituir a base do imposto, nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a) e nº 2 do CIRC. Em face do exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada, por inexistência de facto tributário, determinante da sua anulação.

Ora,

C. Salvo melhor entendimento, a douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação do direito, mormente os artigos 1º, 2º e 3º, nº 1, alínea a) e nº s 2 e 4 e 29º do CIRC.

Vejamos,

D. Do probatório da douta sentença recorrida resulta então que, na sequencia do processo de falência ao abrigo das normas do CPEREF, decretada em 05-07-2005 (cfr. proc. nº ...02) tendo em vista o seu encerramento, a sociedade impugnante, no dia 28.05.2010 endereçou à AT um pedido de esclarecimento sobre como interpretar e aplicar as normas tributarias (sem características de informação vinculativa) relacionadas com a contabilização das regularizações de saldos contabilísticos (fornecedores) e a consideração como incobráveis os saldos devedores de clientes, ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 3, do artigo 59º da LGT (vide facto 2) do probatório).

E. Na resposta ao solicitado, veio a AT prestar informação (vide Doc. ... dos autos), melhor reproduzida no facto 3) do probatório da sentença, do qual se extrai o mais relevante. Assim: ”para efeitos fiscais, o resultado tributável não pode ser auferido em termos de saldo das contas contabilísticas, mas antes componente a componente”, não constituindo os valores indicados a débito, sem mais, variações patrimoniais negativas, e ainda, que a anulação dos débitos dos clientes só pode ocorrer se os mesmos obedecerem à estatuição do artigo 41º do Código do IRC. O mesmo acontecendo com o saldo devedor dos fornecedores.

F. A impugnante, em conformidade com o entendimento veiculado pela AT na resposta ao pedido formulado (acima referido), acresceu ao resultado líquido daquele exercício (2013) o valor relativo às variações patrimoniais negativas [campo 710 do quadro 07 da declaração Modelo 22], o montante de € 4.820.162,88.

G. No âmbito da instrução do processo de reclamação graciosa nº – ...66, apresentado contra a autoliquidação de IRC, do ano de 2013, no valor de € 208.296,57 (cfr. facto 6 do probatório da sentença), foi prestada informação pelo serviço de inspeção tributaria da Direção de Finanças de Braga (vide facto 9) do probatório da sentença), que se resume ao seguinte:

está em causa nos autos a regularização contabilística de saldos de clientes, fornecedores e de empréstimos obtidos da sociedade falida, anulando os saldos devedores de clientes por considerá-los incobráveis. Ora, a reclamante contabilizou como Gasto do exercício de 2013, sob a conta 7881 - Correções relativas a períodos anteriores, o montante de € 4.820.162,88 (anulação/redução de saldos contabilísticos devedores (clientes e outros devedores) ou do aumento de saldos contabilísticos credores reconhecidos no processo falimentar (fornecedores).

Foi contabilizado como rendimento do exercício o montante de € 1.078.990,78/conta 7881- correções de períodos anteriores (regularização de saldos contabilísticos). Conclusão: a correção de situações de períodos anteriores não é aceite como Gastos previstos no artº 18º do CIRC, razão pela qual foi acrescido o valor de € 4.820.162,88 ao resultado líquido do exercício. (…) relativamente à anulação de saldos contabilísticos credores, inexistindo documento que sustente esses movimentos (comprovativo do pagamento das faturas ou documentos de anulação ou redução de valor emitidos pela entidade fornecedora) estamos em presença de variações patrimoniais negativas que não se encontram excecionadas pelo artigo 21º do CIRC, concorrendo, em consequência, para o apuramento do lucro tributável. No caso em análise, não constatamos que tenham sido invocados erros aritméticos, negligência/fraude, nem as dívidas foram anuladas via procedimento contemplado no art.º 41º do CIRC.

H. Conjugados o teor da informação prestada pelo SIT com o entendimento propugnado pelo douto tribunal a quo e contrario à posição da AT, levar-nos-á a questionar se se poderá então aceitar as regularizações de saldos a qualquer entidade que as entenda fazer, sem que daí decorram as consequências fiscais defendidas pela ATA no caso em análise.

I. Pensamos que a resposta será negativa e, nessa medida, as referidas regularizações seriam de qualificar como variações patrimoniais negativas a acrescer ao resultado líquido do exercício.

J. Razão pela qual se concorde e adira ao entendimento vertido nas informações anteriormente prestadas pela AT, já reproduzidas, das quais subjaz o entendimento de que as operações subjacentes aos registos contabilísticos da conta “6881 – Correções relativas a períodos anteriores”, configuram liberalidades e, como tal, podem e devem ser relevadas para efeitos fiscais ao abrigo da alínea a) do art.º 24.º do CIRC.

K. O artigo 3º do CIRC (Base do Imposto), no seu nº 4, dispõe assim: “Para efeitos do disposto neste código, são considerados de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.

L. Da disposição legal acima citada e, caso se aceitasse a tese defendida pelo douto tribunal a quo – da inexistência de facto tributário, assente no pressuposto de a sociedade falida não ter gerado lucro nem ter apurado qualquer rendimento real, mas apenas a regularização de saldos contabilísticos de períodos anteriores, é estar a subverter a norma legal ou, melhor dito, interpretar a contrario o disposto no 4 do artigo 3º do CIRC.

M. Ora, seguindo aquela linha de raciocínio, se uma sociedade em liquidação, como é o caso, deixar de exercer a título principal uma atividade de natureza comercial, deixar de obter rendimentos e, consequentemente, deixar de obter lucro, pode vir a ser dispensada do pagamento de qualquer imposto.

N. O artigo 3.º do CIRC, no seu n.º 1 dispõe que: “o IRC incide sobre o lucro das sociedades”, e que o mesmo, nos termos do n.º 2, “consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC”.

O. Tal significa que a base do IRC, apesar de ter a sua matriz na contabilidade, não incide apenas sobre o lucro contabilístico, mas antes numa realidade económica mais abrangente constituída por todo o acréscimo de rendimento e riqueza, tributando, assim, a globalidade dos rendimentos obtidos.

P. Assim, mantendo uma sociedade a sua personalidade jurídica, mesmo após a declaração de insolvência, até ao encerramento da liquidação do seu ativo, como acontece no caso sub iudice, manterá essa mesma sociedade a sua personalidade e capacidade tributárias, sendo, por isso, suscetível de ser sujeito ativo e passivo de relações jurídico-tributárias, conforme decorre dos artigos 15.º e 16.º da LGT.

Q. Conclui-se, assim, que a sociedade comercial, até ao registo do encerramento da liquidação do ativo, em processo de insolvência, se mantém como sujeito passivo de imposto, em concreto, e no que para o caso releva, de IRC.

R. Importa, no entanto, realçar que, tal como se referiu no Acórdão do STA de 29-10-2003, proferido no processo 01079/03, em termos acolhidos na jurisprudência subsequente, a haver lugar a tributação não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à data da dissolução e com referência a todo o período de liquidação, tendo em mente que a declaração de insolvência pressupõe uma situação claramente deficitária em que o sujeito passivo se encontra, à partida, numa situação economicamente inviável.

