Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0655/17.7BEBRG
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO
TAXA
PORTAGEM
COIMA
AMPLIAÇÃO
ÂMBITO DO RECURSO
Sumário:I - Constituem créditos tributários, para os efeitos do disposto no artigo 30.º da Lei Geral Tributária, os créditos provenientes de taxas de portagem, respectivos juros de mora e custos administrativos.
II - O plano aprovado no processo especial de revitalização instituído pelos artigos 17.º-A a 17.º-I, aditados ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, não pode obstar ao prosseguimento da execução fiscal para cobrança desses créditos, a não ser nos casos e dentro dos pressupostos previstos pela própria lei fiscal;
III - Não constituem créditos tributários, para os efeitos do mesmo dispositivo legal, os créditos provenientes de coimas aplicadas por contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança electrónica de portagens.
IV - A oposição não é o meio processual adequado para decretar a extinção da execução fiscal por causa superveniente, decorrente da homologação do plano de recuperação aprovado na sua pendência e a que alude o artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE;
V - A consequência jurídica da inutilidade do conhecimento dos fundamentos da oposição à execução fiscal não é a procedência, mas a extinção da instância da oposição, por inutilidade superveniente da lide.
VI - Não existem elementos para concluir pela inutilidade superveniente da lide se não tiver sido apurado se o próprio plano de revitalização prevê a continuação das execuções fiscais para cobrança coerciva dos créditos provenientes das coimas, nos termos da parte final daquele dispositivo legal.
Nº Convencional:JSTA000P29219
Nº do Documento:SA2202204070655/17
Data de Entrada:06/24/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Representante da Fazenda Pública recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na parte em que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 0361201501270176 e apensos, que no Serviço de Finanças de Braga 1 correm termos contra A…………, S.A., contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio fiscal na Avenida ………, n.º ……, 4710-…… Braga, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de «portagem, coimas e encargos administrativos», no montante global de € 1.805.729,44.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 26 de março de 2019, que, para além de julgar verificado o erro parcial na forma de processo e, em consequência, absolver a Fazenda Pública da presente instância [na parte relativa aos pedidos de nulidade da citação e de inexistência da dívida], julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal n.º 0361201501249320 e apensos.

B) A douta sentença de erro de julgamento de direito, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação i) das disposições combinadas do n.º 2 do art.º 4.º e n.º 2 do art.º 30 da LGT, do art.º 180.º do CPPT e n.º 1 do art.º 17- E do CIRE, e, sem prescindir, ii) da alínea e) do art.º 277.º do CPC e iii) do n.º 3 do art.º 563.º do CPC.

C) A sentença de que se recorre errou ao considerar os créditos exequendos como créditos com natureza não tributária.

D) A taxa de portagem configura uma verdadeira taxa, nos termos do n.º 2 do art.º 4.º da LGT, pois o montante cobrado pela utilização de uma autoestrada constitui a contraprestação que é devida pela utilização individual de cada utente da autoestrada que constitui um bem público.

E) Destinando-se tal taxa a custear a construção, conservação e exploração das autoestradas, em cumprimento dos contratos de concessão estabelecidos entre o Estado, não sendo determinante o facto desta constituir receita própria da concessionária, pois que esta exerce uma atividade que pertence à Administração, transferida por via da concessão.

F) Havendo, por via disso, um claro interesse público na cobrança de tais créditos.

G) O próprio estabelecimento de uma sanção pelo não pagamento da taxa de portagem indicia estarmos perante uma taxa e não de um preço fixado pela utilização do serviço.

H) As dívidas exequendas resultantes de procedimentos contra-ordenacionais instaurados pelo não pagamento de taxas de portagens também têm natureza tributária, porquanto as mesmas revertem quase na sua totalidade para o Estado.

Sem prescindir,

I) A decisão sobre o destino da presente oposição à execução fiscal não poderia passar pela procedência, mas antes pela inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 277.º do CPC, sendo responsável pelo pagamento das custas a Oponente, nos termos do n.º 3 do art.º 563.º do CPC.

J) Assim, a partir do momento em que foi homologado o PER e, por via disso são extintas as execuções fiscais objeto dos presentes autos, tornou-se inútil, por não ser possível dar satisfação à pretensão da Oponente nos termos em que peticiona.

K) Não havendo qualquer dúvida quanto à superveniência dos factos que determinaram a inutilidade porquanto i) as execuções foram instauradas em 2015/07/20 e 2015/07/31 [vide facto n.º 1 dos factos provados], ii) a oposição á execução foi apresentada em 2015/09/08 e iii) o PER foi homologado em 2016/05/06, por sentença transitada em julgado em 2016/10/25.

L) Nesta medida, a oposição à execução fiscal perdeu a sua utilidade, dada a impossibilidade de se obter qualquer efeito útil da presente ação, pelo que se deverá extinguir a lide por inutilidade superveniente, de acordo com o preceituado no art.º 277º, al. e) do CPC, ex vi do art.º 2º, al. e) do CPPT.

M) Acresce que, a instauração do PER, no qual foi aprovado e homologado o plano de recuperação que conduziu à extinção da instância, foi um ato voluntário da Oponente, para satisfação dos seus interesses de evitar a insolvência e manter a sua atividade.

N) Assim, as custas deveriam ser-lhe imputadas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 536.º do CPC, por ter dado causa à inutilidade.».

