Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0696/09
Data do Acordão:01/20/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IVA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA
Sumário:I - Tendo o tribunal “a quo” configurado a situação explanada pela oponente como sendo a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade e não como a caducidade do direito à liquidação e constituindo o facto assim enunciado fundamento expresso de oposição previsto da alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT é manifesto inexistir o alegado erro na forma de processo.
II - O artigo 88.º do Código do IVA, na redacção invocada pela recorrente e nos termos da qual o termo inicial do prazo de caducidade se contaria no IVA do termo do ano em que se verificou a exigibilidade do imposto, foi tacitamente revogado aquando da entrada em vigor do Código de Processo Tributário de 1991 (CPT), atendendo ao disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 154/91 de 23 de Abril bem como, a contrario, ao disposto no artigo 4.º do mesmo diploma, na medida da sua incompatibilidade com o disposto no artigo 33.º do CPT.
III - Assim, atendendo ao disposto no artigo 33.º do CPT e à inequívoca natureza de imposto de obrigação única do IVA, à inaplicabilidade do disposto sobre a matéria no artigo 45.º da Lei Geral Tributária em observância do prescrito no n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e também à irrelevância para o caso dos autos - em razão do tempo desta, posterior à própria notificação das liquidações – da alteração introduzida no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro, forçoso é concluir que à data da notificação edital das liquidações havia-se já esgotado o prazo legalmente estabelecido de cinco anos para a notificação da liquidação do tributo em causa.
Nº Convencional:JSTA000P11362
Nº do Documento:SA2201001200696
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 17 de Fevereiro de 2009, que julgou procedente a oposição deduzida por A…, LDA., com os sinais dos autos, à execução n.º 3263-01/102014.5, instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 12 para cobrança coerciva de dívida de IVA relativa ao 3.º trimestre de 1995 e juros compensatórios, para o que apresentou as conclusões seguintes:
I – A douta sentença, ora recorrida julgou procedente a impugnação judicial (sic) “a margem referenciada com as consequências aí sufragadas, e consequentemente, determinou a extinção da execução ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do Art. 204.º do CPPT e consequentemente, em face da notificação edital que ocorreu em 04.12.2000 já haver decorrido o prazo de caducidade legalmente estabelecido de 5 anos, nos termos do disposto no Art. 33.º do CPT.
II – Destarte, salvo o devido respeito, somos da opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a análise na errónea apreciação da questão decidenda em sede de oposição à execução nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 204º do CPPT, bem como na errónea qualificação do IVA como um imposto de obrigação única, em conformidade com o prazo de caducidade legalmente estatuído no disposto no art. 33.º do CPT.
III – Relativamente à notificação da liquidação sem consideração do devido prazo de caducidade, constituir, ou não, fundamento de oposição à execução fiscal a que alude a mencionada alínea e) do n.º 1 do Art. 204º do CPPT, urge referir que a oposição deduzida com base no fundamento consignado alínea e) do n.º 1 do art. 204º do CPPT, ou seja, para as situações de falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, e concomitantemente na falta de notificação da liquidação do tributo exequendo, implicando a ineficácia desta e consequenciando a inexigibilidade da dívida.
IV – Ou seja, o fundamento constante na alínea e) do n.º 1 do Art.º 204º do CPPT, significa que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, ou seja, dentro dos 5 anos e não fora dele, valendo portanto, unicamente para os casos em que a liquidação é feita dentro do prazo, mas não foi notificada até ao seu término, tendo entretanto, sido instaurada a execução fiscal, para cobrança coerciva do tributo (v.d. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Rec. n.º 26722 de 27.02.2002).
V – Efectivamente, têm sido jurisprudência firmada pelo STA (v.d. Ac. do STA Rec. n.º 26722 de 27.02.2002, Ac. do STA Proc. n.º 084/02 de 24.04.2002, e mais recentemente o Ac. do STA Proc. n.º 0965/06 de 28.03.2007 disponível in www.dgsi.pt), que a falta de notificação da liquidação antes de decorrido o prazo de caducidade, implicando a ineficácia daquela e consequenciando a inexigibilidade da dívida exequenda, constitui o fundamento de oposição à execução fiscal, tipificado na antedita alínea e) do n.º 1 do Art. 204 do CPPT, por outro lado, decorrido aquele prazo, tal falta de notificação integra-se na própria caducidade concretizando a ilegalidade da liquidação, fundamento típico de impugnação judicial e não de oposição à execução fiscal.
