Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01269/16
Data do Acordão:11/25/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRINCIPIO DA ADEQUAÇÃO
Sumário:Não deve admitir-se revista excepcional relativamente a questões de direito transitório, cuja problemática essencial decorre das particularidades do caso em apreço e a decisão recorrida não se mostre fundada com um discurso jurídico plausível.
Nº Convencional:JSTA000P21209
Nº do Documento:SA12016112501269
Data de Entrada:11/11/2016
Recorrente:A.......
Recorrido 1:MJ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)
1. Relatório
1.1. A………. recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte proferido em 3 de Junho de 2016, que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Coimbra, que por seu turno julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si intentada contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, onde pedia a anulação do despacho de 2-2-2006, que indeferiu o seu requerimento de 14-7-2005, pedindo o reconhecimento do direito à integração na carreira de investigação científica com efeitos reportados à data de entrada em vigor da Portaria 777/95, de 12/07 bem como a condenação do réu a pagar-lhe a quantia respeitante às respectivas diferenças remuneratórias.
1.2. Na fundamentação da admissão do recurso excepcional de revista destaca várias questões:
A primeira questãoé a que consiste em saber se o recorrente (ou qualquer outro funcionário da administração pública) que vinha exercendo funções correspondentes a carreira distinta daquela em que estava integrado, tem ou não direito a ser integrado na carreira compatível comas funções exercidas, in casu na carreira de investigação científica, por via da mobilidade entre carreiras prevista no art. 18º, 1, do Dec. Lei 353/A/89, de 16/10 e por aplicação do princípio de adequação de funções, consagrado no n.º 4 do art. 3º do Dec. Lei 248/85, de 15/7, com efeitos retroactivos à data em que o lugar a preencher foi criado (in casu 17-7-1995), com defende o recorrente, ou se tal integração só é (ou seria) possível ao abrigo do Dec. Lei 497/99, de 19 de Novembro e por via da reclassificação profissional, como se sustenta nas pág.s 17, 19 e 21 do acórdão recorrido de 3-6-2016”;
A segunda questão “é a que consiste em saber se o interessado na transição, por via da mobilidade entre carreiras e por aplicação do princípio de adequação de funções, teria ou não (ou terá ou não) de ser sujeito a concurso de provas públicas, in casu o previsto no n.º 1, do art. 10º do Dec. Lei 219/92, de 15/10, sustentando o tribunal recorrido que sim (…) enquanto o recorrente entende que não (…)”;
A terceira questãoé a que consiste em saber se a falta de constituição do CRAF – Conselho Responsável pelas Atividades de Formação, a que se alude nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 10º do Dec. Lei 219/92, de 15/10, no seio do organismo público em cujo quadro de pessoal se insere o lugar a preencher da carreira de investigação científica (in casu, o Instituo Nacional de Criminologia) ou de outra qualquer carreira da administração pública em que um tal Conselho tenha competência de avaliação curricular ou de outro tipo, é ou não impeditiva daquele preenchimento, sustentando o tribunal que sim (pág. 21), entendendo o recorrente que não (…)”;
A quarta questãoé a que consiste em saber se a abertura de concurso para preenchimento de lugares de um qualquer organismo público (in casu, do Instituto Nacional de Criminologia) por funcionário que são indispensáveis para que esse organismo possa cumprir a missão para que foi constituído (in casu, os investigadores de criminologia), é um ato administrativo discricionário ou vinculado (…)”;
A quinta questãoé a que consiste em saber se o facto de o legislador não atribuir eficácia ex tunc à reclassificação profissional então operada (in casu a reclassificação profissional do recorrente e demais funcionários dos Institutos de Criminologia que, nas categorias de chefes e adjuntos de secção da carreira do pessoal administrativo vinham exercendo funções inerentes à carreira técnica superior, operada pelo art. 90º do Dec. Lei 268/81, de 16/09) inviabiliza ou não o direito ao recebimento das diferenças salariais existentes entre a categoria ou categorias em que o reclassificado esteve integrado (…)”.