Pediu fosse dado provimento ao recurso e fosse revogada a douta sentença recorrida.

Requereu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

O Recorrido apresentou contra alegações e formulou também conclusões que, por isso, aqui se transcrevem também:

1. Vem a ora Recorrente RF, não se conformando com a douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, interpor recurso da mesma com os seguintes fundamentos:

2. Por um lado, considerar que a mesma faz uma errada aplicação do direito ao não considerar os créditos exequendos como créditos tributários.

3. Por outro, sempre a consequência de tal consideração, com a aplicação do art. 17º E do CIRE, teria que ser a extinção da presente execução, mas com fundamento em inutilidade superveniente da lide.

4. S.m.o., carece de razão a recorrente, encontrando-se devidamente fundamentada a douta sentença, porquanto, e como já alegado em sede de oposição,

5. O artigo 148.º do Código de Procedimento e Processo Tributário delimita o âmbito da execução fiscal.

6. Estabelecendo a teleologia subjacente à mesma – a cobrança de créditos tributários, de forma taxativa.

7. Não admitindo quaisquer outras quantias.

8. In casu, a presente execução fiscal com proveniência (tributo) “CO.EN.Prcc.CO – COIMA AT” e “C.TX.Port”, atento o teor das citações da presente execução.

9. Dívida essa que, naturalmente, não se enquadra em nenhuma das situações elencadas no artigo 148.º do C.P.P.T., nem tão pouco uma contrapartida a favor do Estado.

10. Nem decorre, presumivelmente, de um qualquer tributo.

11. Ora, na verdade, ao transpor uma barreira eletrónica de autoestrada, celebra a aqui Requerente um contrato de cariz eminentemente civilista com a empresa privada que explora a referida via,

12. Contrato esse de onde decorre uma obrigação meramente civil para a Oponente, de pagamento de uma contraprestação pela utilização da infraestrutura rodoviária em causa e não tributária.

13. Além do mais, nem tal qualificação de tributo se poderia imputar à contraprestação em causa, uma vez que a mesma não se consubstancia numa prestação concreta de um qualquer serviço público (como bem exige o artigo 4.º, nº2 da L.G.T.),

14. Nem tão-pouco numa “contribuição especial”, nos termos do artigo 4.º, nº3 da L.G.T..

15. Se se entendesse que a “taxa de portagem” configura um verdadeiro tributo, o que não se concede, obrigatoriamente, deveria a mesma, bem como o seu regime, de forma clara e inequívoca, por força do artigo 148.º, nº2 do C.P.P.T. constar de lei especial,

16. Lei essa restrita no sentido formal,

17. E que só poderia assumir a natureza de Decreto-Lei sob autorização da Assembleia da República,

18. Como exige a Lei Constitucional no seu artigo 165.º, nº1, al. i).

19. Lei essa que no presente caso não existe,

20. E diz-se que não existe, pois as bases gerais do sistema de concessão da construção, conservação e exploração de autoestradas outorgada à BRISA- Autoestradas de Portugal, S.A., e consequentemente, a aplicação das designadas “tarifas de portagem”, encontram-se previstas em Decreto-Lei (nº 294/97, de 24 de Outubro),

21. Ora, tal Decreto-Lei esse emanado nos termos da al. a) do artigo 198.º, conforme consta do referido diploma legal e não sob autorização da Assembleia da República.

22. Em suma, andou bem o tribunal a quo ao decidir que os créditos peticionados no âmbito das referidas execuções fiscais não revestem natureza tributária.

23. Decidindo, assim, pela procedência da oposição apresentada, como consequência jurídica da extinção da execução fiscal, a qual opera ope legis determinada pela aplicação do disposto no art. 17ºE do CIRE e não proveniente de um dos fundamentos da inutilidade superveniente da lide.

Sem conceder e por mera cautela de patrocínio, subsidiariamente,

AMPLIAÇÃO DO RECURSO NOS TERMOS DO ARTIGO 636.º DO CPC EX VI DO ART. 2º AL. E) DO CPPT

24. Tendo respondido a todas as questões principais invocadas pela recorrente, cabe-nos agora, ao abrigo do artigo 636.º do CPC, requerer a ampliação do âmbito do presente recurso, subsidiariamente, pois,

25. por um lado, a sentença do tribunal a quo decidiu declarar sem efeito os pedidos de nulidade da citação e de inexistência da dívida, consequentemente absolvendo a Ré RF da instância por erro na forma de processo e

26. por outro lado, nos termos do art. 608º, nº 2 do CPC considerou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela oponente.

27. Ora, no que concerne à absolvição da instância, consideramos não existir razão ao tribunal a quo, uma vez que, quer a nulidade da citação, quer a inexistência da dívida enquadram-se no art. 204º, nº 1, al. i) do CPPT, pelo que não há qualquer erro na forma de processo.

28. No tocante às demais questões, já anteriormente alegadas, sempre se remete as mesmas para as alegações da oposição á presente execução.

