Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:049/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
SUSPENSÃO DE FUNÇÕES
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - A lide torna-se inútil quando ocorre um facto ou circunstância, ulterior à sua instauração, que torna desnecessário que sobre ela recaia pronúncia judicial, nomeadamente porque o pedido formulado já foi atingido por outro meio.
II - A desnecessidade deve ser aferida em termos objectivos.
Nº Convencional:JSTA000P22147
Nº do Documento:SA120170712049
Data de Entrada:01/16/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. A…………………….., devidamente identificado nos autos, vem requerer contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), nos termos dos artigos 112.º e ss. do CPTA, providência cautelar “de suspensão de eficácia administrativa de decisão disciplinar”.
De forma mais concreta, requer: i) a “suspensão de eficácia do Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público no Âmbito do processo número 7/2016-RMP-PD, que condenou o A. na pena de 25 dias de suspensão de funções”, e, ii) que seja “Dada ordem para o A. poder trabalhar e exercer as suas funções de Procurador Adjunto no Tribunal da Comarca de ……………, no Juízo e Secção a que se encontra adstrito”. A pretensão inicial foi ampliada, por requerimento de fls. 190 e ss. dos autos, também à “suspensão dos efeitos do acto da Ordem de Serviço número 1/2017, de 10/1/2017, por violação de lei, desvio de poder e violação do contrato de vínculo de emprego público”, ordem de serviço esta emanada pelo Procurador Coordenador do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ……………., e relativa à redistribuição de serviço na Procuradoria da Instância Local de …………, em resultado da diminuição do número de Procuradores Adjuntos em exercício de funções. Pretensão inicial ampliada, de igual forma, pelo requerimento de fls. 201 e ss., mediante a qual foi formulado pedido de decretamento provisório da presente providência.

2. Por despacho de fls. 211 e ss. foi deferido o pedido de decretamento provisório da providência cautelar e foi determinada a citação urgente do requerido CSMP, nos termos dos artigos 114.º, n.º 4, 117.º e 118.º do CPTA (cfr. fls. 211 e 212 dos autos).

3. Não foi deduzida por parte do CSMP resolução fundamentada, tendo este órgão deduzido oposição (cfr. fls. 251 a 288) através da qual se defende por excepção e por impugnação. Em relação à defesa por excepção, esta cinge-se ao segmento da pretensão cautelar decorrente da ampliação do pedido, em que foi requerida a suspensão da ordem de serviço do Procurador Coordenador do Ministério Público acima referida, relativa à redistribuição de serviço. O requerido invoca ilegitimidade processual passiva e incompetência do tribunal em razão da hierarquia. No que respeita à defesa por impugnação, o requerido contrariou, ponto por ponto, os argumentos apresentados pelo requerente cautelar, sustentando, em síntese, que o acto suspendendo não padece de qualquer das ilegalidades que lhe são imputadas, e que não estão verificados os pressupostos de aplicação do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, e que, em todo o caso, deve a providência requerida ser recusada, visto que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que decorreriam da sua concessão superam aqueles que podem resultar da sua recusa.

4. Notificado o requerente pelo despacho de fls. 290 para se pronunciar sobre a matéria de excepção constante da oposição produzida pelo requerido, veio o mesmo responder, pronunciando-se, em síntese, no sentido da sua improcedência (cfr. fls. 292 a 307 dos autos). Por sua vez, o requerido, notificado do articulado de resposta à oposição, veio sustentar que “o Requerente aproveitou para contradizer matéria que não é de exceções, assumidamente nos artigos 1.º a 22.º, e sob invocação de pretensas ‘exceções vestidas de impugnação’, que manifestamente não se verificam, nos n.ºs 23.º a 27.º do seu requerimento”, pelo que “O que consta dos artigos 1.º a 27.º do articulado de resposta à oposição apresentado pelo Requerente deverá ser desconsiderado e tido por não escrito, em conformidade com o disposto no artigo 584.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (cfr. fls. 332-3 dos autos).

