Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01468/15.6BELRA |
Data do Acordão: | 10/06/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | RENDIMENTO ISENÇÃO FISCAL IRC CONCORDATA OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS |
Sumário: | I - Da conjugação do disposto no artigo 26.º, n.ºs 1 e 5 da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé em 2004 com o disposto no artigo 9.º do CIRC não resulta qualquer isenção fiscal subjectiva a favor das pessoas jurídicas de direito canónico. II - O n.º 1 do artigo 26.º da Concordata apenas consagra uma situação de não sujeição objectiva dos rendimentos auferidos pelas pessoas jurídicas de direito canónico no âmbito da sua actividade religiosa e nos termos aí expressamente enunciados, ou seja, uma situação de não sujeição limitada às actividades aí expressamente identificadas. III - Não existindo uma isenção fiscal subjectiva a favor das pessoas jurídicas de direito canónico, não existe também fundamento jurídico que as isente do cumprimento das obrigações declarativas do artigo 117.º do CIRC. IV - Contudo, a redacção da alínea b) do n.º 6 do artigo 117.º do CIRC, introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, determina que as pessoas religiosas que só aufiram rendimentos não sujeitos identificados no n.º 1 do artigo 26.º da Concordata, passam também a não estar abrangidas pela obrigação periódica de declaração de rendimentos. |
Nº Convencional: | JSTA00071256 |
Nº do Documento: | SA22021100601468/15 |
Data de Entrada: | 07/13/2021 |
Recorrente: | A…………… |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Legislação Nacional: | CONCORDATA SANTA SÉ/PORTUGAL 2004 ART26 N1 N5 CIRC ART9 ART117 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A………………, com os sinais dos autos, propôs no TAF de Leiria, acção administrativa contra o Ministério das Finanças, pedindo a anulação do despacho da Subdirectora-geral da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, datado de 4 de Maio de 2015, que indeferiu o recurso hierárquico que a mesma havia interposto do despacho proferido pela Chefe de Divisão de Concepção da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, datado de 18 de Dezembro de 2014. 2 - Por sentença de 30 de Abril de 2021, o TAF de Leiria julgou a acção Improcedente. 3 - Inconformada com sentença do TAF de Leiria, a Demandante vem interpor recurso da mesma, apresentando, para tanto, alegações, que conclui da seguinte forma: «[…] 1º Ao julgar a recorrente como uma entidade sujeita à obrigação acessória de apresentação de declaração de IRC (modelo 22), quando esta é entidade não sujeita, apenas auferindo rendimentos não sujeitos a IRC, a sentença recorrida viola por errada interpretação e aplicação os artigos 29.º, n.º 1 da Concordata e 117.º, n.º 6 do CIRC. 2º Ao contrário do entendimento expresso no ato impugnado e sustentado pelo Tribunal a quo, só as pessoas jurídicas canónicas que, além dos fins religiosos, também desenvolvam atividades com fins diversos dos religiosos – como sejam os fins comerciais e lucrativos –, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade, mantendo-se não sujeitas a imposto, nos termos do artigo 26.º, n.º 1 da Concordata, as demais pessoas jurídicas canónicas, como é o caso da Recorrente. 3º A interpretação adotada pelo Tribunal a quo deve considerar-se, «excessiva no plano formal e pouco razoável no plano material, na medida em que a autora, não estando sujeita a tributação em IRC (sublinhe-se, não se trata de uma isenção, mas sim de uma situação de não sujeição ao imposto) pelo exercício da sua actividade económica, teria, contudo, que apresentar anualmente a declaração modelo 22, mesmo quando não tivesse despesas sujeitas a tributações autónomas para declarar. Em outras palavras, para não ficar abrangida pela norma que prevê a aplicação de uma contra-ordenação pela não apresentação da declaração modelo 22, a Autora, mesmo que não tivesse realizado nenhuma despesa sujeita a tributação autónoma, seria ainda assim obrigada a apresentar a declaração de rendimentos com a inscrição de 0€. Ora, uma tal interpretação não pode proceder. Os princípios da simplificação e da boa fé que informam as relações jurídicas tributárias afastam a prática de actos inúteis com carácter obrigatório sempre que os mesmos não resultem de uma obrigação legal expressa, como é o caso aqui a respeito da obrigação de apresentação da declaração de rendimentos de um imposto, por parte de um sujeito passivo que não está abrangido por ele. E esta solução não é contrariada por nenhuma norma legal, designadamente pelo disposto no artigo 117.