VI – Em suma, e tendo em conta o entendimento firmado pelo STA no mais recente Acórdão referente ao Proc. n.º 0965/06 de 28.03.2007, no qual prescreve que “A notificação da liquidação sem consideração do devido prazo de caducidade não constitui nunca fundamento de oposição à execução fiscal, mas, antes de impugnação judicial”.
VII – Nestes termos, instaurada a execução fiscal para cobrança coerciva do tributo antes de decorrido o prazo de caducidade, a falta de notificação da liquidação é fundamento de oposição à execução fiscal, se decorrido aquele prazo, tal falta é fundamento de impugnação judicial.
VIII – Ora, no caso dos autos a Oponente foi notificada da liquidação em 04.12.2000, e a considerar-se que ocorreu fora do prazo de caducidade, a falta de notificação quando já havia decorrido o prazo de caducidade, não é fundamento de oposição à execução fiscal, mas antes de impugnação judicial.
IX – Note-se, ainda, que, como regra, não poderá discutir-se na oposição à execução fiscal a legalidade dessa liquidação, não podendo funcionar o meio processual da oposição à execução fiscal como uma segunda oportunidade para fazer valer os direitos dos contribuintes, que deixaram passar os prazos de impugnação administrativa ou contenciosa sem os defenderem (v.d. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, 4.ª Edição, 2003, em anotação 3. ao artigo 204º).
X – Neste pendor, consubstanciando a falta de notificação pelo decurso do prazo de caducidade, fundamento de impugnação judicial, consideramos que a sentença recorrida, não deu a correcta interpretação à norma constante na alínea e) do n.º 1 do art. 204º do CPPT.
XI – Quanto à fundamentação vertida na douta sentença ora recorrida, subjaz que atendendo à data dos factos tributários – 1995, postulava o disposto no art.º 88.º do CIVA que “Só poderá ser liquidado imposto nos cinco anos civis seguintes àquele em que se verificou a sua exigibilidade”.
XII – Apenas com a entrada em vigor do Decreto Lei n.º 472/99 de 8 de Novembro, tal diploma veio a produzir alterações uniformizantes em vários diplomas, tendo alterado o disposto no Art. 88º do CIVA, passando a prescrever o n.º 1 que “Só poderá ser liquidado imposto nos prazos termos previstos nos artigos 45º da Lei Geral Tributária”, prescrevendo o n.º 2 do mesmo artigo e diploma que “Os prazos referidos no número anterior contam-se a partir da data em que o imposto se tornou exigível”.
XIII – Ou seja, até à entrada em vigor do Decreto Lei n.º 472/99 de 8 de Novembro, decorria peremptoriamente do disposto no Art.º 88.º do CIVA, que o prazo de caducidade em sede de IVA, se conta a partir do ano em que se verificou o facto tributário.
XIV – Ora, conforme estabelecido pelas Normas Explicativas ao Orçamento de Estado para 2002 aprovado pela Lei 109-B/2001 de 27 de Dezembro, emitidas pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que procedeu à alteração do Art.º 88 do CIVA, e no qual se estabelece que se alterou a norma do citado artigo, no sentido de se estabelecer que o prazos de caducidade, em sede de IVA, se contam a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, com o objectivo de se retomar a regra da contagem do prazo de caducidade vigente, em matéria de IVA até às alterações introduzidas no Art. 88.º do Decreto-Lei n.º 472/99 de 8 de Novembro, diploma que veio a proceder à alteração e à harmonização dos diversos códigos fiscais com a Lei Geral Tributária (realce nosso).
XV – Na mesma esteira, e como refere António Lima Guerreiro (in Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, pag. nº 219 e segs.), “O número 4 do presente artigo não alterou o início da contagem do prazo de caducidade dos impostos periódicos e de obrigação única previsto no artigo 33º, numero 1 do C.P.T.. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Maio de 1999 entendeu que, no sistema do C.I.V.A., o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos conta-se a partir do fim do ano do período em que se realizaram as operações tributáveis e em que se tornou exigível o imposto dedutível efectivamente suportado a montante pelo sujeito passivo, não sendo nenhum outro evento atendível para efeitos de início do referido prazo, mesmo que o exercício do direito de liquidar os impostos haja sido perturbado pela aplicação do método do crédito de imposto às deduções dos impostos suportadas pelo sujeito passivo ou por ainda não ter ocorrido na declaração periódica reveladora de excessos na dedução declarada”.