29. Foi a aqui Oponente citada no decurso dos processos executivos supra referenciados,

30. Processos esses instaurados por não pagamento de taxas de portagem,

31. Presumidamente, por as viaturas, propriedade da Oponente, terem alegadamente transposto barreiras de portagens através de uma via reservada a um sistema eletrónico de cobrança,

32. Sem que o veículo em causa se encontrasse associado ao respetivo sistema, por força de um contrato de adesão, e não ter, em consequência, procedido ao pagamento das “taxas” de portagem respetivas,

33. A execução fiscal não é forma de processo próprio e idóneo para aplicar ao presente caso, senão vejamos:

A. DA INCONSTITUCIONALIDADE

34. A presente execução fiscal enferma de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da proporcionalidade, igualdade e legalidade tributárias,

35. Ora, chamando à colação o consagrado no artigo 18.º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa,

36. Onde se dispõe sobre a limitação na restrição de direitos, liberdades e garantias pelo princípio da proporcionalidade,

37. Que está no presente caso em clara violação da plenitude desse conceito.

38. O órgão de execução fiscal, por decurso de imposição legal, viola, como já se disse, em decorrência do estatuído, o princípio da proporcionalidade.

39. Porquanto o Estado podia vir cobrar em nome das concessionárias de forma singela as quantias que a elas lhe são devidas,

40. No entanto, que a ser assim, não encontrava forma de justificar a sua intervenção, agindo apenas como um “mero cobrador do fraque”.

41. Ora, o Estado traveste essa dívida das concessionárias de imposto para legitimar a sua intervenção como cobrador

42. Viola, ainda, a qualificação tributária porquanto a forma de cobrança não tem qualquer cabimento, no enquadramento que faz para legitimar a forma como cobra.

43. Mais, o Estado intromete-se num relação contratual privada entre dois entes privados, sem qualquer ius imperii,

44. Mas ainda assim, fazendo uso deste para beneficiar com prejuízo de todos os demais, leia-se todas as demais sociedades anónimas como as concessionárias,

45. Beneficiando estas e prejudicando as outras.

46. Grave violação do princípio da igualdade tributária,

47. Porquanto a violação do princípio da igualdade tributária tem que se entendida como descriminação negativa, mas também positiva.

48. E diz-se positiva pois, como se disse, não podemos olhar para este princípio à luz genérica de todos os cidadãos,

49. Restringindo na sua interpretação, como sendo apenas uma descriminação negativa.

50. O presente caso é paramount de uma descriminação positiva que todos os demais contribuintes, que não estas concessionárias, beneficiam.

51. E, por isso, é inequívoco que por todos os lados, leia-se qualificação da fundada razão que justifica esta cobrança, o Estado viola a Constituição da República Portuguesa e o sistema jurídico tributário.

Sem prescindir,

B. DA NULIDADE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

52. O artigo 148.º do Código de Procedimento e Processo Tributário delimita o âmbito da execução fiscal,

53. Estabelecendo a teleologia subjacente à mesma – a cobrança de créditos tributários.

54. Com efeito, preceitua aquela norma o seguinte:

“O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:

a) Tributos, incluindo impostos (...), taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado (...);

b) Coimas e outras sanções pecuniárias (...)”

55. Sendo certo que, tal preceito legal elenca, de forma taxativa, os tributos que se enquadram no âmbito da execução fiscal,

56. Não admitindo quaisquer outras quantias.

57. In casu, a presente execução fiscal com proveniência (tributo) “CO.EN.Prcc.CO – COIMA AT” e “C.TX.Port”, atento o teor das citações da presente execução,

58. Dívida essa que, naturalmente, não se enquadra em nenhuma das situações elencadas no artigo 148.º do C.P.P.T.

59. Nem decorre, presumivelmente, de um qualquer tributo,

60. Dessa forma, dúvidas não restam de que a presente execução não tem fundamento nem sustento legal, atento o preceituado no artigo 148.º do C.P.P.T.

Sem prescindir,

C. DA FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO

61. Toda a execução tem por base um título executivo,

62. Título esse pela qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.

63. O fim do processo de execução fiscal é sempre a cobrança de uma quantia em dinheiro,

64. Pelo que, neste tipo de processo, a função do título executivo é a de, por um lado, determinar os limites da execução e o conteúdo da obrigação que se imputa ao executado,

65. E, por outro lado, a de fundamentar a execução, garantindo que o exequente tenha direito à cobrança da quantia que pretende cobrar.

66. Ora, o artigo 162.º do C.P.P.T. elenca os títulos executivos suscetíveis de servir de base a uma execução fiscal.

67. Porém, insolitamente, não detém a Administração Tributária qualquer título executivo que fundamente a presente execução, e que se enquadra numa das alíneas do artigo 162.º do C.P.P.T.,

68. Nem tão-pouco existe lei especial que atribua ao documento-base da presente execução força executória.

69. Pelo que, e sem necessidade de mais amplas considerações, deve a presente execução ser declara nula, por inexistência de título executivo,

Sem prescindir,

70. Dispõe o nº 1 do artigo 163.º, a propósito dos requisitos dos títulos executivos, o seguinte:

“São requisitos essenciais dos títulos executivos:

a) Menção da entidade emissora ou promotora da execução;

b) Assinatura da entidade emissora ou promotores da execução, por chancela nos termos do presente Código ou, preferencialmente, através da aposição de assinatura eletrónica qualificada;

c) Data em que foi emitido;

d) Nome e domicílio do ou dos devedores;

e) Natureza e proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante.”