5. Mediante despachos de fls. 348 e 376 dos autos, sem qualquer impugnação, foi decidido, nomeadamente, indeferir o pedido de realização da prova pericial e dispensar, porque desnecessária, a inquirição das testemunhas arroladas (art. 118.º, n.os 1, 3, 4 e 5, do CPTA). Relativamente à determinação da remessa para efeitos de apensação aos autos do processo administrativo n.º 823/15.6T9.........., contida no despacho de fls. 348, veio o requerido, a fls. 358, informar que o referido processo administrativo “foi entregue para apensação ao Processo Cautelar n.º 50/17, que corre termos nesse Supremo Tribunal, sendo partes o mesmo requerente e o mesmo requerido”.

6. Sem vistos, dado o disposto no artigo 36.º, n.os 1, al. f) e 2, do CPTA, vêm os autos à conferência para decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto:

Resulta como assente da análise dos autos, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:

1. O requerente cautelar é Procurador Adjunto, exercendo funções junto do Tribunal de Comarca de …………… (actualmente Juízo Local).

2. Por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27.09.16, foi aplicada ao Senhor Procurador Adjunto A………………….. a pena de 25 dias de suspensão de exercício, “por violação, em autoria material, na forma continuada, dos deveres descritos no art.º 73.º, n.º 2, als. a), e), f) e g) e n.ºs 3, 7, 8 e 9 da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aplicável ao Ministério Público por força dos art.ºs 108 e 216 da Lei 60/98 de 27 de Agosto (EMP) e ainda do art.º 42 n.º 3 da própria Lei 35/2014” (cfr. o acórdão do Plenário do CSMP constante do doc. de fls. 122 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

3. Notificado da deliberação da Secção Disciplinar, o requerente cautelar reclamou para o Plenário do CSMP do acórdão mencionado no ponto anterior, reclamação essa que não foi atendida, mantendo-se na íntegra a decisão daquela secção (cfr. o acórdão do Plenário do CSMP constante do doc. de fls. 122 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

4. O Procurador da República Coordenador junto do Tribunal Judicial da Comarca de ………………. emitiu a ordem de serviço n.º 1/2017 PRC……….., relativa à redistribuição de serviço na Procuradoria da Instância Local de ……………, ordem de serviço datada de 10.01.17 (cfr. doc. 1, de fls. 196-197 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

5. Em 25.01.17, na sequência da emissão da ordem de serviço referida no ponto anterior, o requerente cautelar dirigiu requerimento ao Procurador da República Coordenador junto do Tribunal Judicial da Comarca de ………….., peticionando, nomeadamente, que lhe fossem “devolvidos todos os processos” e que fossem “computados por V. Exª o cumprimento de 19 dias de suspensão no âmbito dos 25 dias que lhe foram aplicados no processo disciplinar” (cfr. doc. 1, de fls. 219 a 221 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

6. No âmbito da presente providência cautelar não foi emitida resolução fundamentada.

7. No âmbito dos Serviços do MP junto do Tribunal Judicial da Comarca de ………… correm termos os autos do processo administrativo com o n.º 823/15.6T9………., o qual foi apensado ao Processo Cautelar n.º 50/17 (cfr. doc. de fls. 358 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

8. O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 16.01.2017 (cfr. fls. 2 dos presentes autos).

2. De direito:

2.1. Vem requerida, em sede cautelar, a “suspensão de eficácia do Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público no Âmbito do processo número 7/2016-RMP-PD, que condenou o A. na pena de 25 dias de suspensão de funções”, e, ii) que seja “Dada ordem para o A. poder trabalhar e exercer as suas funções de Procurador Adjunto no Tribunal da Comarca de ………….., no Juízo e Secção a que se encontra adstrito”. Como se viu, a pretensão inicial foi ampliada, sendo ulteriormente requeridos a “suspensão dos efeitos do acto da Ordem de Serviço número 1/2017, de 10/1/2017, e, de igual forma, o decretamento provisório da presente providência, este último requerimento indeferido por despacho da relatora.

O CSMP, na sua oposição, deduz matéria exceptiva, mais especificamente a excepção de ilegitimidade processual passiva e a da incompetência do tribunal em razão da hierarquia. É por esta questão das excepções que deveremos começar a nossa apreciação.

