Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0693/16
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
LIGAÇÃO ACTUAL E EFECTIVA A PORTUGAL
ÓNUS DE PROVA
Sumário:Na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 09.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro [Lei da Nacionalidade] na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.
Nº Convencional:JSTA000P20820
Nº do Documento:SA1201607130693
Data de Entrada:07/01/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

1.1. “MINISTÉRIO PÚBLICO” [MP] instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] a presente ação administrativa especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra A……………, devidamente identificado nos autos, pela motivação inserta na petição inicial de fls. 02/06.

1.2. O «TAC/L» veio a prolatar sentença, datada de 29.06.2015, julgando a ação totalmente improcedente e, nessa conformidade, ordenou “o prosseguimento do processo pendente na Conservatória dos registos Centrais, com vista ao registo da declaração da vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa manifestada pelo R.” [cfr. fls. 47 e segs.].

1.3. O MP, inconformado, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 24.02.2016, concedeu provimento ao recurso jurisdicional e, julgou procedente a ação, determinando o “arquivamento do processo conducente ao registo da nacionalidade do ora Recorrido pendente na Conservatória dos Registos Centrais” [cfr. fls. 130 e segs.].

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 148 e segs.], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:

...

I. O presente recurso de revista pretende a reapreciação do entendimento do acórdão recorrido quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova da existência ou inexistência de uma ligação efetiva à comunidade na ação de oposição à aquisição da nacionalidade: se ao interessado na aquisição da nacionalidade e réu nessa ação, ou se ao MINISTÉRIO PÚBLICO, autor na mesma.

II. O problema enunciado possui relevância jurídica pois envolve a interpretação e aplicação do regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade e, concretamente, o apuramento e ponderação das opções legislativas quanto à configuração desse regime, bem como a discussão da natureza da ação de oposição à aquisição da nacionalidade, em particular com fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.

III. A importância social desta questão é inegável: o seu esclarecimento afigura-se essencial para a boa compreensão das normas que disciplinam a aquisição da nacionalidade, matéria particularmente sensível e que espelha escolhas fundamentais para a orientação da comunidade portuguesa. Mais do que isso, a solução perfilhada quanto à mesma influenciará certamente futuros processos de aquisição da nacionalidade.

IV. O Supremo Tribunal Administrativo reconheceu já a importância fundamental desta questão, admitindo diversos recursos de revista quanto à mesma nos casos em que, como o presente, o Tribunal a quo adotou entendimento diverso ao defendido por este.

V. «A jurisprudência deste STA, desde o Ac. de 19/06/2014, proferido no proc. n.º 0103/14, tem sido unânime no sentido que, para a procedência da ação, cabe ao MP provar que o requerente da nacionalidade não tem qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa (cf. Acs. de 28/05/2015 - Proc. n.º 1548/14, de 18/06/2015 - Proc. n.º 1054/14, de 1/10/2015 - Procs. nºs. 1409/14 e 203/15 de 4/02/2016 - Proc. n.º 1374/15)» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de fevereiro de 2016, processo n.º 01261/15, disponível em www.dgsi.pt).

VI. Ao considerar que a ação de oposição à aquisição de nacionalidade é uma ação de simples apreciação de negativa e que, como tal, caberia ao Réu e requerente da nacionalidade a prova dos factos constitutivos - mormente, da existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional - o acórdão recorrido violou as normas contidas no artigo 9.º, alínea a) da Lei da Nacionalidade e nos artigos 56.º, n.º 2, alínea a), e 57.º do Regulamento da Nacionalidade.

VII. Em consequência do erro de julgamento do Tribunal a quo quanto à interpretação e aplicação das normas referidas, este não apreciou devidamente a matéria de facto julgada provada e não impugnada, já que verdadeiramente se impunha saber se o MINISTÉRIO PÚBLICO alegou e provou factos que permitam concluir pela inexistência da ligação efetiva à comunidade nacional.

VIII. Na interpretação jurídica dos enunciados normativos referidos os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico, depõem todos no sentido de que cabe ao Ministério Público fazer a prova dos factos que permitem concluir pela inexistência de uma ligação efetiva à comunidade nacional por parte do requerente na ação de oposição à aquisição da nacionalidade.