º do CIRC, onde apenas se regula a obrigação declarativa dos sujeitos passivos de IRC.» - cfr., Ac. do STA, de 14.10.2020, no Proc. n.º 0494/13.4BEAVR, in www.dgsi.pt.. 4º Numa correta interpretação e aplicação do artigo 117.º, n.º 6 do CIRC, na redação vigente ao momento da prática do ato impugnado, extrai-se que os sujeitos que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC não podem ser tidos como onerados com uma obrigação de declaração de rendimentos de IRC, o que representaria uma solução absurda e inútil, atentando contra as regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil) e contra os princípios que devem nortear a administração tributária e a relação tributária num moderno Estado de Direito. 5º A Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), veio dar nova redação ao artigo 117.º, n.º 6 do CIRC, consagrando em expressa letra de lei que «as entidades que apenas aufiram rendimentos não sujeitos a IRC» também estão dispensadas de apresentar a declaração periódica de rendimentos (Modelo 22), solução que já poderia ser alcançada por via interpretativa contextualmente integrada e enformada pelos princípios da simplificação, da boa fé e da proibição da prática de atos inúteis. 6º Os parcos factos dados por assentes e elencados nos pontos 1 a 7 dos factos provados, mesmo que neles se vissem «indícios» de atividades de fins não religiosos – o que não é o caso –, são manifestamente incipientes para demonstrar que a Recorrente exerce atividades comerciais ou lucrativas ou aufere rendimentos sujeitos a tributação de IRC, ou para servir de base sólida para tal inferir tal conclusão, ónus probatório que incumbe à AT. 7º A demonstração de que a Recorrente aufere rendimentos sujeitos a IRC – ónus que incumbe à Administração Tributária – deve assentar na prova de factos que tal permitam concluir em juízo de certeza, não bastando o apuramento de factos desligados que poderiam, quanto muito, servir de indícios em conjugação com outros que no caso não se provaram nem se podem inferir. 8º A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e fez errada interpretação e aplicação dos artigos 117.º, n.ºs 1 e 6 do CIRC, 26.º da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé e das normas que regulam o ónus da prova no procedimento e processo tributário, uma vez que os factos apurados nos autos, são objetivamente incapazes de satisfazer o ónus que incumbia à Administração Tributária de demonstrar que a Recorrente exercera qualquer atividade de escopo comercial, industrial ou agrícola ou que auferira rendimentos sujeitos a tributação de IRC. NESTES TERMOS, I 2º A Recorrente dirige o seu Recurso ao ST, imputando-lhe erro de julgamento exclusivamente em matéria de Direito; 3º Alegar que o tribunal a quo falhou ao dar como provados facto que constituem meros indícios e simultaneamente defender que a Recorrida não cumpriu o ónus da prova não são questões exclusivamente atinentes a matéria de Direito, pois está em causa a emissão de um juízo crítico, pelo tribunal ad quem, sobre a valoração da prova realizada pelo tribunal a quo; 4º O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente ao primeiro erro de julgamento, uma vez que a questão de direito tem como pressuposto prévio a existência, ou não, de operações económicas por parte da Recorrente, facto que a Recorrida demonstrou existir e que a Recorrente se recusa a reconhecer; 5º Dado que o Recurso não contende exclusivamente com a discussão de matéria de direito, o mesmo deveria ser dirigido ao Tribunal Central Administrativo, e não ao STA, uma vez que a este último apenas cabe a competência para conhecer de recursos cuja discussão se prende exclusivamente com questões de direito; II 6º Alega a Recorrente que o tribunal a quo falhou na interpretação artigos 117.º, n.os 1 e 6, do CIRC e 26.º da Concordata, contudo a sua argumentação não tem qualquer suporte factual, legal e teológico; 7º A Recorrida demonstrou em sede de 1.ª instância e o tribunal a quo julgou provado que a Recorrente não exerce exclusivamente atividades com “fins religiosos”, dado que vende DVD, vídeos e refeições; 8º O artigo 21.