Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0325/13
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
SUBIDA IMEDIATA
DIREITO A TUTELA JUDICIAL EFECTIVA
Sumário:I – A subida imediata da reclamação nas situações previstas no nº 3 do art. 278º, do CPPT tem por fundamento a existência: (i) de um acto lesivo de posições jurídicas processuais do executado; (ii) cuja legalidade pode causar prejuízos irreparáveis; (iii) a invocação do facto ou factos de que deriva o prejuízo irreparável.
II – Para além das situações elencadas no nº 3 do art. 278º do CPPT, deve assegurar-se a subida imediata das reclamações, mesmo que a subida diferida não provoque uma lesão irreparável, sempre que, sem a subida imediata, elas percam toda a utilidade, situação que conduziria à impossibilidade prática de impugnação de actos lesivos praticados pela Administração, com violação do preceituado nos artigos 20º, nº 1, 3 e 268º, nº 4, da CRP.
III – Num contexto em que se discute o valor da garantia a prestar e se o processo fiscal deve ou não prosseguir, admitindo-se que possa até estar suspenso, a continuação da execução, relegando a sua apreciação para “depois de realizada a penhora e a venda”, permite prognosticar que em caso de deferimento da reclamação a mesma perderá toda a sua utilidade, o seu efeito prático, com o consequente prejuízo irreparável.
Nº Convencional:JSTA000P15447
Nº do Documento:SA2201303130325
Data de Entrada:02/26/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO

1. A……………, identificada nos autos, apresentou reclamação, no Tribunal Tributário de Lisboa, do despacho de 19/07/2012 do Chefe de Finanças de Lisboa 7, que determinou a prestação de garantia no valor de € 2.260.896,78, para suspensão da execução fiscal a correr termos naquele serviço de finanças, sob o nº. 3239200701032089.

1.1. Naquele Tribunal ficou decidido que só seria de conhecer da reclamação quando, depois de realizada a penhora e a venda, o processo lhe fosse remetido a final, pois só nesse caso, o processo assumiria a natureza de urgente.

