Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0158/11
Data do Acordão:11/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO
INDEFERIMENTO TÁCITO
PRAZO
ANULABILIDADE
NULIDADE
Sumário:I - A impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa, com fundamento em indeferimento tácito desta, deve ser deduzida, sob pena de caducidade do respectivo direito, no prazo de 90 dias contados a partir da formação da presunção de indeferimento tácito (arts 102, nº 1, alínea d) do Código de Procedimento e Processo Tributário e 57.º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
II - Por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no artº 133º, nº 2 do Código de Procedimento Administrativo, nomeadamente quando ocorram actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
III - Se o recorrente invoca errada interpretação ou aplicação das normas de incidência de IVA, nomeadamente que era sujeito isento de IVA pelo facto de estar enquadrado no regime especial dos pequenos retalhistas e não no regime normal dos prestadores de serviços, o vício assim imputado ao acto tributário é gerador de mera anulabilidade, por não estar em causa a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas ao princípio da legalidade tributária.
IV - O acto de liquidação que alegadamente padece de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação ou aplicação das normas de incidência é anulável, não podendo ser impugnado a todo o tempo (artº 102, nº 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário), mas só dentro dos prazos previstos nas demais alíneas do referido normativo.
Nº Convencional:JSTA00067217
Nº do Documento:SA2201111020158
Data de Entrada:02/18/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART57 N1 N5
CPPTRIB99 ART99 ART102 N1 D N2 N3 ART106
CPA91 ART133 N1 N2 D
CONST97 ART62
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC893/03 DE 2003/10/01; AC STA PROC1066/10 DE 2010/01/27; AC STA PROC612/05 DE 2005/11/23; AC STA PROC886/07 DE 2008/02/13; AC STA PROC220/08 DE 2008/05/21; AC STA PROC91/11 DE 2011/05/25; AC STA PROC63/11 DE 2011/09/21
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAG247
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I – A…, com os sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 11 de Junho de 2010, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida, com base no indeferimento tácito da reclamação graciosa, efectuada contra várias liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 1999, 2000 2001 e 2002.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Há (sic) impugnação judicial de IVA apresentada, a FP arguiu as excepções de intempestividade e negação do direito de impugnar as liquidações oficiosas de IVA, quando estava em tempo o envio das declarações de substituição.
II - A senhora Juíza julgou estas excepções procedentes, não parecendo com todo o respeito à impugnante que terá andado bem, porquanto, se a impugnação fiscal pode ser efectuada nos 15 dias posteriores ao indeferimento da reclamação graciosa, por maioria de razão sempre poderá ser apresentada enquanto houver omissão de pronuncia na referida reclamação.
III - Em relação à falta da entrega da declaração de substituição de IVA - se o objecto dos autos é o facto da impugnante ser considerada no regime especial dos pequenos retalhistas e não no regime normal dos prestadores de serviços.
IV- Não haverá lugar a entrega de qualquer declaração.
V - A liquidação de IVA dos autos por inexistente gera a nulidade e a impugnação fiscal pode ser deduzida a todo o tempo.
VI - Foram violadas as normas do artigo 102º nº3 do CPPT e os princípios da boa fé pela AF e Abuso de direito procurando tirar vantagens processuais de um acto que se absteve de praticar (dever de pronuncia)
II – A Fazenda Publica apresentou contra alegações a fls. 215/216, para sustentar a manutenção do julgado.
III – O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e da confirmação do julgado recorrido, quer quanto à intempestividade da impugnação judicial apresentada, quer quanto à anulabilidade do acto de liquidação impugnado.
IV – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V – Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
«1 - No ano de 2001, o impugnante encontrava-se inscrito pelo exercício da actividade de “Outras Indústrias Transformadoras Diversas” (CAE 36636), com instalações sitas na rua …, na Lousã.
2 - No ano de 2001, em sede de IRS, o impugnante encontrava-se enquadrado na categoria C de rendimentos e, em sede de IVA, estava enquadrado no regime de isenção a que alude o artigo 53. ° do CIVA.
3 - Em obediência à Ordem de Serviço n.º 37898, a Direcção Geral de Finanças de Coimbra, procedeu, entre 21/11/2002 a 06/01/2003, a inspecção fiscal ao impugnante, que incidiu sobre os anos fiscais de 1999, 2000 e 2001 e sobre os impostos de IRS e IVA.
4 - Em sede da referida inspecção, apurou-se que, o ora impugnante declarou, para efeitos de IRS, os seguintes valores:
Ano de 2001: Venda de Mercadorias: Esc. 2.183.377$00; Serviços Prestados: Esc. 2.301.740$00; Total: Esc. 4.485.117$00.
