Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01042/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CRÉDITO TRIBUTÁRIO
PENHOR
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - É ilegal a constituição de penhor de créditos tributários determinada unilateralmente pela Administração tributária, após o contribuinte ter manifestado a intenção de impugnar a dívida exequenda e oferecido garantia para suspender a execução e estando pendente a apreciação da idoneidade da garantia oferecida.
II - Tal actuação da Administração tributária configura-se como violadora do princípio da boa-fé.
III - Embora a lei tributária permita à Administração, por sua iniciativa e independentemente de consentimento do respectivo titular, a constituição de penhor ou hipoteca legal para garantia (especial) dos créditos tributários e o n.º 1 do artigo 195.º do CPPT pareça permitir a constituição de penhor sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, a Lei Geral Tributária - que logica e naturalmente prevalece sobre o disposto no CPPT-, exige que a constituição de tais garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida –, necessidade essa que não se verifica nos casos em que o próprio executado, voluntariamente, se oferece para prestar garantia.
Nº Convencional:JSTA00067880
Nº do Documento:SA22012102401042
Data de Entrada:10/04/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2012/08/03 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART50 N1 B.
CPPTRIB99 ART195 N1 N5 ART169 N6 N7 ART199 ART89.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0408/12 DE 2012/05/02; AC STA PROC089/12 DE 2012/02/15
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG390-391.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 3 de Agosto de 2012, que julgou procedente a reclamação deduzida por A……, SA, com os sinais dos autos, contra os actos do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, de constituição de penhor de créditos fiscais, para o que apresentou as conclusões seguintes:
A. Salvo o devido respeito, que é muito, não se perfilha, nem se concorda com o entendimento vertido na Douta Sentença recorrida;
B. É entendimento da Autoridade Tributária, o qual se encontra vertido em várias Instruções Administrativas, que só se pode considerar que há prestação de garantia idónea nos termos do disposto nos art.ºs 169.º, 195.º e 199.º todos do CPPT, quando a mesma é aceite pela Autoridade Tributária, após análise da sua idoneidade quer qualitativa, quer quantitativa, pois só nesse momento estaremos perante a efectiva prestação de garantia para efeitos do disposto no artº 169.º do CPPT, nomeadamente para efeitos do disposto no seu n.º 6.
C. O processo de execução fiscal não se encontrava suspenso em virtude da garantia prestada, com vista à suspensão do processo, ter de ser sujeita à apreciação da sua idoneidade, uma vez que não se tratava de nenhuma das garantias elencadas no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT.
D. De acordo com o disposto nos artºs 666.º e ss. do Código Civil, bem como do art.º 681.º, do mesmo diploma legal, o penhor pode ser constituído desde que se verifique a existência de dívidas e com vista à satisfação das mesmas;
E. Conforme disposto no art.º 685.º do Código Civil, o penhor não confere de imediato ao credor o direito de fazer sua a coisa objecto do penhor, mas apenas e só quando a dívida se tornar exigível, sendo que no caso em apreço os penhores foram efectuados como medidas cautelares;
F. Pelo que, não se verifica que os actos reclamados tenham violado o disposto no artigo 89.º do CPPT.
G. Na verdade, tendo-se verificado a existência, de créditos fiscais, os mesmos foram objecto de penhor nos termos do artº 195.º do CPPT, penhor esse que apenas se converterá em penhora se após decorrido o prazo legal para o pagamento da dívida exequenda, a mesma não se mostrar paga ou se o processo de execução fiscal não for declarado suspenso nos termos legais.
H. Com a sua actuação, a Autoridade Tributária não violou o princípio constitucional da boa fé;
I. Porquanto, caso não estivesse a ser apreciada a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, a Autoridade Tributária era obrigada a proceder à compensação nos termos do disposto no art.º 89.º do CPPT.
J. Face ao exposto, entendemos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação do direito aplicável ao caso concreto pelo que deve ser revogada e em consequência devem ser mantidos os actos reclamados.
Termos em que, com o douto Suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.