Considera o recorrente que as questões suscitadas respeitam a aspectos gerais do regime jurídico dos trabalhadores da Administração Pública e que têm sido admitidas revistas em casos similares, citando, nesse sentido os acórdãos deste STA de 29-10-2015, proferido no proc. 01263/15 e de 23-9-2004, proferido no processo 0903/04. Considera ainda ser necessária a admissão do recurso com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito porque, a seu ver, foram cometidos erros clamorosos pelo tribunal “a quo”.

1.3. O Ministério da Justiça pugna pela não admissão da revista, por entender em suma que a decisão recorrida não contende com qualquer questão social ou jurídica relevante, limitando os seus efeitos ao caso concreto do recorrente e à sua esfera pessoal e profissional, sublinhando ainda que a decisão recorrida não enferma de erros ostensivos.

2. Matéria de facto
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete, destacando-se os seguintes:
“(…)
K. Por requerimento recebido no E.P.C. em 14/07/2005 o Autor requereu ao Ministro da Justiça (Doc. n.º 2 anexo à P.I.):

(…) se digne proferir despacho que determine a integração do requerente na carreira de investigação científica (…)criando o respectivo lugar a extinguir quando vagar no quadro da Direcção Geral dos Serviços Prisionais (…).
Ou
(…) que no mínimo se determine que ao requerente seja paga a quantia correspondente à diferença existente entre os vencimentos que auferiu no Instituto de Criminologia de Coimbra (…) e Instituto Nacional de Criminologia (…) e aqueles que teria auferido se estivesse integrado na carreira devida, atento o tipo de funções exercidas (…)
L. Consta do of.º n.º 331-GTJ/05, datado de 19/10/2005, subscrito pelo Sub-Director Geral da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, dirigido ao Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça, sob o assunto “Lic. A......... – Exposição” (fls. 18 do P.A.):

“(…)
Ora, também não existe norma que possibilite a reclassificação de um funcionário por funções que alega ter exercido há mais de oito anos, ou seja até 1997.
Efectivamente, nos quadros de pessoal desta Direcção-Geral não existe a carreira de investigador, nem se verifica existir qualquer desajustamento funcional, já que, como licenciado em Direito, e assessor principal, exerce funções de apoio jurídico no Estabelecimento Prisional de Coimbra.
Assim sendo, o funcionário não preenchendo os requisitos legalmente exigidos pelo DL n.º 497/99, de 19 de Novembro, nunca poderia ser reclassificado na pretendida carreira de investigador.
Acresce que o próprio funcionário também refere que só queria ingressar naquela carreira, atento o trabalho desenvolvido desde 1977 até 1997, primeiro no Instituto de Criminologia de Coimbra e depois no Instituto Nacional de Criminologia. Complementarmente é ainda de referir que o exponente em recurso contencioso que correu termos com o n.º 408/97, na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo pretendeu até que Sua Excelência o Ministro da Justiça fosse condenado como litigante de má-fé, pela extinção do Instituto Nacional de Criminologia, através do DL n.º 289/97, de 22 de Outubro, pedido em que decaiu. Consequentemente, também não existe sustentação legal para o pagamento das quantias correspondentes às aludidas diferenças de vencimento.
(…)
M. A “Informação” da Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça, datada de 25 de Janeiro de 2006, subordinada ao assunto “Exposição de A…….” termina com a seguinte proposta (Doc. n.º 1 anexo à P.I.):“4 – Julga-se assim que, face ao que antecede, nomeadamente às razões invocadas pela Direcção-Geral dos Serviço Prisionais, deve ser indeferido o requerimento em apreço”.
N. Na informação referida no ponto anterior foi exarado o seguinte despacho, datado de 02.02.06, subscrito pelo Ministro da Justiça (Fls. 21 do P.A.): “Concordo. Pelo que indefiro o requerimento apresentado, tendo em conta o presente parecer bem como a informação da DGSP, datada de 18.10.05. Comunique-se ao requerente e à DGSP.
(…)”