S. E na verdade, no caso em apreço, foram abatidos os valores dos prejuízos fiscais, o que significa que a tributação em IRC incide sobre o rendimento global da empresa, para cujo cômputo terão de ser considerados tanto os proveitos como os custos ou perdas, independentemente de ter sido exercida a atividade ou não.

T. Nesse sentido, se foi legalmente aceite a dedução de prejuízos fiscais da sociedade falida (que nem sequer se questiona), então, pela mesma ordem de razão, deveria ter sido considerado, para efeitos de tributação em IRC, o ganho fortuito derivado das regularizações contabilísticas operadas pela sociedade, mas que o douto tribunal a quo não relevou como sendo fiscalmente relevante (facto tributário).

U. Com efeito, se para o legislador fiscal, a base do imposto é o lucro tributável, assente num conceito de globalidade (rendimento global), tributando-se, pois, qualquer acréscimo de riqueza, independentemente da sua fonte, obtido pelas sociedades”, é de todo, e nesse sentido, irrelevante a respetiva insolvência (cf. LOPES, Cidália, e DINIS, Ana - A tributação das sociedades insolventes in Insolvência e Processo Tributário [em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários 2019; no mesmo sentido o Acórdão proferido pelo STA em 2017-11-08, no proc. 0876/15, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

V. Razão pela qual se deva entender que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC, por constituir facto tributário.

W. Ante o que ficou exposto, é nossa opinião que a douta sentença proferida pela Mª Juíza fez, a nosso ver, uma incorreta interpretação das normas legais e do ratio legis que a fundamentam, mormente o disposto nos artigos 1º, 2º e 3º, nº 1, alínea a) e nº s 2 e 4 e 24º, nº 1 , al a), do CIRC, devendo, assim, ser mantida a liquidação de IRC.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre, a costumada JUSTIÇA. »


*

A recorrida (rda) formalizou contra-alegações, onde concluiu: «

A. Veio a Fazenda Pública recorrer da doutra Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 19.12.2022, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida, e determinou, consequentemente, a anulação da liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2013, no montante de € 208.296,57 e determinou o direito ao pagamento de juros indemnizatórios;

B. Entendeu o Tribunal a quo que tendo resultado os rendimentos e os gastos contabilizados pela ora Recorrida no exercício de 2013 de regularizações de saldos (meros movimentos contabilísticos que não têm subjacentes operações económicas geradoras de rendimento) não tendo havido incremento patrimonial nesse período de tributação, não há base de imposto nos termos da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRC, logo não há facto tributário, sendo a liquidação ilegal;

C. Do recurso interposto pela Fazenda Pública, parece que a mesma discorda da Sentença por entender que padece de erro na interpretação e aplicação do direito, em concreto do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, alínea a) e n.ºs 2 e 4 e 29.º do Código do IRC;

D. É convicção da Recorrida que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, pois a mesma faz a correta interpretação e aplicação do direito aos factos, razão pela qual deve ser mantida in totum na ordem jurídica;

E. No essencial, a Fazenda Pública:

• questiona se se pode admitir a regularização de saldos a qualquer entidade sem qual tenha quaisquer consequências fiscais e conclui que não;

• refere que “se a sociedade obtiver lucro” o IRC incide sobre “todo o acréscimo de rendimento e riqueza”;

• entende que as correções relativas a períodos anteriores são liberalidades e que entender-se que inexiste facto tributário é subverter o n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC;

• afirma que existindo rendimento tributável não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à dissolução e que, como foram deduzidos prejuízos neste período, teria de se admitir o ganho fortuito decorrente das regularizações contabilísticas.

F. Não é a circunstância de a Recorrida ter sido declarada falida que determina que não existe facto sujeito a tributação;

G. Os resultados positivos apurados na Modelo 22 de IRC entregue para o exercício são decorrentes de movimentos meramente contabilísticos realizados para regularização de saldos contabilísticos de anos anteriores, tendo sido acrescido ao resultado líquido de exercício, para efeitos de determinação do lucro tributável, o valor relativo às variações patrimoniais negativas, decorrente da regularização dos referidos saldos, no montante de € 4.820.162,88;

H. Estas operações contabilísticas foram efetuadas na sequência das indicações dadas pela própria AT;

I. A Recorrida, no exercício de 2013, não obteve, assim, quaisquer rendimentos suscetíveis de tributação em sede de IRC;

J. A Recorrida não teve um acréscimo de riqueza;

K. Esta circunstância de a Recorrida não ter obtido, de facto, lucro nenhum durante o exercício de 2013 não constitui facto controvertido;

L. O que estava aqui em causa era determinar se a regularização de saldos contabilísticos de anos anteriores, que constitui uma mera operação contabilística, efetuada na sequência de instruções solicitadas à própria AT, constitui ou não um facto tributário sujeito a IRC;

M. O Tribunal a quo entendeu que não tendo as operações contabilísticas de regularização de saldos, subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento, são destituídas de relevância fiscal e nessa medida “(…) não ocorreu qualquer incremento patrimonial nesse período de tributação, suscetível de constituir a base do imposto, nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a) e nº 2 do CIRC”;

N. Este entendimento não merece reparo;

O. Defender-se um enquadramento tributário diferente daquele que foi aplicado na Sentença proferida é, como referido na impugnação judicial, uma afronta aos princípios da legalidade e da tributação pelo lucro real, constitucionalmente consagrados nos artigos 103.º n.º 2 e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP),

P. princípio este último que “se afigura como uma concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal, implicando que a tributação do rendimento real seja, por imposição constitucional, a regra da tributação do rendimento empresarial”;

Q. Não tendo existido, na realidade dos factos, qualquer lucro, nem se tendo revelado qualquer capacidade contributiva da Recorrida, não há lugar a tributação;

R. As correções contabilísticas não podem ser qualificadas como liberalidades porque inexiste qualquer prova ou indício de que tal esteja em causa, desde logo por não haver qualquer elemento do qual resulte a existência de animus donandi ou liberandi;

S. Não é possível retirar qualquer consequência da circunstância de terem sido deduzidos prejuízos fiscais pois, caso se venha a entender que não existiu qualquer lucro – como defendeu a Recorrida e o Tribunal a quo sentenciou – permanecem por utilizar esses prejuízos;

T. Admitir-se o contrário seria o mesmo que afirmar que todas as correções feitas pela AT ao lucro tributável dos sujeitos passivos com prejuízos estavam legitimadas, o que não sucede;

U. Em face do que resulta exposto, é inequívoco que a decisão recorrida não padece de qualquer erro, na medida em que, em face dos factos, aplicou corretamente as disposições legais vigentes aplicáveis ao caso, devendo manter-se na íntegra, por legal, com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a Sentença recorrida, com a anulação da liquidação de IRC de 2013 e todas as demais consequências legais. »


*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, “no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, consta: «

A) FACTOS PROVADOS:

1) Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Barcelos, no âmbito do processo n° 434/2002, foi decretada a falência da sociedade Impugnante, na sequência de pedido apresentado ao abrigo do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência ("CPEREF") - factualidade não controvertida.

2) Em 28.05.2010, a sociedade Impugnante solicitou um pedido de informação vinculativa à AT, requerendo esclarecimentos acerca dos movimentos contabilísticos a fazer, tendo em consideração que alguns credores reclamaram os seus créditos e outros não e que o pagamento iria ser feito por rateio, além de que pretendia considerar incobráveis os saldos dos clientes a débito - cfr. doc. ... junto com a PI.