IX. Da análise dos textos da lei desde a sua versão originária não restam dúvidas de que, na interpretação da alínea a) do art. 9.º da Lei da Nacionalidade, na redação atualmente em vigor conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, o elemento histórico depõe no sentido da alteração do mecanismo da oposição (face à redação anterior) - mais concretamente dos seus fundamentos -, cabendo agora ao MINISTÉRIO PÚBLICO o ónus da prova da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado em adquirir nacionalidade portuguesa, contrariamente ao que sucedia antes.

X. O procedimento legislativo que levou à aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, demonstra também que questão de saber a quem cabia o ónus da prova quanto à existência ou inexistência de ligação efetiva à comunidade em sede de oposição à aquisição da nacionalidade reuniu um largo consenso entre os diferentes Grupos Parlamentares da Assembleia da República, indo inclusivamente de encontro à Proposta de Lei do Governo, no sentido de caber ao Ministério Público a prova da inexistência.

XI. No presente caso está-se perante uma aquisição não originária da nacionalidade por efeito da vontade, que constitui um dos fundamentos a par da adoção plena e da naturalização, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Nacionalidade; a exigência de casamento com um nacional português há mais de três anos não é fundamento ou modalidade autónoma de aquisição de nacionalidade, mas sim um pressuposto do qual essa aquisição depende, sendo também necessária uma declaração de vontade por parte do interessado em adquirir a nacionalidade.

XII. Da leitura conjugada das normas relativas à instrução do procedimento de aquisição da nacionalidade resultam duas conclusões: a primeira, de que compete ao requerente ou interessado a prova documental das circunstâncias de que depende essa aquisição - isto é, cabe-lhe apresentar os documentos que comprovem a existência de casamento com nacional há mais de três anos, e dos quais resulte a sua declaração de vontade em adquirir a nacionalidade (além da documentação necessária à prática de atos de registo civil obrigatórios); a segunda conclusão prende-se com o facto de o requerente ter apenas de se pronunciar sobre os fundamentos de oposição legalmente previstos - no caso concreto, sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional.

XIII. A tese defendida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e acolhida no acórdão recorrido acerca da natureza da oposição à aquisição da nacionalidade enquanto ação de simples apreciação negativa assenta numa confusão entre a causa de pedir nessa ação e o efeito ou tutela que a mesma visa obter, uma vez que esta não tem como fim a declaração da inexistência de um facto jurídico, mas sim obstar a essa mesma aquisição; neste contexto, a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional constitui uma das causas de pedir que a lei selecionou como aptas a impedir a aquisição da nacionalidade.

XIV. Diferente da causa de pedir ou do fundamento da oposição é o efeito ou tutela pretendida com a sua propositura, e que consiste em impedir a aquisição da nacionalidade pelo requerente e, consequentemente, o arquivamento do processo de registo da mesma; é este o fim da ação de oposição, o que leva à sua qualificação como um incidente de natureza constitutiva inserido no procedimento de aquisição de nacionalidade.

XV. Em qualquer caso, sempre gozaria o Recorrente de uma presunção legal a seu favor, sendo aplicável o artigo 350.º do Código Civil, que resultou igualmente violado pelo Acórdão recorrido.

XVI. A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, propiciou uma abertura significativa da aquisição da nacionalidade que viria a repercutir-se no instituto da oposição à mesma. Com o advento desta Lei já não compete ao interessado fazer qualquer prova da existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, como a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores confirmar.

XVII. Cabendo ao MINISTÉRIO PÚBLICO enquanto autor o ónus alegar e de provar a factualidade que permita concluir pela inexistência de uma ligação efetiva à comunidade por parte do réu, certo é que este limitou-se a apresentar alegações de caráter genérico e conclusivo, não tendo alegado um único facto concreto que permitisse demonstrar a ausência de tal ligação efetiva do réu à comunidade portuguesa, tendo muito menos apresentado qualquer meio de prova …”.

Termina pugnando pelo provimento do recurso e pela total improcedência da pretensão contra si formulada tal como havia sido julgado pelo «TAC/L».

1.5. O MP, aqui ora recorrido, produziu contra-alegações [cfr. fls. 170 e segs.] que terminou com a seguinte síntese conclusiva:

...