2.1.1. Da excepção de incompetência do tribunal em razão da hierarquia

Na oposição que apresentou, o requerido sustenta que, no que respeita à ampliação do pedido cautelar formulada pelo requerente a fls. 190 e ss. dos autos, deve entender-se que este Supremo Tribunal carece de competência em razão da hierarquia, uma vez que em causa está um pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo emitido pelo Procurador da República Coordenador do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ………….., o qual não está incluído no elenco das entidades que figuram na al. a) do n.º 1 do artigo 24.º do ETAF, para cujos processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões este STA é o tribunal competente. Na sua resposta à oposição o requerente defende a improcedência da excepção em apreço. Vejamos.

Esta mesma excepção de incompetência do tribunal em razão da hierarquia foi deduzida no Processo Cautelar n.º 50/17, já com decisão prolatada, o qual envolve exactamente as mesmas partes, e relativamente, de igual modo, a ordem de serviço (in casu, a Ordem de Serviço número 1/2017, de 10/1/2017) destinada a promover a redistribuição de serviço na Procuradoria da Instância Local de ………….., em resultado da diminuição do número de Procuradores Adjuntos em exercício de funções. Subescrevendo inteiramente a solução aí encontrada, passamos a transcrever o excerto do mencionado aresto que trata, conforme se aludiu, de idêntica questão:

II. Decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do preceito em referência na sua conjugação com os arts. 24.º, n.º 2, 37.º e 44.º, todos também do ETAF, que a competência da Secção de Contencioso Administrativo do STA para o conhecimento em primeira instância dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões se mostra circunscrito aos atos ou omissões do elenco taxativo de entidades que ali constam e nos quais se incluem, no que aqui releva, apenas o «PGR» e o «CSMP».

III. O ato suspendendo ora em crise [ordem de serviço n.º 1/2017 PRC……… (redistribuição de serviço), datada de 10.1.2017, e inserta a fls. 181/182 dos presentes autos] não foi proferido ou é da autoria nem do «PGR», nem do «CSMP», mas antes do Procurador da República Coordenador junto da Comarca de ………….

IV. Nessa medida, não figurando o autor do ato em crise do elenco, taxativo frise-se, de entidades cujos atos e omissões são sindicados em 1.ª instância perante a Secção de Contencioso Administrativo do STA carece este Tribunal de competência para a apreciação da sua impugnabilidade [cautelar e principal], termos em que procede, sem necessidade de outros considerandos, a arguida exceção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecer do pedido cautelar ampliado com aquele objeto, ficando prejudicado, por inútil, o conhecimento das demais exceções de ilegitimidade processual passiva e de litispendência já que restritas e relativas apenas àquele pedido ampliado”.

Sem necessidade de mais considerações, na medida em que a solução aplicada no Processo Cautelar n.º 50/17 se pode aplicar, mutatis mutandis, ao caso dos autos, conclui-se, pois, pela procedência, no caso vertente, da excepção da incompetência em razão da hierarquia para conhecer do pedido cautelar ampliado com aquele objeto, ficando prejudicado, por inútil, o conhecimento da excepção de ilegitimidade processual passiva, também ela restrita ao pedido ampliado em apreço.

2.1.2. Da ilegalidade parcial da resposta à oposição de fls. 292 a 307 dos autos

Afirma o requerido CSMP que na sua resposta à oposição que “o Requerente aproveitou para contradizer matéria que não é de exceções, assumidamente nos artigos 1.º a 22.º, e sob invocação de pretensas ‘exceções vestidas de impugnação’, que manifestamente não se verificam, nos n.ºs 23.º a 27.º do seu requerimento”, pelo que “O que consta dos artigos 1.º a 27.º do articulado de resposta à oposição apresentado pelo Requerente deverá ser desconsiderado e tido por não escrito, em conformidade com o disposto no artigo 584.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (cfr. fls. 332-3 dos autos). Vejamos.