3) Em resposta ao solicitado a AT informou, ao abrigo da alínea f), do n° 3, do artigo 59° da LGT que "para efeitos fiscais, o resultado tributável não pode ser auferido em termos de saldo das contas contabilísticas, mas antes componente a componente", não constituindo os valores indicados a débito, sem mais, variações patrimoniais negativas, e que "A anulação dos débitos de clientes só pode ocorrer se os mesmos obedecerem à estatuição do artigo 41.º do Código do IRC (...) O mesmo acontecendo com o saldo devedor dos fornecedores" - cfr. doc. n.° ... junto com a impugnação judicial;

4) Em 08.05.2014, a sociedade impugnante submeteu, via Internet, a declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao período de tributação de 2013, à qual foi atribuído o n° ... - cfr. doc. ... junto com a PI.

5) Em conformidade com entendimento veiculado pela AT na resposta referida em 3), a Impugnante acresceu ao resultado líquido de exercício o valor relativo às variações patrimoniais negativas, no campo 710 do quadro 07 da Declaração Modelo 22, no montante de € 4.820.162,88 - cfr. doc. n.° ... junto com a impugnação judicial;

6) Em consequência, a Impugnante apurou um lucro tributável no montante de € 1.098.366,61, ao qual deduziu prejuízos fiscais de € 200.034,12, o que originou uma matéria coletável de € 898.332,49, de que proveio uma coleta de € 224.583,12, a cujo montante foram deduzidas retenções na fonte de € 16.286,55, resultando, a final, IRC a pagar de € 208.296,57 - cfr. doc. n.° ... junto com a impugnação judicial;

7) Em 19.05.2014 a Impugnante efetuou o pagamento do montante de IRC descrito - cfr. documento n.° ... junto com a impugnação judicial;

8) Em 15.01.2016, a Impugnante apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação identificado, a qual foi autuada sob o n° ...66 - cfr. fls. 13 a 41 do processo administrativo apenso aos autos (doravante, apenso).

9) Em 11.04.2016, foi prestada informação pelos Serviços de inspecção tributária no âmbito do referido procedimento, extraindo-se do respectivo teor, com relevância para os autos, o seguinte:

(…)

OBJETO DO PEDIDO

7. O sujeito passivo (sp) reclama da autoliquidação de IRC resultante da entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC em 2014-05-08, reportada ao período de 2013.

8. Em síntese, a reclamante pretende a anulação daquela autoliquidação por inexistir o facto tributário que lhe está subjacente, em virtude de ter sido declarada a falência da sociedade em 2005 e, por isso, não há atividade comercial, resultando a matéria coletável apurada de "movimentos meramente contabilísticos, e não da obtenção real de qualquer rendimento".

9. Não obstante a inexistência de facto tributário que sustenta a reclamação ser matéria de direito, impor clarificar os factos que deram origem à autoliquidação reclamada.

ANÁLISE

10. A reclamante que face à declaração de falência em 2005 e ao não exercício de qualquer atividade comercial industrial e agrícola, as regularizações de saldos efetuadas não configuram a obtenção de qualquer rendimento ou qualquer facto sujeito a tributação.

11. Em causa, e no que à matéria de facto diz respeito, está a regularização contabilística de saldos de clientes, fornecedores e de empréstimos obtidos da sociedade falida, visando o encerramento do respetivo processo de falência.

12. De facto, pretendeu a sociedade regularizar os saldos contabilísticos de forma a ter os saldos de fornecedores de acordo com o reconhecimento judicial dos mesmos no processo de falência, anulando também os saldos devedores de clientes por considerá-los incobráveis.

13. Por um lado, a reclamante contabilizou como gasto do período de 2013, na conta 5881-Correções relativas a períodos anteriores, o montante de 4.820.162,88€, resultante da anulação/redução de saldos contabilísticos devedores (clientes e outros devedores) ou do aumento de saldos contabilísticos credores, nomeadamente de fornecedores (em função do reconhecimento no processo de falência).

14. Por outro lado, foi contabilizado com rendimento em 2013 o montante de 1.078.990,78€ na conta 7881- Correções relativas a períodos anteriores também decorrente de regularizações de saldos contabilísticos diversos, nomeadamente pela anulação/redução de saldos contabilísticos credores (fornecedores e outros credores)

15. Ora, a correção de situações de períodos anteriores, decorrentes de erros aritméticos, negligências ou fraudes, não são aceites como gasto nos termos do art. 18° do Código do IRC (CIRC), razão pela qual a reclamante acresceu, e bem, aquele valor de 4.820.162,88€ ao resultado líquido do exercício.

16. A anulação de dividas a receber, considerando os créditos incobráveis, só poderia ser aceite como gasto se ocorresse nos termos previstos no art. 41.º do CIRC, não estando verificados os requisitos aí previstos que permitiriam o reconhecimento imediato da incobrabilidade dos créditos, estes movimentos configuram liberalidades e, como tal, não podem relevar para efeitos fiscais (alínea a) do art. 24° do CIRC).

17. Já relativamente à anulação de saldos contabilísticos credores, inexistindo qualquer documento que sustente esses movimentos (comprovativo de que as faturas foram pagas, documentos de anulação ou redução de valor emitidos pela entidade fornecedora), estamos perante variações patrimoniais positivas que não estão excecionadas de tributação pelo art. 21º do CIRC (nem por qualquer outra norma), pelo que concorrem para o apuramento do lucro tributável.

18. Tanto o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), que enquadra o processo de falência da reclamante, como atualmente o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), preveem uma isenção de IRC para as variações patrimoniais positivas decorrentes das alterações aos débitos da sociedade, mas apenas no âmbito de providências de recuperação e não falência/liquidação de ativos.

19. Importa aqui referir que a reclamante submeteu um pedido de informação vinculativa à AT conforme refere na sua petição, requerendo esclarecimentos quanto à contabilização das regularizações de saldos de fornecedores e a consideração como incobráveis dos saldos devedores de clientes.

20. Antecipava já "resultados fiscais significativos, com imposto a pagar" para a entidade em liquidação por falência se fossem adotados os procedimentos que julgava corretos.

21. A resposta da AT, enquadrada não como uma informação vinculativa face à generalidade das questões em análise mas como um esclarecimento sobre interpretação e aplicação das normas tributárias nos termos da alínea f) do n.º 3 do art. 59° da LGT, foi precisamente no sentido da análise atrás exposta, tendo a reclamante procedido em conformidade com esse entendimento.

22. A reclamante argumenta agora que uma vez que a empresa falida deixa de ter atividade, não exercendo assim a titulo principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, não gera lucro consequentemente, não pode ser tributada em IRC, "que é um imposto que, no caso das entidades residentes que exercem a titulo principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide sobre o lucro".

23. Ora, o CIRC define, em termos simplistas e apenas no que para este caso é relevante, que o imposto incide sobre os rendimentos obtidos pelos respetivos sujeitos passivos (art 1°), sendo sujeitos passivos, entre outros, as sociedades comerciais (art. 2º), considerando-se que estas exercem sempre, a titulo principal, una atividade comercial, industrial ou agrícola e são tributadas pelo lucro (alínea a) do n° 1 do art. 3.º).