1. Pretende-se com o presente Recurso de Revista, interposto pelo Réu/Recorrente impugnar o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 24 de fevereiro de 2016, constante de fls. não paginadas dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido quanto ao seu teor, o qual apreciando a sentença proferida pelo TACL a 29 de junho de 2015, que julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Réu/Recorrente, A…………., decidiu revogá-la e julgar procedente ação de oposição à aquisição da nacionalidade que havia sido interposta pelo Ministério Público, com o consequente arquivamento do processo conducente ao registo da nacionalidade do ora Recorrente, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

2. Conforme se mostra provado nos autos, o Réu/Recorrente, nasceu no Quebeque/Canadá, onde sempre residiu, nunca tendo residido em Portugal.

3. Se é certo que o facto de nunca ter residido em Portugal não implica, por si só, a ausência de ligação efetiva, também é certo que se torna muito difícil provar tal vínculo nos casos em que, tal como o analisado, o Recorrente nunca teve essa residência.

4. E isto, porque toda a vivência do Recorrente se processa num país estrangeiro (noutro Continente ... ), advindo a sua ligação a Portugal, apenas, dos laços do matrimónio (ocorrido também no estrangeiro, se bem que no Consulado Geral de Portugal em Montreal/Canadá, sendo curioso que as testemunhas desse ato de casamento têm, à partida e pelo menos, nomes estrangeiros ... fls. 14 dos autos) com uma cidadã portuguesa.

5. Para além do que consta, o Recorrente não apresentou quaisquer outros meios de prova sobre a existência de ligação efetiva à comunidade portuguesa.

6. Estamos, portanto, perante uma situação concreta, dificilmente transponível para outros casos concretos, o que retira, desde logo, relevância social ao caso.

7. Importa, assim, apenas aferir se, neste caso específico, com base nos factos fixados na sentença como provados, existe algum fundamento de direito para o Recorrente adquirir a nacionalidade portuguesa e se, para essa aferição são necessárias complexas interpretações legislativas ou diversas consultas de doutrina e jurisprudência.

8. De facto, a questão jurídica suscitada pelo recorrente de saber a quem compete a prova dos factos demonstrativos da ligação efetiva, determinantes da procedência da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, em face da alteração da redação da alínea a), do artigo 9.º, da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), operada pela Lei 2/2006, de 6 de julho, e igual à redação do n.º 1, do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 237-A/2006 (Regulamento da Nacionalidade), atualmente vigente, apresenta-se como uma «falsa questão», na medida em que a referida alteração legislativa, em comparação com a redação anterior da alínea a) do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, pode nada significar em termos de alteração de regime, sendo apenas uma mera correção de redação em face das normas de direito civil aplicáveis a este tipo de ação.

9. Na verdade, sendo a ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa uma ação de simples apreciação negativa, destinada a demonstrar a inexistência do direito à aquisição da nacionalidade, nos termos do n.º 2, 3, alínea a), do artigo 10.º do atual Código de Processo Civil, a prova dos factos compete ao Réu/Recorrente, nos termos do n.º 1, do artigo 343.º, do Código Civil.

10. Ora, este tipo de ação, não foi modificada com a citada alteração legislativa, motivo pelo qual se mantêm as mesmas regras sobre o ónus da prova.

11. Questão diversa, será a prova que o Réu/Recorrente terá de fazer sobre o citado requisito, no processo administrativo instaurado na sequência do seu pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa; essa sim, modificada na sequência das alterações operadas à legislação aplicável em 2006.

12. Nos termos da nova redação dada ao n.º 2, do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, afigura-se-nos que a produção da prova e, nomeadamente a inquirição das testemunhas arroladas pelo interessado (aqui Réu/Recorrente), terá se ser feita pela Conservatória dos Registos Centrais.

13. E só após essa produção de prova é que será decidido o envio ao Ministério Público para propositura da ação. Caso se conclua pela não ligação efetiva.

14. Assim, se a Conservatória dos Registos Centrais considerou que, pelas provas recolhidas no processo administrativo, não havia a ligação efetiva que o Réu/Recorrente havia declarado, o Ministério Público, a quem competia propor a ação, apenas teria que invocar, com base na ausência de factos demonstrativos, a inexistência do direito de aquisição da nacionalidade, cabendo, por isso, ao Réu/Recorrente, na contestação, indicar os factos integrantes desse direito.