XVI – Pelo exposto, decorre da fundamentação apresentada que apenas com a entrada em vigor do Decreto Lei 472/99 de 8 de Novembro, a exigibilidade do imposto para efeitos de contagem do prazo de caducidade, se passou a contar a partir do facto tributário, como um imposto de obrigação única, até à introdução da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro, resultando de forma inequívoca que até à revogação do Art.º 88.º do CIVA pelo antedito diploma, o início do prazo de caducidade se contava a partir da data em que o imposto se tornou exigível, ou seja, a partir do termo do ano em que o facto tributário ocorreu.
XVII – Pelo exposto, o douto Tribunal “ad quo”, violou os preceitos legais estatuídos no Art.º 33.º do CPT e Art. 88.º do CIVA.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Oposição improcedente, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA
2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:
A oposição à execução é o meio processual adequado para sindicar a falta de notificação do tributo no prazo de caducidade da liquidação. Sendo que para o efeito é irrelevante, o facto da notificação da liquidação se ter verificado, já depois de decorrido o prazo de caducidade da liquidação.
Acresce que sendo o IVA um imposto de obrigação única, decorre do art.º 33/1 do CPT, na redacção em vigor à data da ocorrência do facto tributário, que a caducidade da liquidação opera desde que decorridos cinco anos sobre a data do facto constitutivo da obrigação tributária. Decurso do prazo que se verificou no caso dos autos.
Aliás é extraordinário o paradoxo em que assenta a posição da Fazenda Pública.
Para concluir, pela inidoneidade da oposição à execução, partiu do pressuposto, que a notificação ocorrer depois de esgotado o prazo de caducidade da liquidação.
Para poder concluir que não se verificou a caducidade do direito à
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
A questão que a recorrente vem submeter à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal Administrativo, prende-se com as consequências da notificação da liquidação de imposto (IVA) após o prazo de caducidade.
Alega a recorrente que há que distinguir as situações de «a) instauração de execução fiscal com falta de notificação da liquidação do tributo ainda no decurso do prazo de caducidade – fundamento de oposição à execução, por inexigibilidade da obrigação tributária (art. 204º nº 1 al. e) CPPT) e b) instauração de execução fiscal com falta de notificação do tributo após o decurso do prazo de caducidade – fundamento de impugnação judicial, por ilegalidade da liquidação (art. 99º CPPT)»;
No presente caso, o fundamento da sentença recorrida, baseia-se no facto de a notificação da liquidação ter ocorrido já depois de decorrido o prazo de caducidade, o que, na perspectiva da recorrente, configura uma situação em que a decisão só poderia ter sido tomada em sede de impugnação.
Afigura-se-nos porém que esta argumentação não pode proceder.
É que a notificação da liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade constitui fundamento de oposição à execução fiscal, enquadrável na alínea e) do artigo 204º do CPPT.
Como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.01.2009, recurso 638-08, o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade».
Assim, sendo tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a \eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocados tais fundamentos.
Daí que se entenda, ao invés do que sustenta a recorrente, que a decisão recorrida não merece censura, nesta parte.
Porém, a par da questão de saber se a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade constitui fundamento de oposição, outra questão se suscita que é a de saber se no caso concreto se verifica esse fundamento.
O tribunal “a quo” considerou que sendo o IVA um imposto de obrigação única a caducidade do respectivo prazo de caducidade fazia-se a partir da ocorrência do facto tributário, nos termos do disposto no artº 33º, nº 1 do Código de Processo Tributário.
Por sua vez a recorrente sustenta que apenas com a entrada em vigor do Decreto Lei 472/99 de 8 de Novembro, a exigibilidade do imposto, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, se contou a partir do facto tributário, resultando de forma inequívoca que até à revogação do art.º 88 do CIVA pelo referido diploma, o início do prazo de caducidade se contava a partir do termo em que ocorreu o facto tributário.