24. Não significa isto, como pretende a reclamante, que o não exercício a titulo principal dessa atividade num determinado período ou a declaração de falência obstem à tributação em IRC: o conceito de lucro acolhido pelo CIRC para as sociedades comerciais é abrangente e é "constituído pela soma algébrica do resultado do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código (art. 17.º).

25. A contabilização das regularizações de saldos traduz, por um lado, variações patrimoniais positivas sociedade de 1.078.990,78 € que concorrem para a formação do lucro tributável e não estão excluídas de tributação por nenhuma norma, e, por outro lado, variações patrimoniais negativas de 4.820.162,88 € que concorrem para a formação do lucro tributável (cfr. pontos 15. e 16.).

26. Nenhuma norma determina que com a declaração de falência se verifique o fim da sujeição a IRC com exceção da exclusão de tributação das mais-valias e das variações patrimoniais positivas nos precisos termos previstos no art.º 119º do CPEREF ou no art. 268.º do CIRE.

27. Nem se pode considerar que inexiste facto tributário por estarem em causa "movimentos meramente contabilísticos" pois a contabilidade e o resultado líquido aí apurado é a base do apuramento do lucro tributável.

28. Os movimentos contabilísticos realizados pela reclamante traduzem situações de facto concretas que se encontram previstas abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradoras do direito ao imposto, ou seja, estamos perante factos com relevância jurídico-tributária e, por isso, verdadeiros factos tributários.

29. E a reclamante contabilizou, e a nosso ver bem, os rendimentos e os gastos resultantes das regularizações de saldos, acrescendo depois os gastos no apuramento do lucro tributável por não serem aceites para efeitos fiscais.

CONCLUSÃO

30. Por tudo o atrás expendido, e tendo em conta a matéria de facto analisada, não colhe, em nosso entender, a argumentação da reclamante quanto à ilegalidade da autoliquidação e à inexistência de facto tributário, sendo de manter a autoliquidação de IRC de 2013." - cfr. fls. 58 a 60 do apenso.

10) Em 26.04.2016, foi elaborado projeto de indeferimento da reclamação graciosa, extraindo-se da respectiva fundamentação, o seguinte:

(…)

Concorda-se desde já, com o parecer expresso na sobredita Informação dos SIT desta DF de Braga e acima transcrito, pelo que, afigura-se-nos, não ser de atender a pretensão aqui formulada pela Reclamante no que concerne à controvertida autoliquidação de IRC de 2013.

Igualmente, se nos afigura desnecessário tecer mais e dilatados considerandos, no que a esta concreta questão respeita, na exacta medida em que se deverá considerar ter sido a mesma já suficientemente analisada nos termos e com os fundamentos constantes da acima reproduzida Informação dos SIT desta DF.

Não obstante, importará porventura ainda reforçar a circunstância particularmente relevante de que (conforme, aliás, referido no Preâmbulo do Código), o conceito de lucro tributável que se acolhe em sede de IRC vai "o sentido da adoção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial."

Acresce que esse conceito "é expressamente acolhido no Código, ao reportar-se o lucro à diferença entre o património liquido no fim e no início do período de tributação."

Na verdade, esta "noção de rendimento-acréscimo" que subjaz à quantificação do lucro tributável, leva à consagração legal de um conceito amplo de rendimentos e ganhos, capaz de abarcar quaisquer variações patrimoniais positivas do património líquido da empresa, salvo as expressamente exceptuadas no artigo 21.º do Código do IRC.

Esta ideia caracteriza-se pelo acréscimo de rendimento proveniente de certos ganhos normais ou ocasionais, básicos ou meramente acessórios como sejam as mais-valias realizadas, as indemnizações, os dividendos auferidos e os subsídios ou subvenções de exploração.

Mais acresce que os rendimentos e ganhos não são apenas os que derivem do normal prosseguimento de uma actividade, dado que pontualmente a empresa também executa operações de outra natureza, designadamente, as elencados nas alíneas a) a j) do n.º 1 do artigo 20.° do mesmo Código.

De acordo com este conceito de rendimento e ganho, enquanto rendimento bruto relevante para efeitos de tributação, em sede de IRC, todos os rendimentos e ganhos, não exceptuados por lei integrarão o rendimento bruto destes Sujeitos Passivos de IRC.

Finalmente, acrescente-se que "Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas" (vide artigo 21.º) e "as variações patrimoniais negativas" (vide artigo 24.º), "não refletidas no resultado liquido do período de tributação" ("exceto" as ali excluídas).


***

No que a outra pretensão exposta na parte derradeira da petição da Reclamante respeita, e que se relaciona com a questão de "condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios", dir-se-á apenas que cumprirá porventura fazer notar que o artigo 43º, n.º da LGT estabelece que estes (só) são devidos "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

Ou seja, o reconhecimento do direito a Juros Indemnizatórios previsto no n.° 1 do citado artigo 43.º da LGT pressupõe que no procedimento tributário se determine que na autoliquidação de IRC aqui graciosamente impugnada "houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido", entendido este como o "erro sobre os pressupostos de facto e de direito" imputável à AT.

Pelo que atentas as razões supra expostas, será de concluir que, no caso vertente, a apreciação de tal questão ficará, obviamente, prejudicada.

Conclusão e Parecer

Deste modo, e em face do que vem antes exposto, transcrito e reproduzido, aderindo integralmente às conclusões expressas na supra citada Informação dos SIT desta DF de Braga, de acordo com a prova ali produzida e vistos ainda todos os dispositivos legais citados;

Sugere-se, ressalvado, como sempre, o respeito devido por melhor e diversa opinião, o "Indeferimento Total do Pedido" aqui formulado pela sociedade ora Reclamante."

- cfr. fls. 61 a 68 do apenso.

11) Notificada do projecto de decisão, a Impugnante apresentou defesa em em 13.05.2016 - cfr. fls. 72 e ss. do apenso.

12) Em 31.05.2016, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com o seguinte teor:

[…]

II- “DOS FACTOS”

•"A sociedade A... foi declarada falida por sentença datada de 05.07.2005.... na sequência de pedido apresentado ao abrigo do CPEREF" (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência).

• "À data da declaração da falência, a ... contabilidade reflectia saldos, a crédito e a débito, de fornecedores e clientes e de empréstimos obtidos, todos eles decorrentes de movimentos anteriores à declaração da falência.”.

•Em 2010.05.28, a A... solicitou um Pedido de informação Vinculativa, "requerendo esclarecimentos acerca dos movimentos contabilísticos ..., além de que, pretendia considerar incobráveis os saldos dos clientes a débito…”.

• “Em resposta ... a AT referiu que, “de acordo com a alínea f) do n.° 3 do artigo 59.° da LGT, para efeitos fiscais, o resultado tributável não pode ser auferido em termos de saldo das contas contabilísticas, mas antes componente a componente;";

•"Ou seja, os valores indicados a débito não constituem, sem mais, variações patrimoniais negativas".'.