À semelhança do que sucedeu com a excepção da incompetência do tribunal em razão da hierarquia, também a questão que agora se apresenta foi colocada e tratada no Processo Cautelar n.º 50/17, com solução que igualmente subscrevemos na íntegra, a qual decorre do excerto do aresto em questão que passamos a transcrever:

VI. Constitui defesa por exceção a alegação de factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo demandante, determinam a improcedência total ou parcial do pedido [cfr. 2.ª parte do n.º 2 do art. 571.º do CPC ex vi do art. 01.º do CPTA].

VII. Face ao teor e termos do articulado de oposição apresentado nos autos, donde, claramente, se extrai a dedução de defesa por exceção [cfr., nomeadamente, a alegação de acervo factual a considerar para efeitos do juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do art. 120.º do CPTA e, bem assim, as exceções dilatórias suscitadas nos termos explanados nos arts. 176.º/200.º daquela peça processual], assistia ao requerente o direito de produzir resposta, resposta essa confinada àquilo que, na oposição deduzida, constituiu defesa por exceção [cfr. arts. 02.º, 06.º, e 85.º-A do CPTA, 03.º, 574.º, 575.º e 587.º todos do CPC].

VIII. Analisada resposta produzida pelo requerente e que se mostra inserta a fls. 363 e segs. temos que a mesma, efetivamente, extravasou em parte aquilo que eram os limites supra apontados já que o ali alegado, querendo contraditar o posicionamento expresso pelo requerido, mormente, nos arts. 07.º, 11.º, 121.º, 136.º, 137.º, 144.º e 149.º da sua oposição, não se mostra legítimo e operante.

IX. Na verdade, o alegado e sustentado nos referidos artigos não constituía ou integrava matéria ou defesa por exceção, antes envolvendo defesa por impugnação em consonância com o enquadramento legal desta que se mostra inserto na 1.ª parte do n.º 2 do art. 571.º do CPC, e, como tal, não autorizava ou legitimava a produção de resposta nesse âmbito [em concreto, a alegação inserta nos arts. 01.º a 20.º da resposta].

X. Assim, sendo admissível e legítima a dedução in casu de resposta por parte do requerente temos, todavia, que a pronúncia que foi produzida pelo mesmo naquele estrito domínio se terá de considerar como inoperante, assistindo, por conseguinte, parcial razão ao requerido o que se declara”.

Uma vez mais sem necessidade de mais considerações, conclui-se que o requerente cautelar extravasou, nos artigos 1.º a 27.º do articulado de resposta à oposição, os limites do que é legalmente admissível em termos de contraditório, devendo, em consonância, considerar-se como inoperante o aí exposto, assistindo parcial razão ao requerido, o que, hic et nunc, se declara.

2.3. Da inutilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos cautelares

O requerente cautelar, no requerimento de fls. 361 a 364 dos autos (agora fls. 391 a 394), coloca a questão da inutilidade superveniente da lide, o que faz do seguinte modo:

“O A. foi notificado da suspensão do exercício de funções no dia 6 de Janeiro de 2017.
Por sua vez o CSMP foi citado para os efeitos da presente acção, no dia 25 de Janeiro de 2017, produzindo efeitos imediatos a suspensão de eficácia da suspensão. No entanto, apesar das insistências do requerente, o mesmo foi impedido de exercer as suas funções [nota 1: Conforme missivas trocas entre o signatário e a Procuradoria de …………. e juntas aos autos], até à entrada do requerimento de resolução fundamentada, realizada no Âmbito do processo 50/2017.

Sem cuidarmos aqui, de qual o momento em que essa resolução fundamentada produz efeitos, (se pela simples entrada no processo, se pela notificação do requerente da mesma, ou, se pela sua admissão) [nota 2: Que segundo se julga nem sequer foi ainda admitida no âmbito do processo 50/2017], a verdade é que, face a esse impedimento voluntário por parte da ‘Entidade Patronal’, do requerente poder exercer as suas funções como trabalhador, há muito que já foram cumpridos os 25 dias da suspensão de funções, que se pretendiam ser ‘coartadas’ pela presente providência.

