Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0118/16.8BEVIS
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
APOIO
INCUMPRIMENTO DE CONTRATO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estarem em discussão questões relativamente às quais se verifica capacidade de expansão da controvérsia e cuja elucidação assume relevo jurídico, e, bem como, onde se regista a necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P30255
Nº do Documento:SA1202211240118/16
Data de Entrada:11/17/2022
Recorrente:A.........., LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………., Lda. [doravante A.] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], interpôs recurso de revista do acórdão de 23.06.2022 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1536/1589 (mantido/sustentado pelo acórdão de 11.11.2022 - fls. 1819/1822) - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário] que confirmou a decisão de 23.03.2019 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu [doravante TAF/VIS] [cfr. fls. 1002/1047] que havia julgado totalmente improcedente a ação administrativa por si instaurada contra TURISMO DE PORTUGAL, IP [doravante R.] e que anulou «o ato administrativo impugnado – [despacho do vogal do Conselho Diretivo do R. que determinou a devolução da quantia de 22.614,34 €, no âmbito do programa Agro, medida Agris – Ação 1 – Norte – Diversificação da Pequena Agricultura, datado de 15.10.2010, identificado pelo número de referência 027048/2010] -, pelo qual foi determinada a rescisão unilateral do contrato e a devolução do montante dos apoios concedidos, acrescido de juros».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1606/1670] na relevância social e jurídica das concretas questões e do dissídio objeto de discussão e que reputa fundamental e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», considerando quer a nulidade de decisão [arts. 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil (CPC/2013)] quer os erros de julgamento acometidos ao juízo firmado no acórdão recorrido dada a infração, nomeadamente do disposto nos arts. 01.º-A, 22.º, 46.º-A e 275.º do Código dos Contratos Públicos [CCP], 02.º, 03.º, 07.º, n.º 6, 08.º, n.º 4, 13.º, 20.º, 202.º, 266.º e 268.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP], 02.º, 03.º, 05.º, 08.º, 09.º, 11.º, 58.º, 115.º e 116.º do CPC/2013, 02.º, 03.º do CPTA, 05.º, 08.º e 153.º, n.º 1 do CPA, 02.º, 05.º, n.ºs 8 a 10, 46.º, da Diretiva 2014/24/UE e, bem assim, dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, da igualdade de armas, da estabilidade objetiva da instância, da concorrência, da prossecução do interesse público e da justiça e razoabilidade.

3. Devidamente notificado o R. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1749/1813], tendo pugnado, desde logo, no sentido da sua inadmissibilidade.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/VIS julgou «a presente ação improcedente», não tendo anulado o ato impugnado, juízo este mantido pelo TCA/N no acórdão recorrido.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se estão em causa questões que «pela sua relevância jurídica ou social» assumem «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina, ou de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração/orientação de um padrão de apreciação de outros casos similares a serem julgados.

9. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos abstratos e que não se restrinja ao caso concreto e aos particulares interesses das partes, com repercussão na comunidade e no que constituam seus valores fundamentais e como tal suscetíveis de suscitar alarme social ou que possam por em causa a eficácia do direito ou a sua credibilidade.

10. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

11. Pese embora os juízos coincidentes que se mostram firmados pelas instâncias temos que as quaestiones juris alvo dissídio em torno da definição do regime dos arts. 22.º e 275.º do CCP e suas implicações no quadro da extensão do âmbito de aplicação/contratos subsidiados envolvem complexidade jurídica, tanto mais que as mesmas envolvem a realização de operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade, concatenando diversos regimes legais e institutos jurídicos, e nelas se verifica alguma capacidade de expansão da controvérsia, visto suscetíveis de se poderem projetar ou de serem transponíveis para outras situações, apresentando, assim, interesse para a comunidade jurídica, o que legitima a admissão do recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

12. Acresce ainda a relevância social dado estar em discussão alegado incumprimento das obrigações/deveres contratualmente assumidos no quadro de programa de desenvolvimento financiado pela UE [cfr. quanto à relevância social deste tipo de litígios, nomeadamente, os Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 08.10.2018 - Proc. n.º 0750/18, de 04.02.2021 - Proc. n.º 01045/19.2BEAVR, de 13.07.2021 - Proc. n.º 02574/15.2BEALM, de 25.11.2021 - Proc. n.º 0867/17.3BEBRG, de 24.02.2022 - Proc. n.º 0339/11.0BEPRT], justificando-se, desta feita, a intervenção deste Supremo Tribunal para dilucidação também quanto aos aspetos dubitativos sinalizados no contexto apurado e que carecem igualmente de uma melhor e aprofundada análise/ponderação, por forma a, assim, serem dissipadas as dúvidas que o juízo sindicado aporta.

13. Flui do exposto a necessária a intervenção deste STA, e daí que se justifique a admissão da revista.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 24 de novembro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.