Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01127/04
Data do Acordão:12/14/2005
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:CÂNDIDO DE PINHO
Descritores:PENA DISCIPLINAR.
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO.
OFICIAL DE JUSTIÇA.
INCONSTITUCIONALIDADE.
ACTO RENOVADO.
CASO JULGADO.
PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM.
Sumário:I - De acordo com o nº 5 do art. 4º do DL nº 24/84, de 16/01, com a instauração do processo de inquérito inicia-se um período de suspensão do prazo de prescrição que não termina antes do termo do mesmo processo.
II - A publicação do DL nº 96/2002, de 12/04 não fere o princípio da reserva de competência exclusiva da Assembleia da República, já que o diploma, que surge na sequência da declaração de inconstitucionalidade do Estatuto dos Oficias de Justiça pelo Ac. do Tribunal Constitucional nº 73/2002, de 20/02/2002, não visa estatuir em matéria substantiva de infracções disciplinares e regime de punição, mas sim redefinir a competência do poder disciplinar.
III - Não viola o caso julgado, e por isso não é nulo (art. 133º, nº2, al.h), do CPA), nem ofende o princípio “ne bis in idem” o acto administrativo que, renovando um anterior judicialmente declarado nulo por falta de atribuições, impõe a mesma pena disciplinar ao arguido no âmbito de novo ordenamento jurídico em matéria de competência sancionatória.
IV - Também não ofende o mesmo princípio “ne bis in idem” a aplicação de pena igual à anteriormente anulada e, entretanto, executada, se o acto renovador é mandado descontar na que fora já cumprida, impedindo-se assim uma duplicação de cumprimento de pena.
Nº Convencional:JSTA00062736
Nº do Documento:SA12005121401127
Data de Entrada:10/29/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DEL CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE 2003/01/19.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR.
Área Temática 2:DIR JUDIC - EST OFIC JUST.
Legislação Nacional:CP95 ART121.
EDF84 ART3 ART4 ART11 ART12 ART13 ART14 ART25.
CONST97 ART29 ART165 ART218.
L 23/98 DE 1998/05/25 ART6
DL 376/98 DE 1998/12/11 ART95 ART107 ART136 ART138.
DL 343/99 DE 1999/08/26 ART98 ART111.
L 29/99 DE 1999/05/12 ART7.
CPA91 ART133.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC42203 DE 2005/12/06.; AC STA PROC42460 DE 1999/10/19.; AC STA PROC742/03 DE 2004/05/26.; AC STA PROC269/03 DE 2004/11/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Subsecção do STA
I- Relatório
A..., técnico de justiça principal, com os demais sinais dos autos, recorre contenciosamente do acórdão do Conselho Superior do Ministério Público de 19/01/2003, que lhe aplicou a pena disciplinar de inactividade.
Como fundamento do pedido, invoca a:
- Prescrição do procedimento disciplinar;
- Inconstitucionalidade do Conselho dos Oficiais de Justiça por:
a) Inconstitucionalidade do DL nº 96/2002, de 12/04, por ofensa à reserva de competência exclusiva da Assembleia da República;
b) Ausência da negociação colectiva imposta pelo art. 6º, K, da Lei nº 23/98, de 25/05;
c) Ausência de expurgo dos motivos que constituíram a declaração de constitucionalidade material do COJ (arts. 95º e 107º, al.a), do DL nº 376/87, de 11/12; 98º e 111º, al.a), do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo DL nº 343/99, de 26/08) com força obrigatória geral pelo Acórdão nº 73/2002, in DR, nº 64, de 16/03;
- Amnistia (art. 7º, al.d), da Lei nº 29/99, de 12/05);
- Nulidade:
a) por ofensa ao art. 133º, al.h), do CPA;
b) Violação da regra “ne bis in idem” e, em consequência, do art. 14º, nº1, do DL nº 24/84, de 16/01, ao aplicar-se nova pena à mesma infracção, art. 133º, nº2, al.d), do CPA e do art. 29º, nº5, da CRP e a Declaração Universal dos Direitos do Homem;
- Erro sobre os pressupostos de facto;
- Violação de lei (arts. 136º, nº1 e 138º do Estatuto dos Funcionários de Justiça);
- Violação de lei (art. 25º, nº2, al.a), do DL nº 24/84).
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Não houve resposta.
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Em alegações, o recorrente apresentou as seguintes conclusões:
«1°- O procedimento disciplinar prescreveu, pois os factos imputados ao recorrente datam de Agosto de1995, aplicando-se o art. 4º, nº 3, do Dec-Lei n° 24/84, de 16.01, que remete para a lei penal, Art.121°, nº 3, do respectivo Código, tendo o recorrente sido acusado da prática de difamação agravada, arts. 180°, nº l e 184º, do Código Penal revisto e 164º, nº 1 e 168°, do C. Penal de 1982.