•“Mais acrescentou que, “A anulação dos débitos de clientes só pode ocorrer se os mesmos obedecem à estatuição do artigo 41.° do Código do IRC, isto é, se a sua incobrabilidade resultar de processo de insolvência e de recuperação de empresas .... dos referidos clientes."'.

•""O mesmo acontecendo com o saldo devedor dos fornecedores".”

•Se bem que não concordando com este "entendimento veiculado pela AT, a A... procedeu em conformidade com o mesmo, tendo acrescido ao resultado líquido de exercício .... o valor relativo às variações patrimoniais negativas ..., no montante de € 4.820,162,88.”.

•“Acresce que, as correcções de saldo a crédito ..., no montante de € 1.078.990,78, concorreram para a formação da matéria coletável

•“Ou seja, as variações patrimoniais negativas foram a crescidas ... e as aludidas correcções de saldo a crédito já se encontravam incluídas no resultado.”.

•"Em consequência, a A... apurou ... um lucro tributável ... de € 1.098.366,61", ao qual, “deduziu prejuízos fiscais ... de € 20.034,12", de que originou uma Matéria Coletável de € 898.332,49, de que proveio uma Colecta de € 224.583,12, a cujo montante foram deduzidas Retenções na Fonte de € 16.286,55, resultando, a final, IRC a pagar de € 208.296,57.

III - “DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA”

"3.1 Enquadramento jurídico da falência"

•Neste capítulo, a sociedade Reclamante começa por fazer o "Enquadramento jurídico da falência”, nos termos e com os fundamentos expostas a fls. 12 e 13 (dos autos, e que se dão por reproduzidos), após o que ali concluiu, do seguinte modo:

•“Destarte, com a declaração de falência verifica-se a cessação total da actividade da empresa falida, passando os bens a integrara massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial…”.

• “Assim, sobre a liquidação da massa falida, o liquidatário terá de prestar contas .... sendo certo que, esta prestação de contas não se confunde com a contabilidade da empresa falida, que é encerrada com a declaração de falência.'’.

•“Pelo exposto, quando é deliberada a liquidação do património do devedor, deixa de haver actividade, isto é, o fito deixa de ser a obtenção de lucro, mas antes a repartição do produto obtido pelos credores, não mais se realizando operações de carácter empresarial ou comercial.".

•“Quer isto dizer que, a empresa falida deixa de ter actividade e ... não exerce ... uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e, portanto, não gera lucro.".

•“Consequentemente ..., não deverá haver lugar a tributação em sede de IRC...".

•Acresce que, "na liquidação ao abrigo do CPEREF, não há lugar ao exercício de qualquer actividade económica e, como tal, não se verifica a obtenção de quaisquer rendimentos susceptíveis de gerar imposto a pagar.".

"3.2 Inexistência de Facto Tributário"

•Seguidamente, a mesma Reclamante - (após afirmar que "a questão decidenda ... consiste em saber se os resultados positivos apurados pela sociedade A..., na sequência de movimentos meramente contabilísticos, efectuados quando já se encontrava em fase de liquidação, devem ser sujeitos a tributação, e ... se o acto de autoliquidação de IRC de 2013 ... padece, ou não, de ilegalidade') mais concluiu que:

•"... o acto ora reclamado é ilegal, na medida em que, no caso concreto, não existiu qualquer facto tributário susceptivel de gerar imposto a pagar…”.

•"... a matéria colectável apurada resultou, no essencial, de movimentos meramente contabilísticos, e não da obtenção real de qualquer rendimento…”.

•“...o único rendimento obtido corresponde a juros bancários ... que não determinariam qualquer valora pagar na medida em que seriam absorvidos pelos prejuízos fiscais dedutíveis."

•“Deste modo, o acto reclamado deverá ser anulado, por inexistente, com todas as consequências legais decorrentes, designadamente, por violar ... os princípios da legalidade e da tributação do lucro real das empresas…”.

IV - DA CONCLUSÃO FINAL DO PEDIDO

•Finalmente, a ora Reclamante, assim concluiu:

•“…pelas razões expostas, não se pode manter na ordem jurídica o acto ora reclamado, por inexistência de facto tributário e, manifestamente ilegal por violar os princípios constitucionais da legalidade e da tributação do lucro real das empresas como manifestação da sua capacidade contributiva .... devendo ser determinada a anulação da autoliquidação de IRC relativa ao período tributário de 2013.

Nestes termos e nos demais de Direito, se requer a V. Exa. se digne receber a presente reclamação graciosa, julgá-la procedente, por provada e, com todas as consequências legais, designadamente:

a)anular a autoliquidação de IRC de 2013 supra mais bem identificada;

b)restituirá quantia de imposto indevidamente paga pela Reclamante;

c)condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios.”.


***

Compulsados os autos, verifica-se, nomeadamente, que foi dada a oportunidade à sociedade Reclamante de participar neste procedimento tributário, tendo-lhe sido para tal assegurado o direito de se pronunciar sobre o "Projeto de Decisão" de fls. 51 a 58, no âmbito do qual, aliás, foram cuidadamente analisadas todas as questões essenciais colocadas pela referida entidade.

Na realidade, e em obediência, de resto, ao disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária (LGT), foi a mencionada sociedade regularmente notificada (vide fls. 59 a 61) do teor e sentido daquele "Projeto de Decisão", para que (querendo) sobre o mesmo se pronunciasse, nos termos do direito de audição prévia que lhe ê legalmente conferido, ao abrigo daquela norma.

Sendo que, a mesma Reclamante, nesta sede (do exercício daquele seu direito de audição), atempadamente, fez chegar aos autos, o documento a fls. 62 e 70, através do qual, faz um resumo, quer das suas alegações anteriormente aduzidas (em sede da petição da presente Reclamação Graciosa), quer das “razões da AT” expressas no sobredito “Projeto de Decisão”, em relação ao qual, acaba por concluir (em resumo), do seguinte modo:

•“Salvo o devido, não assiste razão à AT, devendo inverter o sentido da decisão".

•"Desde logo, a Reclamante não aceita a classificação da AT como liberalidades dos movimentos contabilísticos respeitantes a créditos incobráveis.".

•“Para que exista uma liberalidade ê necessário que exista animus donandi.”.

•“Todavia, a Reclamante nunca teve qualquer intenção em doar o que quer que seja, a quem quer que seja.".

•“O que está aqui em causa é uma mera regularização contabilística.".

•“Por outro lado, o a cio reclamado padece de vicio de violação de lei, por contrariar ...os princípios da legalidade e da tributação do lucro real das empresas ...”.

•“Porquanto ... a Reclamante... deixou de exercer qualquer actividade económica.".

•“E, nessa medida, deixou de obter quaisquer rendimentos sujeitos a imposto, inexistindo qualquer facto tributário susceptível de tributação'’.

•“..., a manter-se a decisão projectada pela AT a mesma violará de forma grosseira o principio da tributação das empresas pelo seu lucro real e da sua capacidade contributiva.

Termos em que, pelos motivos aduzidos deve ser alterada a decisão que se projecta e anulado o acto reclamado com todas as consequências legais.".