15. E como se verifica pelo documento enviado pela Conservatória dos Registos Centrais ao Ministério Público, o qual fundamentou a presente ação, o mesmo contém os motivos por que foi considerada a inexistência de ligação efetiva neste caso (cfr. fls. 3/6 e fls. 37/38).

16. Por outro lado, a Lei, quer a anterior a 2006, quer a posterior, não consigna qualquer presunção de ligação efetiva à comunidade nacional, mesmo no caso de o Réu/Requerente residir em Portugal, mesmo na situação de o requerente ser casado com um cidadão português, há mais de três anos. (entre outros, Acórdãos do TCAS de 2 de abril de 2014, de 20 de março de 2014, de 17 de maio de 2012, de 3 de maio de 2012 e de 15 de abril de 2010, processos 10952/14, 109257/14, 08726/12, 06222/10 e 06045/10, respetivamente).

17. Destarte, existe já abundante jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa que se debruçou sobre estas questões.

18. Também não se verifica um erro ostensivo do Acórdão Recorrido, que mereça a reapreciação pelo STA para uma melhor aplicação do direito.

19. São termos em que, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, não deverá ser admitido o presente Recurso de Revista (artigo 150.º do CPTA).

20. Damos aqui por inteiramente reproduzido o teor do douto Acórdão Recorrido.

21. Este mesmo Acórdão deu exatamente por provados os factos assentes na decisão da 1.ª Instância e já acima transcritos.

22. Cabe ao Ministério Público o ónus da prova da ligação efetiva à comunidade portuguesa?

23. Face à atual redação da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, a ação de oposição à aquisição da nacionalidade configura-se como uma ação de simples apreciação negativa que visa unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, de acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2 e 3, alínea a), do atual Código de Processo Civil.

24. Competindo, por isso, ao Requerido/Réu a prova (o ónus) dos factos constitutivos do direito que se arroga, nos termos do disposto no artigo 343.º, n.º 1, do Código … Civil.

25. E no caso concreto, estamos diante de uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa.

26. Donde, caber ao requerido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão.

27. No que respeita à questão de saber se com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2006, de 17 de abril, o ónus da prova da inexistência da ligação efetiva à comunidade portuguesa, independentemente da sua natureza jurídica ser constitutiva ou impeditiva, inverteu o ónus da prova cabendo ao Ministério Público fazer prova de tal requisito, já se pronunciou, no sentido negativo, entre outros, o TCAS nos Acórdãos de 2/10/2008, processo 04125/08, de 2/4/2014, processo 10952/14 e de 6 de novembro de 2014, processo 11025/14, de 30/4/2015, processo 10528/13, cuja posição perfilhamos.

28. Face à matéria dada de facto dada como provada, o Requerido tem ligação efetiva à comunidade portuguesa? …

30. Segundo o douto Acórdão ora recorrido, com relevância para o efeito (poder concluir-se que o requerido não possua ligação efetiva à comunidade portuguesa) é que o Requerido não logrou demonstrar possuir qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional, nem conhecer os usos, costumes e tradições desta comunidade, não tendo igualmente feito prova de quaisquer factos dos quais resulte demonstrado o seu conhecimento da História de Portugal ou ter interiorizado o sistema de valores e cultura da comunidade portuguesa.

31. Mais, o Requerido vive no Canadá, país onde nasceu, no qual tem todas as referências sociais e culturais, nunca tendo residido em Portugal.

32. O único facto alegado pelo requerido para prova de ligação efetiva à comunidade nacional, o de ser casado com uma cidadã portuguesa, não pode ser arvorado em elemento bastante de ligação à comunidade portuguesa e menos ainda que tal confira automaticamente a nacionalidade portuguesa a cidadãos estrangeiros. (Texto Ac. ora sob sindicância).

33. A ligação efetiva à comunidade nacional há-de ser aferida por todo um conjunto de fatores, como o domicílio, a língua, as relações familiares e de amizade, a integração social e económico-profissional, um conhecimento mínimo da História e da Geografia do País, ou seja, de tudo aquilo em que possa radicar um sentimento de pertença.

34. Por outro lado, será também de exigir a verificação de elos consistentes de natureza económica, profissional, social e cultural, de modo a corporizarem um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, manifestados de forma mais ou menos prolongada e não através de atos isolados ou escassos.

35. Diante dos factos dados como provados, verifica-se que o requerido assentou o pedido de nacionalidade ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade ou seja, na circunstância de ser casado com uma cidadã portuguesa há mais de três anos.