3. Matéria de Direito
3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.
3.2. O TCA Norte confirmou a decisão da primeira instância refutando os vários argumentos do ora recorrente.
Começou o acórdão por realçar aquilo que, no essencial, o recorrente pretende ver resolvido e por ele apresentado nos termos seguintes:
21.º - Embora o recorrente tivesse exercido as funções de investigação científica da criminalidade, definidas no art.º 3.º do Dec. Lei 27.306 de 8.12.1936 desde 3.06.1977 (data do seu ingresso na função pública – ponto A dos factos dados como provados, pág. 3 do douto acórdão rec.) esteve aberrantemente integrado na carreira de pessoal administrativo até à data em que transitou para a carreira de Técnico Superior de 2.ª classe – 12.01.1982, na qual tomou posse em 20.01.1982, conforme resulta dos pontos A, B e C da matéria de facto dada como provada – págs. 3 e 4 do douto Ac. rec., só porque um qualquer iluminado concluiu que como existiam duas secções nos Institutos de Criminologia e cada uma delas tinha um Chefe e um Adjunto, então eles eram Chefes e Adjuntos de Secção (carreira do pessoal administrativo) e não Chefes e Adjuntos da 1.ª ou 2.ª Secções (da carreira do pessoal técnico superior)”
O acórdão respondeu a esta argumentação dizendo que o recorrente conviveu com aquela situação cerca de cinco anos, permitindo desse modo a consolidação da “apontada aberração, ano após ano evidenciada”
Por outro lado, entendeu o acórdão recorrido que o recorrente pretendia para além de receber o diferencial entre os vencimentos auferidos coo funcionário integrado na carreira do pessoal administrativo e aqueles que teria se estivesse integrado na carreira que entende como a correcta (técnico superior) pretende ainda a sua integração na carreira de investigação científica. Pretende o recorrente – resume o acórdão recorrido - “com a acção administrativa especial que intentou, o reconhecimento do direito à integração na carreira de investigação científica com efeitos reportados à data de entrada da Portaria n.º 777/95, de 12 de Julho, e, nessa sequência, lhe seja paga a “quantia correspondente à diferença remuneratória existente entre os índices remuneratórios em que o autor esteve posicionado na carreira técnica superior (entre 12.07.95 e a data em que passar a ser remunerado pela carreira de investigação científica) e os índices superiores mais aproximados da estrutura da categoria de investigação científica no regime de tempo integral”.
O acórdão abordou esta questão nos seguintes termos:
“(…)
Ora, o Recorrente, que transitou para a carreira de técnico superior, com a categoria de técnico superior de 2.ª classe, em 20 de Janeiro de 1982, passou a exercer funções em regime de requisição no Estabelecimento Prisional de Coimbra a partir de 16 de Junho de 1987, tendo transitado para o quadro de pessoal da Direcção – Geral dos Serviços Prisionais em Dezembro de 1998.
Só em Julho de 2005 (Doc. n.º 2 junto à P.I.) é que submeteu a pretensão a decisão do Senhor Ministro da Justiça, pese embora ter expressamente reconhecido no art.º 9.º da sua P. I. que não lhe assiste “o direito que reivindicou de integração na carreira de investigação científica com efeitos retroactivos a 03/06/1977, uma vez que nesse tempo não existia ainda a carreira de investigação científica”.
Importa para o efeito, tal como fez a decisão impugnada, reter o que a então nova Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 268/81, de 16 de Setembro, veio dispor, em sede de normas transitórias, no seu art.º 90.º:
“Os actuais chefes de secção dos institutos de criminologia e respectivos adjuntos, no exercício de funções inerentes à carreira técnica superior, licenciados transitam para lugares de ingresso da carreira técnica superior dos institutos, extinguindo-se, em conformidade, os respectivos lugares”.
O legislador, ciente de que os chefes de secção e os adjuntos dos Institutos de Criminologia exerciam funções inerentes à carreira de técnico superior, veio reconhecer tal realidade, pese embora não atribuir eficácia ex tunc à “reclassificação profissional” então operada, o que significa que as pretensões do Recorrente referentes ao período em que ingressou no Instituto de Criminologia e 1 de Julho de 1980 – nos termos do art.º 112.º do Decreto-Lei n.º 268/81, o diploma produzia efeitos em matéria de remunerações a partir de 1 de Julho de 1980 –, não têm fundamento legal.
Em sentido adverso ao solicitado pelo Autor/Recorrente é de sinalizar, ainda, o facto da carreira de investigação científica aprovada pelo Decreto-Lei n.º 219/92, de 15 de Outubro, só ter sido criada no Instituto Nacional de Criminologia em virtude da Portaria n.º 777/95, de 12 de Junho.
Antes da vigência do Decreto-Lei n.º 212/92, de 15 de Outubro, a carreira de investigação científica só excepcionalmente era aplicável a outros Ministérios que não o da Educação, pelo que a pretensão do Autor/Recorrente quanto ao período entre 1977 e 1995 não tem qualquer viabilidade jurídica. Por outro lado, posteriormente à entrada em vigor da Portaria n.º 777/95, de 12 de Julho, o Instituto Nacional de Criminologia não colocou a concurso os lugares da carreira de investigação científica entretanto criados. Tratou-se de uma opção gestionária, que cabia nas atribuições de uma entidade tutelada.
Nem o Instituto Nacional de Criminologia abriu concurso para aquelas vagas, nem o Recorrente solicitou a reclassificação profissional, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 497/99, de 19 de Novembro.
De qualquer forma, como muito bem salienta o tribunal recorrido, que não deixou de realçar o vasto curriculum do Autor, sempre seria necessário que o Recorrente, para ingressar na carreira de investigação científica fosse titular do grau académico de doutor ou que tivesse prestado provas públicas, desde que o seu currículo fosse considerado com mérito científico.
Estas exigências constantes do Decreto-Lei n.º 219/92, de 15 de Outubro, passavam pela intermediação do Conselho Responsável pelas Actividades de Formação, órgão que nunca se constituiu no seio do Instituto Nacional de Criminologia.
Ressalta, pois, do exposto, que o acórdão sob escrutínio está bem fundamentado, não vislumbrou a afronta a quaisquer princípios ou comandos constitucionais no acto impugnado, mormente os invocados(6) (mas não densificados) pelo Recorrente, razão pela qual, aderindo à sua argumentação, se manterá na ordem jurídica.
(…)”