***

Do supra exposto, julga-se poder concluir-se que, no essencial, foram apresentados e invocados pela Reclamante, então e agora, os mesmos fundamentos, não se observando, por isso, a presença de quaisquer "elementos novos e relevantes” que determinem a necessidade de se reconhecer por escrito a fragilidade do “argumentário” que suporta o “Projeto de Decisão” aqui em apreço, o qual, de resto, assim deverá continuar válido e actual.

Na verdade, do cotejo entre o teor e/ou conteúdo de ambos os articulados, resultará legítimo observar e naturalmente concluir que, no essencial, a Reclamante se limita (agora) a reiterar tudo quanto (então) disse e já alegara.

Ou seja (a despeito da questão de que “a Reclamante não aceita a classificação da AT como liberalidades dos movimentos contabilísticos respeitantes a créditos incobráveis" e ulteriores considerandos), no documento ora apresentado, são invocados os mesmos argumentos e/ou fundamentos constantes da respectiva Petição Inicial.


***

A propósito da sobredita "questão das liberalidades’’, porventura importará, não obstante, esclarecer que, em bom rigor, os “movimentos contabilísticos respeitantes a créditos incobráveis" não foram classificados pela “AT como liberalidades”, mas sim que “…estes movimentos configuram liberalidades ...e, como tal, não podem relevar para efeitos fiscais (alínea a) do artº 24° do CIRC).”.

Sendo que, para efeitos fiscais, aquelas liberalidades não são indispensáveis à realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, e daí que não possam ser consideradas gastos nem variações patrimoniais negativas, a menos que a lei expressamente as qualificasse como tal, como sucederá com liberalidades de outra natureza (social, cultural, ambiental, etc,).

Acresce que as "Variações patrimoniais negativas" estão previstas no artigo 24.° do CIRC, sendo de excluir, designada e justamente, "As que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC”.

Na situação em apreço, a “anulação/redução de saldos contabilísticos credores" não permitirá à sociedade Reclamante relevar o respectivo montante (que deixou de receber) como gasto para efeitos fiscais, a menos que respeitasse as regras fiscais previstas no artigo 41.° do CIRC.

Pelo que, entende-se que bem andou a AT ao desconsiderar como gasto fiscal os correspondentes montantes aqui em causa, não podendo, por isso, proceder os fundamentos invocados pela Reclamante, por não se verificarem os requisitos que permitiriam que tal gasto fosse fiscalmente considerado.

Razões pelas quais, se pugna pela manutenção das conclusões vertidas no citado “Projecto de Decisão", que, de resto, teve por base a “INFORMAÇÃO" de fls. 48 a 50, elaborada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) desta Direcção de Finanças (DF) de Braga.


***

Dá-se, aqui e agora, como integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais, o supra mencionado “Projeto de Decisão”, em “cujos termos e com cujos fundamentos", se concordou "com o indeferimento total da reclamação graciosa".

DECISÃO

Deste modo, e pelo exposto, decide-se:

•Converter em definitivo o (nosso) Despacho a fls. 51 dos autos e que recaiu sobre aquele "Projeto de Decisão”, já regularmente notificado à sociedade Reclamante.

•Em consequência, manter o “Indeferimento Total do Pedido”, com a fundamentação do mesmo “Projecto de Decisão” constante, a qual, se dá como suporte deste despacho, ao abrigo, aliás, do disposto no artigo 77°/1, in fine, da LGT.

•Termos em que naturalmente se julga Improcedente a presente Reclamação Graciosa.

•Notifique-se.

[Cfr. fls. 82 a 86 do apenso].

13) A Impugnante foi notificada da decisão definitiva de indeferimento da reclamação graciosa, através do ofício n.° ...19, de 31.05.2016 - cf. documento n.° ... junto com a impugnação judicial;

14) Em 01.09.2016, a Impugnante apresentou a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos - cfr. carimbo aposto na petição inicial. »


***

A sentença sob recurso, para apoiar a decisão, final e relevante, de julgar procedente esta impugnação judicial e anular autoliquidação, promovida pela rda, de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), respeitante ao exercício de 2013 (Cf. pontos 4) a 8) dos factos provados.), decisivamente, aduziu os fundamentos que, em parte, aqui, reproduzimos (Sendo os sombreados, da nossa autoria.): «

(…).
Por conseguinte, inactividade ou a não exploração de estabelecimentos compreendidos na massa insolvente não significa necessariamente a impossibilidade de ocorrência de factos tributários posteriores, nem legitima que tais factos se devam excluir da tributação.
No caso dos autos, com a declaração de falência, verificou-se a cessação da actividade da empresa falida, passando os bens a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial, sendo que a liquidação da massa falida obedece ao previsto nos artigos 179º e ss. do CPEREF.
Todavia, como vimos, tal realidade não obsta à aplicação das normas de incidência de IRC, atenta a possibilidade de existir alguma actividade económica geradora de rendimentos durante o período de liquidação da massa falida (“fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF).
Importa, assim, verificar se no período de tributação correspondente ao ano de 2013, a Impugnante auferiu algum rendimento, ainda que não resultante do exercício da respectiva actividade comercial.
Efectivamente, de acordo com a teoria do rendimento-acréscimo a base tributável é definida a partir de todas as oscilações patrimoniais incorridas pelo sujeito passivo ao longo de um determinado período. Assim, qualquer variação patrimonial, positiva ou negativa, incorrida pela empresa deve ser relevada para efeitos fiscais, o que passa por englobar, nomeadamente, os resultados derivados das alienações dos próprios activos de onde o rendimento flui para a sociedade – cfr. Gustavo Lopes Courinha, Manual do IRC, Almedina, 2019, p. 11 e 12.
Assim, conforme conclui o referido Autor, a regra em IRC é a do tratamento fiscal neutral concedido às várias modalidades de rendimentos que formam o lucro tributável, sejam tais rendimentos lucros pela venda de bens ou prestação de serviços, subsídios, doações ou heranças, prémios de jogo ou a generalidade das mais-valias (ob. cit., p. 12).
Ora, no caso dos autos, os rendimentos e os gastos contabilizados pela Impugnante no ano de 2013 resultaram de regularizações de saldos, ou seja, de meros movimentos contabilísticos que não têm subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento e que, por essa razão, são destituídos de relevância fiscal.
Assim, ao contrário do que defende a AT, os movimentos contabilísticos realizados pela Impugnante não traduzem verdadeiros factos tributários, ou seja, situações de facto concretas que se encontram previstas abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradoras do direito ao imposto, uma vez que não ocorreu qualquer incremento patrimonial nesse período de tributação, susceptível de constituir a base do imposto, nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a) e nº 2 do CIRC.
Por outro lado, apesar da AT sustentar que o artigo 119º do CPEREF apenas exclui da tributação as variações patrimoniais positivas aí especificamente previstas, daí concluindo que as variações patrimoniais positivas contabilizadas pela Impugnante concorrem para o apuramento do lucro tributável, a verdade é que tal normativo integra o Título II do referido diploma (“Regime subsequente do processo de recuperação”), não sendo aplicável ao processo de falência (Título III).
Em face do exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada, por inexistência de facto tributário, determinante da sua anulação.

