Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02232/22.1BEPRT
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROCESSO CAUTELAR
REPARAÇÃO
Sumário:É de admitir a «revista» sobre questão que contende com a densificação do conceito indeterminado de grave carência económica e com a aplicação subsidiária dos requisitos gerais da concessão das providências cautelares.
Nº Convencional:JSTA000P31876
Nº do Documento:SA12024020102232/22
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:B... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. «A..., LDA.» - autora deste processo cautelar - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 30.11.2023 - que, concedendo provimento à «apelação» da «B..., S.A.» - entidade demandada -, revogou a sentença do TAF do Porto - de 19.05.2023 - e julgou totalmente improcedente o pedido cautelar por ela formulado - regulação provisória de situação/arbitramento de reparação provisório - invocando os artigos 112º, nº1 alínea e), e 133º, do CPTA, e 16º, da Lei nº67/2007, de 31.12 [RRCEE].

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

A agora recorrida - B..., S.A. - contra-alegou, defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de preenchimento dos seus pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social «se revista de importância fundamental» ou quando a admissão do recurso seja «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A requerente cautelar - A..., LDA - demandou a B..., S.A., visando obter a «regulação provisória do pagamento de quantias» - artigos 112º, nº1 alínea e), e 133º, do CPTA, e 16º da Lei nº 67/2007, de 31.12 - alegando, em síntese, que as obras de construção da Linha Rosa do Metro do Porto promovidas pela entidade demandada implicaram a produção de «danos especiais e anormais» na sua esfera jurídica, consubstanciados na redução da esplanada do «estabelecimento de restauração sito na Praça ..., ...», o que implicou um decréscimo de facturação na exploração do mesmo, de tal modo que será credora de indemnização pelo sacrifício - nos termos do artigo 16º do «Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas» aprovado pela Lei nº67/2007, de 31.12. Mais alega que em face da insuficiência de meios para fazer face às despesas fixas, caso não lhe seja «atribuída provisoriamente quantia por conta da indemnização a que entende ter direito» será obrigada a apresentar-se à insolvência. Requer, a final, o arbitramento de compensação mensal não inferior a 9.500,00€.

O tribunal de 1ª instância - TAF do Porto [Juízo Administrativo Comum] - julgou o pedido cautelar parcialmente procedente, e, em concreto, condenou a B... a pagar à A... a quantia de 8.277,71€ por mês até ao terminus das obras da linha do Metro do Porto na Praça ... e enquanto não forem repostas condições de funcionamento iguais às que a requerente cautelar dispunha antes do início das obras, e, ainda, a quantia de 137.406,87€ referentes a quantias vencidas até Maio de 2023.

Para tanto, na sentença entendeu-se que numa apreciação perfunctória se verificavam os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora tal como estes se apresentam configurados «nas três alíneas do nº2 do artigo 133º do CPTA», bem como, a respeito daquele primeiro, os pressupostos da responsabilidade pelo sacrifício do «artigo 16º da Lei nº67/2007, de 31.12».

Sobre a verificação dos ditos requisitos legais escreve-se na sentença - nomeadamente - que, face à factualidade provada, se impõe concluir que os contornos do presente caso são de molde a comprovar a existência de uma «situação de grave carência económica para a requerente», que resulta, acima de tudo, dos sérios entraves ao regular e normal funcionamento do seu estabelecimento de restauração sito na Praça ..., no ..., em resultado da construção da «Linha Rosa do Metro do Porto» - alínea a) do nº2 do artigo 133º do CPTA - e que é de prever que o prolongamento da situação supra descrita possa acarretar «consequências graves e dificilmente reparáveis para os interesses da requerente» - alínea b) do nº2 do artigo 133º do CPTA. Além disso, nela também se conclui que é provável que a pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, baseada no alegado direito a indemnização pelo sacrifício - artigo 16º, da Lei nº67/2007, de 31.12 - venha a ser julgada procedente.