2. Não se conformando com a sentença, a então reclamante veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes Conclusões das suas Alegações:
“1.ª Vem o presente recurso interposto da Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 21 de Dezembro de 2012, proferida nos autos do proc.° n° 2780/12.IBELRS, a qual julgou ser de rejeitar a reclamação deduzida pela ora Recorrente, A…………….., com o fundamento de que não se verificam os pressupostos de subida e conhecimentos imediatos da reclamação deduzida, “abstendo-se de conhecer do mérito da mesma”.
2.ª O recurso deverá tramitar com processo urgente — artigos 278.°, n.° 5 do CPPT e 36.°, n.° 2 e 147.° do CPTA —, subir nos próprios autos - artigos 97.°, n.° 1, alínea n) e 278.°, n.° 1 do CPPT —, imediatamente — artigos 691.°, n.° 2, alínea m) do CPC — e com efeito suspensivo — artigos 692.°, n.° 4 do CPC e 286º, n° 2, in fine, do CPPT.
3.ª Sem fixar qualquer factualidade dada como assente naquela Sentença, julgou o Tribunal a quo que “a presente reclamação carece manifestamente de carácter urgente uma vez que não vem alegado e demonstrado qualquer prejuízo irreparável com a prática do acto reclamado”.
4.ª Acrescentou o Tribunal a quo, certamente por lapso, “não se estar perante qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 278.°, n.° 3 do C.P.P.T.” votando o conhecimento da reclamação, sem mais, para ulterior momento, após “realizada a penhora e a venda”.
5.ª Ora, não podem restar dúvidas de que a determinação de prestação de garantia superior à devida, tal como expressamente invocada pela ora recorrente, é precisamente um dos fundamentos de prejuízo irreparável de que a própria lei faz depender a subida e conhecimento imediato do pedido.
6.ª A Meritíssima Juiz a quo fez na Sentença ora recorrida uma errada interpretação e aplicação do direito, nela se detectando normas jurídicas que foram violadas, as quais impunham diferente decisão, na qual, pelo menos, se conhecesse de imediato da reclamação deduzida.
7.ª Fundamentou-se a decisão em que a reclamante não invocou prejuízo irreparável, pressuposto que é, em toda a linha, falso. Como resulta claro do respectivo articulado, a ora recorrente deduziu reclamação contra o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7 de fixação de garantia a prestar no montante de € 2.260.896,78 com fundamento em prejuízo irreparável previsto no n.° 3 d) do artigo 278° do CPPT.
8.ª Todo o articulado inicial da ora recorrente foi elaborado e minutado sob a alegação e tendente demonstração de que a garantia fixada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7 é manifestamente superior à garantia que jamais seria devida no processo de execução fiscal destes autos, senão mesmo indevida in totum.
9.ª A ora recorrente alegou e demonstrou, designadamente, que o acto de liquidação de imposto a que respeita a dívida da presente execução tem o valor de € 1.327.969,03 pelo que o valor da garantia fixado no acto reclamado — € 2.260.896,78 (!) — só pode ser, como é, manifestamente exagerado; rectius, superior ao legalmente devido.
10.ª Dizer, nas circunstâncias assim sucintamente elencadas, “não se estar perante qualquer situação que se funde ou seja susceptível de causar prejuízo irreparável à reclamante” nem perante “qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 278.° C.P.P.T” para logo concluir que apenas se conheça da reclamação “depois de realizada a penhora e a venda” é, perdoe-se a expressão, um grotesco atropelo das garantias procedimentais e processuais que a lei e a Constituição asseguram aos contribuintes, configurando, em particular, nada mais do que uma interpretação contra legem do disposto no n.° 3 d) e n.° 5 do artigo 278.° do CPPT.
11.ª Como é óbvio, obrigar a recorrente a prestar uma garantia por um valor superior à dívida exequenda de cerca de um milhão de euros em cerca de outro milhão de euros — que se reputa de indevido ou no mínimo superior ao legalmente devido —, remetendo a apreciação dessa questão para “depois de realizada a penhora e a venda” retira qualquer utilidade à reclamação e induz a um evidente — intuitivo, palmar e resultante da natureza das coisas — prejuízo irreparável.
12.ª A subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação e a imposição desse regime, a manter-se, reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático mais tarde. Tal circunstância seria então incompatível com a Lei Geral Tributária e o referido sentido da lei de autorização legislativa (Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro).
13.ª As ilegalidades praticadas no processo de execução fiscal constantes do catálogo legal são, na perspectiva do legislador — ex lege —, determinantes de prejuízo irreparável, o que justifica a subida imediata da reclamação para apreciação pelo tribunal tributário (art° 278.° n.° 3 CPPT).
14.ª Subindo a final, o eventual deferimento da reclamação poderá revelar-se totalmente inócuo para o efeito pretendido, de adequação da garantia prestada ao fim a que se destina na execução, inviabilizando a devida defesa dos direitos e interesses da ora recorrente.
15.ª Razão por que não pode colher a argumentação tecida na decisão recorrida no sentido de que não se verificam os pressupostos de subida e conhecimentos imediatos da reclamação deduzida, sendo, portanto, de revogar o seu dispositivo que se absteve de conhecer do mérito da mesma. Em suma, deve a reclamação ser imediatamente apreciada, não podendo manter-se a decisão recorrida que em diferente entendimento laborou.
Termos em que, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogada a decisão recorrida, ordenando-se a descida dos autos ao tribunal recorrido para que a reclamação seja apreciada de imediato, se a tal nada mais obstar.

3. Não houve contra-alegações.

4. O Ministério Público emitiu parecer onde se conclui “(…) há que reconhecer que o prejuízo irreparável não dependeria a final de outra alegação, sendo “automaticamente” de reconhecer, nos casos enquadráveis nas alíneas desse n.º 3, conforme vem se entendendo nos acórdãos do S.T.A. de 10-10-12 e de 9-1-13, proferidos nos processos 0943/12 e 1437/12, acessíveis em www.dgsi.pt
No mesmo sentido vai a doutrina citada, que apenas em geral refere a necessidade de alegação específica a esse propósito) ou a tal ser de dar lugar, havendo “alargamento dos casos de subida imediata” — cfr. ainda ponto 5 do art. 278.º do citado C.P.P.T. Anotado e Comentado, de Jorge Lopes de Sousa, vol. IV, p. 305-306.
4. Concluindo, o recurso parece ser de improceder; no entanto, caso se entenda o enquadramento do caso na invocada d) do n.º 3 do art. 278.º do C.P.P.T. o recurso teria de proceder, com a consequência de se anular o decidido”.

