Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0998/09
Data do Acordão:06/02/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
PRÉDIO RÚSTICO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
APLICAÇÃO RETROACTIVA
LEI RETROACTIVA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - À luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal.
Nº Convencional:JSTA00066465
Nº do Documento:SA2201006020998
Data de Entrada:10/15/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2009/02/17 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:DL 442-A/88 DE 1988/11/30 ART5 N1.
CIRS88 ART10 N1 A.
CIMV65 ART1 PAR1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC733/05 DE 2005/11/09.; AC STA PROC1213/05 DE 2004/03/29.; AC STA PROC1100/05 DE 2006/12/12.; AC STA PROC179/07 DE 2007/06/06.; AC STA PROC872/08 DE 2009/02/04.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 17/02/2009, de procedência da impugnação judicial que A... deduziu contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2002 e dos respectivos juros compensatórios, no montante total de 59.233,91 €.
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Do art.º 5º, nº 1 do D.L. nº 442-A/88, de 30 de Novembro, como norma de delimitação negativa do âmbito de aplicação do nº 1 do art.º 10º do CIRS, resulta que os ganhos já sujeitos ao imposto de mais-valias encontrar-se-ão sujeitos a IRS, pela categoria G.
2. A relação jurídica de imposto, in casu, foi gerada pela transmissão onerosa em 2002 de um prédio urbano (terreno destinado a construção) distinto, física e juridicamente, do prédio rústico de onde foi desanexado, este adquirido por partilha em 1974.
3. O facto tributário, em questão, gerador dos ganhos tributáveis a título de mais-valias ocorreu no âmbito da vigência do CIRS, sendo enquadrável no seu art.º 10°, n° 1, al. a).
4. O facto tributário, gerador do IRS, tal como foi configurado material, jurídica e temporalmente objecto de impugnação, está fora do âmbito da delimitação negativa prevista no art.º 5°, n° 1 do D.L. n° 442-A/88, 30.11.
5. Os ganhos obtidos pelo impugnante já estariam sujeitos a imposto de mais-valias (art.º 1.º do CIMV) se gerados por facto tributário (idêntico ao ocorrido na situação sub judicio) verificado no âmbito da vigência do CIMV.
6. À factualidade relevante, dada como provada, não será aplicável o regime transitório previsto no cit. art.º 5°, n° 1 do D.L. n° 442-A/88.
7. O sentido e alcance decisivos do referido n° 1 do art.º 5º do D.L. n° 442-A/88, 30.11, apurados tendo em conta o seu elemento literal, não consentem a sua aplicação ao facto tributário, gerador do imposto impugnado, tal como foi configurado.
8. Por via de uma inadequada interpretação daquela norma, foi indevidamente aplicado à situação sub judicio o regime excepcional e transitório decorrente do n° 1 do art.º 5° do D.L. 442-A/88, 30.11.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação ser julgada improcedente.
* * *
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«1. Na vigência do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV) os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção (considerados como os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo) estavam sujeito a tributação (art. 1º nº 1 e §2 CIMV).
Os ganhos resultantes da transmissão onerosa de prédios rústicos não estavam sujeitos a tributação.
A norma constante do art. 5° n° 1 DL n° 442-A/88, 30 Novembro estabelece uma delimitação negativa do âmbito de incidência objectiva do art. 10° n° 1 CIRS, evitando a tributação em sede deste imposto de ganhos resultantes de alienações onerosas que não eram tributadas em sede de CIMV, por forma a não violar fundadas expectativas dos agentes económicos senão mesmo o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (art. 2° CRP)
A solução encontrada consistiu em submeter a tributação em IRS os ganhos anteriormente excluídos de tributação em IMV apenas quando tanto a aquisição como a transmissão dos bens que os geraram tiver ocorrido na vigência do CIRS (iniciada em 1.01.1989).
2. Aplicando estas considerações ao caso em análise:
a) o prédio urbano (destinado a construção urbana na escritura de compra e venda celebrada em 26.11.2002 doc. fls. 63/67) inscrito na matriz sob o art. 3662, resultou de uma operação de destaque de uma parcela de anterior prédio rústico, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 465 (probatório n°s 3/7)
b) aquele prédio rústico mantinha essa natureza na data do início da vigência do CIRS em 1.01.1989 (a operação de destaque para a sua inscrição na matriz predial urbana apenas se verificou em 2002) não estando os ganhos resultantes da sua eventual transmissão onerosa sujeitos a tributação em IMV
c) o STA tem destilado jurisprudência consolidada interpretando a norma constante do art. 5° n° 1 DL n° 442-A/88, 30 Novembro com o sentido de que não são tributados em IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas (prédios rústicos) que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e que mantinham essa natureza na data do início da sua vigência (acórdãos STA 29.03.2006 processo n° 1213/05; 6.06.2007 processo n° 179/07; 13.02.2008 processo n° 763/07; 29.10.2008 processo n° 539/08; 4.02.2009 processo n° 872/08); esta jurisprudência deve ser seguida, por observância do princípio da aplicação e interpretação uniformes do direito (art. 8° n° 3 C.Civil).