Ano de 2000: Venda de Mercadorias: Esc. 1.419.977$00; Serviços Prestados: Esc. 2.386.590$00; Total: Esc. 3.806.567$00.
5 - Na sequência da referida inspecção, a Administração Fiscal efectuou, entre outras liquidações adicionais de IVA, a liquidação n.º 03325184 relativa ao período 0109T no valor de € 524,96 e a liquidação n.º 03325185 relativa a juros compensatórios, referentes ao mesmo período, no valor de € 41,09.
6 - Em síntese e, de acordo com o relatório de inspecção, fundamentam-se tais liquidações no facto de, o enquadramento fiscal do ora impugnante no regime de isenção (IVA) ser indevido, uma vez que, desde o exercício de 1997, declarava proveitos, em sede de IRS, superiores aos previstos no artigo 53.° do CIVA e no facto de, a actividade do impugnante não se limitar à venda de mercadorias, pois que, o impugnante procedia, não só a gravações em taças, troféus e medalhas, como ainda à transformação de matérias primas, que adquiria, em carimbos, que depois vendia, o que traduz serviços prestados, contabilizados pelo próprio, em valores, que se não integram nos limites previstos no n.°8 do artigo 60.° do CIVA, pelo que a AT enquadrou o ora impugnante no regime normal trimestral do IVA.
7 - Oportunamente, o ora impugnante reagiu contra as liquidações ids. em 4.5.5., através da competente reclamação graciosa, alegando, em síntese que, nas facturas e vendas a dinheiro, referentes ao período em questão, nunca foram debitados quaisquer serviços, que os documentos escriturados no livro de compras de matérias primas ou bens de consumo foram-no incorrectamente e que o impugnante nunca procedeu a qualquer transformação dos bens que transaccionou.
Mais se provou que:
8 - Nas facturas ou vendas a dinheiro emitidas em 2001 não foram debitados quaisquer serviços.
9 - Determinados itens (cabos e bases de carimbos e almofadas para carimbos) foram indevidamente contabilizadas como matérias-primas.
10 - O ora impugnante não cobrava quaisquer quantias extra pelas gravações que efectuava nas taças e medalhas que vendia ao público.
11 - Os carimbos efectuados pelo impugnante resultavam de uma simples operação de montagem de duas peças, que juntava a parte plástica à parte de metal, colocando-lhe depois uma borracha.»
Resulta ainda dos autos que o recorrente deduziu reclamação graciosa em 08.08.2003, não tendo a Administração Fiscal tomado posição sobre o pedido efectuado à data em que foi deduzida a impugnação.
VI - São duas as questões a dirimir no presente recurso:
- A questão da intempestividade da impugnação;
- A questão da nulidade ou anulabilidade do acto de liquidação.
1.Vejamos a primeira questão relativa à intempestividade da impugnação.
A sentença de 1ª instância julgou que nos casos de indeferimento tácito da reclamação graciosa, como ocorre nos autos, em que a entidade administrativa, no prazo legal, não toma posição sobre o pedido efectuado em sede de reclamação graciosa, pelo contribuinte, deve o sujeito passivo, impugnar a própria liquidação, no prazo de 90 dias, decorrido que se encontre o prazo de 6 meses da presunção legal de indeferimento tácito (nos termos conjugados dos artigos 57.°, n.º l e n.º 5 da LGT e dos artigos 102.°, n.º l alínea d) e 106.° do CPPT), sob pena de extemporaneidade.
Contra o assim decidido insurge-se o recorrente alegando que a decisão recorrida não terá andado bem porquanto se a impugnação fiscal pode ser efectuada nos 15 dias posteriores ao indeferimento da reclamação graciosa, por maioria de razão sempre poderá ser apresentada enquanto houver omissão de pronúncia na referida reclamação.
Mas não lhe assiste razão.
Na verdade o artº 102, nº 1, alínea d) do CPPT fixa o prazo de impugnação de indeferimentos tácitos e estabelece que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da formação da presunção de indeferimento tácito.
Por outro lado decorre do art. 106º da Lei Geral Tributária que a formação da presunção de indeferimento tácito ocorre com o termo do prazo para a decisão.
E resulta do artº 57.º, nº 1 da Lei Geral Tributária que o prazo para conclusão do procedimento tributário é de seis meses.
No caso subjudice mostra o probatório que o recorrente deduziu reclamação graciosa em 08.08.2003, pelo que a formação da presunção de indeferimento tácito ocorreu em 08.02.2004.
Assim o prazo de impugnação do indeferimento tácito terminava em 08.05.2004, pelo que a impugnação deduzida em 07.10.2004 era efectivamente intempestiva.