2º-0 Dec-Lei nº 96/2002, de 12.04, encontra-se igualmente ferido de inconstitucionalidade face ao disposto na alínea d), do art. 165°, da CRP. O art. 6º k) da Lei nº 23/98, de 25.05, obriga o estatuto disciplinar a ser objecto de negociação colectiva e não o foi.
3º-Não se expurgaram os motivos que constituíram a declaração de inconstitucionalidade do COJ, art. 95º e 107°, a), do Dec-Lei 376/87, de 11.12 e do art.98° e 111°, a), do Dec-Lei 343/99, de 26.08, com força obrigatória geral pelo Acórdão nº73/2002, pelo que o Acórdão recorrido enferma de nulidade, sendo inconstitucional o Dec-Lei 96/2002.
4°-Sempre terá de se entender amnistiada a infracção disciplinar, como foi a infracção penal por força do vertido no art. 7º, d), por via da alínea c) do mesmo preceito da Lei 29/99, de12.05.
5º -0 Acórdão do COJ, confirmado, foi proferido em processo no qual já fora proferido outro Acórdão declarado nulo pelo TAC, tendo-se formado caso julgado, pelo que é nulo novo acto punitivo, conforme alínea h), do Art. 133°, do Código do Procedimento Administrativo.
6° - 0 Acórdão recorrido é desconforme ao Art.14°, nº1, do Dec-Lei 24/84, de 16.01, por aplicar nova pena pela mesma infracção é violado o ne bis in idem, pelo que é nulo o Acórdão.
7° - Afronta a alínea d), do nº 2, do art. 133º do CPA, o art. 29º, nº5, da CRP e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
8°- Na inactividade por um ano não se pode afirmar que se elimina retroactivamente tal acto, tudo se passando como se este nunca tivesse sido praticado, como pretende o CSMP.
9°- 0 Acórdão recorrido não retira todas as consequências devidas da pena cumprida de inactividade, embora reconheça que está em causa a mesma pena, o que teria de ser dilucidado..., ao não dilucidar logo, como lhe competia, denega justiça.
10º-Não deveriam ter sido dadas como provadas as afirmações ofensivas imputadas ao recorrente sobre uma Magistrada.
11º -As frases soltas, divergentes, hipoteticamente proferidas pelo recorrente num jantar em Conversa informal com dois Magistrados em comarca diversa, mesmo a terem sido proferidas, o que não se provou, nunca poderiam ter sido valoradas como grave desrespeito para com um superior hierárquico, que já nem o era.
12°-Nessas circunstâncias era impossível pretender-se que essa Magistrada foi ofendida na sua honra e consideração como pessoa e nesta qualidade.
13º-Não valorou o Acórdão a circunstância de não se pretender identificar, a fim de ser ouvida, a interposta pessoa que transmitiu à visada as controversas declarações dos dois Magistrados sobre o que teria dito o recorrente.
14º-Violou o Acórdão recorrido o art. 136º, nº l e art.138°, do Dec-Lei 376/87, de 11.12, por não se ter provado negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, situação impossível, até porque em Agosto de 1995 não havia já relações funcionais entre o recorrente e a Magistrada.
15º- Violou ainda o acórdão o art. 25º, nº2, a), do Dec.-lei nº 24/84, de 16/01, que se reporta a desrespeito grave por motivos relacionados com o exercício das suas funções, apenas em tais situações se podendo aplicar a pena de inactividade.
16º- A sanção escolhida nestas circunstâncias sempre seria excessiva estando em apreço um Técnico de Justiça Principal com largos anos de exemplar comportamento.
17°- Ao longo da sua dilatada carreira o recorrente sempre tem sido quem tem sido elogiado pelos Magistrados com quem, tem colaborado, como o atesta a declaração junta, inclusive subscrita pela Ex.ma Senhora Directora do DIAP de Lisboa, pelo que tem fundamento de sobra a pergunta, quais as verdadeiras razões deste único e urdido caso?
18°-Dois Magistrados que conhecem bem o recorrente asseveram ser inconcebível ter o mesmo proferido as afirmações.
A não ser julgado nulo, como pelas abundantes razões expostas deverá ser, sempre e com base no art. 57°, nº1, do Dec-Lei 267/85, de 16.07, deve por violação de lei ser anulado o acto recorrido, assim se fazendo JUSTIÇA!».
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A entidade recorrida não apresentou alegações.
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O M.P. opinou no sentido do improvimento do recurso.
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II- Os Factos
1- O recorrente, A..., desempenhou funções no Tribunal de Santa Cruz, no arquipélago da Madeira, desde Junho de 1993 a Setembro de 1995 como técnico de justiça principal.
2- No dia 4/01/1996 ..., Magistrada do Ministério Público, apresentou queixa contra aquele funcionário por crime de difamação relativo a declarações efectuadas em 5 ou 6 de Agosto de 1995, a qual deu origem ao inquérito nº 18/96 (fls. 4 do p.i.).