3. Marginalmente, dir-se-á que a bondade desta jurisprudência nos merece sérias reservas:
a) o nebuloso argumento de uma alegada aplicação retroactiva da norma transitória interpretada aos ganhos (mas não a factos tributários) resultantes da valorização do prédio rústico antes do início da vigência do CIRS, qual sustenta primordialmente o entendimento da jurisprudência consagrada, é refutado no sintético mas esclarecido voto de vencido produzido no acórdão 29.03.2006 processo n° 1213/05)
b) igualmente aderimos às perfunctórias considerações expendidas pelo Mmo juiz do TF Braga, também ele vencido mas não convencido pela jurisprudência dominante
«(...) não parece que fosse intenção do legislador do CIRS isentar de tributação em sede de mais-valias todos os proprietários de prédios rústicos na data da entrada em vigor daquele Código, concedendo-lhes um beneficio que não tinham até aí, mas somente assegurar que a sua situação não seria agravada com a entrada em vigor daquele. Com efeito, na vigência do CIMV, os proprietários de prédios rústicos que os vendessem com essa natureza estavam isentos de tributação de mais-valias; mas se os vendessem já como urbanos seriam tributados nessa sede. Com a entrada do CIRS pretendeu manter-se esse regime e não, como se disse, conceder aos proprietários o benefício adicional de uma isenção mais alargada, independentemente da natureza do prédio no momento da venda» (negrito da nossa responsabilidade)».
1.6. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir as questões colocadas, as quais se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas.
* * *
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. O impugnante adquiriu a quota-parte de 1/2 no prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 412, em 08.06.1974, por partilhas homologadas por despacho de 20.04.1983, transitado em julgado em 06.06.1983, que tiveram lugar no processo de inventário obrigatório que correu termos sob o n° 16/82 pela 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.
2. Nessas partilhas coube ao impugnante a verba n° 35, que relacionava metade de um prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 412, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n° 72.312, a fls. 191 v° do livro B-182.
3. Esse prédio, em resultado de processo de expropriação de que foi objecto, veio, posteriormente, a receber o artigo 465 da matriz predial rústica, da mesma freguesia e concelho, para a parte sobrante à expropriada.
4. No qual o impugnante manteve uma quota-parte de 1/2.
5. Em 02.10.2002, em resultado de operação de destaque autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Viana do Castelo de 16.01.2002, deu entrada no Serviço de Finanças de Viana do Castelo declaração para alteração da inscrição do prédio dividido e inscrito sob o artigo 465, referido, e para inscrição da parte dele a destacar, com 2.500 m2, a que veio a ser atribuído o artigo urbano n° 3662.
6. Na qual o impugnante continuou a deter uma quota-parte de 1/2.
7. Em 26.11.2002, por escritura pública de compra e venda lavrada no primeiro Cartório Notarial de Viana do Castelo, a fls. 97 e ss. do livro 337-E, o impugnante e o comproprietário da restante parte do prédio, procederam ao destaque e venda do prédio inscrito sob o já citado artigo urbano 3662, pelo preço global de 523.737,80 €, cabendo 261.868,90 € à quota-parte de cada um deles.
8. Na referida escritura pública o imóvel vendido foi qualificado como urbano.
9. O impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2002, pelo valor de 77.201,54 €, cabendo 69.655,86 € a acerto de liquidação de 2002, 7.391,45 € a juros compensatórios, pelo período de entre 01.01.2002 e 31.12.2002 e 154,23 € a juros compensatórios anteriores, referentes ao mesmo período.
10. Tendo a Fazenda Pública compensado esse seu crédito sobre o impugnante com o crédito detido pelo impugnante sobre a Fazenda Pública, no montante de 17.967,63 €, referente a IRS anteriormente pago e respeitante ao mesmo período de 2002;
11. Tendo assim o impugnante sido notificado para, com data limite de 10.01.2007, fazer o pagamento de 59.233,91 €.
* * *
3. A única questão a decidir no presente recurso jurisdicional - considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações - consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.°, n° 1, do Decreto Lei n° 442-A/88, de 30 de Novembro [diploma que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)].
O que passa por saber se os ganhos resultantes da venda, em 26.11.2002, de prédio urbano que fora adquirido pelo Impugnante em 8.06.1974 como prédio rústico (na proporção de ½) e posteriormente transformado em urbano por força de operação de destaque ocorrida em 2002, estão sujeitos a tributação em sede de IRS (a título de Mais-Valias), ou se estão isentos dessa tributação por se encontrarem abrangidos pelo regime transitório previsto no artigo 5.º nº 1 do Dec. Lei n.º 442-A/88.
Tal problemática encontra-se tratada a nível jurisprudencial, tendo-se firmado entendimento, reiterado em diversos arestos desta Secção de Contencioso Tributário, no sentido de que à luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha, posteriormente, adquirido a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal.