4. Sem vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir

II - FUNDAMENTOS

1- DE FACTO E DE DIREITO

1. A…………….., através de representante, apresentou reclamação, no Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto no art. 276º do CPPT, do despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Lisboa -7, que determinou a prestação de garantia no valor de € 2.260.896,78 para suspensão da execução fiscal a correr termos naquele serviço de finanças sob o nº 3239200701032089, alegando, em síntese:
- a falta de fundamentação do despacho relativamente à quantificação do valor da garantia a prestar, limitando-se a indicar o valor da garantia e o valor em dívida no PEF que ascende a €1.790.920, 24;
- a falta de notificação ou citação para uma execução de semelhante valor;
- o acto de liquidação, que está na base da execução fiscal tem o valor de € 1.327.969,03 muito aquém do alegado valor em dívida;
- o acto de liquidação de uma dívida anterior no valor de €2.726.688,95 foi entretanto anulado;
- a prestação de garantia deve considerar-se inteiramente indevida, desde logo, porque o próprio processo de execução se deve considerar extinto por falta de título executivo, nos termos dos artigos 162º e seguintes e do artigo 176º 1 b) do CPPT, em virtude da anulação em Maio de 2011, do acto de liquidação que lhe deu azo.
A reclamante conclui que, determinando o acto reclamado a prestação de uma garantia claramente superior à devida, tem fundamento em prejuízo irreparável, nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 278º do CPPT, requerendo a sua subida imediata e a anulação do mesmo.
Notificada a Fazenda Pública para contestar, a mesma invocou que a reclamação devia subir a final, por entender que não foi alegado prejuízo irreparável nem indicados factos que consubstanciem aquele prejuízo.
Por sentença proferida, em 21/12/2012, no Tribunal Tributário de Lisboa, a Mmª Juíza “a quo” decidindo a questão prévia da subida imediata da reclamação, conclui que o Tribunal só conhecerá da reclamação a final, depois de realizada a penhora e a venda, por a situação não caber em qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do art. 278º, nº 3, do CPPT.
É contra esta decisão que vem o presente recurso, alegando, em síntese, a recorrente:
· “(…) O recurso deverá tramitar como processo urgente — artigos 278.°, n.° 5 do CPPT e 36.°, n.° 2 e 147.° do CPTA —, subir nos próprios autos - artigos 97.°, n.° 1, alínea n) e 278.°, n.° 1 do CPPT —, imediatamente — artigos 691.°, n.° 2, alínea m) do CPC — e com efeito suspensivo — artigos 692.°, n.° 4 do CPC e 286º, n° 2, in fine, do CPPT.
· “(…) Sem fixar qualquer factualidade dada como assente naquela Sentença, julgou o Tribunal a quo que “a presente reclamação carece manifestamente de carácter urgente uma vez que não vem alegado e demonstrado qualquer prejuízo irreparável com a prática do acto reclamado”.
· “(…), não podem restar dúvidas de que a determinação de prestação de garantia superior à devida, tal como expressamente invocada pela ora recorrente, é precisamente um dos fundamentos de prejuízo irreparável de que a própria lei faz depender a subida e conhecimento imediato do pedido.
· “(…) Como resulta claro do respectivo articulado, a ora recorrente deduziu reclamação contra o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7 de fixação de garantia a prestar no montante de € 2.260.896,78 com fundamento em prejuízo irreparável previsto no n.° 3 d) do artigo 278° do CPPT.
· “(…) A ora recorrente alegou e demonstrou, designadamente, que o acto de liquidação de imposto a que respeita a dívida da presente execução tem o valor de € 1.327.969,03 pelo que o valor da garantia fixado no acto reclamado — € 2.260.896,78 (!) — só pode ser, como é, manifestamente exagerado; rectius, superior ao legalmente devido.
· “(…) Dizer, nas circunstâncias assim sucintamente elencadas, “não se estar perante qualquer situação que se funde ou seja susceptível de causar prejuízo irreparável à reclamante” nem perante “qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 278.° C.P.P.T” para logo concluir que apenas se conheça da reclamação “depois de realizada a penhora e a venda” é, perdoe-se a expressão, um grotesco atropelo das garantias procedimentais e processuais que a lei e a Constituição asseguram aos contribuintes, configurando, em particular, nada mais do que uma interpretação contra legem do disposto no n.° 3 d) e n.° 5 do artigo 278.° do CPPT.

