Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01077/08
Data do Acordão:05/20/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRC
CUSTO FISCAL
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
IMPOSTO DE SELO
RELAÇÃO DE DOMÍNIO
Sumário:À luz do artº 23º do CIRC, não devem ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pelo impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total.
Nº Convencional:JSTA00065750
Nº do Documento:SA22009052001077
Data de Entrada:12/04/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23 ART58 N11.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1046/05 DE 2007/02/07.; AC STA PROC24753 DE 2000/04/05.; AC STA PROC246/02 DE 2002/07/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, SA, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação de IRC, relativo ao ano de 2003, dela veio interpor o presente recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, formulando as seguintes conclusões:
I – A discordância da recorrente prende-se fundamentalmente com a consideração jurídica que o Tribunal a quo adoptou relativamente à noção de custo relevante para efeitos fiscais.
II – Uma vez que o Tribunal recorrido não considerou fiscalmente relevantes os “custos com juros de empréstimos bancários”, com fundamento no artigo 23° CIRC, por entender que os mesmos não eram necessários para a realização dos proveitos ou ganhos do contribuinte.
III – Acontece que, in casu, nos encontramos perante uma relação de grupo constituída por uma relação de domínio total (cfr. artigos 488° ss. CSC), uma vez que a impugnante é detida a 100% pela sociedade-mãe, “B…SA”.
IV – Ora, nas relações que se estabelecem entre as sociedades do grupo está presente uma estratégia e uma lógica empresarial de “grupo”, i.é, uma estratégia de convergência e congregação de esforços mútuos com vista à maximização do lucro naquelas sociedades que pode justificar e justifica uma política comercial e económica pensada em termos de conjunto, a qual não pode ser perspectivada isolada e singularmente.
V – Podendo mesmo, num grupo de sociedades, serem as sociedades filhas obrigadas a praticar actos que sejam, para ela, desvantajosos e até causadores de prejuízo, desde que os mesmos visem os interesses do “grupo” (cfr. artigo 503°, n° 2 CSC aplicável ex vi artigo 491º CSC).
VI – Tendo sido desta regra e princípio basilar de uma relação de grupo, que na decisão ora em crise se fez tábua rasa.
VII – Desconsiderando-se igualmente que a decisão que justificou a reacção da administração fiscal e a liquidação ora em crise é inequivocamente uma correcta e boa decisão de gestão empresarial (atenta a “lógica de grupo”), uma vez que a operação em causa foi efectuada pela impugnante pela simples razão de ser ela quem estava em melhor situação (desde logo, porque dispunha de bens imóveis para dar em garantia — cfr. as actas juntas aos autos) para obter condições mais favoráveis (nomeadamente a nível da taxa de juro) nos empréstimos bancários que se tornava necessário contrair.
VIII – Não podendo, por ser manifestamente contrário aos mais elementares princípios de direito societário, ser a Administração Fiscal a questionar o mérito (ou demérito) de tais actos sob pena de haver uma insuportável e intolerável ingerência por parte do Fisco na gestão das empresas (cfr., a este propósito, a explicitação que recentemente foi feita, entre nós, deste princípio basilar do direito societário através da consagração expressa da business judgemet rule no artigo 72°, n° 2 CSC).
IX – Por outro lado, para que aqueles custos financeiros fossem aceites e relevados fiscalmente não se torna necessário — como se afirma na sentença recorrida — que a sociedade fizesse uso do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previstos nos artigos 63° ss. CIRC.
X – Trata-se efectivamente de coisas distintas: uma coisa é o grupo (rectius, a sociedade dominante) pretender ficar sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades; outra, absolutamente distinta é saber se (apesar da sociedade dominante não ter optado por tal regime especial) as decisões tomadas e os custos suportados pelas sociedades do grupo (v.g., pelas sociedades filhas), ainda que em seu prejuízo e ainda que não sejam estritamente necessárias para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, deverão ser aceites e relevados fiscalmente.