Nesse sentido, podem ler-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 9/11/2005, proferido no recurso n.º 733/05; de 29/03/2004, proferido no recurso n.º 1213/05; de 12/12/2006, proferido no recurso n.º 1100/05; de 6/06/2007, proferido no recurso n.º 179/07; de 13/02/2008, proferido no recurso n.º 763/07; de 29/10/2008, proferido no recurso n.º 539/08 e de 4/02/2009, proferido no recurso n.º 872/08, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
É essa a posição que igualmente sufragamos e que se apoia, essencialmente, na seguinte argumentação:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultassem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Pelo que, à primeira vista, os ganhos resultantes da venda daquele prédio estariam sujeitos a tributação em sede de IRS, a título de Mais-Valias.
Todavia, por força do disposto no n° 1 do artigo 5.°do Dec. Lei n.º 442-A/88, que estabeleceu um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias criado pelo Código do Imposto de Mais-Valias aprovado pelo Dec. Lei n° 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficavam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitassem tivesse sido efectuada depois da entrada em vigor do CIRS, ou seja, depois de 1 de Janeiro de 1989.
Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1.° do Código do Imposto de Mais-Valias, este imposto incidia sobre «a transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial» (sublinhado nosso). E estabelecia o § 2.º do mesmo artigo 1.º que «São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
Isto é, o Código de Mais-Valias só sujeitava a imposto os terrenos para construção, os quais eram assim classificados por se encontrarem abrangidos por planos de urbanização, ou por se localizarem em zona urbanizada ou, ainda, por se destinarem a construção urbana segundo declaração dos próprios contraentes.
Neste contexto, conclui-se que, para que a transmissão do terreno em causa nos presentes nos autos fosse tributada em sede de IRS, era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1 de Janeiro de 1989, esse terreno fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização desse tipo de terrenos era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.
Ora, no caso vertente, é inquestionável que o prédio foi adquirido em 8/06/74 como prédio rústico, não se tendo provado (nem tendo sido, sequer, invocado) que se tratasse de terreno integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização ou que tivesse sido declarado pelos contraentes que a aquisição tinha em vista a construção. Pelo que tal prédio não podia ser considerado, nem à data da sua aquisição, nem à data da entrada em vigor do CIRS, como terreno para construção.
Deste modo, e de acordo com o regime legal apontado, o ganho obtido pelo Impugnante com a transmissão onerosa, efectuada em 2002, não estava sujeito IRS (por “mais-valias”), pese embora esse prédio se tenha entretanto transformado num prédio urbano (terreno destinado a construção).
E, como se deixou frisado no acórdão proferido em 6/06/2007, no Processo n.º 179/07, «Não valem, neste contexto de tributação em sede de mais-valias, considerações atinentes à materialidade económica das situações da valorização de terrenos agrícolas, derivada da sua transformação em terrenos de construção e à sua pretensa identidade com as situações de valorização de terrenos adquiridos e transmitidos como terrenos para construção.
Na verdade, é patente pelo art. 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias que ele não tinha a vocação para tributar a generalidade das situações de valorização de bens que tem o CIRS.
Aliás, o próprio Preâmbulo do Código do Imposto de Mais-Valias expressamente refere a deliberada restrição do âmbito de incidência do imposto, a título experimental, a algumas das situações de valorização de bens, alguns dos ganhos «trazidos pelo vento» e não todas as situações que poderiam abstractamente considerar-se equiparáveis. Com efeito refere-se no ponto 2 desse preâmbulo que «a ideia de que se partiu para traçar os limites do imposto foi a de considerar mais-valias os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda. É uma ideia decerto sujeita a reparos sob o ponto de vista teórico, mas que tem a vantagem de poder ser utilizada na prática. No entanto, resolveu-se aplicá-la, não a todos os bens naquelas condições, e sim apenas aos bens cujas mais-valias se verificam com maior frequência, são de maior vulto ou não oferecem dificuldades sérias de determinação. É o que acontece, sem dúvida, com os terrenos para construção; com os elementos do activo imobilizado das empresas (entre eles os trespasses e os alvarás) e os seus bens de rendimento; com o direito ao arrendamento dos escritórios e consultórios; com as quotas em sociedades e as acções». «Caem precisamente sob a alçada do imposto as mais-valias desses quatro grupos de bens. Mas fica a porta aberta para se alargar a base da incidência, trazendo-lhe outros bens com as respectivas mais-valias, muito embora só possa pensar-se em fazê-lo depois de colhida a experiência deste diploma e de bem delineados em vários sectores os contornos da evolução económica que está em curso».
Por outro lado, o afastamento pelo art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 da tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS, eram qualificados como terrenos agrícolas (e, por isso, estavam fora do âmbito de incidência do Código do Imposto de Mais-Valias) compreende-se pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 2ª7.), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias.»
Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões do recurso.
* * *
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, com procuradoria que se fixa em 1/8.
Lisboa, 2 de Junho de 2010. - Dulce Neto (relatora) - Pimenta do Vale - Valente Torrão.