º/1 da Lei da Liberdade Religiosa é bastante claro ao elencar as manifestações do “fim religioso”, a saber: o exercício do culto e dos ritos; a assistência religiosa; a formação dos ministros do culto; a missionação; a difusão da confissão professada; e o ensino da religião; 9º Tais atividades não são “fins religiosos” à luz da lei, como não o são à luz da própria teologia da Igreja Católica, dado que os “fins religiosos” prosseguidos por pessoas jurídicas canónicas da Igreja Católica são: «- o ‘múnus de ensinar (munus docendi)’, que se desdobra na pregação da palavra, na actividade missionária e na educação religiosa; - o ‘múnus de santificar (munus santificandi)’, que se traduz na administração dos sacramentos, bem como noutros atos de culto divino; e - o ‘múnus de governar (munus regendi)’, que se reflete na emissão de leis e providências para melhor governar a sociedade eclesial»; 10º Os rendimentos da venda de DVD, vídeos e refeições resultam de atividades com “fins diversos dos religiosos” e, nessa medida, a Recorrida fica sujeita ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade; 11º A atitude da Recorrente contraria as próprias instruções da hierarquia Igreja Católica Portuguesa, designadamente a circular emitida pela Conferência Episcopal Portuguesa, que reconhece expressamente a obrigação de as pessoas coletivas religiosas cumprirem a obrigação fiscal declarativa aqui em causa que a Recorrente se recusa a admitir; 12º Não é o facto de a Recorrente ser uma pessoa jurídica canónica que torna em “fim religioso” toda e qualquer atividade por ela desenvolvida; 13º Quanto ao argumento final de a Recorrente ser equiparada a IPSS, o mesmo não colhe por duas razões; 14º Em primeiro lugar, só agora veio a Recorrente esgrimir esse argumento não superveniente, não o tendo suscitado em sede de 1.ª instância; 15º Em segundo lugar, não basta a mera alegação, por parte da própria Recorrente, de que é equiparada a uma IPSS, dado que tal equiparação depende de registo e de reconhecimento no Instituto da Segurança Social, o que a Autora não prova; III 16º Alega a Recorrente que o tribunal a quo falhou ao confundir “indícios” com “prova” e ao olvidar o cumprimento do ónus da prova que competia à Recorrida, sendo certo que a esta última não cabe moldar o conteúdo substantivo do que sejam atividades com “fins religiosos”; 17º O litígio que subjacente aos presentes nasceu da intenção da Recorrente não cumprir uma obrigação declarativa, qual seja a de apresentar o modelo 22 do IRC; 18º A Recorrida alegou e demonstrou claramente em sede de 1.ª instância que a Recorrente, além dos “fins religiosos”, desenvolve atividades com “fins diversos dos religiosos”; 19º Tudo isto resulta de prova documental carreada para os autos, a qual foi alvo de contraditório por parte da Recorrente em sede de alegações finais e foi apreciada pelo tribunal a quo, que decidiu na mesma linha de pensamento da Recorrida. 20º A Recorrente parece esquecer que a presente ação não surgiu de um caso de determinação da matéria coletável em que tenha existido uma prévia ação inspetiva por parte da Recorrida e, por conseguinte, esta última tenha recolhido prova; 21º Discutindo-se aqui a questão de saber se a Recorrente tem, ou não, de entregar a declaração de IRC, naturalmente que, para este efeito, a Recorrida recolheu prova bastante (e não “meros indícios”) para efeitos da discussão desta problemática; 22º O tribunal a quo descreveu os factos que considerou provados, expondo os motivos para assim ter decidido, assentes no acervo probatório existente com relevo para a decisão proferida; 23º À Recorrente assiste o direito de discordar da ponderação factual efetuada pelo tribunal a quo e da sua interpretação do quadro legal aplicável, mas do exercício da sua discordância até à verificação de um erro de julgamento, nomeadamente em sede do ónus probatório, vai um enorme passo; 24º Não é a circunstância de terem sido apresentadas pela Recorrente versões distintas acerca de determinados factos que impõe ao julgador ter de os aceitar ou recusar total ou parcialmente; 25º A Recorrida não moldou nenhum conteúdo substantivo em torno do conceito de “fins religiosos”, antes se limitou a seguir o que está na lei (artigo 21.º/1 da Lei da Liberdade Religiosa); 26º A venda de DVD, vídeos bifanas, chás, fogaças e outros produtos alimentares não se insere no conceito de “fins religiosos” previstos na lei e defender o contrário (como qui pretende a Recorrente) redunda, sim, na violação do seu conteúdo substantivo; 27º Se somente as pessoas jurídicas canónicas (designadamente a Recorrente) fossem as competentes para definir aquilo que é “fim religioso” e aquilo que “não é fim religioso”, naturalmente que tudo quanto elas desenvolvessem seria ou teria um “fim religioso”; 28º Não foi essa a opção do legislador português, bastando atentar à letra do artigo 21.