Julga-se, sem prejuízo da apreciação das duas questões supra elencadas e mesmo da validade jurídica da oposição por parte da entidade patronal de permitir que o requerente exercesse as suas funções de trabalhador, que estamos perante uma inutilidade superveniente da presente lide por comportamento totalmente imputável ao requerido.
Aliás, para os efeitos da atribuição de culpabilidade, relevante, p. ex. para efeitos de pagamento de custas processuais, acreditamos ser importante ver apreciada a questão do incumprimento por parte da requerida, dos efeitos da citação de uma providência cautelar – impossibilidade de execução de acto cautelarmente impugnado!”.

Notificado para se pronunciar sobre a questão da inutilidade superveniente da lide o requerido nada disse. Vejamos.

A questão da inutilidade superveniente da lide foi, também ela, colocada no Processo Cautelar n.º 50/17, embora com fundamento distinto daquele que sustenta o pedido deduzido nos presentes autos. Ainda assim, importa considerar o que aí foi dito, designadamente quanto à ratio da figura da inutilidade superveniente da lide, sendo certo que se pode aplicar, mutatis mutandis, ao caso dos autos.

XII. A utilidade dum meio contencioso corresponde à sua utilidade específica, não podendo aquela utilidade ser dissociada das possibilidades legais que esse meio pode proporcionar para a satisfação dos direitos ou interesses legítimos que os interessados pretendem fazer valer e tutelar por seu intermédio, não relevando para esse efeito as consequências indiretas, reflexas ou colaterais.

XIII. Ora a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente só pode operar ou ocorrer quando, por facto ocorrido na pendência da mesma, a pretensão do demandante não se possa manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do esquema da providência/pretensão deduzidas, sendo que, num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar.

XIV. Por outras palavras, tal impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, verifica-se, pois, quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do demandante não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objeto do processo, consubstanciando-se naquilo a que a doutrina processualista designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa de extinção normal será decisão de mérito.

XV. É que a relação processual tem como elementos os sujeitos [partes e/ou interessados] e o objeto [pedido e causa de pedir], pelo que se, depois de iniciada a instância, um destes elementos deixar de existir a relação processual fica desprovida dum dos seus elementos essenciais e, como tal, sucumbe visto se ter tornado impossível ou inútil a decisão final a tomar sobre a pretensão deduzida.

XVI. Impõe-se, ainda, que na ponderação quanto à manutenção da utilidade de forma/meio processual do contencioso administrativo se parta da pretensão subjacente do demandante que é a de afastar a lesão de que foi alvo o seu direito ou interesse legítimo por ação ou omissão do demandado, repondo e reconstituindo a situação jurídica subjetiva em questão.


XVII. Note-se, contudo, que tal ponderação não pode fazer-se, como referido, em abstrato, porquanto a avaliação da utilidade da lide tem de ser feita não por simples referência ao meio contencioso ou processual em abstrato, mas atendendo à configuração individual e concreta do pleito “sub specie”, “maxime” ao pedido que no mesmo foi deduzido.

XVIII. Por outro lado, ao tribunal só será legítimo julgar extinta a instância fundado nessa causa [inutilidade ou impossibilidade da lide] se estiver em condições de emitir um juízo apodítico acerca da ocorrência superveniente da inutilidade já que a extinção da instância nos termos do art. 277.º, al. e) do CPC exige uma certeza absoluta da inutilidade a declarar”.

Partindo do enquadramento teórico acima exposto, vejamos se, in casu, procede o pedido do requerente cautelar agora em análise.

O requerente foi sancionado com uma pena de 25 dias de suspensão de exercício no âmbito de processo disciplinar que contra ele foi instaurado pelo CSMP. Nos termos do acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, determinou-se que, “«(…) tudo visto e ponderado, aderindo-se à proposta do senhor instrutor, delibera-se considerar justa e adequada a aplicação ao arguido da pena de suspensão por 25 (vinte e cinco) dias com os efeitos previstos nos art.ºs 170.º, n.º 1 e 175.º, n.º 4 do EMP»”. O referido acórdão, objecto de reclamação para o Plenário do CSMP, foi “integralmente” mantido (cfr. doc. de fls. 122 a 186).