E não procede o argumento de que sempre poderia impugnar no prazo de 15 dias da notificação do eventual indeferimento da reclamação graciosa (102° /2 do Código de Procedimento e Processo Tributário).
É que, optando por deduzir reclamação graciosa do acto de liquidação, impunha-se à recorrente, para não esvaziar de sentido a reclamação graciosa por que optou, aguardar a sua decisão ou o decurso do prazo da presunção do seu indeferimento (cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2003, recurso 893/03, e de 27.01.2010, recurso 1066/10, ambos in www.dgsi.pt.)
Tendo-se formado a presunção do indeferimento da reclamação graciosa o prazo de impugnação há-de contar-se com base no disposto no artº 102º, nº1, al. d) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Tanto mais que, à data em que foi deduzida a impugnação, ainda não havia sido proferida pela Administração Fiscal qualquer decisão sobre a reclamação graciosa.
De outro modo estaria o recorrente a obter um alargamento artificioso do prazo de dedução de impugnação, sem qualquer previsão para o seu terminus.
Como se disse no supra referido Acórdão 893/03 se assim não fosse, estaria o sujeito passivo, reclamando, para, de seguida, se alhear do resultado do procedimento que ele mesmo despoletara, a conseguir «um alargamento do prazo para impugnar judicialmente; quando a dilatação do prazo, como se viu, só é atribuída àqueles que preferem, antes de discutir em juízo a legalidade da liquidação, sujeitar a sua análise à própria Administração, sendo que a razão do aumento do prazo daí resultante é possibilitar a pronúncia da Administração, antes de submeter a questão aos tribunais, quiçá, desnecessariamente»
Bem andou, pois, a sentença recorrida ao julgar a impugnação intempestiva.
Improcedem assim as conclusões I e II do recurso, como improcederá, também, a alegada violação dos princípios da boa fé e abuso de direito (conclusão VI), em relação à qual não é sequer aduzida argumentação convincente, quedando-se o recorrente pela indicação dos princípios.
2. Vejamos agora a segunda questão, que é a de saber se caducou o direito de impugnação por estar excedido o prazo estabelecido no art. 102º, nº 1 do CPPT em virtude do acto estar ferido apenas de anulabilidade e não de nulidade”.
Alega o recorrente que a liquidação de IVA dos autos por inexistente gera a nulidade e a impugnação fiscal pode ser deduzida a todo o tempo.
Em abono de tal conclusão invoca que era sujeito isento de IVA pelo facto de estar enquadrado no regime especial dos pequenos retalhistas e não no regime normal dos prestadores de serviços, decorrendo desse enquadramento «inexistência de IVA»
Esta argumentação, não pode, no entanto, proceder.
Vejamos: dispõe o artº 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade.
Constitui ilegalidade e, consequentemente vício do acto administrativo ou acto tributário, qualquer ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, que poderá envolver a anulabilidade, a nulidade ou a inexistência.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e desta secção vem afirmando de forma reiterada e uniforme que no domínio do contencioso tributário, por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (artigos 133.º e 135.º do CPA) – cf. neste sentido os Acórdãos deste Supremo Tribunal citados pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer de fls. 218 e ainda os Acórdãos de 23.11.2005, recurso 612/05, de 13.02.2008, recurso 886/07, de 21.05.2008 , recurso 220/08, de 25.05.2011, recurso 91/11 e de 21.09.2011, recurso 63/11, todos in www.dgsi.pt.
Também Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pag. 247, «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.°do CPA, segundo o qual são anuláveis os "actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção."
Dispõe, por sua vez art. 133º nºs 1 e 2 al. d) do Código de Processo Administrativo são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Porém, esses actos hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é o caso dos autos.
Ora, como sublinha o Exmº Procurador-Geral Adjunto no parecer de fls. 218, o acto de liquidação praticado apesar da (alegada) inexistência de facto tributário é meramente anulável, na medida em que não viola o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas o princípio da legalidade tributária (art.62° CRP; art.133° n°2 al. d) CPA).
Acresce dizer que o vício imputado pelo recorrente ao acto tributário impugnado – alegando que era sujeito isento de IVA pelo facto de estar enquadrado no regime especial dos pequenos retalhistas e não no regime normal dos prestadores de serviços – não integraria a categoria da inexistência jurídica mas sim a de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação ou aplicação das normas de incidência.
Estamos, pois, claramente perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade, não sendo, consequentemente, aplicável ao caso subjudice o disposto no artº 102º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, sendo o acto anulável, que não nulo, a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter o julgado recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 2 de Novembro de 2011. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.