º/1 da Lei da Liberdade Religiosa: «Independentemente de serem propostos como religiosos pela confissão (…)»; 29º Para efeitos legais (in casu, tributários), o Estado Português, ainda que sem impor um conceito legal ou “oficial”, fixou aquilo que é “fim religioso” e aquilo que é “fim diverso do religioso”; 30º O artigo 21.º da Lei da Liberdade Religiosa e o artigo 12.º da Concordata estão perfeitamente alinhados sobre esta matéria, ao especificar que: são fins religiosos: o exercício do culto e dos ritos, de assistência religiosa, de formação dos ministros do culto, de missionação e difusão da confissão professada e de ensino da religião; são “fins diversos dos religiosos”: assistência e beneficência, educação, cultura, comerciais e lucro; 31º Por tudo isto, a venda de DVD, vídeos bifanas, chás, fogaças e outros produtos alimentares não se insere, minimamente, no conceito de “fins religiosos” previstos na lei, são atividades tributáveis e, nesse conspecto, a Recorrente está obrigada a cumprir a obrigação acessória declarativa; 32º Em síntese, nada há a apontar à sentença colocada em crise pela Recorrente, a qual deve permanecer na ordem jurídica. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA. […]».
II – Fundamentação
3.1. A Entidade Demandada considera que a Recorrente impugnou a matéria de facto no respeitante aos factos assentes quanto às actividades por si desenvolvidas, por considerar que aqueles factos teriam natureza incipiente e não permitiriam levar a cabo a qualificação daquelas actividades como actividades não religiosas e que a Entidade Demandada teria de ter provado (recaía sobre ela o ónus da prova) que a Recorrente exercia actividade não religiosa, o que não conseguiria a partir daqueles factos. Porém, não é esse o sentido do alegado pela Recorrente. A Recorrente não pretende que a decisão do Tribunal a quo seja modificada na parte em que dá como provados os factos assentes nos pontos 1 a 7, pretende apenas que a qualificação jurídica daqueles factos seja modificada no sentido de considerar que se trata ainda de actividade religiosa. Ora a qualificação jurídica dos factos é uma questão de direito e, por essa razão, improcede a alega incompetência deste STA para conhecer do presente recurso.
3.2. No que respeita à questão de fundo, a Recorrente defende, no essencial, que é uma pessoa jurídica de direito canónico e que, como tal, a sua actividade está abrangida pela isenção fiscal subjectiva que resulta do artigo 9.º do CIRC, por remissão do disposto no artigo 26.º da Concordata celebrada entre a Santa Sé e o Estado Português (de ora em diante, abreviadamente, Concordata de 2004), que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de Novembro de 2004 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de Novembro de 2004. Assim, por entender que a sua actividade está totalmente isenta de tributação (isenção subjectiva), a Recorrente entende, também, que nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 117.º do CIRC, não está abrangida pelas obrigações declarativas previstas naquele artigo 117.º do CIRC, designadamente, pela obrigação de entrega da declaração Modelo 22. Foi esta a tese que defendeu no recurso hierárquico, bem como na acção administrativa, cuja decisão julgou improcedente o seu pedido e motivou o presente recurso. Mas, pelas razões que em seguida explicaremos, não lhe assiste razão. Vejamos. A Recorrente é uma pessoa jurídica de direito canónico, constituída segundo o disposto nos Cân. 113 a 123 do Código de Direito Canónico. Por essa razão, a sua personalidade jurídica à luz do direito civil português resulta do reconhecimento previsto no artigo 10.º da Concordada de 2004, o que significa que a sua personalidade jurídica civil acompanha a sua personalidade jurídica à luz do direito canónico, constituindo-se quando ali se constitui e extinguindo-se quando se deva considerar extinta à luz daquele ordenamento jurídico. Lembre-se que o direito canónico constitui um ordenamento jurídico autónomo da ordem jurídica portuguesa, mas que se interliga com esta por efeito e na medida em que tal resulta da Concordata, ou seja, do “instrumento normativo” de direito internacional celebrado entre o Estado Português e a Santa Sé. Ora, do referido n.