A suspensão de funções relativa ao cumprimento de pena foi notificada ao requerente cautelar em 06.01.17, começando a sanção aplicada a produzir efeitos no dia seguinte ao da notificação, conforme disposto no artigo 223.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aplicável ao Ministério Público ex vi do artigo 216.º, da Lei n.º 47/86, de 15.10, Estatuto do Ministério Público (EMP), na versão presentemente em vigor.

O requerido foi citado por carta registada com AR em 24.01.17. Como é sabido, o requerente cautelar foi objecto igualmente de um processo de inspecção e, por deliberação da Secção de Apreciação do Mérito Profissional do CSMP, de 11.05.16, foi decidido atribuir-lhe a classificação de Medíocre, classificação essa que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 110.º do EMP, implica a suspensão imediata do exercício de funções e a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício, o que também foi determinado (cfr. o ponto VIII da matéria de facto dada como assente no Processo Cautelar n.º 50/17, consultável in www.dgsi.pt/jsta). Poderia, deste modo, colocar-se a questão de saber se entre a suspensão preventiva de funções e a suspensão do exercício de funções em cumprimento de pena existe uma relação de consunção ou se esta última suspensão só produziria efeitos após o termo daquela primeira suspensão, questão fundamental para se aquilatar da verificação ou não da situação de inutilidade superveniente da lide no caso vertente. Todos os dados constantes dos autos apontam no sentido de que o CSMP considerou a primeira hipótese. Assim, veja-se, desde já, a Informação do Gabinete de Coordenação do Ministério Público da Comarca de …………….., na qual se afirma que “A suspensão de funções correu automaticamente com as duas notificações no passado dia 06 de janeiro, ambas efetuadas através desta Coordenação, a solicitação expressa da PGR, via PGD de Coimbra, a saber: do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público proferido no Processo nº 110/2015-RMP, da qual consta, nomeadamente (…) «Mais foi notificado de que a suspensão do exercício de funções, nos termos do art. 110º, nº 2, do Estatuto do Ministério Público implica, além do mais, o afastamento completo do serviço, a partir da data da presente notificação (…)» e do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público proferido no Processo nº 7/2016-RMP-PD, da qual consta, nomeadamente(…) «Mais foi notificado de que a pena disciplinar de SUSPENSÃO DE EXERCÍCIO, aplicada pela deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, implica, além do mais, o afastamento completo do serviço durante o período da pena (…)»”. A reter, ainda, a deliberação da Secção Disciplinar do CSMP, de 20.04.17, pela qual, entre outras coisas, se determinou “o arquivamento dos presentes autos de inquérito disciplinar no tocante à questão da inaptidão funcional do arguido Sr. Dr. A…………….. para o exercício do cargo de Procurador-Adjunto”, e “o levantamento imediato da suspensão de funções a que o arguido está atualmente sujeito, aplicada ao abrigo do n.º 2 do art. 110.º do EMP, devendo o magistrado apresentar-se ao serviço no dia seguinte ao da notificação da presente deliberação” (cfr. o ponto XVII da matéria de facto dada como assente no Processo Cautelar n.º 50/17, consultável in www.dgsi.pt/jsta). Não obstante tratar-se de deliberação proferida no âmbito do inquérito por inaptidão para o exercício de funções, de que cuidou o Processo Cautelar n.º 50/17, é de realçar que nenhuma referência é feita à hipotética necessidade de cumprir os restantes dias de suspensão relativos ao cumprimento de pena disciplinar, antes pelo contrário se intimando, sem mais, o magistrado a apresentar-se com brevidade ao serviço. Por último, há ainda que sublinhar a circunstância de que o CSMP, devidamente notificado por despacho da relatora para se pronunciar sobre a verificação da situação de inutilidade superveniente da lide, optou por nada dizer, o que, conjugado com os elementos anteriormente apresentados aponta, como já mencionámos, para a ideia de que também o CSMP considera que a pena de suspensão de 25 dias já foi, entretanto, cumprida. Ora, a inutilidade superveniente da lide, enquanto causa de extinção da instância – nos termos da al. e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA –, verifica-se quando, já após a instauração da causa, ocorrem circunstâncias que inviabilizam o pedido na medida em que tornam impossível a obtenção do objectivo pretendido com a acção, por o mesmo já ter sido alcançado através de outro meio ou por já não poder sê-lo, desta forma se afigurando desnecessário que sobre ela recaia pronúncia judicial, porque inútil. Assim sendo, se o objectivo da presente providência cautelar era o de obstar ao cumprimento da pena disciplinar e se esta já se encontra cumprida (solução a que se pode chegar, in casu, sem necessidade de tomar posição relativamente à questão da consunção dos períodos de suspensão), há que concluir no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, assistindo, pois, razão ao requerente, sendo certo que as causas de inutilidade superveniente da lide são também de conhecimento oficioso.