71. Requisitos estes que, a existir título executivo, não foram observados por aquele.

72. Na verdade, a aqui Oponente desconhece a entidade emissora da presente execução,

73. A data em que o título executivo foi emitido, a existir,

74. Nem sequer a natureza e a proveniência da dívida

75. Ora, faltando indubitavelmente requisitos essenciais e insupríveis ao título executivo, constitui tal falta uma nulidade insanável do processo de execução fiscal (artigo 165.º, nº 1, al. b) do C.P.P.T.),

Sem prescindir,

D.DA NULIDADE DA CITAÇÃO

76. Prescreve o artigo 190.º do C.P.P.T. que a citação da execução fiscal deve obedecer aos requisitos previstos no artigo 163.º,

77. Ou seja: deve a mesma citação identificar a entidade emissora da execução, a data em que o título executivo foi emitido, o nome e domicilio do devedor e, por fim, a natureza e a proveniência da dívida.

78. Ora, compulsada a citação presente, certo é que a mesma não logrou respeitar e observar os requisitos previstos no artigo 163.º,

79. E isto porque, como já foi referido, não dispõe a aqui Oponente dos elementos supra identificados,

80. Nem tão-pouco se encontra capaz de a efetiva causa da presente execução.

81. Dessa forma, a falta de requisitos da citação constitui, inelutavelmente, uma nulidade,

82. Por não observância das formalidades prescritas na lei, quando a falta cometida prejudicar a defesa do citado,

83. O que sucede in casu.

84. Além do mais, estatui o artigo 35.º, nº2 do C.P.P.T. que a “citação é o ato destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada.”

85. E certo é que tal citação deve conter informação completa e concisa,

86. Que permita ao Executado exercer cabalmente a sua defesa,

87. Devendo juntar, para tanto, àquela citação, certidão que serve de base à execução e constituí título executivo na mesma.

88. Ora, compulsada a citação realizada pela Administração Tributária, dúvidas não restam de que não foi junto título executivo.

89. Mais, realce-se que, embora o artigo 164.º do C.P.P.T. estipule uma prerrogativa conferida ao Serviço de Finanças de, caso pretenda, poder juntar ao título executivo nota resumida da situação que serviu de base aos processos executivos,

90. Por outro lado, diga-se ainda que não foi conferida à Oponente a possibilidade de se verificar se o título executivo observa ou não todos os requisitos essenciais previstos no artigo 163.º do C.P.P.T.,

91. Significa isto que o órgão de execução fiscal não instruiu os processos executivos em causa como o está legalmente obrigado,

92. Comprometendo, inevitavelmente, o exercício da defesa da Oponente,

93. Direito esse constitucionalmente consagrado.

94. Nessa conformidade, não pode a aqui Requerente, contribuinte e parte mais fraca da relação estabelecida com a máquina fiscal, sucumbir sem sequer se defender,

Sem prescindir,

E. DA ILEGALIDADE ABSTRATA DA LIQUIDAÇÃO (ARTIGO 204.º, Nº 1 ALÍNEA A) CPPT)

95. Entendeu a Administração Tributária que é a aqui Oponente devedora de quantias a título de “CO.EN.Prcc.CO – Coima AT” e “C.TX.Port.”,

96. Por alegadamente as viaturas em causa, propriedade da aqui Oponente, terem transposto barreiras eletrónicas de portagem de autoestradas, sem efetuar tal pagamento.

97. Na verdade, o tributo ora em causa, a querer-se apelidar assim, não se encontra regularmente previsto em lei, como se exige por força do artigo 165.º, nº 1, al. i) da C.R.P., bem como pelos artigos 148.º, nº2 do C.P.P.T. e 4.º da L.G.T..

98. Significa isto que, todo e qualquer tributo, para poder legalmente exigido pela Administração Tributária, deve encontrar a sua previsão e respetivo regime fundamento em Lei,

99. Lei essa que tem obrigatoriamente de ser emanada pela Assembleia da República, ou por Decreto-Lei, sob autorização daquele órgão legislativo.

100. Compulsados os presentes autos, certo é que inexiste qualquer lei, lei em sentido restrito e especial, que preveja a aplicação do referido tributo,

Sem prescindir, sempre se dirá que,

F. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E CONSEQUENTE ANULABILIDADE (204.º, Nº 1, AL. I) DO C.P.P.T.)

101. A citação da aqui Executada, ora Oponente, no âmbito dos presentes processos executivos padece de um vício de forma por falta de fundamentação.

102. Com efeito, nos termos do art. 77.º da L.G.T., assiste sempre ao sujeito passivo/contribuinte um direito à fundamentação de todas as decisões em matéria tributária que afetem direito ou interesses legalmente protegidos.

103. Sendo certo, ainda que, conforme estipula o art. 125.º, nº 1 e 2 do C.P.A., a “fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão (…) equivalendo a falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do ato”.

104. In casu, os elementos constantes da citação da Executada não podem deixar de se considerar insuficientes!

105. Ora, em direito fiscal, atentos os valores em causa, a preterição das formalidades legais devem entender-se, em princípio, como essenciais e invalidantes do ato final, decorrente do procedimento em que ocorreram.

106. E, atendendo ao facto de que a fundamentação constitui um requisito intrínseco do ato tributário,

107. Conclui-se pela violação do disposto nos artigos 268.º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, artigos 23.º, nº 4 e 77.º da L.G.T.

Sem prescindir,

G. DA ILEGITIMIDADE DA EXECUTADA

108. A aqui Oponente não é parte legítima nas presentes execuções fiscais,

109. E diz-se que não é parte legítima uma vez que não é ela a efetiva devedora originária da dívida alegadamente tributária.