36. De acordo com os elementos constantes dos autos (insuficientes) e na ausência de outros, salvo melhor opinião, o douto Acórdão recorrido só podia concluir pela inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional sendo certo que é ao interessado que cabe o ónus de provar a ligação efetiva à comunidade portuguesa.

37. Não tendo sido violados os preceitos legais destacados pelo Réu/Recorrente nas suas alegações/conclusões do recurso por si interposto, ou quaisquer outros que cumpra conhecer, deverá ser considerado improcedente o Recurso de Revista mantendo-se, consequentemente, o douto Acórdão recorrido …”.

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal que se mostra prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 07.06.2016, veio a ser admitido o recurso de revista, considerando-se, nomeadamente, que a “ação procedeu com fundamento em que configurando-se a ação de oposição à aquisição de nacionalidade como ação de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas, face ao disposto no art. 343.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao réu a prova dos factos constitutivos dessa ligação, o que não foi feito” e que o “Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reconhecer a importância jurídica e a relevância comunitária de várias questões relativas ao contencioso da nacionalidade, com destaque para aquelas que respeitam à configuração da ação e ao ónus da prova dos factos relevantes, que tem sido objeto de divergência jurisprudencial nas instâncias”, sendo que, todavia, o “entendimento do acórdão recorrido, de que a aquisição da nacionalidade por efeito da vontade exige que se conclua (positivamente) pela existência de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa e que o ónus da prova dos factos integradores dessa ligação incumbem ao requerente, parece contrariar a linha de entendimento que tem sido seguida neste Supremo Tribunal, como resulta, por exemplo, dos acórdãos de 19.6.2014, processo 103/14, 28.5.2015, proc.1548/14, 18.6.2015, proc. 1054/14, 01.10.2015, processos 1409/14 e 203/15, 03.3.2016, proc. 1480/15”.

1.7. Dispensados os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.



2. DAS QUESTÕES A DECIDIR

Constitui objeto de apreciação nesta sede o determinar se o julgado recorrido, ao haver procedido o recurso de apelação deduzido pelo A., incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto, mormente, nos arts. 09.º, al. a) da Lei n.º 37/81, de 03.10 [Lei da Nacionalidade «LN» - na redação introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos da «LN» sem expressa referência em contrário], 12.º, 56.º, n.º 2, al. a), e 57.º do Regulamento da Nacionalidade, e 350.º do CC [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO

Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:

I) O R. é natural de Sorel, Quebeque, Canadá [cópia do assento de nascimento junta a fls. 12 do processo físico e cujo teor aqui se dá por reproduzido].

II) No dia 08.09.2007 contraiu casamento com B……………… [assento de casamento n.º 31/2008 do Consulado Geral de Portugal em Montreal, Canadá, junta a fls. 14 e cujos teor aqui se dá por reproduzido].

III) Titular do assento de nascimento n.º 2687 do ano de 2010 da Conservatória do Registo Civil de Olhão, junto a fls. 17/18 e cujo teor se dá por reproduzido.

IV) No dia 07.03.2012, na Conservatória dos Registos Centrais, foi registada a entrada de Declaração para Aquisição da Nacionalidade Portuguesa nos termos do art. 03.º da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro, assinada pelo R., junta a fls. 9/10 do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido.

V) Na qual foi assinalada, com interesse para a decisão, a opção “tem ligação efetiva à comunidade portuguesa” [declaração cit.].

VI) Com base na Declaração referida em IV) e V) foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o processo n.º 9965/2012 [cfr. despacho do Conservador-Auxiliar de 24.01.2013, junto a fls. 37/38 do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido].

VII) Cuja certidão foi mandada remeter ao Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, sob invocação do art. 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 abril [despacho cit.].


*

3.2. DE DIREITO

Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da questão que se mostra supra enunciada e que constitui o objeto deste recurso de revista.

I. O cerne da discussão em litígio circunscreve-se no determinar sobre quem recai o ónus de prova relativo à factualidade integradora do requisito da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, ou seja, se impende sobre o «MP», enquanto A., ou se sobre o R., o aqui recorrente.