º 1 do artigo 26.º da Concordata de 2004 resulta expressamente que existe uma situação de não sujeição tributária dos rendimentos ali expressamente enunciados (não sujeição tributária objectiva), a saber: i) as prestações dos crentes para o exercício do culto e ritos; ii) os donativos para a realização dos seus fins religiosos; iii) o resultado das colectas públicas com fins religiosos; iv) a distribuição gratuita de publicações com declarações, avisos ou instruções religiosas e sua afixação nos lugares de culto. E o n.º 5 do mesmo artigo 26.º da Concordata de 2004 dispõe ainda, de forma expressa, que: “As pessoas jurídicas canónicas, referidas nos números anteriores, quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade”. Porém, da conjugação destas normas resulta evidente que a situação de não sujeição tributária consagrada na Concordata de 2004 se circunscreve aos rendimentos que a pessoa jurídica de direito canónico aufere no exercício da actividade religiosa (ex. pagamentos por realizações de cerimónias religiosas, como funerais, casamentos, missas, etc..). Já quando essa pessoa jurídica de direito canónico exerce uma actividade não religiosa fica sujeita ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade, quer isto dizer que, se, por exemplo, exerce a actividade de educação com fins comerciais e lucrativos, será tributada, por essa actividade como qualquer outra empresa do sector da educação; e se exercer essa actividade sem fins lucrativos, a mesma actividade será tributada em termos semelhantes à tributação das IPSS (artigo 10.º, n.º 1, al. b) do CIRC). Assim, percebe-se, de forma clara, que não tem acolhimento na letra do artigo 26.º da Concordata de 2004 a tese defendida pela Recorrente no sentido de ser beneficiária de uma isenção fiscal subjectiva que abranja a totalidade dos seus rendimentos. Do referido artigo 26.º da Concordata de 2004 apenas se retira que os rendimentos auferidos no âmbito do exercício da actividade religiosa não estão sujeitos a tributação, ou seja, que existe uma situação de não sujeição objectiva. Mas não a isenção subjectiva ou não sujeição subjectiva das pessoas jurídicas de direito canónico à tributação dos respectivos rendimentos, ou seja, à não tributação de quaisquer rendimentos que aufiram. Apesar de, em termos práticos, as isenções fiscais e as situações de não sujeição tributária se reconduzirem a efeitos equiparáveis – o não pagamento do imposto que corresponderia se as mesmas não se verificassem – a verdade é que a lei as define de modo diverso: i) as isenções fiscais são benefícios fiscais, ou seja, medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1 e 2 do EBF), denominam-se, por isso, despesa fiscal, por corresponderem a um custo determinado por razões de políticas públicas concretas; ii) já as situações de não sujeição tributária são medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabelecem delimitações negativas expressas da incidência, ou seja, correspondem a situações que o legislador identifica como desprovidas da “qualidade de facto tributário” ou, se se preferir, expressões negativas de capacidade contributiva (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do EBF). Em relação às situações de não sujeição tributária, e pese embora a sua caracterização como factos tributários negativos, ou seja, expressões de realidades desprovidas de qualidades aptas à incidência da tributação, o legislador entendeu, no n.º 3 do artigo 4.º do EBF, aproximá-las mais das isenções fiscais e admitir que a administração fiscal possa exigir dos interessados os elementos necessários para o cálculo da receita que deixa de cobrar-se por efeito das situações de não sujeição tributária. Assim, não obstante uma das decorrências práticas da diferença entre isenções fiscais e situações de não sujeição tributária poder ser a não obrigação das segundas a certas obrigações acessórias, designadamente as obrigações declarativas, a verdade é que o legislador expressamente admite o afastamento dessa solução com o propósito de aumentar a transparência financeira. São, em suma, duas as razões que nos levam a concluir pela conformidade jurídica do Despacho proferido pela Subdirectora-geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (o acto impugnado). A primeira, é o facto de a situação de não sujeição tributária que emerge do artigo 26.º, n.