110. Ora, preceitua o nº 1 do artigo 153.º do C.P.P.T. que “Podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas referidas no artigo 148.º, bem como os garantes se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada.”

111. Com efeito, a dívida ora em causa consubstancia-se numa coima por falta de pagamento de “taxa de portagem” devida por alegada transposição das viaturas em causa, propriedade da aqui Oponente, em barreiras eletrónicas de autoestradas,

112. Passagens essas que, a terem sido feitas, não foram pela aqui Oponente.

113. Nem tão-pouco diligenciaram as operadoras de tais barreiras eletrónicas no sentido de apurar o verdadeiro condutor da viatura em causa nos dias e horas das alegadas infrações.

114. Assim, é forçoso concluir que não é a aqui Oponente devedora da dívida ora exigida,

115. Não sendo por isso parte legítima nos presentes autos, atento o supra alegado,

Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

◇◇◇

3. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na parte em que julgou procedente a oposição a execuções fiscais que no Serviço de Finanças de Braga 1 correm termos para cobrança de dívidas relativas a taxas de portagem, juros, coimas e encargos administrativos.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública por entender que a sentença incorreu em erro na qualificação daquelas dívidas como dívidas sem natureza tributária [pontos 5 a 22 das doutas alegações de recurso e alíneas “A)” a “H)” das respectivas conclusões].

E por entender que a sentença recorrida incorreu em erro sobre a estatuição, isto é, em erro sobre a consequência jurídica da homologação do plano de recuperação, relativamente à oposição à execução fiscal de dívidas por ele abrangidas (tenham ou não natureza tributária).

No seu entendimento, a consequência legal no caso concreto não deveria ser a da procedência da oposição, mas a extinção da instância respetiva por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, com custas a cargo da executada [pontos 23 a 42 das doutas alegações de recurso e alíneas “I)” a “N)” das respectivas conclusões].

Decorre do sobredito que o recurso tem dois fundamentos distintos, e que o conhecimento do primeiro tem precedência lógica sobre o conhecimento do segundo. Aliás, é estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade.

A questão principal a apreciar é, então, a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que os créditos exequendos não têm natureza tributária e que a homologação do plano de revitalização tem como consequência a extinção das execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva desses créditos a coberto do artigo 17.º-E, n.º 1, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (doravante “CIRE”), que lhe foi introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril.

A questão subsidiária a apreciar é a de saber se (no pressuposto de que os créditos exequendos não tenham natureza tributária) o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que a extinção da execução fiscal a coberto daquele dispositivo legal tem como consequência a procedência da oposição, com custas a cargo da Administração Tributária.

Assim, no ponto seguinte iremos apreciar a questão principal e decidir se se justifica a apreciação da questão colocada a título subsidiário.

4. Decorre dos autos que a Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a oposição procedente porque foi dado como provado que, na pendência da oposição, foi proferida sentença de homologação do plano de revitalização da ali Oponente (ver os pontos 4 e 5 dos factos provados).

Porque a homologação do plano de revitalização tem como consequência a extinção das execuções fiscais em curso, salvo quando o plano contemple a sua continuação – artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE.

E porque «no plano de revitalização não se encontra prevista a continuação do processo executivo e nem se aplicam in casu as condições previstas no artigo 180.º do CPPT, uma vez que os créditos em causa não têm a natureza de crédito tributário» (cit. pág. 21, antepenúltimo parágrafo, da sentença).

No presente recurso só está em causa a última conclusão, isto é, a conclusão segundo a qual os créditos exequendos não têm natureza tributária.

O que sucede porque na sentença recorrida também foi assumido – ainda que por remissão para um acórdão de um Tribunal de outra jurisdição – que, apesar de o artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE nada prever a este propósito, a homologação do plano de revitalização também não tem como consequência a extinção das execuções fiscais em curso quando os créditos exequendos tenham natureza tributária.

Porque já existe uma disposição tributária que prevê que os créditos tributários são indisponíveis – artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – e uma das consequências da sua indisponibilidade é a irrelevância da vontade dos credores para obstar à sua cobrança.

E porque o comando legal contido nesta disposição prevalece sobre o de qualquer outra disposição especial – n.º 3 do referido artigo 30.º.

Não podendo, por isso, o processo especial de revitalização instituído pelos artigos 17.º-A a 17.º-I, aditados ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, obstar ao prosseguimento da execução fiscal para cobrança desses créditos, a não ser nos casos e dentro dos pressupostos previstos pela própria lei fiscal.

O que – acrescentemos agora – também tem sido decidido reiteradamente Supremo Tribunal Administrativo (ver, por todos, o acórdão de 25 de março de 2015, no processo n.º 0278/15).

Ora, a Fazenda Pública insurge-se contra a conclusão de que os créditos exequendos não têm natureza tributária, desde logo, porque entre os créditos exequendos estão as taxas de portagem. Que, no seu entendimento, são tributos porque têm como pressuposto a utilização de bens de domínio público e têm como finalidade custear as rendas pagas pelo Estado pela construção, conservação e exploração das autoestradas [ponto 15 das doutas alegações de recurso e alíneas “D)” e “E)” das respectivas conclusões].