II. Insurge-se este contra o entendimento e julgamento firmado no acórdão recorrido porquanto considera que o mesmo infringe o que resulta previsto nos arts. 09.º, al. a) da «LN», 350.º do CC, 12.º, 56.º, n.º 2, al. a), e 57.º do DL n.º 237-A/2006 [«RN»] já que no âmbito da ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova recai sobre o MP.

III. Vejamos, fixando, previamente, o quadro normativo aplicável e, bem assim, aquilo que foi a sua evolução.

IV. Decorre do art. 342.º do CC, sob a epígrafe de «ónus da prova», que “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” [n.º 1], que “[a] prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” [n.º 2], sendo que “[e]m caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito” [n.º 3].

V. Prevê-se, por seu turno, no n.º 1 do art. 03.º da «LN», relativo à «aquisição em caso de casamento ou união de facto», que “[o] estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio”.

VI. E no capítulo IV deste mesmo diploma, disciplinador da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção, estipula-se no art. 09.º que “[c]onstituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: (…) a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; (…) b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; (…) c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro”, resultando do normativo seguinte, relativo ao «processo», que “[a] oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo a instaurar nos termos do artigo 26.º” [n.º 1] e de que “[é] obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior” [n.º 2].

VII. Por último, preceitua-se no art. 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa [publicado em anexo ao DL n.º 237-A/2006, de 14.12 - diploma que, nomeadamente, veio aprovar o referido Regulamento na sequência da alteração à «LN» operada também em 2006 pela supra referida Lei Orgânica n.º 2/2006], sob a epígrafe de «fundamento, legitimidade e prazo» que “[o] Ministério Público promove nos tribunais administrativos e fiscais a ação judicial para efeito de oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, no prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade” [n.º 1] e que constitui “fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção: (…) a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional …” [n.º 2], sendo que, nos termos do art. 57.º do mesmo Regulamento, “[q]uem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior” [n.º 1], que “[p]ara efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve: (…) a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência; (…) b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso” [n.º 3], que “[a] declaração é, ainda, instruída com certificado do registo criminal português sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do n.º 7 do artigo 37.º” [n.º 4], que “[s]empre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser” [n.º 7] e que “[o] Ministério Público deve deduzir oposição nos tribunais administrativos e fiscais quando receba a participação prevista no número anterior” [n.º 8].

VIII. Se é certo que este quadro legal, aplicável à situação em presença, não corresponde inteiramente àquilo que era a redação originária da Lei da Nacionalidade [inserta na Lei n.º 37/81, de 03.10], o mesmo constitui, todavia, uma clara e inequívoca alteração face àquilo que era a redação que havia sido introduzida pela Lei n.º 25/94, já que, mormente, no art. 09.º previa-se então que “[c]onstituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: (…) a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional” e ainda se estipulava no n.º 1 do art. 22.º do DL n.º 322/82, de 12.08 [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 253/94, de 20.10 - diploma que continha o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e que, entretanto, veio a ser revogado pelo referido DL n.º 237-A/2006] que “[t]odo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve: (…) a) Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efetiva à comunidade nacional; (…) b) Juntar certificados do registo criminal, passados pelos serviços competentes portugueses e do país de origem; (…) c) Ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos suscetíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição” [sublinhados e evidenciado nossos].

IX. Presente o quadro jurídico a atender e cientes daquilo que foi a evolução do mesmo importa, então, passar ao conhecimento da questão objeto de divergência, questão essa que não é nova neste Supremo Tribunal e que motivou a emissão de várias pronúncias, aliás, em sentido uniforme e que culminaram com a emissão de recente acórdão uniformizador de jurisprudência datado de 16.06.2016 [Proc. n.º 0201/16 disponível in: «www.dgsi.pt/jsta» e ainda não publicado].

X. Neste acórdão uniformizou-se a jurisprudência nos seguintes termos:

Na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 09.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro [Lei da Nacionalidade] na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”.

XI. Esta linha de entendimento havia sido sustentada pelo STA no acórdão de 19.06.2014 [Proc. n.º 0103/14], linha essa sucessivamente reiterada de forma unânime em ulteriores decisões [cfr., nomeadamente, os Acs. de 28.05.2015 - Proc. n.º 01548/14, de 18.06.2015 - Proc. n.º 01053/14, 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 0203/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15, de 25.02.2016 - Proc. n.º 01261/15, de 03.03.2016 - Proc. n.º 01480/15 todos consultáveis no mesmo sítio].