2 – Contra-alegou a reclamante, concluindo nos seguintes termos:
1.ª Em cumprimento do disposto no artº 169.º do CPPT e antes mesmo da instauração do processo de execução, a ora recorrida requereu à Administração Tributária a indicação do valor a garantir, para efeitos de suspensão da execução que viesse a ser instaurada, uma vez que iria deduzir impugnação contra a liquidação de IRC que deu origem à dívida exequenda;
2.ª Tendo a Administração Tributária indicado à recorrida o valor da garantia a prestar, foi tal garantia efectivamente prestada pelo contribuinte.
3.ª A Administração Tributária, posteriormente, citou a ora recorrida da instauração do processo de execução fiscal referente à dívida de IRC e juros compensatórios de 2008.
4.ª No mesmo dia em que citou a recorrida da instauração do processo de execução, notificou-a de que tinha efectuado uma compensação e/ou um penhor referente a um reembolso de IVA a que a recorrida tinha – e tem – direito, invocando, para tanto, o art.º 195.º do CPPT;
5.ª Quer se trate de compensação, quer se trate de penhor, esse acto é patentemente ilegal, como bem julgou a douta sentença recorrida;
6.ª Na verdade, estabelece o art.º 89.º do CPPT, que enquanto estiver a decorrer – como acontecia no caso em apreço – prazo para a dedução de reclamação ou de impugnação para se contestar a legalidade da dívida, não pode haver compensação;
7.ª Quer se trate de compensação ou de penhor, como tem entendido a Jurisprudência e a doutrina, enquanto a administração tributária não pronunciar, expressamente, quanto à aceitação da garantia oferecida, não pode a referida Administração efectuar actos de execução;
8.ª Tal decorre, além do mais, do disposto no n.º 7 do artigo 169.º do CPPT – o pedido de prestação de garantia tem como efeito suspender a execução;
9.ª Além do mais, também conforme é entendimento jurisprudencial, é violador do princípio da boa fé, que se efectue uma compensação ou um penhor sem que a Administração Tributária se pronuncie previamente sobre a garantia oferecida pela executada;
10.ª O comportamento da Administração Tributária é, ainda, violador do princípio da boa fé e da legalidade, na medida em que tendo, posteriormente, aceite um outro tipo de garantia, manteve o penhor, pelo que, neste momento, a soma do valor da garantia e do penhor é superior ao valor legalmente estabelecido para a prestação de garantia.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências, como é de Justiça.


3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:

Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência de reclamação apresentada contra acto de constituição de penhor de créditos praticado pelo órgão de execução fiscal.
FUNDAMENTAÇÃO
“Questão decidenda”: legalidade do acto de constituição de penhor na pendência de requerimento para suspensão de processo de execução fiscal associado à prestação de garantia
1. Para garantia dos créditos tributários a administração tributária dispõe do direito de constituição de penhor quando esta garantia se revele necessária à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens (art. 50.º, n.º 2, al. b) LGT; art. 195.º nº 1 CPPT)
O penhor tem por objecto coisas móveis, créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiros (art. 666.º n.º 1 CCivil)
A idoneidade e suficiência da garantia prestada é apreciada pela entidade competente para autorizar o pedido de pagamento em prestações: o órgão de execução fiscal, com a categoria de órgão periférico local ou órgão periférico regional, consoante o valor da dívida exequenda (art. 149.º, 197.º n.º 1 e 199.º n.º 8 CPPT)
2. A observância do princípio da boa fé deve pautar a actuação dos órgãos e agentes administrativos (art. 266.º nº 2 CRP); este princípio constitucional deve igualmente inspirar o relacionamento entre a Administração Pública (na qual a administração tributária se inscreve como subsistema) e os particulares, manifestando-se em dois valores fundamentais:
- confiança suscitada na contraparte pela actuação da parte, na concreta situação considerada
- objectivo a alcançar com a actuação
(art. 6.º-A CPA)
Embora sem expressa inclusão no elenco dos princípios do procedimento tributário, a observância do princípio é considerada pelo legislador como manifestação do princípio da colaboração entre os órgãos da administração tributária e os contribuintes (arts. 55.º e 59.º n.º 1 LGT)
A violação pela administração tributária do dever de actuação procedimental segundo as regras da boa fé constitui um vício autónomo de violação de lei
3. A administração tributária deve respeitar o princípio da decisão, consistente na obrigação de pronúncia sobre todos os assuntos da sua competência, submetidos à sua apreciação por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios legalmente previstos (art. 56.º n.º 1 LGT)
4. Aplicando estas considerações ao caso concreto:
a) O acto reclamado foi praticado no decurso do prazo legal para apresentação de reclamação graciosa ou dedução de impugnação judicial contra a liquidação de IRC de onde emergiu a dívida exequenda (petição de reclamação art. 3.º, doc. fls. 25/26; probatório al. b);
b) A prática de acto de constituição de penhor de créditos, resultantes de reembolsos de IVA, após a apresentação de requerimento para prestação de garantia idónea e antes da sua apreciação, viola o princípio da boa fé porque frusta a legítima expectativa do requerente na apreciação da pretensão, ancorada no princípio da decisão
A jurisprudência do STA – SCT pronunciou-se em conformidade com o entendimento propugnado nos acórdãos 19.05.2010 processo n.º 344/10 (penhora de créditos; 15.02.2012 processo n.º 89/12 (compensação de créditos) e 8.08.2012 processo nº 806/12 (compensação de créditos)
CONCLUSÃO

O recurso não merece provimento.