E que o mesmo sucede com os restantes créditos exequendos, resultantes de procedimentos contraordenacionais instaurados pelo não pagamento dessas taxas de portagem. Porque o produto da cobrança destes créditos reverte quase na sua totalidade para o Estado [ponto 21 das doutas alegações de recurso e alínea “H)” das respectivas conclusões].

O Supremo Tribunal Administrativo já teve oportunidade de se pronunciar quanto à questão de saber se as taxas de portagem são tributos (ver os acórdãos de 30 de abril de 2019, de 30 de junho de 2020 e de 14 de outubro de 2020, tirados nos processos 01021/12.6BEAVR, 01092/19.4BEPNF e 0412/20.3BEPNF, respetivamente).

Todos estes acórdãos se pronunciaram no sentido de que as taxas de portagem têm natureza tributária, remetendo para a jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Constitucional de 15 de novembro de 1995 (tirado em Plenário no processo n.º 286/94 – acórdão n.º 640/95).

Quanto aos juros de mora, devidos pelo atraso no seu pagamento, o terceiro acórdão citado convocou o entendimento firmado no acórdão do Pleno do mesmo Tribunal, de 13 de abril de 2011, tirado no processo n.º 0361/10, e segundo o qual integram a dívida do tributo correspondente (e, por conseguinte, partilham a sua natureza).

E quanto aos custos administrativos (que são fixados por portaria do membro do Governo responsável pelo sector das infraestruturas rodoviárias – artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho), também foi entendido que integram ainda o conceito de taxa, por constituírem a contrapartida do serviço público correspondente, fixada autoritariamente pelo Estado.

Sendo esta uma jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal, não se justifica revisitar o tema, até porque a jurisprudência da outra jurisdição em que a Mm.ª Juiz a quo se apoia é mais antiga e foi tomada em consideração na análise efetuada nos arestos supra citados.

E daqui decorre, desde já, que a douta sentença recorrida não pode ser confirmada na parte em que concluiu que estes créditos não assumem a natureza de créditos tributários.

Sempre se dirá, para concluir este ponto, que a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Justiça, ponderando expressamente o entendimento firmado nos acórdãos referidos na douta sentença, concluiu também no sentido de que se devem considerar abrangidos pelo princípio da indisponibilidade tributária as taxas de portagem, respectivos juros e custos administrativos (acórdão de 10 de maio de 2021, Processo n.º 243/20.0T8FND.C1.S1).

5. Importa, agora, indagar a natureza jurídica das dívidas provenientes de coimas aplicadas por contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança electrónica de portagens.

Do que se trata, no fundo, é de saber se também constituem dívidas tributárias para os efeitos do artigo 30,º, n.ºs 1, alínea a), e 2, da Lei Geral Tributária.

Questão sobre a qual não se pronunciou a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supra indicada, já que se limitou a concluir que estas dívidas não estão abrangidas pela exoneração do passivo restante proferido no processo de insolvência de pessoas singulares, por força do disposto da alínea c) do n.º 2, do artigo 245.º do CIRE (disposição que não tem conexão com o caso dos autos).

Decorre do referido artigo 30.º da Lei Geral Tributária que, ao aludir ao crédito e à dívida tributários, o legislador não teve em vista todos os créditos ou dívidas cobrados em execução fiscal, mas apenas os que se constituam no âmbito da relação jurídica tributária.

Assim, não concorrem para a delimitação do conceito nem o âmbito da execução fiscal estabelecido pelo artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário nem a natureza jurídica da entidade a quem a lei atribui competência para executar.

Por outro lado, ao aludir à relação jurídica tributária, o legislador teve ali em vista o conjunto de relações que por vezes se designa de «relações de obrigação tributária» [e que ali são tomadas em sentido amplo, de forma a abranger as relações acessórias de cooperação tributária, isto é, as que envolvem prestações de facto acessórias à obrigação de contribuir – ver a alínea b) do n.º 1 do referido artigo 30.º].

Ora, estas relações devem ser distinguidas de outras relações da ordem tributária, como as denominadas «relações de infração tributária» (expressão que extraímos da obra de Vítor Faveiro, in «O Estatuto do Contribuinte…», Coimbra Editora 2002, pág. 401).

Porque, embora tenham conexão com as outras, os seus elementos constitutivos, modificativos e extintivos não são os mesmos. Bastará, para o efeito, lembrar que as relações de infração tributária se constituem tendo por base os factos que a própria lei infracional tributária tipifique como ilícitos e culposos e para os quais estabeleça uma punição.

Este entendimento conjuga-se, a nosso ver, com o que tem prevalecido na doutrina a respeito do próprio conceito de tributo. Que abrange as receitas criadas para a satisfação de necessidades públicas que não tenham função sancionatória (o que tem algum respaldo no artigo 5.º da Lei Geral Tributária).

A Fazenda Pública contrapõe, a este propósito, que estas dívidas revertem quase na totalidade para o Estado.

Mas daí não deriva que devam ser consideradas dívidas tributárias. Deriva apenas que são dívidas ao Estado ou que devam ser equiparadas a estas para efeitos do artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (o que chegou a estar expressamente consignado no n.º 4 do supra citado artigo 17.º-A, na sua redação inicial, isto é, aquando do seu aditamento pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro).

Assim sendo, deve concluir-se que as dívidas constituídas por coimas fixadas no âmbito das supra denominadas «relações de infração tributária» não constituem dívidas tributárias para os efeitos do artigo 30.º da Lei Geral Tributária.