XII. Extrai-se do acórdão uniformizador, fazendo apelo ao entendimento unânime firmado na jurisprudência citada, a seguinte linha fundamentadora [cfr. n.º 2.2.2., §§ XX a XXVI] que se passa a reproduzir:

“… no âmbito da ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP» após a alteração produzida na «LN» pela Lei Orgânica n.º 2/2006.

(…) É àquele, pois, que incumbe alegar e provar que o requerente/pretendente da nacionalidade não tem qualquer ligação à comunidade portuguesa e é-o porquanto (…) «o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, «garantindo o fator de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objetivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000», resolveu, uma vez mais, alterar a redação da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse «o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro» - Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X”, termos em que a partir da entrada em vigor da referida lei orgânica “passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al. a) do art. 9.º) a qual tinha de ser provada pelo MP” e era “claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redação daquele art.º 9.º da Lei 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao MP que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa”. (…) Fê-lo ainda na consideração de que esta modalidade aquisição da nacionalidade [por efeito da vontade] “não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma ação”, fundada, nomeadamente, na “ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado”, tanto mais que as normas aludidas visam “por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado Português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afetiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa”, sendo que a “jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado” [cfr., neste mesmo entendimento, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 15.12.2002 - Proc. n.º 02B3582 in: «www.dgsi.pt/jstj»; na doutrina, Rui Moura Ramos, in: Revista de Direito e Economia, Ano XII, págs. 273 e segs., em especial, págs. 283/288].

(…) Analisados, no que releva para a discussão, o quadro legal a atender e aquilo que foi a sua sucessiva evolução não descortinamos ou sequer vislumbramos razões que nos levem a afastar do entendimento que sobre a questão se mostra firmado pela jurisprudência acabada de enunciar deste Supremo, que assim se reafirma e reitera, no sentido de que, após a alteração produzida na «LN» pela Lei Orgânica n.º 2/2006, na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP».

(…) Como referido a solução legal inserta no art. 03º da «LN» inspira-se ou radica na proteção do interesse da unidade familiar, sendo que o facto relevante para a aquisição da nacionalidade é a declaração de vontade do estrangeiro de que reúne condições para adquirir a nacionalidade portuguesa e já não a constância do casamento por mais de três anos visto este ser um mero pressuposto de facto necessário à potencialidade constitutiva da «declaração de aquisição da nacionalidade portuguesa» [cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 28.05.2015 - Proc. n.º 01548/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15; Rui Manuel Moura Ramos in: “Do Direito Português da Nacionalidade” (1992), pág. 151].

(…) Ocorre, porém, que o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere - a manifestação/declaração de vontade do interessado [cfr. art. 03.º da «LN»] - já que importa, também, que ocorra uma condição negativa, ou seja, de que não haja sido deduzida pelo MP ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido julgada improcedente [cfr. citado art. 09.º da «LN»], na certeza de que uma tal ação reveste de natureza constitutiva e na mesma o Estado Português, através do MP, exercita o direito potestativo de se opor àquela declaração de vontade [cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 18.06.2015 - Proc. n.º 01053/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15].

(…) Nesta mesma linha de entendimento e de interpretação quanto às regras de ónus de prova se havia manifestado a doutrina [cfr., nomeadamente, Rui Manuel Moura Ramos em “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006 …” in: RLJ, Ano 136, págs. 211/213; Joaquim Gomes Canotilho em parecer sob o título “Uma compreensão constitucional e legalmente adequada dos direitos fundamentais à cidadania e à nacionalidade na ordem jurídica portuguesa”, datado de 25.10.2011 (págs. 17/18 do referido parecer) e junto aos presentes autos a fls. 142/172] e, mais recentemente, também o Tribunal Constitucional o veio sustentar no seu acórdão n.º 106/2016, de 24.02.2016 [Proc. n.º 757/13 disponível in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e publicado no DR II Série, n.º 62, de 30.03.2016] donde, no que releva, se extrai o seguinte “[a] sua redação original estabelecia os seguintes fundamentos de oposição: a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional; a prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa; e o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a estado estrangeiro. (…) Para a aferição destes fundamentos eram ouvidos em auto os respetivos requerentes sobre os factos suscetíveis de constituir fundamentos de oposição, não lhes cabendo, todavia, a respetiva comprovação. Tal seria substancialmente alterado pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto. Com efeito, esta lei, para além de estabelecer a necessidade de um período de três anos de casamento para que o cônjuge estrangeiro pudesse apresentar um pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, viria a introduzir uma alteração significativa neste regime ao estabelecer que cabia ao interessado comprovar (por meio documental, testemunhal ou outro) a existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, pois, se isso não sucedesse, a não comprovação era motivo para oposição. Em paralelo cabia também essa prova aos requerentes de naturalização. (…) A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio repor o regime de prova originário, invertendo o respetivo ónus. Cabe, desde então, ao Ministério Público, a comprovação dos factos suscetíveis de fundamentarem a oposição deduzida, incluindo a falta de ligação efetiva à comunidade nacional” [sublinhados nossos].