Em face do exposto, a questão central que se discute é a de saber se a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento quando decidiu pela procedência de questão prévia suscitada, concluindo que o tribunal só deve conhecer da reclamação depois de realizada a penhora e a venda, por não se estar perante qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do art. 278º, nº 3, do CPPT.

2. Impõe-se começar por conhecer da questão prévia do efeito devolutivo conferido ao recurso pela Mmª Juíza “a quo”.
Alega a recorrente que o presente recurso deve ter efeito suspensivo e afigura-se que tem razão. Na verdade, sem esse efeito e com o prosseguimento imediato da execução, na sequência da sentença recorrida, em caso de eventual provimento o mesmo ficaria privado de qualquer utilidade, ao arrepio do disposto no nº 2 do art. 286º do CPPT.

3. Quanto à questão de mérito, como alega a recorrente, a Mmª Juíza “a quo” não fixou matéria de facto, mas a resposta à questão posta gira em torno de saber se a situação sub judice cabe ou não em alguma das situações previstas no nº 3 do art. 278º do CPPT, tal como invoca a recorrente e resulta da sentença recorrida.
Com efeito, a dado passo pode ler-se que “Afigura-se, pois, manifesto que o legislador, ao estabelecer um regime excepcional à regra de subida diferida das reclamações ao tribunal tributário, só após a realização da penhora e da venda, delimitou com precisão as situações subsumíveis àquele e que se resumem às descritas nas alíneas a) a d) do referido preceito.
“In casu, alega a reclamante que a garantia prestada é superior ao montante da dívida exequenda e que, além disso o processo executivo se deve considerar extinto ou subsidiariamente nulo ou suspenso.
Ora, apesar da situação sub judice se afigurar subsumível ao preceituado na alínea d) do preceito supra transcrito e se bem que, alguma doutrina defenda que o elenco das situações susceptíveis de causar prejuízos irreparáveis possam exorbitar as descritas nas alíneas do mencionado normativo, é porém inequívoco que a subida imediata nos casos ali previstos (n.°3 do artigo 278.°), quer os ali não previstos expressamente, só poderá suceder, desde que se revele a possibilidade da ocorrência prejuízos daquela natureza”.
Cumpre, pois, proceder à interpretação deste preceito nos termos do n.° 3 do artigo 9.° do Código Civil, tendo em consideração que na fixação do sentido e alcance do mesmo se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Por conseguinte, a própria sentença recorrida reconduz a questão a mero problema de eventual errada interpretação e aplicação de normas jurídicas.
Vejamos.

