Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0372/10.9BESNT |
Data do Acordão: | 12/09/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I – O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Nos termos do n.º 4 do art. 285.º do CPPT, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». III - Tendo as instâncias respeitado o entendimento de que, em ordem a responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas exequendas da sociedade provenientes de impostos ao abrigo do disposto no art. 24.º da LGT, compete à AT demonstrar o efectivo exercício da gerência e de que não existe presunção legal que permita à AT inferir o exercício da gerência de facto da gerência de direito, o n.º 4 do art. 285.º do CPPT expressamente veda ao Supremo Tribunal Administrativo, em sede de recurso excepcional de revista, sindicar o julgamento da matéria de facto por estas efectuado, designadamente quando, com base em regras de experiência (presunção judicial), inferiram a gerência de facto da gerência de direito e das demais circunstâncias do caso. |
Nº Convencional: | JSTA000P28694 |
Nº do Documento: | SA2202112090372/10 |
Data de Entrada: | 09/28/2021 |
Recorrente: | A............ |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 372/10.9BESNT Recorrente: A………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 25 de Março de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/e9de3dbaf5fc0eec802586af002c8b0f.) – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida contra uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ela por ter sido considerada responsável subsidiária pela dívida exequenda –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao artigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «1.ª – O artigo 150.º, n.º 1 do CPTA prevê que pode haver, excepcionalmente, recurso de revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” - V. Supra n.º 1; 2.ª – No caso em apreço coloca-se a questão de saber se o gerente de direito que outorga procuração a terceiro para o exercício da gerência facto de uma sociedade, ou seja, para o substituir na prática de actos de administração ou representação da sociedade (devedora originária), deve, ou não, ter legitimidade enquanto responsável subsidiário sem a Autoridade Tributária na instrução do processo pelo órgão de execução fiscal averiguar se efectivamente o gerente de direito exercia de facto a gerência para a qual foi nomeado, bastando a emissão de procuração sem sustentar a prática material de um único acto de gerência pela Recorrente, para efeitos do preenchimento dos pressupostos para que possa operar a reversão contra si, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT. - V. Supra n.ºs 2 a 9; 3.ª – O acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito, em clara violação de lei substantiva, tanto mais que assentou e foi fruto de um desacerto ou de um equívoco, razão pela qual, no nosso entendimento, não deve manter-se, sendo, o presente recurso, absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito. - V. Supra n.ºs 10 a 17; 4.ª – O entendimento sufragado no acórdão recorrido (e na sentença de primeira instância) concede à Administração Tributária um estatuto privilegiado e desproporcionado em face do sujeito passivo subsidiário, em clara violação do princípio da proporcionalidade a que alude o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa com afloramentos no artigo 266.º daquele diploma fundamental, no artigo 55.º da LGT e artigo 46.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, uma vez que os meios adequados para a prossecução do interesse público devem ser os que menos sacrifício comportarem para os particulares. - V. Supra n.ºs 18 a 20; 5.ª – Encontrando-se preenchido o segundo pressuposto enunciado em epígrafe, conclui-se que o recurso de revista deverá ser admitido, uma vez que é necessário para uma melhor aplicação do direito nos termos do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA. - V. Supra n.ºs 21 a 23; 6.ª – A decisão recorrida integra erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, e por violação de lei, mais precisamente da disposição dos artigos 24.º, n.º 1, al. b) e 74.º, n.º 1, ambos da LGT e do artigo 342.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. d), da LGT, uma vez que era à Administração Tributária que competia o ónus da prova sobre o preenchimento dos pressupostos da reversão do processo de execução fiscal contra a Recorrente, sendo certo que é manifesto que da matéria de facto considerada provada não resulta que a Administração Tributária realizou a referida prova. - V. Supra n.ºs 26 a 28; 7.ª – A douta decisão recorrida enferma de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei e por violação de lei ao considerar que a Recorrente tem legitimidade enquanto responsável subsidiário, tendo violado o disposto nos artigos 24.º, n.º 1 e 74.º, n.º 1, ambos da LGT e do artigo 342.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. d), da LGT. - V. Supra n.ºs 29 a 36. NESTES TERMOS, 1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebido o processo neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta absteve-se de emitir parecer por considerar que «[a]o Ministério Público não compete emitir Parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de o Recurso de Revista ser admitido». 1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT, assim como do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, não basta ao recorrente invocar a existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, incumbindo-lhe também alegar e demonstrar a excepcionalidade susceptível de justificar a admissão do recurso, i.e., que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). 2.2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.) . 2.2.1.4 Cumpre também ter presente que, como decorre do n.º 4 do art. 150.º do CPTA (hoje, com correspondência no 285.º do CPPT), «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». 2.2.1.5 Cumpre verificar se o recurso pode ser admitido para melhor aplicação do direito – que foi o requisito de admissibilidade ao abrigo do qual foi deduzido o presente recurso de revista – relativamente à questão que a Recorrente enunciou como sendo a de saber «saber se o gerente de direito que outorga procuração a terceiro para o exercício da gerência facto de uma sociedade, ou seja, para o substituir na prática de actos de administração ou representação da sociedade (devedora originária), deve, ou não, ter legitimidade enquanto responsável subsidiário sem a Autoridade Tributária na instrução do processo pelo órgão de execução fiscal averiguar se efectivamente o gerente de direito exercia de facto a gerência para a qual foi nomeado, bastando a emissão de procuração sem sustentar a prática material de um único acto de gerência pela Recorrente, para efeitos do preenchimento dos pressupostos para que possa operar a reversão contra si, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT». 2.2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.2.1 Estamos perante uma oposição à execução fiscal que, no que ora nos interessa, foi julgada improcedente por as instâncias terem considerado que estava demonstrada a gerência de facto da Opoente – cuja prova constitui ónus da Fazenda Pública – e ora Recorrente com base na circunstância de esta, na qualidade de gerente (de direito) da sociedade originária devedora, que resulta do registo comercial, ter emitido uma procuração a terceiros para, em seu nome, representarem e administrarem a sociedade. 2.2.2.2 Salvo o devido respeito, o que a Opoente pretende não é senão a reapreciação do julgamento da matéria de facto efectuado pelas instâncias. 2.2.3 CONCLUSÃO Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Nos termos do n.º 4 do art. 285.º do CPPT, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». III - Tendo as instâncias respeitado o entendimento de que, em ordem a responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas exequendas da sociedade provenientes de impostos ao abrigo do disposto no art. 24.º da LGT, compete à AT demonstrar o efectivo exercício da gerência e de que não existe presunção legal que permita à AT inferir o exercício da gerência de facto da gerência de direito, o n.º 4 do art. 285.º do CPPT expressamente veda ao Supremo Tribunal Administrativo, em sede de recurso excepcional de revista, sindicar o julgamento da matéria de facto por estas efectuado, designadamente quando, com base em regras de experiência (presunção judicial), inferiram a gerência de facto da gerência de direito e das demais circunstâncias do caso. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. * Custas pela Recorrente. * Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. – Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia – Isabel Marques da Silva. |