(…). »

Antes de mais, importa consignar que, em tese, assumimos o entendimento, veiculado, entre outros, no acórdão, do STA, de 8 de novembro de 2017, processo n.º 0876/15 (Com texto integral disponível do sítio www.dgsi.pt), no sentido de que “a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, …”. Além dos motivos coligidos nesse aresto, tal apresenta-se-nos como consequência, necessária, do facto, transversal, de as sociedades comerciais (sujeitos passivos, por excelência, de IRC) só poderem, nos termos do artigo (art.) 160.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), ser consideradas extintas, com e na data do registo (comercial) do encerramento da sua liquidação, pelo que, apenas, então, perdendo a personalidade jurídica (consequência, direta e incontornável, da extinção (Nos termos do art. 146.º n.º 2 do CSC, “A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica …”.)), ficam, de igual modo, privadas de personalidade (e capacidade) tributária(s), decorrendo, daí, a insuscetibilidade de continuarem a ser sujeitos (passivos) de relações jurídicas tributárias, por imposição do estatuído nos arts. 15.º, 16.º n.º 2 e 18.º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT).

Por outro lado, no que entendemos, em linha, com esta repercussão legal, regista-se que, desde os primórdios, o código do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (CIRC) ostentou e ostenta uma subsecção (de normas) dedicada à “Liquidação de sociedades e outras entidades (Vista a previsão do art. 146.º n.º 1 do CSC, perceciona-se que a liquidação da sociedade (comercial) pode, entre outros, derivar, decorrer, de casos de insolvência (antes, falência).), onde, sempre, esteve (e está) positivada a regra de que “Relativamente às sociedades em liquidação, o lucro tributável é determinado com referência a todo o período de liquidação”, bem como, que para a operar é preciso observar o seguinte:

a) As sociedades que se dissolvam devem encerrar as suas contas com referência à data da dissolução, com vista à determinação do lucro tributável correspondente ao período decorrido desde o início do período de tributação em que se verificou a dissolução até à data desta;

b) Durante o período em que decorre a liquidação e até ao fim do período de tributação imediatamente anterior ao encerramento desta, há lugar, anualmente, à determinação do lucro tributável respectivo, que tem natureza provisória e é corrigido face à determinação do lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação;

c) No período de tributação em que ocorre a dissolução deve determinar-se separadamente o lucro referido na alínea a) e o lucro mencionado na primeira parte da alínea b).” – cf., respetivamente, arts. 65.º n.ºs 1 e 2, 73.º n.ºs 1 e 2 (a partir de 2005) e 79.º n.ºs 1 e 2 (desde 2010…) do CIRC.

Coligidas estas notas, do confronto entre o teor da parcela transcrita da sentença recorrida e o cerne da crítica que lhe é feita pela rte, sintetizada nas conclusões, inicialmente, mencionadas, concluímos que o dissenso se restringe à afirmação, por aquela, da inexistência de facto tributário, como legitimante da liquidação de IRC, para o exercício de 2013, na medida em que os rendimentos e os gastos contabilizados, pela impugnante/rda, “resultaram de regularizações de saldos, ou seja, de meros movimentos contabilísticos que não têm subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento …”; por outras palavras, tais movimentos contabilísticos “não traduzem verdadeiros factos tributários, ou seja, situações de facto concretas que se encontram previstas abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradoras do direito ao imposto, uma vez que não ocorreu qualquer incremento patrimonial nesse período de tributação, susceptível de constituir a base do imposto …”.

Não merecendo qualquer tipo de hesitação afirmar que o objeto/facto jurídico (Numa definição generalista, facto tributário “é, em regra, a situação real e concreta que a lei, na criação dos respectivos tipos, pretende atingir”.) do IRC é constituído pela existência de rendimento(s) obtido(s), no sentido, estrito, de recebido(s), por pessoas coletivas (certas e determinadas (No âmbito do IRC, a “situação pessoal do sujeito passivo” é relevante e determinante.)), sendo, no caso, específico, das sociedades comerciais, o seu lucro, correspondente à diferença entre os valores do património líquido, do sujeito passivo, no fim e início da cada período de tributação, por regra, um ano civil, o qual se calcula, na condição de matéria coletável, de acordo com o estatuído, em primeira linha, nos arts. 15.º n.º 1 alínea (al.) a) e 17.º n.ºs 1 e 3 do CIRC, a resolução deste caso passa por, mediante consideração da factualidade apurada, determinar se, no ano de 2013, a impugnante/rda, na condição de sociedade anónima (em liquidação), percebeu (ou não) rendimentos (líquidos) passíveis de incidência de IRC, consubstanciado na autoliquidação identificada em 6) dos factos provados.

Imediatamente, duma análise superficial do cenário factual supra reproduzido, resulta a constatação da impossibilidade de sabermos se, tendo a impugnante/rda sido declarada falida em 5 de julho de 2005, com a sequente/imediata entrada em liquidação (Nos termos do art. 179.º n.º 1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), “Transitada em julgado a sentença declaratória da falência, (…), proceder-se-á à venda de todos os bens arrolados para a massa falida, (…).”; ou seja, começa a liquidação (do ativo) da sociedade falida.), antes de 2013, houve (ou não) lugar a determinação de (eventual) lucro tributável, pela operação dos ditames legais, vertidos no art. 73.º n.ºs 1 e 2 do CIRC. Portanto, o julgamento que empreenderemos tem de ser percebido como limitado ao período de tributação/exercício de 2013 e operando os dados factuais disponíveis no pressuposto de ser esse “todo o período de liquidação”; tudo se tem de passar figurando que a sociedade faliu e foi liquidada durante o ano de 2013.

Posto isto, no quadrante da matéria de facto disponível e incisiva, temos de, casuisticamente, considerar que:

- para encerrar o respetivo processo de falência/liquidação, a impugnante/rda procedeu “à regularização contabilística de saldos de clientes, fornecedores e de empréstimos obtidos”, em conformidade com o reconhecimento, judicial, efetivado no processo de falência (quanto aos saldos de fornecedores e empréstimos) e anulando as dívidas (dos clientes) consideradas incobráveis – cf. ponto 9) (11.) e (12.) dos factos provados;

- assim, nos registos contabilísticos, reportados a 2013, inscreveu como gasto, “na conta 5881 - Correções relativas a períodos anteriores, o montante de 4.820.162,88 €, resultante da anulação/redução de saldos contabilísticos devedores (clientes e outros devedores) ou do aumento de saldos contabilísticos credores, nomeadamente de fornecedores (em função do reconhecimento no processo de falência)” – idem (13.);

- e, como rendimento, “o montante de 1.078.990,78 € na conta 7881 - Correções relativas a períodos anteriores também decorrente de regularizações de saldos contabilísticos diversos, nomeadamente pela anulação/redução de saldos contabilísticos credores (fornecedores e outros credores)” – idem (14.);

- na declaração de rendimentos, modelo 22, respeitante a 2013 e submetida em 8 de maio de 2014, a impugnante/rda “acresceu ao resultado líquido de exercício o valor relativo às variações patrimoniais negativas, no campo 710 do quadro 07 da Declaração Modelo 22, no montante de € 4.820.162,88 (e) apurou um lucro tributável no montante de € 1.098.366,61, ao qual deduziu prejuízos fiscais de € 200.034,12, o que originou uma matéria coletável de € 898.332,49, de que proveio uma coleta de € 224.583,12, a cujo montante foram deduzidas retenções na fonte de € 16.286,55, resultando, a final, IRC a pagar de € 208.296,57” – cf. pontos 5) e 6).