4. Nos termos os do citado artigo 278.°, n.° 1 do CPPT, “O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.”
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, p. 300.), “[e]stabelece-se, neste artigo, a regra da subida diferida das reclamações ao tribunal tributário, após a realização da penhora e venda”, o que encontra justificação por a reclamação “dever processar-se no próprio processo de execução fiscal [arts. 101º, alínea d), da LGT e 97º, nº 1, alínea n), do CPPT] e a subida imediata da reclamação afectar a desejada celeridade do processo de execução fiscal”.
Porém, o nº 3 do mesmo preceito estabelece-se excepções a esta regra da subida diferida, admitindo-se a subida imediata quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
“a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.”
As situações apontadas, são aquelas que o legislador ponderou e valorou como sendo susceptíveis de causarem prejuízo irreparável, como resulta da letra do preceito quando se utiliza a expressão “O disposto no nº 1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das ilegalidades” elencadas a seguir.
Assim sendo, a subida imediata da reclamação, segundo o que ficou firmado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 15/2/2012, proc nº 61/12, “tem por fundamento a existência: (i) de um acto lesivo de posições jurídicas processuais do executado; (ii) cuja ilegalidade pode causar prejuízos irreparáveis, se não for imediatamente eliminada”. Sendo certo que, além do mencionado, “o reclamante que pretenda a subida imediata deverá invocar a existência desse prejuízo irreparável, com indicação do facto ou factos de que ele deriva” (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação ao art. 278, ponto 7, p. 309.).
No caso sub judice, se bem se compreende a sentença recorrida, num primeiro momento, a Mmª Juíza “a quo” começou por recortar a questão subsumindo-a ao problema de saber se a mesma caía ou não na alínea d) do nº 3 do art. 278º do CPPT, tendo concluído que sim.
E, na verdade, invocando a recorrente que o Órgão de Execução Fiscal lhe exige ilegalmente a prestação de garantia por um valor superior à devida, a situação caberia, à partida, no preceito atrás mencionado. Quando o legislador se refere à “garantia indevida ou superior à que seria devida”, prevista na alínea d) do nº 3 do art. 278º do CPPT, deve entender-se que tais situações cabem “mesmo por mera interpretação declarativa, os casos em que seja determinado, indevidamente, um reforço de garantia prestada ou em que seja recusado pedido de dispensa da sua prestação” ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pp. 304-305.).
No entanto, no caso em apreço, a Mmª Juíza “a quo” conclui que a reclamante, não obstante a sua situação se subsumir na alínea d) do nº 3 do art. 278º do CPPT, “não alega nem comprova a possível existência de prejuízos e muito menos o seu carácter irreparável, isto é, não está comprovada quer a existência de prejuízos quer a sua qualificação de irreparáveis, no sentido supra referido da sua extensão poder ser avaliada pecuniariamente, não se vislumbrando, assim, a existência ou a possibilidade de ocorrência de prejuízo irreparável causado por algumas das ilegalidades previstas no nº 3 do artigo 278º do C.P.P.T”.
Por conseguinte, para a Mmª Juíz “a quo”, na situação dos autos não vem invocado prejuízo irreparável que justifique e reclame a subida imediata da reclamação.
Com o devido respeito, afigura-se que a sentença recorrida não faz correcto julgamento no caso em apreço.
Não se discutindo se a recorrente fez ou não prova da irreparabilidade do prejuízo, até pela ausência de base factual firmada para tal, a verdade é que a situação, tal como recortada pela sentença recorrida, é por si idónea a justificar a subida imediata da reclamação, como passamos a demonstrar.
Como diversas vezes tem sido considerado pela jurisprudência deste Tribunal, as ilegalidades elencadas no nº 3 do art. 278º do CPPT não são as únicas situações justificadoras da subida imediata da reclamação.
Assim, ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 15/12/2012, tendo a reclamação como objecto “«actos materialmente administrativos» (nº 2 do artigo 103º da LGT), que «afectam os direitos e interesses legítimos» que o executado pode fazer valer no processo (art. 276º do CPPT), não pode deixar de se interpretar extensivamente o nº 3 do artigo 278º, de modo a abranger também os demais actos causadores de prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do executado.
Na verdade, não deixaria de constituir uma restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da garantia da via judiciária (cfr. art. 20º e nº 4 do art. 268º da CRP) se o conhecimento da impugnação de um acto lesivo praticado pelo órgão de execução fiscal fosse postergado para um momento em que os seus efeitos já se consumaram. Ora, a forma de evitar que tais actos criem situações de facto consumado ou de prejuízo irreparável é conhecer imediatamente do mérito da impugnação e não diferir a sua apreciação para o final do processo.
