Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01325/13
Data do Acordão:09/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA
DESPACHO DE INDEFERIMENTO
AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual - é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no artigo 60º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P16211
Nº do Documento:SA22013091801325
Data de Entrada:07/26/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A,…………, LDA., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, em sede de reclamação deduzida ao abrigo dos artigos 276º e segs. do CPPT, confirmou a decisão do órgão da execução fiscal de indeferimento do pedido de prestação de garantia formulado nos termos do preceituado nos artigos 52º, nº 4, da LGT e dos artigos 169º e 170º do CPPT.
1.1. Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. O presente processo respeita a uma reclamação apresentada pela A………… contra o indeferimento, por parte do Serviço de Finanças de Tondela, de um pedido de dispensa de prestação de garantia em que não foi realizada a audição do contribuinte prévia a esse indeferimento, em violação do disposto nos artigos 267º, nº 5, da CRP, 60º da LGT e 45º do CPPT.
B. O Acórdão deste STA de 26.09.2012, acolhido e transcrito na decisão aqui posta em crise, acompanha a corrente que qualifica o ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um ato de natureza administrativa - cfr. em particular, pág. 30 da sentença aqui posta em crise.
C. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um ato administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60º do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da A………… a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.
D. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.
E. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.
F. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final - cfr. artigo 60º, nº 1, alínea b), da LGT -, sendo que os nºs 2 e 3 do mesmo artigo 60º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.
G. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.
H. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia - no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.
I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do ato e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt) não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento, que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão deste Venerando STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.
J. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cfr. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 29 da sentença recorrida.
K. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.
L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cfr. artigo 170º, nº 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.
M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.
N. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá - e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental - em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45º do CPPT.
O. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.
P. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no nº 5 do artigo 267º da CRP e no artigo 45º do CPPT.
Q. No caso concreto dos autos, a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia é manifesta:
· Por um lado, o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi a «falta de produção de prova». Ora, em sede de audição prévia, poderia a A………… ter obviado, mediante a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários, a essa decisão tomada com fundamentos meramente formais, que em nada contribui para a realização, administrativa, da justiça e que se revela não adequada e não proporcional.
· Por outro lado, ainda no caso concreto, o argumento que se funda no curto prazo de 10 dias do procedimento para afastar a necessidade ou possibilidade legal de audição prévia a esse indeferimento, é particularmente inexpressivo, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado pela A………… em 24 de Fevereiro de 2011 (cfr. ponto nº 5 da matéria de facto dada como provada) e veio a ser decidido, apenas, por ofício de 18 de Março de 2011, decorridos mais de 20 dias sobre a respectiva apresentação (cfr. ponto nº 7 dos factos provados).
R. Se a lei prevê um prazo que, na prática, é meramente ordenador ou disciplinador, e que, no caso dos autos (que é o que aqui nos interessa) foi largamente incumprido, não se aceita que se retire a conclusão de que, in casu, a atribuição do carácter urgente que possibilita, na teoria acolhida na sentença recorrida, a dispensa da audição prévia com uma aplicação subsidiária do CPA encontre, sequer, justificação material.
S. Não se aceitando embora (conforme supra se fez notar) que o prazo estipulado na lei para a apreciação do pedido de dispensa justifique o afastamento do direito de audição prévia do contribuinte, não poderia, de qualquer modo, em face dos elementos de facto dos autos, ter sido decidido que não haveria lugar à audição prévia da A………… devido à urgência do procedimento, uma vez que o procedimento em causa demorou um mês a ser decidido.
T. Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da A…………, ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267º, nº 5, da CRP, 60º da LGT e 45º do CPPT.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer, a fls. 1122/1124, no sentido de que o recurso não devia ter provimento.

1.4. Com dispensa de vistos dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir em conferência.

2. A matéria de facto pertinente para a decisão é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida nos termos e para os efeitos do disposto no art 713º, nº 6, do Código de Processo Civil - a que corresponde, em termos análogos, o artigo 663º, nº 6, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

3. A única questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se, antes da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela sociedade executada ao abrigo das normas contidas nos artigos 52º, nº 4 da LGT e 169º e 170º do CPPT, esta deveria ter sido ouvida em cumprimento do disposto no artº 60º da LGT.
Trata-se de questão que foi já apreciada em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes Conselheiros em exercício nesta Secção, realizado ao abrigo na norma contida no art.148º do CPTA, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência nº 5/2012, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 244, de 22/10/2012, nele se decidindo que «(…) independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (artigo 60º da LGT) […]», entendimento que, de resto, já se revelava uniformemente seguido neste Supremo Tribunal.
E como se colhe das declarações de voto apostas no referido acórdão e se confirma pela leitura dos recentes acórdãos deste Supremo Tribunal, a actual divergência entre os Juízes Conselheiros em exercício na Secção diz somente respeito ao discurso argumentativo fundamentador da inaplicabilidade da norma contida no art.º 60º da LGT, pois que a orientação por todos assumida é unânime no sentido dessa inaplicabilidade, como se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 4/09/2013, no recurso nº 1328/13, em 23.04.2013, no recurso nº 522/13, em 26.06.2013, no recurso nº 1016/13, em 13.03.2013, no recurso nº 288/13, em 23.04.2013, no recurso nº 520/13, e em 30.04.2013, no recurso nº 521/13, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Razão por que o Pleno da Secção tem vindo a recusar o conhecimento dos recursos por oposição de acórdãos que tenham decidido nesse sentido, com o fundamento de que constitui jurisprudência consolidada o entendimento de que não se verifica, relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia, a obrigatoriedade legal de cumprir o disposto no art. 60º da LGT – cfr. os acórdãos do Pleno de 12.12.2012, no recurso nº 944/12, de 23.01.2013, no recurso n.º 945/12, de 20.02.2013, no recurso n.º 974/12, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Orientação jurisprudencial que aqui, mais uma vez, se acolhe e reitera, e para cuja fundamentação se remete, tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face do superior valor da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art.º 8.º, nº 3 do Código Civil.
Sendo assim, e sem necessidade de mais longas considerações, o recurso tem de improceder.

4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.