Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0233/09
Data do Acordão:06/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
JULGAMENTO
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário:I - Para efeitos de prescrição de dívidas de IVA e IRC respeitantes ao ano de 1995, revela-se de julgamento necessário mormente a falência (apenas aludida) da originária executada, e as vicissitudes do falado processo; a data de instauração da respectiva execução fiscal; e a paragem desta, ou não, por mais de um ano, por motivo não imputável ao contribuinte.
II - A falta de julgamento dos factos necessários à decisão da causa constitui nulidade de conhecimento oficioso, por semelhança com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil.
Nº Convencional:JSTA000P10635
Nº do Documento:SA2200906250233
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que «julga a Oposição procedente e, em consequência, extinta a Execução», nestes autos de oposição à execução fiscal em que é oponente A….
1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública formula as seguintes conclusões.
I. A contagem do prazo prescricional teve início em 01/01/1996;
II. Relativamente ao prazo da prescrição aplica-se o regime da LGT que entrou em vigor em 1999.01.01 - 8 anos;
III. Com a falência da executada originária, em 28 de Abril de 1997 e consequente avocação dos processos executivos, apenas devolvidos em 16 de Maio de 2005 o PEF esteve suspenso;
IV. Com a citação do ora oponente, em 30 de Março de 2006, é interrompida a prescrição;
V. Sendo que a interrupção provocada pela citação inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente só começando a correr novo prazo de igual duração quando passar em julgado a decisão que puser termo ao processo como dispõe o n° 1 do art° 326° e n° 1 do art° 327° do Código Civil, normas aplicáveis por força do disposto na alínea d) do art° 2° da LGT.
VI. Não tendo sido proferida decisão transitada em julgado a pôr termo ao processo não se encontra, pois, a dívida prescrita.
VII. Pelo que a sentença recorrida viola o art° 48° da LGT e os art°s. 326 n° 1 e 327° n° 1 do CC ex vi alínea d) do art° 2° da LGT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a reclamação improcedente.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Alega a recorrente Fazenda Pública que com a falência da executada originária em 28 de Abril de 1997 e consequente avocação dos processos executivos, apenas devolvidos em 16 de Maio de 2005, o processo de execução fiscal esteve suspenso.
A nosso ver carece de razão.
Ao invés do que sucede com o art° 29° nº 1 do CPEREF (relativo ao processo de recuperação de empresa), no caso de declaração de falência não se estabelece a suspensão dos prazos de prescrição.
E isto justifica-se, como esclarece Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, 5ª edição, vol. II, pag. 231, pelo facto de o processo de falência ser uma forma de prosseguir o processo executivo.
Daí que se entenda, em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (acórdãos de 11.06.1997, recurso 19927, de 23/11/2005, recurso 590/05 e de 12/6/07, recurso 436/07, todos in www.dgsi.pt) que a remessa do processo de execução ao processo de falência não importa a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com ele segue a sua normal tramitação.
Porém há que notar que à contagem da prescrição se aplica o disposto no art° 34° do Código de Processo Tributário.
Nos termos do n° 3 do referido normativo a instauração da execução interrompe a prescrição.
Tendo sido a execução sido avocada pelo processo de falência o prazo prescricional continua interrompido, a menos que o processo de falência - ele próprio - tenha estado parado por mais de um ano por causa não imputável ao executado.
No caso, não constam dos autos elementos que permitam saber se ocorreu ou não essa paragem.
Como assim sou de parecer que os autos devem baixar à 1ª instância em ordem a proceder-se à necessária ampliação da matéria de facto (arts. 729.°, n.° 3, e 730°, n.°s 1 e 2, do C.P.C.).
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) Em 28 de Abril de 1997 foi declarada a falência de B…, LDA - fls. 29;
B) Em 20-03-2006 foi decidida a reversão contra o ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, da execução fiscal antes instaurada contra B…, LDA para cobrança de dívidas de IVA e IRC do ano de 1995 - fls. 32.
C) O ora Oponente foi citado em 30-03-2006;
2.2 Correspondentemente ao artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, o artigo 34.º do Código de Processo Tributário (diploma entrado em vigor em 1 de Julho de 1991, conforme o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, da respectiva aprovação), veio dispor, sob a epígrafe de “Prescrição das obrigações tributárias”, que «A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei» (n.º 1); que «O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial» (n.º 2); e que «A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação» (n.º 3).
Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, as causas de suspensão ou interrupção da prescrição produzem efeito de igual modo em relação ao responsável subsidiário, isto é, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário) – cf. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, p. 112.
Sucedendo ao artigo 34.º do Código de Processo Tributário, o artigo 48.º da Lei Geral Tributária (em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 1999), dispõe, no seu n.º 1, na redacção anterior à Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que «As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Em correspondência essencial com o n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, o artigo 49.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe de “Interrupção e suspensão da prescrição” estabelece que «A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição» (n.º 1); que «A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação» (n.º 2); e que «O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso» (n.º 3).
Verificando-se uma sucessão de leis no tempo no que respeita ao prazo de prescrição, para saber qual a lei aplicável, há que convocar o artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil, que dispõe que «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
Isto é, se a lei nova fixar um prazo mais curto do que o fixado na lei antiga, então, se, segundo a lei antiga faltar menos tempo, do que o fixado pela lei nova, para o prazo se completar, é aplicável a lei antiga; mas, se, segundo a lei antiga faltar mais tempo para o prazo se completar, a lei nova é aplicável aos prazos que já estiverem em curso, sendo que o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei. O que bem se compreende, já que assim se concretiza a intenção do legislador: reduzir o prazo, sem operar qualquer efeito retroactivo – cf., por exemplo, e por mais recente, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-1-2007, proferido no recurso n.º 112/06.
Como referem Ruben Carvalho e Francisco Pardal, citando Manuel Andrade, a situação em causa “reconduz-se a uma suspensão e reatamento do curso da prescrição” – cf. Código de Processo das Contribuições e Impostos anotado, 2.ª edição, pp. 182/183. Em tal hipótese, e ao contrário do que acontece no Código Civil – artigo 326.º -, não começa a correr um novo prazo de prescrição a partir do acto interruptivo, inutilizando-se todo o tempo decorrido anteriormente. Uma vez que a lei faz cessar o efeito interruptivo, não se inutiliza o prazo já decorrido, procedendo-se à contagem do prazo em termos da dita suspensão e reatamento do prazo prescricional. Como refere Benjamim Rodrigues, Problemas Fundamentais de Direito Tributário, p. 285, na dita hipótese, o efeito interruptivo – que, de outro modo, inutilizaria todo o tempo decorrido anteriormente – degenerou-se em simples suspensão por um ano. Ou, de outro modo: aí, a interrupção da prescrição converte-se em mera suspensão (cf., ainda o mesmo acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-1-2007, proferido no recurso n.º 112/06).
A aplicação pura e simples do prazo prescricional conduziria à extinção do direito sobre que a prescrição opera logo que se verificasse o completo decurso daquele prazo. Como assim, na base do instituto da suspensão e da interrupção da prescrição está a ideia de que, não obstante as necessidades de certeza e de segurança, a atitude passiva do credor se justifica em virtude das especiais circunstâncias em que se encontra. A lei impede que o tempo exerça a sua eficácia destrutiva sobre o direito durante todo o período por que duram as causas justificativas daquela passividade: dá-se uma suspensão ou interrupção do prazo. A suspensão, ou interrupção, da prescrição traduz-se assim no aparecimento dum facto ou duma qualidade que retira ao prazo a sua relevância prescricional durante todo o tempo da sua duração. Uma vez desaparecida esta qualidade impeditiva, o prazo volta a correr, e na sua contagem inclui-se aquele que decorreu antes do aparecimento da causa suspensiva com o que vai decorrer após a sua cessação – cf. José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra Editora, Limitada, 1953, pp. 94 e 95.
Portanto: para julgar decorrido o prazo de prescrição, é necessário fazer-se a prova de um facto positivo: o de se ter escoado o lapso de tempo fixado na lei para a prescrição; e a prova de um facto negativo: o de inexistência de causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, durante esse lapso de tempo indicado na lei.
2.3 De outra banda, sob a epígrafe “Sentença. Objecto”, o artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário reza, no seu n.º 2, que na sentença «O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões».
