Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0787/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
LICENCIAMENTO
Sumário:Não se justifica a revista de decisão que considera válido o licenciamento de uma construção por entender que o mesmo não contraria o alvará de loteamento apenas com recurso aos respectivos procedimentos administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P22165
Nº do Documento:SA1201707120787
Data de Entrada:06/30/2017
Recorrente:A.....SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO E B.............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………….. SA. Recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 10-2-2017, que confirmou o acórdão proferido pelo TAF do Porto, que por seu turno julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si instaurada contra o MUNICÍPIO DO PORTO, tendo como contra-interessado B…………, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do despacho de 13/8/1996, que deferiu o aditamento ao projecto de licenciamento n.º 10371/96, titulado pelo alvará de licença de construção n.º 21/96,de 25/10/1996.

1.2. Justifica a admissão da revista por entender que estamos perante uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e por estarem em causa interesses de particular relevância social.

O núcleo essencial da sua divergência da 1ª e 2ª instância decorre da circunstância dessas decisões terem considerado não existir matéria controvertida designadamente quanto às áreas de construção e de implantação, contrariamente à realidade processual patente, indeferiram todas as diligências de prova, incluindo a requerida prova pericial.

As questões são concretamente as seguintes:

“1. É possível sindicar judicial e/ou administrativamente a legalidade (validade/nulidade) do deferimento de um pedido de licenciamento de construção de moradia integrada num loteamento, sem indicação da área de construção e mera remissão para plantas, no enquadramento da (área de construção) eu é permitida por aquele instrumento de ordenação territorial (loteamento)?

2. Ou, pelo contrário, a não indicação concreta da área de construção (quer no licenciamento quer no alvará) inviabilizam aquela sindicância administrativa/judicial?

3. Sendo apenas possível aferir, posteriormente, a legalidade ou não, da respectiva construção levada a cabo?

Como a acção foi julgada improcedente por não se saber (por não ter sido indicada e portanto não ser matéria controvertida nem poder ser sujeita a prova) qual a área de construção licenciada, a referida decisão não pode ser mantida na ordem jurídica.

1.3. Nas contra-alegações a entidade recorrida nada diz sobre a admissibilidade da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A recorrente ao sintetizar – nas conclusões – a questão que justifica a admissão da revista diz-nos o seguinte: o acórdão recorrido entendeu que é impossível aferir a validade de um licenciamento, como o que está em causa nos autos, enquadrado num alvará de loteamento, quando o mesmo não refere qual a área concreta de construção e de implantação (totalmente omisso na memória descritiva, licença e alvará de construção) e remete, como foi o caso, para as plantas (telas finais) apresentadas a fls. 155 a 157 do PA, como previsto no art. 19º,n.º 3 do DL 445/91, de 20 de Novembro: “a deliberação final incorpora a aprovação de todos os projectos apresentados”.

A recorrente sustenta ser possível e necessário responder afirmativamente a tal questão, sendo a mesma uma questão de relevância geral susceptível de repetição e para a qual não existe uma orientação jurisprudencial do STA.

3.3. Todavia, as questões que foram apreciadas no acórdão recorrido têm contornos mais concretos e será a partir deles que se pode aferir a sua relevância para o que agora nos ocupa, que é saber se a revista deve ser admitida.

O TCA Norte destacou como questões a decidir: saber se o tribunal poderia decidir a causa, sem determinar uma fase de produção de prova e se o acto impugnado estava ferido de nulidade.

À primeira questão respondeu o TCA que não se impunha uma fase de produção de prova porquanto “os factos invocados pela recorrente para fundamentação das alegadas violações do alvará de loteamento n.º7/93, resultam inequivocamente contrariadas pelos documentos constantes do processo administrativo, dos quais decorre que não foi licenciada uma área de construção e de implantação superior à permitida nem tampouco a construção de qualquer piscina, anexo ou muros de altura, também ela superior à permitida”.

Considerou ainda aquele tribunal improcedente a alegação de que o TAF deveria pronunciar-se sobre causas de invalidade geradores de anulabilidade, uma vez que o acto de licenciamento tinha sido impugnado muito para além do respectivo prazo (art. 58º, 1 do CPTA).

Finalmente refutou a crítica da recorrente ao julgamento sobre as invocadas nulidades:

(i) relativamente à nulidade decorrente da circunstância de se ter licenciado uma construção cuja área de construção e implantação era superior à permitida no alvará de loteamento, o TCA norte seguiu o entendimento da 1ª instância que julgara a alegação da autora (na petição inicial) manifestamente conclusiva por se ter limitado a alegar que essas áreas eram superiores sem se ter alegado em concreto qual a “área de construção efectivamente licenciada pelo acto impugnado e que acresce à área permitida pelo alvará de loteamento”. Contudo e não obstante essa omissão era possível extrair da das plantas constantes do PA que apenas fora licenciada a construção de uma moradia de 15 metros de cumprimento por 7,5 metros de frente, o que respeitaria a área definida pelo alvará de loteamento 7/93, para o lote n.º 6, ou seja,337,5 metros.

(ii) relativamente ao incumprimento da área de implantação o acórdão constatou que o acto impugnado não licenciou qualquer piscina (o requerente veio mais tarde a desistir dessa pretensão),nem das plantas existentes resulta o licenciamento da construção de anexos, nem a construção de muros com as dimensões apontadas pela autora. Resultando ainda – diz o acórdão recorrido – que da vistoria realizada previamente à emissão da licença de utilização respeitava o licenciamento.

Finalmente refere o acórdão que, caso as construções existentes sejam diversas das licenciadas, tal não afecta a validade do licenciamento, representando antes uma violação do mesmo.

3.4. As questões concretamente apreciadas pelo TCA Norte não justificam a intervenção do STA. Não são, desde logo, questões gerais susceptíveis de se colocar no futuro, uma vez que se reportam a um concreto pedido de licenciamento. Não existem assim interesses gerais ou de grande relevância social justificando a intervenção deste Supremo tribunal.

Por outro lado, aferir a conformidade do licenciamento com o alvará de loteamento a partir das peças dos respectivos procedimentos administrativos não enferma de erro manifesto ou grosseiro, sendo certo que – como referiu o acórdão – se a realidade construída for diversa, essa divergência ou desconformidade com o licenciamento não afecta a sua validade.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2017. – São Pedro (relator) Costa Reis – Madeira dos Santos.