Pelo que o legislador não poderia ter pretendido engloba-las no âmbito da indisponibilidade tributária que consagrou no n.º 2 daquele dispositivo legal.

Fica um último problema de interpretação da lei, que julgamos dever ser apreciado a propósito desta questão, que é o de saber se, apesar disso, o processo de execução fiscal deveria prosseguir para cobrança dessas dívidas a coberto do n.º 5 do artigo 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Decorre, com efeito, da leitura deste dispositivo que os processos de execução fiscal prosseguem quando cesse o processo de recuperação para cobrança do que se mostre em dívida, a menos que o contrário resulte das obrigações que a própria Fazenda Pública tenha contraído no processo de recuperação ou que ocorram outras causas de extinção.

Trata-se, porém, de uma disposição de caráter processual. Com ela não se visou estabelecer as condições em que a obrigação de pagamento subsiste (nem seria o local adequado para o fazer) mas estabelecer os pressupostos processuais do prosseguimento da execução e assinalar a obrigação da administração tributária de verificar se se mantêm os pressupostos da exigibilidade da dívida. Remetendo, nesta última parte, para o que derive da própria lei substantiva.

Assim, este dispositivo deve ser interpretado no sentido de que a execução deve prosseguir se nada a tal obstar. De que não se pretendeu, por aqui, alargar o princípio da indisponibilidade a todas as dívidas cobradas na execução fiscal, mas – quando muito – remeter para o âmbito deste princípio tal como vem estabelecido pela própria lei substantiva.

E daqui decorre, desde já, que, na parte relativa às coimas cobradas no processo de execução fiscal, o recurso não merece provimento com este fundamento.

Nesta parte, por isso, importa conhecer do segundo fundamento do recurso.

O que se fará no ponto seguinte.

6. A segunda questão que importa apreciar é, então a de saber se – na parte referente às coimas – a consequência jurídica deveria ser a extinção da instância da oposição por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.

Deve observar-se, antes de mais, que a sentença recorrida não é de fácil interpretação, nesta parte.

Se, por um lado, ali se conclui que a extinção da execução fiscal opera ope legis, por outro lado, decide-se decretar essa extinção.

Parece, em todo o caso, que o que se quis dizer foi que o Órgão de Execução Fiscal teria o dever de reconhecer a causa de extinção e que, não o tendo feito, caberia ao Tribunal decretá-la.

Ora, não podemos deixar de observar desde já que, ao fazê-lo, o tribunal de primeira instância incorreu num erro de direito quanto à função e à finalidade da própria oposição.

Porque a oposição não serve para decretar a extinção da execução quando ocorra um facto superveniente que o justifique. Para isso existem outros meios processuais. O executado pode dirigir-se ao Órgão de Execução Fiscal diretamente, pedindo que que a extinção seja declarada. E pode reclamar para o tribunal do que a este respeito for decidido ou dos próprios atos em prosseguimento da execução e em desrespeito de algum comando legal.

A oposição serve para decretar a extinção da execução quando for ilegal a própria pretensão executiva.

E para quem entenda que essa questão não é relevante no caso, contrapomos desde já que a extinção da execução que for decretada na oposição afeta todos os atos em execução da pretensão executiva contra o respetivo oponente. Mesmo aqueles que não devam considerar-se abrangidos pela decisão do procedimento de revitalização.

Bem vemos que o que a Mm.ª Juiz pretendeu dizer foi que era inútil conhecer dos fundamentos da oposição tendo em conta que a execução teria que extinguir-se por força de lei.

Mas, a ser assim, a Fazenda Pública tem toda a razão. Se se considera inútil o prosseguimento dos autos e, por conseguinte, o conhecimento do seu mérito, a consequência jurídica desse julgamento não é a procedência da oposição, que já pressupõe o julgamento do mérito. É a extinção da instância da oposição, por inutilidade superveniente da lide.

Só que os autos também não contêm os elementos necessários para se poder concluir pela inutilidade superveniente da lide, nesta parte.

Porque não existem elementos nos autos que permitam, sequer, concluir que as execuções se devam extinguir, na parte relativa às dívidas emergentes de coimas fiscais.

Designadamente, não existem elementos que permitam concluir que as execuções fiscais não devam prosseguir nos termos do próprio plano de revitalização. A Mm.ª Juiz a quo refere, a este propósito que consultou no SITAF o plano de revitalização (ver o ponto 4 dos factos provados), mas não resulta dos autos que tenha verificado se o próprio plano de revitalização não prevê a continuação das execuções fiscais e em que termos.

Há, por isso, insuficiência instrutória, nesta parte, devendo os autos ser devolvidos à primeira instância para apuramento da factualidade que releve para a decisão respetiva.

O que, a final, se decidirá.

7. Nas contra-alegações do recurso e nas suas extensíssimas conclusões, a Recorrida veio requerer a ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário e para o caso de este merecer algum provimento. Invocou o artigo 636.º do Código de Processo Civil (ver as conclusões 24 e seguintes).

Na essência, veio dizer que o tribunal não esteve bem ao concluir pelo erro parcial na forma do processo, na parte relativa aos pedidos de nulidade da citação e de inexistência da dívida. E pedir que o tribunal de recurso conheça das demais questões suscitadas na oposição e de que o tribunal de primeira instância não conheceu, por julgar prejudicado o seu conhecimento.