A exigência de fundamentação das decisões judiciais constitui, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
A especificação dos fundamentos de facto da decisão judicial refere-se à motivação ou fundamentação da mesma no plano factual.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, pela especificação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumpre, de resto, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada.
É claro que a destrinça entre factos provados e não provados implicará uma análise crítica das provas. De realçar que a decisão relativa à matéria de facto provada tem de ser fundamentada, o que implica que o juiz especifique concretamente os meios de prova que serviram de suporte à fixação da factualidade provada que inventariou (cf., também, o n.º 3 do artigo 659.º do Código de Processo Civil e o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição) – cf. Alfredo de Sousa, e Silva Paixão, no Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, em anotação ao artigo 123.º.
Por nós, consideramos que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão da causa constitui nulidade de conhecimento oficioso, em paralelo com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil, pois que – de acordo com o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-1996, proferido no recurso n.º 20805 – o n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, «ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso» – cf., ainda no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 23-6-1988, de 20-10-1988, de 3-6-1992, de 20-2-2008, e de 12-11-2008, proferidos, respectivamente, nos recursos n.º 24700, n.º 24638, n.º 14284, n.º 903/07, e n.º 546-08.
2.4 No caso sub judicio, deve dizer-se, desde já, que o processo de execução fiscal apenso aos presentes autos de oposição não se refere às dívidas exequendas aqui em causa, de IVA e de IRC respeitantes ao ano de 1995 (mas a IVA de 1994).
A sentença recorrida disserta essencialmente do seguinte modo.
Reportando-se as obrigações tributárias ao ano de 1995, a norma aplicável em termos de prescrição é a constante do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo DL n.º 154/91, de 23 de Abril, em cujos termos a obrigação tributária prescreve decorridos dez anos sobre o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial ou se a lei fixar prazo mais curto.
Assim, mesmo descontando o período em que não foi possível a cobrança das dívidas exequendas por se encontrar em curso o processo de falência, decorreram, já, mais de dez anos desde 1 de Janeiro de 1996, já que a falência foi declarada em 28-04-1997 - A dos factos provados.
No entanto, a sentença recorrida assenta apenas que «Em 28 de Abril de 1997 foi declarada a falência de B…, LDA»; que «Em 20-03-2006 foi decidida a reversão contra o ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, da execução fiscal antes instaurada contra B…, LDA para cobrança de dívidas de IVA e IRC do ano de 1995»; e que «O ora Oponente foi citado em 30-03-2006» – cf. A), B) e C) do probatório.
E, em nosso julgamento, e atento o regime legal consignado supra no ponto 2.2, não podia a sentença recorrida ter ajuizado pelo modo por que ajuizou, sem ter assentado, nomeadamente, a data da instauração da execução fiscal contra a sociedade devedora originária; a data da instauração e vicissitudes do falado processo de falência; e ainda o facto de ter estado, ou não, a execução fiscal, parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte – tudo factos ou actos processuais nem ao menos aludidos na sentença recorrida.
Como assim, a sentença recorrida não fez o julgamento da factualidade necessária, em face do regime legal aplicável, para a decisão afirmativa, que tomou, de verificação da prescrição das obrigações aqui em causa, referentes às dívidas exequendas de IVA e de IRC respeitantes ao ano de 1995.
E, então, é claro que a sentença recorrida não procedeu ao julgamento dos factos necessários fundamentadores da solução que encontrou.
Razão por que, por falta de julgamento da pertinente matéria de facto, deve ser anulada a sentença recorrida.
Assim, havemos de convir que, para efeitos de prescrição de dívidas de IVA e IRC respeitantes ao ano de 1995, revela-se de julgamento necessário mormente a falência (apenas aludida) da originária executada, e as vicissitudes do falado processo; a data de instauração da respectiva execução fiscal; e a paragem desta, ou não, por mais de um ano, por motivo não imputável ao contribuinte.
A falta de julgamento dos factos necessários à decisão da causa constitui nulidade de conhecimento oficioso, por semelhança com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil.
3. Termos em que se acorda anular a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Junho 2009. - Jorge Lino (relator) – Brandão de PinhoPimenta do Vale.