XIII. Uniformizado que se mostra o entendimento quanto à questão jurídica objeto de divergência importa, então, que nos centremos na aferição do acerto do julgamento feito pelo acórdão recorrido da situação jurídica sob apreciação.

XIV. E para concluir pelo seu desacerto, quer quanto à correta interpretação daquilo eram as regras do ónus de prova no âmbito do quadro normativo em crise, quer quanto ao enquadramento e julgamento que no mesmo foi feito dos factos e da pretensão deduzida pelo «MP», aqui recorrido.

XV. Com efeito, errou o acórdão recorrido no entendimento de que era ao aqui recorrente, contra quem foi instaurada a presente ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade pelo «MP» junto do «TAC/L», quem incumbia a prova da factualidade que integradora da “existência de ligação efetiva à comunidade nacional” ou a demonstração de que se encontra inserido na comunidade nacional, pois, não era sobre o mesmo que recai o ónus de prova.

XVI. Tal como errou na análise que realizou dos factos que se mostram provados com um tal pressuposto, na consideração de que os documentos juntos pelo aqui Recorrente apenas “comprovam que o mesmo é casado com uma cidadã de nacionalidade portuguesa sem contudo ter qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional porquanto todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores se desenvolveu no Canadá, país onde nasceu, no qual tem, obviamente, todas as referências sociais e culturais e onde sempre residiu e reside atualmente”.

XVII. Não era o Recorrente que, frise-se, tinha que efetuar a alegação e a prova de factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, visto ser sobre o «MP», enquanto A./demandante, que impendia tal ónus, efetuando, uma vez recebida a comunicação feita pelos serviços competentes, as prévias e necessárias diligências de averiguação e instrução tendentes a apurar da existência e consistência, no caso, de factos integradores da referida inexistência de ligação efetiva e da viabilidade da propositura duma ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa neles fundada.

XVIII. No caso apenas se extrai da factualidade apurada que o Recorrente, natural do Canadá [país onde nasceu e reside] casou, em setembro de 2008, com uma cidadã portuguesa [nascida em Lisboa e residente no Canadá], manifestou vontade de ser cidadão nacional, tendo, nessa declaração, afirmado haver contraído matrimónio com cidadã nacional e possuir ligação à comunidade portuguesa.

XIX. Perante este acervo factual, no essencial similar àquele que foi considerado no acórdão uniformizador assim como ao que se mostra apurado na generalidade dos demais acórdãos supra citados; e considerando as regras relativas ao ónus de prova quanto à demonstração da inexistência de uma ligação efetiva à comunidade nacional; impõe-se concluir, no caso, que em face da parcimónia dos factos levados ao probatório o «MP» não logrou alegar/carrear e provar nos autos, como lhe era imposto, os factos demonstrativos da inexistência de tal ligação por parte do aqui Recorrente, termos em que essa míngua factual não justifica, nem permite outra conclusão que não seja a da improcedência da presente ação tal como havia sido julgado pelo «TAC/L», não podendo, nessa medida, manter ou sufragar-se a pronúncia firmada pelo «TCA/S» no acórdão recorrido, o qual, na procedência do recurso, se impõe revogar.



4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento do recurso sub specie e revogar o acórdão recorrido, fazendo subsistir totalmente o julgado firmado na decisão do «TAC/L».

Não são devidas custas, nas instâncias e no Supremo, dada a isenção legal objetiva conferida ao Recorrido.

D.N..




Lisboa, 13 de julho de 2016. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.