Afigura-se-nos que esta argumentação não pode proceder.
Vejamos: o Decreto Lei 472/99 de 8 e Novembro veio dar nova redacção ao artigo 88º nº 1 do CIVA, o qual passou a dispor que só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária.
Por outro lado, até à entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (1 de Janeiro de 2003) era a seguinte a redacção do art.º 45º nº 4: o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Ora a sentença recorrida considerou, e bem, que sendo IVA um imposto de obrigação única, a caducidade do respectivo prazo e caducidade fazia-se a partir da ocorrência do respectivo facto tributário.
Trata-se de solução que resultará, de imediato, da aplicação do novo regime resultante do Decreto Lei 472/99.
Com efeito é já na vigência da lei nova que se vem a verificar o facto constitutivo, ou seja, o decurso e o termo do prazo de caducidade.
Como ensina Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador pag. 243 «achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova», e isto porque «é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo “completo”) se vem, verificar». (sublinhado nosso).
E não há qualquer retroactividade, como demonstra aquele autor.
De resto à mesma solução se chegaria se se considerasse não ser aplicável a nova redacção que ao artigo 88º nº 1 do CIVA foi dada pelo Decreto Lei 472/99 de 8 de Novembro.
É que, como vinha sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, mesmo no âmbito da anterior redacção do artº 88º do CIVA e do artº 33º do Código de Processo Tributário, o termo inicial do prazo extintivo do direito à liquidação do IVA se devia fixar com referência à data do surgimento do facto tributário, e não ao fim do ano da sua ocorrência.
E isto porque o imposto sobre o valor acrescentado deve ser qualificado como imposto de obrigação única, e não como imposto periódico, pois incide sobre factos de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticados.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questões a decidir
Importa decidir, em primeiro lugar, se a oposição à execução é o meio processual adequado para sindicar a falta de notificação do tributo dentro do prazo de caducidade da liquidação ou se, como alegado, a sentença recorrida não deu a correcta interpretação à norma constante na alínea e) do n.º 1 do art. 204º do CPPT, pois que por a notificação ter alegadamente ocorrido depois de esgotado o prazo de caducidade da liquidação constituiria apenas fundamento de impugnação e não de oposição.
Decidindo-se no sentido da inexistência de erro na forma de processo, importará verificar se, conforme decidido, a executada não foi validamente notificada da liquidação no prazo de caducidade ou se, no momento em que foi considerada notificada, este prazo não tinha ainda decorrido, atendendo ao disposto no art. 88.º do Código do IVA.
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) O Serviço de Finanças de Lisboa 12 instaurou, contra a oponente, o processo de execução fiscal n.º 3263-01/102014.5, a que a presente oposição respeita, para cobrança coerciva de dívida relativa a IVA e Juros Compensatórios do ano de 1995, perfazendo o montante de 6.620.487$00 (€ 33.022,85) (cfr. informação oficial, a fls. 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) A dívida objecto da execução identificada em A) que antecede resulta da liquidação adicional de IVA nº 00118821, relativa ao 3º trimestre do ano de 1995, no montante de 3.910.000$00 e da liquidação de Juros Compensatórios nº 00118822, relativa ao mesmo período, no montante de 2.710.487$00 (cfr. certidão de dívida, a fls. 22 e 23 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C) As identificadas liquidações tiveram origem na liquidação indevida de IVA em factura emitida, em 31-7-1995, pela oponente ao «… SA», na sequência de acordo negocial estabelecido entre ambos (cfr. documento, a fls. 9 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) Em 22-11-2000, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 12 emitiu dois mandados para notificação das referidas liquidações a “B…”, na qualidade de representante legal da A… Lda, com o NIF/NIPC 158812654 e 500958645, morador/com sede em Avenida … n.º … – 3º Esq.º, … Lisboa” (cfr. mandados, a fls. 12 e 13 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E) Em 4-12-2000, foi lavrada informação, com idêntico teor, no verso de cada um dos referidos mandados, segundo a qual não foi possível notificar a referida B…, por ali não se achar presente, esclarecendo-se o seguinte: “Segundo informação que foi prestada pela Senhora D. C…, maior, residente no 3º Andar direito do mesmo edifício, a morada do lado esquerdo é apenas uma residência e não local de qualquer estabelecimento comercial ou industrial (cfr. mandados, a fls. 12v e 13v dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F) Na mesma data, foi afixado edital, notificando das liquidações mencionadas em B) que antecede “B…, na qualidade de representante legal da A… Lda, NIF 158812654 e NIPC 500958645, com última residência/sede conhecida em Avenida … nº … – 3º Esq.