A sentença impugnada deve ser confirmada.

Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, vão os autos à Conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, é ilegal a constituição de penhor de créditos tributários determinada unilateralmente pela Administração tributária, após o contribuinte ter manifestado a intenção de impugnar a dívida exequenda e oferecido garantia para suspender a execução e estando pendente a apreciação da idoneidade da garantia oferecida.

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
a) Corre termos contra a ora reclamante, A……., S.A., o processo de execução fiscal n.º 3654.2012/01042033, para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2008 – Cfr. informação a fls. 37 e processo de execução fiscal apenso aos autos;
b) Em 14 de Março de 2012, a Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2 que lhe fixasse o montante e demais condições pelas quais deveria ser prestada a garantia para suspender a instância executiva, informando, também, da intenção de contestar a legalidade da liquidação de IRC de 2008 – Cfr. documento a fls. 5 do PEF, apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Por ofício datado de 20 de Março de 2012 foi a Reclamante notificada, pelo Serviço de Finanças de Oeiras 2, de que “em conformidade com o preceituado no n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, informo que o valor da garantia a constituir ou a prestar é de € 12.523.985,56 – Cfr. documento a fls. 12 do PEF;
d) Em 2 de Abril de 2012, a Reclamante deu entrada, no Serviço de Finanças de Oeiras 2, de requerimento, dirigido ao chefe do Serviço de Finanças, mediante o qual apresentou e requereu a junção aos autos da garantia solicitada, com a indicação de que a mesma era constituída por uma fiança emitida pela sua accionista única – Cfr. documentos a fls. 14 a 21 do PEF, apenso aos autos;
e) Em 3 de Maio de 2012 foi a ora Reclamante citada no âmbito do PEF referido em a) – cfr. informação a fls. 37, fls. 3 do PEF;
f) Em 3 de Maio de 2012 foram constituídos pela Administração Fiscal dois penhores de créditos, resultantes de reembolsos de IVA, nos montantes de € 542.791,38 e 825.646,40, cujas notificações foram efectivadas em 10 de Maio de 2012 e 16 de Maio de 2012, respectivamente – cfr. informação a fls. 37, documentos a fls. 22 e 23 dos autos e a fls. 28 e 29 do PEF;
g) Em 18 de Maio de 2012 foi proferido despacho, pelo Director de Finanças Adjunto, por delegação, indeferindo o pedido de junção aos autos de garantia, sob a forma de fiança, a que se refere a alínea d) – Cfr. documento a fls. 30 do PEF;
h) Por ofício datado de 18 de Maio de 2012 e recebido pela Reclamante em 22 de Maio de 2012, foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento referido na alínea anterior – Cfr. documentos a fls. 39 e 39 v do PEF apenso aos autos;
g) (sic) A data limite para pagamento voluntário da dívida de IRC em cobrança coerciva foi o dia 2 de Abril de 2012 – cfr. documento a fls. 24, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