3.4. Como decorre das questões expostas e apreciadas pelo TCA Norte, estamos perante um situação singular com contornos específicos e sem qualquer virtualidade de vir a repetir-se no futuro.
O recorrente procura reconduzir as questões que coloca a questões gerais sobre o funcionalismo público, mas em boa verdade, estamos perante normas de direito transitório aplicadas a situações de facto muito específicas todas elas ocorridas no passado, sem que subsista litigiosidade sobre a respectiva aplicação.
Com efeito, as questões decididas pelo TCA apelaram (i) ao facto do autor não ter impugnado o acto em que transitou para a carreira de Técnico Superior; (ii) nunca ter pedido a sua reclassificação; (iii) nunca ter sido aberto concurso para os lugares da carreira de investigação cujo quadro foi aprovado pela Portaria 777/95, de 12 de Julho; (iii) o recorrente não possuir o grau académico de doutor ou tivesse prestado provas públicas. O litígio é, deste modo, circunscrito ao presente caso resultando a decisão do TCA das respectivas especificidades.
Por outro lado, as questões colocadas foram apreciadas pelo TCA Norte em termos fundamentados e juridicamente plausíveis, não sendo evidenciando erros manifestos a exigir a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.
O caso citado pelo recorrente, onde foi admitida a revista (acórdão de 29-10-2015, proferido no recurso 01263 e o abordado no acórdão nele citado de 8-10-2015, proferido no processo 0905/15) é significativamente diverso, na medida em que envolviam a reposição de quantias pagas pela prestação de funções com base em título jurídico que veio a ser anulado, o que não acontece no presente caso em que o recorrente foi sempre pago pelas remunerações dos cargos efectivamente exercidos e em que, portanto, as circunstâncias específicas do caso foram determinantes para a solução encontrada pelo Tribunal.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pelo recorrente.
Lisboa, 25 de Novembro de 2016. – São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.