º, … Lisboa” (cfr. edital e certidão de afixação, a fls. 14 e 14v dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G) Em 9-1-2001, a mesma B…, dizendo ter sido notificada, na qualidade de legal representante da A… Lda., para pagar as importâncias relativas ao IVA e Juros Compensatórios de 1995, dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 12 requerimento para que a referida notificação fosse “dada sem efeito”, alegando que na data em que se verificou o facto tributário controvertido não tinha qualquer relação funcional com a A… Lda, tendo renunciado à gerência em 10-1-1990, facto que foi averbado na Conservatória do registo Comercial de Lisboa logo em 30-1-1990, e publicado no Diário da República, em 10-8-1990 (cfr. doc. a fls. 15 e 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H) Em resposta, o Serviço de Finanças de Lisboa 12 remeteu à requerente o ofício nº 1188, de 2-2-2001, informando não poder ser dada satisfação ao pedido efectuado, por se ter constatado, junto da Conservatória do registo Comercial de Lisboa, “que a morada da sede social (da executada) é a mesma da sua (requerente) residência fiscal, figurando também D… e B… como sócias” (cfr. ofício, a fls. 21 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
I) Em 21-12-1989, pelas apresentações 31 e 32, foram registadas na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a alteração parcial do pacto da sociedade executada, em 27-7-1989, pelo qual figuram como suas únicas sócias as referidas D… e B…, e a nomeação de ambas como gerentes, em 28-7-1989 (cfr. certidão da CRC de Lisboa, a fls. 33 a 44 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J) Em 30-1-1990, pela apresentação 91, foi registada a cessação de funções de gerência por parte de B… – por renúncia, em 10-1-1990 (cfr. certidão da CRC de Lisboa, a fls. 33 a 44 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K) A sociedade executada, ora oponente, não entregou a declaração de alterações, prevista no artigo 31º do Código do IVA, referente à alteração dos corpos sociais e da gerência (cfr. informação oficial, a fls. 17 a 19 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
L) À data dos factos, a referida B… tinha domicílio fiscal na Avenida … nº … – 3º Esq, … Lisboa, morada que era a mesma da sede da sociedade executada, ora oponente (cfr. print do cadastro, acta nº 18 e certidão da CRC de Lisboa, a fls. 33 a 44, 70 e 80 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M) Em 29-10-2001, a oponente foi citada no âmbito do processo de execução fiscal identificado em A) que antecede (cfr. docs. a fls. 24 e 25 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro na forma do processo
A sentença recorrida, a fls. 117 a 125 dos autos, julgou procedente a oposição deduzida por ter por verificado o fundamento previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “Falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”, invocado pela oponente na sua petição inicial de oposição.
Alega, contudo, a recorrente Fazenda Pública (cfr. as conclusões I a X das suas alegações de recurso, supra transcritas) que consubstanciando a falta de notificação pelo decurso do prazo de caducidade, fundamento de impugnação judicial, consideramos que a sentença recorrida, não deu a correcta interpretação à norma constante na alínea e) do n.º 1 do art. 204º do CPPT, alegando, assim, embora de forma pouco clara, existir erro na forma de processo, sendo alegadamente o processo adequado para conhecimento do vício invocado pela executada a impugnação judicial e não a oposição à execução fiscal.
Não lhe assiste, contudo, razão, como veremos.
Reconhecendo embora que o alcance da alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT não é objecto de interpretação uniforme e pacífica na jurisprudência deste Tribunal, pois que com a orientação consagrada nos acórdãos citados pela recorrente coexiste uma outra menos restritiva quanto ao alcance do fundamento aí consagrado e à qual aderimos por entendermos inexistir elemento textual que suporte tal restrição, que temos, aliás, como injustificada e contrária ao espírito do actual sistema [cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, Volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas editora, 2007, pp. 359/362 (nota 37 alínea a) ao artigo 204.º do CPPT)], certo é que o tribunal “a quo” configurou a situação explanada pela oponente como sendo a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade e não como a caducidade do direito à liquidação pelo que, constituindo o facto assim enunciado fundamento expresso de oposição, ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, manifesto é inexistir erro na forma de processo, contrariamente ao alegado.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste Tribunal de 18 de Novembro de 2009, rec. n.º 976/06.