6 – Apreciando.
6.1 Da constituição de penhor de créditos fiscais antes de proferida decisão sobre a idoneidade da garantia oferecida para suspender a execução fiscal
A sentença recorrida, a fls. 69 a 79 dos autos, julgou procedente a reclamação deduzida pelo ora recorrido contra os actos de constituição de penhor sobre créditos de IVA, anulando-os, por entender que estando pendente um pedido de suspensão da instância executiva com apresentação de garantia só após o indeferimento desse pedido podia ser constituído penhor - pois que o pedido de prestação da garantia, a nível do prosseguimento da execução, tem o efeito de a suspender provisoriamente, como se depreende do n.º 7 do artigo 169.º, conjugado com o n.º 6 (n.ºs 3 e 2, respectivamente, na redacção inicial), de que resulta que a execução só prossegue depois de decorrido o prazo de prestação de garantia, sem que esta seja prestada - mais considerando que a actuação da AT, ao efectuar o penhor dos créditos de IVA, enquanto se encontrava por apreciar o pedido de prestação de garantia, consubstancia uma clara violação do princípio da boa fé, que se subsume em vício de violação de lei, pelo que, também por esta via, é de considerar procedente a presente Reclamação (cfr. sentença recorrida, a fls. 76 a 78 dos autos).
Fundamentou-se o decidido no comentário de JORGE LOPES DE SOUSA aos números 6 e 7 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e bem assim no Acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Fevereiro de 2012, rec. n.º 89/12.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que só se pode considerar que há prestação de garantia idónea nos termos do disposto nos art.ºs 169.º, 195.º e 199.º todos do CPPT, quando a mesma é aceite pela Autoridade Tributária, após análise da sua idoneidade quer qualitativa, quer quantitativa, pois só nesse momento estaremos perante a efectiva prestação de garantia para efeitos do disposto no artº 169.º do CPPT, nomeadamente para efeitos do disposto no seu n.º 6, pelo que, não se encontrando o processo de execução fiscal suspenso, era legal a constituição de penhor de créditos, pois que o penhor pode ser constituído desde que se verifique a existência de dívidas e com vista à satisfação das mesmas, não tendo também a Autoridade Tributária violado o princípio constitucional da boa fé, porquanto caso não estivesse a ser apreciada a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, a Autoridade Tributária era obrigada a proceder à compensação nos termos do disposto no art.º 89.º do CPPT.
A recorrida defende a manutenção do decidido.
Também o Ministério Público sustenta o não provimento do recurso, pois que a actuação da Administração tributária se lhe afigura violadora do princípio da boa-fé.
Vejamos, pois.
Embora a jurisprudência deste Supremo Tribunal citada pela recorrida nas suas contra-alegações e invocada na sentença sob recurso respeite à compensação de créditos por iniciativa da Administração tributária e não ao penhor de créditos, e sendo embora certo estar-se na compensação perante uma forma de extinção da obrigação diversa do cumprimento e no penhor perante a constituição de um direito real de garantia, a verdade é que a jurisprudência firmada no sentido da inadmissibilidade da compensação de créditos por iniciativa da Administração tributária na pendência dos prazos de defesa e de pedido de suspensão da execução mediante oferecimento de garantia é igualmente transponível para o caso da constituição de penhor de créditos por iniciativa da Administração tributária que, ao que parece, surge agora utilizada pela administração tributária como sucedâneo da compensação (sendo operacionalizada através da mesma aplicação informática, que, aliás, parece identificar a constituição de penhor de créditos como sendo uma compensação - segundo se colhe da “informação” elaborada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 2, a fls. 38 dos autos, em resposta à reclamação deduzida).
Assim o decidiu já este Supremo Tribunal, por Acórdão do passado dia 2 de Maio (rec. n.º 408/12), numa situação de constituição de penhor de créditos na pendência de pedido de dispensa de prestação de garantia, sendo idêntico julgamento aplicável, por igualdade de razões, num caso, como o dos autos, em que pendia de apreciação não um pedido de dispensa de garantia mas da sua prestação mediante fiança.
Acresce que, como bem se consignou na sentença recorrida e se pronuncia o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, a actuação da Administração tributária que, estando pendente de apreciação um pedido do executado de prestação de garantia, decide desde logo – e “automaticamente”, ao que parece - constituir penhor sobre créditos do executado resultantes de reembolsos de IVA – surge como ofensiva do princípio da boa-fé, pois que de outro modo ficaria ao arbítrio da AT o momento para apreciar a garantia oportunamente oferecida e, consequentemente, a suspensão da execução fiscal, no âmbito da qual poderia entretanto ir praticando diversos actos ofensivos do património do executado, em manifesto desrespeito pelo princípio da decisão (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Fevereiro de 2012, rec. n.º 89/12).
Tenha-se, ainda, presente que, embora a lei tributária permita à Administração fiscal, por sua iniciativa e independentemente de consentimento do respectivo titular, a constituição de penhor ou hipoteca legal para garantia (especial) dos créditos tributários (cfr. o artigo 50.º n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária e os n.ºs 1 e 5 do artigo 195.º do CPPT), e o n.º 1 do artigo 195.º do CPPT pareça permitir a constituição de penhor sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, a Lei Geral Tributária - que logica e naturalmente prevalece sobre o disposto no CPPT, como o próprio reconhece no seu artigo 1.º e porque, nos termos da respectiva autorização legislativa, este diploma visou adaptar as normas procedimentais e processuais vigentes ao disposto naquela Lei (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 390/391 – nota 2 ao art. 195.º do CPPT) - , exige que a constituição de tais garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida –, necessidade essa que não se tem por verificada nos casos em que o próprio executado, voluntariamente, se oferece para prestar garantia e não se lhe dá, antes da constituição do penhor, oportunidade de o fazer.

Pelo exposto, conclui-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida que bem decidiu ao julgar ilegais os actos de constituição de penhor de créditos tributários praticados na pendência de pedido de prestação de garantia mediante fiança.
- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente Fazenda Pública.
Lisboa, 24 de Outubro de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.