Sendo esse o espírito do nº 3 do art. 278º do CPPT, então há que alargar a sua norma, porventura fechada numa perspectiva casuística, a todas as reclamações cuja retenção tornaria irreparável ou irreversível a efectivação dos direitos e interesses do executado (cfr. acs. do STA. de 27/7/05, rec. nº 0897/05, de 16/8/2006, rec nº 06896, de 23/5/07, rec. nº 0374/07, de 28/11/2007, rec. nº 098/07, de 6/3/08, rec. nº 058/08 e do Pleno do CT, de 6/7/11, rec. nº 0459/11)”.(…)
“Por conseguinte, só há prejuízo irreparável quando a retenção da reclamação a torne absolutamente inútil para os direitos e interesses que reclamante pretende assegurar na execução. Isso obriga, por vezes, a ter que se fazer um juízo de prognose, de forma a prever se é ou não provável que da retenção da reclamação não advenham quaisquer vantagens para o reclamante, por a revogação da decisão reclamada já não provocar quaisquer efeitos práticos. (…).
No mesmo sentido, defende JORGE LOPES DE SOUSA que deve assegurar-se a subida imediata das reclamações, mesmo que a subida diferida não provoque uma lesão irreparável, sempre que, sem a subida imediata, elas percam toda a utilidade. É que, como bem salienta o Autor, “[s]e não se assegurasse a subida imediata das reclamações que, com subida diferida, perdem toda a sua utilidade, estar-se-ia a admitir situações em que, ao fim e ao cabo, não haveria possibilidade de reclamação de actos lesivos praticados no processo de execução fiscal, pois ela também não poderia ser admitida a final, quando já estivesse irremediavelmente comprometida a sua utilidade (…)” o que conduziria à impossibilidade prática de impugnação de actos lesivos praticados pela Administração, que seria materialmente inconstitucional, por violação do preceituado nos arts. 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da CRP (Cfr. ob. cit., anotação ao art. 278º do CPPT, ponto 6, p. 307.).”
Aplicando a doutrina e jurisprudência atrás mencionadas ao caso em análise, afigura-se que assiste razão à recorrente quanto à subida imediata da presente reclamação, como passamos a demonstrar.
Como vimos, constitui objecto da presente reclamação o despacho do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 7, que determina à recorrente a prestação de garantia no valor de €2.260.896,78, quando o montante da dívida exequenda é de €1.790.920,24, sendo que a sentença recorrida reconhece que “a garantia prestada é superior ao montante da dívida exequenda”.
Por outro lado, como também se pode ler na sentença recorrida, a recorrente invocou, além da garantia exigida ser indevida, que “o processo executivo se deve considerar extinto ou subsidiariamente nulo ou suspenso”.
Ora, num contexto em que se discute o valor da garantia a prestar e se o processo fiscal deve ou não prosseguir, admitindo-se que possa até estar suspenso, a continuação da execução, relegando a sua apreciação para “depois de realizada a penhora e a venda”, como se defende na sentença recorrida, permite prognosticar que em caso de deferimento da reclamação a mesma perderá toda a sua utilidade, o seu efeito prático, com o consequente prejuízo irreparável.
Na verdade, afigura-se, que assiste razão à recorrente quando alega que “(…) obrigar a recorrente a prestar uma garantia por um valor superior à dívida exequenda de cerca de um milhão de euros em cerca de outro milhão de euros — que se reputa de indevido ou no mínimo superior ao legalmente devido —, remetendo a apreciação dessa questão para “depois de realizada a penhora e a venda” retira qualquer utilidade à reclamação e induz a um evidente — intuitivo, palmar e resultante da natureza das coisas — prejuízo irreparável” (Conclusão 11ª).
E que “(…) A subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação e a imposição desse regime, a manter-se, reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático mais tarde (…)” - Conclusão 12ª.
Na presente situação, é, pois, o próprio direito de acesso ao tribunal e à tutela judicial efectiva que está em jogo e que deve ser protegido, sob pena de prejuízo irreparável, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do art. 278º do CPPT.
Em face do exposto, o recurso merece provimento.
E, nesta sequência, a sentença recorrida que decidiu em sentido diverso não pode manter-se devendo ser revogada, devendo os autos baixar à primeira instância para prosseguirem, se a nada mais obstar.


III - DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, devendo os autos baixar à primeira instância para prosseguirem, se nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Março de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.