XI – É manifesto que a resposta que resulta do nosso quadro legal societário tem que ser afirmativa (conquanto aqueles actos tenham sido praticados, como sucedeu no caso concreto, tendo em vista o interesse do grupo societário), pelo que, em consequência, deverá ser corrigida a posição adoptada pela Administração Fiscal e revogada a sentença do Tribunal de 1ª instância, mantendo-se a base tributável determinada pela impugnante na declaração por si apresentada.
XII – Finalmente, caso se entenda - como entendeu o Tribunal a quo - , o que, em todo o caso, não se concede, que aqueles custos com encargos financeiros não podem ser fiscalmente relevados pela aqui impugnante, há manifestamente in casu relações especiais entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram dos financiamentos por ela concedidos.
XIII – Pelo que a haver correcções na matéria colectável da impugnante, tal deverá necessariamente implicar correcções idênticas (de sentido inverso) nas outras empresas do grupo (cfr. artigo 58°, n° 11 CIRC), o que deverá ser judicialmente declarado.
XIV – Ao assim não decidir, a douta decisão do Tribunal a quo violou, entre outras, as normas dos artigos, as normas dos artigo 23° e 63° e 64° CIRC, bem como as normas dos artigos 72° e 503° CSC.
Este Tribunal declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por ser competente esta Secção do STA, uma vez que versava apenas matéria de direito, para onde subiu o recurso.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, uma vez que “sobre o mérito do recurso pronunciou-se já o Ministério Público na segunda instância (TCA.N) - fls. 101 e seguintes…”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. A impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa, em Abril de 2005, no decurso da qual os serviços verificaram que contabilizara no exercício de 2003 como custo fiscal o montante de 57.481,35 €, referente a encargos financeiros relacionados com a obtenção de crédito junto de instituições bancárias, correspondentes essencialmente a juros e imposto de selo.
2. A impugnante financiou gratuitamente as sociedades “B…, SA.”, e “C…, S.A.”, tendo em vista as necessidades destas, reportando-se a estes financiamentos os encargos financeiros desconsiderados.
3. A “B…, S.A.”, detém a 100% a impugnante e C…, S.A.
4. A 6/7/2005 foi a impugnante notificada da liquidação.
5. A impugnante deduziu reclamação graciosa a 28/7/2005, indeferida por decisão de 12/9/06, notificada a 14/9/06.
3 – O objecto do presente recurso consiste em saber, se à luz do artº 23º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total.
Dispõe o predito normativo legal que, “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”.
Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.
Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
“A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.
Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.
Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.
Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais” (Acórdão desta Secção do STA de 7/2/07, in rec. nº 1.046/05, com as necessárias adaptações ao caso em apreço).
No mesmo sentido, pode ver-se, ainda, o Acórdão da mesma Secção do STA de 10/7/02, in rec. nº 246/02, citado na sentença recorrida.
Pelo que improcedem, assim, as conclusões I a XI.
4 – Por outro lado, nas conclusões XII e XIII, alega a recorrente que “Finalmente, caso se entenda — como entendeu o Tribunal a quo —, o que, em todo o caso, não se concede, que aqueles custos com encargos financeiros não podem ser fiscalmente relevados pela aqui impugnante, há manifestamente in casu relações especiais entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram dos financiamentos por ela concedidos…
Pelo que a haver correcções na matéria colectável da impugnante, tal deverá necessariamente implicar correcções idênticas (de sentido inverso) nas outras empresas do grupo (cfr. artigo 58°, n° 11 CIRC), o que deverá ser judicialmente declarado”.
Ora, não obstante a questão assim suscitada tenha sido enunciada na petição inicial, o certo é que sobre ela o Tribunal recorrido não formulou qualquer juízo ou emitiu qualquer pronúncia.
Sendo assim e consequentemente, não pode também, agora, este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre ela, já que e como é jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, os recursos jurisdicionais não constituem o meio processual adequado a decidir questões não apreciadas pela decisão judicial com eles impugnada, pois que, por definição, visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso (vide, por todos, Acórdão de 5/4/00, in rec. nº 24.753).
Deste modo, sendo a referida questão nova e não sendo do conhecimento oficioso, estas conclusões não podem, também e necessariamente, deixar de improceder.
5 – Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 20 de Maio de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – Miranda de Pacheco – Jorge Lino.