º 1 da Concordata não se configurar como uma situação de não sujeição subjectiva plena, mas antes como uma situação de não sujeição objectiva, abrangendo apenas algumas tipologias de rendimentos das pessoas religiosas aí indicadas. A segunda razão é o facto de o legislador admitir que mesmo nas situações de não sujeição se deve admitir a imposição de obrigações declarativas, tendo em vista o incremento da transparência financeira (o cálculo da receita que se deixa de cobrar). Tem por isso sentido a interpretação sufragada pela Subdirectora-geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de que as pessoas religiosas não estão isentas, por efeito da aplicação das regras da Concordata, das obrigações fiscais declarativas previstas no artigo 117.º do CIRC. A estes fundamentos acresce ainda o do direito positivo, pois não estando expressamente prevista no artigo 117.º do CIRC a referida isenção de obrigação declarativa das pessoas religiosas, também não é de admitir a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 117.º (na redacção então em vigor) por equiparação entre as pessoas jurídicas religiosas e as pessoas jurídicas do artigo 9.º do CIRC. Estas últimas beneficiam de isenções fiscais subjectivas (ou seja, de isenções que abrangem a totalidade dos rendimentos que auferem) e por isso não são equiparáveis às situações de não sujeição objectiva das pessoas religiosas (limitada a certos tipos de rendimentos identificados no artigo 26.º, n.º 1 da Concordata de 2004). Acresce que, in casu, a AT identificou um conjunto de actividades (factos assentes 1 a 7) desenvolvidas pela Recorrente, com carácter remunerado, que não se inscrevem no âmbito da sua actividade religiosa [venda de DVD’s, CD’s, fotos, de bifanas, de serviços turísticos (passeios paroquiais), de serviços de alimentação (jantares e almoços convício)], nem se encontram expressamente abrangidas pela isenção do n.º 1 do artigo 26.º da Concordata de 2004. Mesmo no que respeita à venda de materiais digitais, e ainda que se admitisse que o seu teor era essencialmente religioso, a verdade é que a isenção apenas abrange a distribuição gratuita daquele tipo de produtos (artigo, 26.º, n.º 1, al. d). Quer isto dizer que sempre teria de haver declaração destes rendimentos, porque eles não estão abrangidos pela delimitação negativa da incidência. Uma última consideração para destacar que: primeiro, a relevância da transparência financeira justifica que se venham incrementado as situações de excepção à isenção de obrigações declarativas, incluindo por parte das pessoas jurídicas do artigo 9.º; segundo para sublinhar que a introdução da alínea b) no n.º 6 do artigo 117.º do CIRC acabou por tornar quase irrelevante a questão dos autos, na medida em que ali se estipula que “ a obrigação de declaração periódica de rendimentos não abrange as entidades que apenas aufiram rendimentos não sujeitos a IRC, excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma”. Com a entrada em vigor desta norma as pessoas religiosas que só aufiram rendimentos não sujeitos identificados no n.º 1 do artigo 26.º da Concordata, passam também a não estar abrangidas pela obrigação periódica de declaração de rendimentos.
Assim, concluiu-se que i) da conjugação do disposto no artigo 26.º, n.ºs 1 e 5 da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé em 2004 com o disposto no artigo 9.º do CIRC não resulta qualquer isenção fiscal subjectiva a favor das pessoas jurídicas de direito canónico. ii) o n.º 1 do artigo 26.º da Concordata apenas consagra uma situação de não sujeição objectiva dos rendimentos auferidos pelas pessoas jurídicas de direito canónico no âmbito da sua actividade religiosa e nos termos aí expressamente enunciados, ou seja, uma situação de não sujeição limitada às actividades aí expressamente identificadas. iii) não existindo uma isenção fiscal subjectiva a favor das pessoas jurídicas de direito canónico, não existe também fundamento jurídico que as isente do cumprimento das obrigações declarativas do artigo 117.º do CIRC. iv) Contudo, a redacção da alínea b) do n.º 6 do artigo 117.º do CIRC, introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, determina que as pessoas religiosas que só aufiram rendimentos não sujeitos identificados no n.º 1 do artigo 26.º da Concordata, passam também a não estar abrangidas pela obrigação periódica de declaração de rendimentos.
III - Decisão Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. * Custas pela Recorrente. * Lisboa, 6 de Outubro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia. |