O tribunal de 2ª instância - TCAN - concedeu provimento à apelação da B..., revogou a sentença aí recorrida e julgou totalmente improcedente o pedido cautelar.

De facto, após ter julgado improcedentes questões prévias, e ter julgado procedentes, em parte, erros de julgamento de facto que foram invocados pela apelante, entendeu-se no acórdão do tribunal de apelação que a sentença recorrida errou ao entender que se verificava o indispensável requisito do periculum in mora. Nele se diz a tal respeito, e além do mais, que o primeiro dos requisitos necessários ao decretamento da providência assenta na comprovação adequada de situação de grave carência económica da requerente. Ora, assiste razão à apelante quando diz que há um primeiro erro na forma como a sentença recorrida aborda a análise da verificação do requisito, fazendo-o por referência apenas à [suposta] afetação da exploração comercial do estabelecimento afectado pela obra da entidade requerida, e não à situação económico-financeira da requerente enquanto sociedade comercial, como se impunha. É que a demonstração da situação de grave carência económica que a lei exige refere-se à entidade requerente da providência cautelar, e não a um seu concreto negócio ou estabelecimento comercial. Assim, para que a providência fosse decretada, impunha-se que tivesse sido comprovada e resultasse dos factos provados uma situação de grave carência económica da A..., Lda., e não apenas a afetação da exploração do negócio que aquela empresa vinha desenvolvendo na Praça ..., no .... E, ainda, que no caso vertente não se comprova a situação de grave carência económica da requerente, e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis [periculum in mora]. Pelo que, procedendo o alegado pela recorrente, impõe-se a revogação da sentença recorrida porquanto considerou demonstrado o primeiro requisito previsto na alínea a) do nº2 do artigo 133º do CPTA.

Agora é a autora da pretensão cautelar que discorda, e pede «revista» do acórdão do tribunal de apelação por considerar «errado o seu julgamento de direito» sobretudo no que concerne à densificação do conceito indeterminado de «grave carência económica no caso particular das sociedades comerciais». Defende - ao contrário do acórdão recorrido - que essa densificação pode e deve ser feita por referência ao concreto estabelecimento comercial da sociedade, e não necessariamente a ela mesma, enquanto tal, e defende, também, que mesmo a não se verificar esta «grave carência económica» - exigida pela alínea a), do nº2, do artigo 133º do CPTA - o tribunal não estaria impedido de, «ao abrigo dos requisitos gerais previstos no artigo 120º do CPTA», decretar a providência cautelar, e, alega, deveria tê-lo feito - invoca, em abono da sua tese, o AC STA/Pleno de 05.11.2020, processo nº01438/03.7BALSB-C-A -, desde logo em nome da tutela jurisdicional efectiva - artigos 268º, nº4, da CRP, e 2º, nº1, do CPTA.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita tal apreciação, impõe-se a esta «Formação de Apreciação Preliminar» a decisão de admitir a presente pretensão de «revista». Desde logo, o dissenso dos «tribunais de instância» na abordagem jurídica da matéria de facto provada evidencia a dificuldade com que se depararam, e a óbvia complexidade na respectiva resolução. Resolução, diga-se, de um litígio com potencialidade expansiva dada a multiplicidade de obras que o nosso país actualmente comporta, fruto do «PRR nacional». Acresce a esta vocação paradigmática da decisão a proferir, que emerge da sua relevância jurídica e social, a constatação de que a abordagem jurídica feita ao caso, no acórdão recorrido, não é de todo convincente, mostrando-se acutilante a invocação que a ora recorrente faz dos requisitos gerais previstos no artigo 120º do CPTA e do sobre o assunto já decidido em aresto do Pleno Administrativo deste Supremo Tribunal - AC STA/Pleno de 05.11.2020, in processo nº01438/03.7BALSB-C-A.

Assim, e sem mais delongas, quer em nome da necessidade de esclarecer, e solidificar, a decisão jurídica da referida questão, quer em nome da importância fundamental que lhe assiste, é de admitir a presente revista.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.