Improcedem deste modo as conclusões I a X do presente recurso.
6.2. Da falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade
A sentença recorrida julgou verificada previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por a oponente apenas ter sido notificada da liquidação em 4 de Dezembro de 2000, data correspondente à da afixação do edital (cfr. a alínea f) do probatório), sendo que o termo do prazo de caducidade se teria verificado em 15 de Agosto de 2000, pois que a factura onde foi indevidamente liquidado o IVA foi emitida em 31 de Julho de 1995 (cfr. a alínea C) do probatório), o imposto devia ter sido entregue, nos termos do n.º 2 do artigo 26.º do Código do IVA, no prazo de 15 dias a contar da data da emissão da factura, contando-se, pois, a partir do dia 15 de Agosto de 1995 o prazo de caducidade, ex vi do disposto no 33.º do Código de Processo Tributário (cfr. sentença recorrida, a fls. 124 e 125 dos autos).
Alega, contudo, a recorrente que para determinação do termo inicial do prazo de caducidade se teria de atender ao disposto no artigo 88.º do Código do IVA, preceito este que apenas teria sido revogado com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro e do qual decorreria que o termo inicial de contagem do prazo de caducidade seria o dia 31 de Dezembro de 1995 (termo do ano em que se verificou a exigibilidade do imposto), sendo que apenas com a entrada em vigor do Decreto Lei n.º 472/99 de 8 de Novembro se teria uniformizado o regime especial de caducidade do IVA com o regime geral, então já previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, e nos termos da qual a exigibilidade do imposto para efeitos de contagem do prazo de caducidade, se passou a contar a partir do facto tributário, como um imposto de obrigação única, até à introdução da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro, resultando de forma inequívoca que até à revogação do Art.º 88.º do CIVA pelo antedito diploma, o início do prazo de caducidade se contava a partir da data em que o imposto se tornou exigível, ou seja, a partir do termo do ano em que o facto tributário ocorreu.
Não tem, contudo, razão a recorrente pois que, ao contrário do alegado, o invocado artigo 88.º do Código do IVA foi tacitamente revogado aquando da entrada em vigor do Código de Processo Tributário de 1991 (CPT), atendendo ao disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 154/91 de 23 de Abril (que aprovou o CPT) bem como, a contrario, ao disposto no artigo 4.º do mesmo diploma, e na medida da sua incompatibilidade com o disposto no artigo 33.º do CPT. Assim decidiu o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em Acórdão de 7 de Maio de 2003 (rec. n.º 26.806), ao qual aderimos quanto à questão em análise e para cuja fundamentação remetemos, pois que colhe a nossa inteira concordância (no mesmo sentido, embora sem desenvolver, o Acórdão, também do Pleno desta Secção e da mesma data, proferido no rec. n.º 65/02; cfr. também PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, Lisboa, ISG, 2004, pp. 500/502 – nota 1 ao art. 88.º do CIVA).
Assim, como bem decidido, atendendo ao disposto no artigo 33.º do Código de Processo Tributário e à inequívoca natureza de imposto de obrigação única do IVA (cfr. os Acórdãos do Pleno supra citados), à inaplicabilidade do disposto sobre a matéria no artigo 45.º da Lei Geral Tributária atendendo ao prescrito no n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e também à irrelevância para o caso dos autos - em razão do tempo desta, posterior à própria notificação das liquidações – da alteração introduzida no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro, forçoso é concluir que à data da notificação edital das liquidações havia-se já esgotado o prazo legalmente estabelecido de cinco anos, contado da data em que ocorreu o facto tributário.
A sentença recorrida, que assim o julgou, não merece, pois, qualquer censura, antes é de confirmar.
O recurso não merece provimento.
– Decisão –
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, pois que a recorrente delas estava isenta.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - António Calhau.