Importa começar por referir que as situações em que o tribunal de primeira instância deixou de conhecer de determinadas questões suscitadas pela parte e por julgar prejudicado o seu conhecimento, a coberto do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não cabem na previsão do artigo 636.º do mesmo Código.

Ou seja, o tribunal de recurso não conhece dessas questões a requerimento do recorrido e, sobretudo, não conhece delas em ampliação do âmbito do recurso. Desde logo, porque, não tendo o tribunal recorrido conhecido desses fundamentos, a parte também não poderia ter decaído no seu conhecimento.

A tutela dos interesses do recorrido, nesta parte, é assegurada através do mecanismo do artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Só que este dispositivo não tem aplicação quando estejam em causa recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, como decorre da letra do próprio preceito (só ali estão previstos os poderes da Relação, a que equivalem nas disposições correspondentes desta jurisdição, os o Tribunal Central Administrativo).

O que sucede porque o Supremo Tribunal Administrativo, à semelhança do que acontece com o tribunal de cúpula na outra jurisdição, revê as decisões dos tribunais inferiores. Não conhece do mérito das pretensões em primeira mão.

A confirmar que o artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil não é aplicável a tribunais com função de revista vem o artigo 679.º do mesmo código, que exceciona da aplicação do regime de apelação, precisamente, o referido artigo 665.º.

Assim, não cabe ao tribunal de recurso, conhecer em substituição dos fundamentos da oposição de que o tribunal de primeira instância não conheceu. Devendo, ao invés, os autos ser devolvidos à primeira instância para o seu conhecimento.

Quanto aos fundamentos em que, verdadeiramente, a Recorrida decaiu (por se ter entendido em primeira instância que não se poderia deles conhecer no meio processual para tal escolhido), importa sublinhar desde já que a Recorrida se limitou a dizer que o tribunal de primeira instância não teve razão ao decidir como decidiu, «uma vez que, quer a nulidade da citação, quer a inexistência da dívida [se enquadram] no art. 204º, n.º 1, al. i) do CPPT» (ver a conclusão 27.ª).

Ora, mesmo que se admita que, ao invocar aquela alínea i), a Recorrida pretendeu dizer que o tribunal de primeira instância violou esta disposição, a Recorrente acaba por nem explicar porque é que o entende. E não lhe bastaria, para o efeito, invocar a norma que considera aplicável, incumbindo-lhe também demonstrar porque é que entende que estão reunidos os pressupostos da sua aplicação.

De qualquer modo, a Recorrida nem sequer ataca os fundamentos da sentença, quando assinala que existem meios processuais adequados para conhecer daqueles fundamentos (da nulidade da citação e da inexistência da dívida) e especifica que são «respetivamente, a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal e a impugnação judicial».

E se a Recorrida não atacou nenhuma das razões que levaram a Mm.ª Juiz a quo a concluir o que concluiu nesta parte, nem sequer para dizer que não são suficientes para assim o concluir, a sentença não pode deixar de ser confirmada, nesta parte.


◇◇◇

8. Conclusões

I. Constituem créditos tributários, para os efeitos do disposto no artigo 30.º da Lei Geral Tributária, os créditos provenientes de taxas de portagem, respectivos juros de mora e custos administrativos.

II. O plano aprovado no processo especial de revitalização instituído pelos artigos 17.º-A a 17.º-I, aditados ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, não pode obstar ao prosseguimento da execução fiscal para cobrança desses créditos, a não ser nos casos e dentro dos pressupostos previstos pela própria lei fiscal;

III. Não constituem créditos tributários, para os efeitos do mesmo dispositivo legal, os créditos provenientes de coimas aplicadas por contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança electrónica de portagens.

IV. A oposição não é o meio processual adequado para decretar a extinção da execução fiscal por causa superveniente, decorrente da homologação do plano de recuperação aprovado na sua pendência e a que alude o artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE;

V. A consequência jurídica da inutilidade do conhecimento dos fundamentos da oposição à execução fiscal não é a procedência, mas a extinção da instância da oposição, por inutilidade superveniente da lide.

VI. Não existem elementos para concluir pela inutilidade superveniente da lide se não tiver sido apurado se o próprio plano de revitalização prevê a continuação das execuções fiscais para cobrança coerciva dos créditos provenientes das coimas, nos termos da parte final daquele dispositivo legal.


◇◇◇

9. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a decisão na parte recorrida [alíneas b) e c) do segmento decisório] e, nesta parte, ordenar a devolução dos autos à primeira instância para prosseguimento dos seus termos em conformidade com o sobredito e se nada mais a tal obstar;

b) Admitir a ampliação do âmbito do recurso à parte em que na sentença recorrida se conheceu da exceção dilatória do erro na forma do processo, negando-lhe provimento [alínea a) do segmento decisório].

As custas do presente recurso ficam integralmente a cargo da Recorrida, que delas não se encontra isenta nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais, porque a isenção subjetiva de custas não é aplicável após a cessação do processo especial de revitalização.

Fica, desde já, dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, a coberto do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais e tendo em conta a menor complexidade da causa, justificada pela remissão parcial para jurisprudência já fixada e pelo facto de não ter sido admitida, em parte, a ampliação do âmbito do mesmo.

A responsabilidade pelas custas em primeira instância será apurada de acordo com o julgamento que vier a ser ali efetuado.

Lisboa, 7 de abril de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (vota a decisão) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.