Sendo esta a realidade com que nos confrontamos, importa, desde logo, destacar que, não se questionando a classificação e a expressão monetária dos registos efetuados na contabilidade da impugnante/rda, nem os moldes em que os mesmos foram traduzidos na declaração de rendimentos, ligados ao ano/exercício de 2013, destacadamente, a regularidade/legalidade da soma, ao resultado líquido, do valor relativo às variações patrimoniais negativas, no montante de € 4.820.162,88 (correspondente a correções relativas a períodos anteriores) (Queremos significar, com isto, que, não obstante a impugnante poder ter manifestado reservas quanto à consistência legal dessa operação, a sentença recorrida nenhuma referência lhe fez e, muito menos, retirou, daí, qualquer tipo de consequência jurídica, tendo-se focado, exclusivamente, na questão da ilegalidade, da liquidação impugnada, por inexistência de facto tributário.), objetivamente, emerge o apuramento, em conformidade com o disposto no art. 17.º n.º 1 do CIRC (que, além do mais, determina “com base na contabilidade”), de um lucro tributável (€ 1.098.366,61), ao qual foram, no cumprimento do estabelecido pelo art. 15.º n.º 1 al. a) 1) do mesmo diploma, deduzidos pertinentes prejuízos (fiscais), emergindo, consequentemente, matéria coletável (€ 898.332,49), para efeitos de IRC. Ou seja, mostram-se, à partida, reunidos os pressupostos, básicos, exigidos por lei, para incidência de IRC: um sujeito passivo, na circunstância uma sociedade comercial (em liquidação, por falência) e o apuramento/existência de lucro num determinado ano/período de tributação – cf. arts. 1.º, 2.º n.º 1 al. a) e 3.º n.º 1 al. a), n.º 2 do CIRC.

Neste ponto, resta, portanto, questionar se esta inevitabilidade de tributação pode (ou não) ser afastada pela operação da lógica assumida na sentença recorrida, no sentido, exclusivo/único, de que os versados rendimentos e os gastos contabilizados, pela impugnante/rda, “resultaram de regularizações de saldos, ou seja, de meros movimentos contabilísticos que não têm subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento …”.

Em primeiro lugar, diga-se, que a circunstância de podermos estar confrontados com “meros movimentos contabilísticos” não encerra uma importância decisiva, dado tratar-se de um tributo cuja determinação do, nuclear, lucro tributável é, por imposição legal, feita com base/suporte na/da contabilidade (do sujeito passivo), que, além do mais, tem de estar organizada “de acordo com a normalização contabilística”. Depois, aceitando-se que, pelo menos, no ano de 2013, a sociedade falida (em liquidação) não teve atividade (comercial/industrial/agrícola), também, não impressiona a existência de registos contabilísticos resultantes “de regularizações de saldos”; contudo, como decorre do ponto 6) dos factos provados, foram, ainda, relevados os apontamentos, na contabilidade, referentes a prejuízos fiscais e retenções na fonte.

Assim, o verdadeiro busílis está, então, no apontamento, pelo julgador, de que os mencionados meros movimentos contabilísticos “não têm subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento”, elemento determinante para afirmar a conclusão pela inexistência de facto tributário e consequente ilegalidade da liquidação de IRC, relativa a 2013.

Um debruce aturado sobre o conteúdo integral da sentença sob escrutínio não nos permite encontrar substrato factual para tal forma de entender (Parece-nos que tudo se resume à afirmação, teórica (cuja consistência não discutimos, por ausência de motivação suficiente), de as “regularizações de saldos” serem “meros movimentos contabilísticos”.), ou seja, nada dos factos provados aponta no sentido de estarmos na presença de contabilidade fictícia ou ficcionada, designadamente, com o propósito de simples suporte, documental, ao encerramento das contas da sociedade liquidada.

Ao invés, como, acima, já referenciámos, do que se trata é da regularização de saldos, devedores, de clientes da mesma, bem como, dos créditos reconhecidos (na falência) a fornecedores e/ou decorrentes de empréstimos que contraiu. Ora, se a isto aditarmos a comprovação de que as correções em causa foram vertidas, na contabilidade, nas contas 5881 e 7881, ambas com o designativo de “Correções relativas a períodos anteriores”, reputamos indiscutível a conclusão de que os rendimentos e gastos em apreço são resultado de ter havido atividade económica, com origem e/ou destino na esfera jurídica da sociedade, entretanto, falida e liquidada. Concedemos que a mesma, em princípio e quase de certeza, não aconteceu no ano de 2013, mas, é seguro e conforme com a normalidade das coisas, admitir terem sido relações comerciais, assumidas pela sociedade, enquanto exerceu a sua atividade estatutária, o elemento espoletador dos saldos devedores dos seus clientes e das dívidas aos fornecedores e mutuantes, finalmente, regularizados, do ponto de vista fiscal, nesse ano.

Numa tentativa, que ousamos, para tornar percetível o acabado de sustentar, este, em princípio, seguramente, seria o resultado que se alcançaria, caso a impugnante/rda tivesse (se o fez, não ficou demonstrado neste processo) atuado, na sequência da declaração da respetiva falência, em conformidade com os ditames do art. 73.º n.ºs 1 e 2 do CIRC. Isto é, o seu lucro tributável teria sido determinado com referência a todo o período de liquidação, com a consideração dos vários resultados anuais do mesmo, o que implicaria a contabilização e valoração das componentes de rendimentos e gastos existentes à data da falência e/ou supervenientes, tendo em conta as incidências decorrentes do procedimento falimentar (Desacompanhamos, também, a rda, quando sustenta que, no exercício de 2013, não obteve quaisquer rendimentos suscetíveis de tributação em sede de IRC/não teve um acréscimo de riqueza – conclusões I. e J. da sua contra-alegação.).

Concluindo, o julgado e decidido em 1.ª instância não é de acolher, por erróneo, quanto ao estabelecimento da premissa de que partiu, concreta e especificamente, a afirmada não geração de rendimento, para a impugnante, em virtude de estarem em causa meros movimentos contabilísticos. Ao invés, para nós, os saldos, devedores, de clientes daquela, bem como, os créditos reconhecidos (na falência) a fornecedores e/ou decorrentes de empréstimos que contraiu, regularizados em 2013, estão conectados com o exercício da sua atividade (e imposições decorrentes de decisões tomadas no processo de falência), pelo que, tendo a respetiva soma algébrica (com as demais parcelas objeto de tributação) determinado o apuramento de um lucro tributável, reportado ao ano de 2013, havia, sem remissão, lugar à incidência de IRC.

Obviamente, este resultado não ofende as imposições dos arts. 103.º e 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pela singela razão de que, na nossa perspetiva, a sociedade impugnante, em resultado do exercício da sua atividade/objeto social, gerou, entre outros, créditos e dívidas que, na sua expressão final (findas as operações da sua liquidação na qualidade de falida e correspondente contabilização), se traduziram no apuramento de um rendimento/lucro tributável.


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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença proferida nestes autos;

- julgar improcedente a impugnação judicial.


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Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 10 de maio de 2023. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.