3. Pagamento das custas

No mesmo requerimento em que requer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o requerente cautelar afirma que, “para os efeitos da atribuição de culpabilidade, relevante, p. ex. para efeitos de pagamento de custas processuais, acreditamos ser importante ver apreciada a questão do incumprimento por parte da requerida, dos efeitos da citação de uma providência cautelar – impossibilidade de execução de acto cautelarmente impugnado!”. Estamos convictos de que a preocupação quanto à questão de culpabilidade se cinge à questão das custas, sob pena de se considerar que o requerente formulou duas pretensões contraditórias, o que não parece ter sido sua intenção. Atentemos, então, na questão do pagamento das custas.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 536.º do CPC (Repartição das custas), aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, “Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais”. O n.º 2 deste preceito elenca um conjunto de situações em que se considera ter ocorrido uma alteração de circunstâncias não imputável às partes, nenhuma delas se verificando no caso dos autos. O seu n.º 3 determina que “Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”. Por último, o n.º 4 do preceito em análise dispõe do seguinte modo: “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas”.

Como se aludiu anteriormente, o requerente cautelar entende que a culpa pela verificação da situação de inutilidade superveniente da lide cabe ao requerido. Já o requerido não se pronunciou sobre o assunto, sendo certo que, como supra referido, tudo indica que considera que a sanção disciplinar de suspensão de exercício de funções já foi cumprida, devendo, pois, assumir-se que entende, outrossim, que a resolução fundamentada que apresentou no âmbito do Processo Cautelar n.º 50/17 determinou o recomeço da contagem dos dias de suspensão de funções correspondentes à sanção disciplinar aplicada. Ou seja, o requerido CSMP praticou um acto que possibilitou o cumprimento da sanção disciplinar durante o decurso do processo cautelar. Todavia, afirmar-se ser ele culpado pela inutilidade superveniente da lide representa um verdadeiro contrasenso. Com efeito, para evitar o cumprimento da sanção disciplinar no decurso do processo o requerido teria de se abster de emitir resolução fundamentada. Ora, isso não só o obrigaria a abrir mão de um instrumento que a lei lhe concede para, justamente, obstar às consequências da sua citação nos autos – ou seja, à suspensão dos efeitos do acto que praticou e que tem todo o interesse em ver cumprido –, como implicaria, de certa forma, que ele tivesse o dever de impedir o cumprimento da sanção disciplinar, dever este que não lhe é legalmente imposto. Cumpre ainda dizer que o argumento do requerente, segundo o qual, para efeitos de determinação da ‘culpabilidade’ do requerido, nomeadamente quanto ao pagamento das custas, é importante “ver apreciada a questão do incumprimento por parte da requerida, dos efeitos da citação de uma providência cautelar – impossibilidade de execução de acto cautelarmente impugnado”, não colhe, haja em vista que o CSMP estaria a actuar em conformidade com aquelas que são as consequências legais da emissão de uma resolução fundamentada. Assim sendo, uma vez que a impossibilidade ou inutilidade não é imputável ao requerido, a responsabilidade pelas custas fica a cargo exclusivamente do requerente, aplicando-se, portanto, ao caso dos autos o n.º 3 do artigo 536.º do CPC.

4. Em face de todo o exposto, e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, fica prejudicado o conhecimento do mérito da providência cautelar intentada pelo requerente.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas a cargo do requerente.

Lisboa, 12 de julho de 2017. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.