3- No dia 18/01/96 foi comunicada ao Presidente do Conselho de Oficiais de Justiça (COJ) a instauração do inquérito aludido (fls. 2 do p.i.).
4- O Presidente do COJ ordenou se procedesse a inquérito por despacho de 23/01/96 (fls. 2 do p.i.).
5- Por deliberação do COJ de 11/03/1996 foi decidido converter o inquérito em processo disciplinar (fls. 33 do p.i.).
6- Contra o arguido foi deduzida acusação no inquérito nº 18/96 pela autoria material de um crime de difamação agravada, p.e.p. pelos arts.180º, nº1 e 184º do C.P. de 1995 (fls. 104 do p.i. e 122 dos autos).
7- Por despacho de 15/07/99 do respectivo magistrado, o procedimento criminal relativo ao crime de que o arguido estava acusado foi, entretanto, declarado abrangido pela Lei de Amnistia nº 29/99, de 12/05 (fls. 31 dos autos).
8- No procedimento disciplinar foi em 21/10/1996 lavrado o respectivo relatório (fls. 136/150 do p.i.).
9- E em 13/01/1997 o COJ deliberou aplicar ao arguido a pena de inactividade por um ano, nos termos dos arts. 127º, nº1, al. e) e 131º, nºs 1 e 3, com os efeitos previstos no art. 147º, do DL nº 376/87, de 11/12 (fls. 154/166 do p.i.).
10- Em consequência disso, o funcionário esteve inactivo desde 01/02/97 a 31/01/98.
11- Desse acto o funcionário recorreu contenciosamente para o TAC de Lisboa, tendo vindo no respectivo processo (nº 283/97, da 3ª secção) a ser proferida sentença de provimento ao recurso, datada de 3/12/2001, com fundamento em nulidade da deliberação punitiva por falta de atribuições, na sequência de jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional (fls. 183/185 do p.i. e 153/165 dos autos).
12- Dessa sentença foi interposto recurso jurisdicional para o STA pelo Conselho dos Oficiais de Justiça (fls. 168 dos autos) e pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional (fls. 166/167 dos autos).
13- No entanto, na sequência do acórdão do TC nº 73/2002, que no âmbito de outro processo, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas do EOJ de que resultava a atribuição ao COJ de competência para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar dos Oficiais de Justiça, o M.P. veio aos referidos autos informar ter perdido a utilidade do recurso para o TC que havia interposto (fls. 171 dos autos).
14- Em vista disso, foi então naqueles autos proferido despacho de 27/05/2002 a julgar extinto o referido recurso obrigatório interposto pelo M.P. (fls. 173 dos autos).
15- O COJ, por seu turno, acabou por desistir do recurso jurisdicional interposto (fls. 185 dos autos), pelo que este foi julgado findo por despacho de 17/06/2002 (fls. 184 dos autos).
16- O COJ, alegadamente em execução da sentença referida em 11, em 3/10/2002, voltou a deliberar pela aplicação da pena de um ano de inactividade (fls. 187/200 do p.i.).
17- Dessa deliberação recorreu o interessado para o Conselho Superior do Ministério Público (fls. 210/217 do p.i.).
18- Em 19/01/2003, o Conselho Superior do Ministério Público deliberou o seguinte (a.a.):
«…confirmar a decisão punitiva, que, todavia, não deverá ser executada sem que se dilucide a questão dos efeitos produzidos e revogar a decisão constante da parte final do acórdão recorrido transcrita em 1 e proferida em vista do disposto no artigo 170º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo, comunicando-se de imediato à Direcção-Geral da Administração da Justiça e ao Conselho dos Oficiais de Justiça para efeitos de cessação da execução do acto punitivo» (fls. 226/236 do p.i. e 20/30 ou 88/99 dos autos).
19- A “parte final do acórdão recorrido” a que a deliberação mencionada no ponto 14 supra se refere é a que afirma:
«Para a hipótese de vir a ser interposto recurso desta decisão, este Conselho desde já reconhece haver manifesto interesse público na imediata execução desta decisão, já que, conforme resulta dos factos como provados, a permanência ao serviço da arguida dos autos,
- Desprestigia a função jurisdicional exercida pelo Estado;
- Há perigo na continuação da actividade infraccional;
- Desconfiança para os utentes dos tribunais;
-Perda de confiança dos Magistrados e funcionários com quem trabalha» (fls. 199 o p.i.).
20- Na sequência dessa deliberação foram prestadas duas informações, uma pela técnica superior da Direcção Geral da Administração da Justiça de 26/03/2003, outra pelo Director de Serviços Jurídicos e de Cooperação Judiciária Internacional, propondo a reassunção do recorrente ao serviço, a contagem do período de inactividade como tempo de serviço e o pagamento das remunerações e juros respectivos (fls. 100 a 101).
21- O Director Geral da Administração da Justiça, sobre essas informações apôs, em 21/05/2003, o despacho de «Concordo» (fls. 100).
22- Na sequência disso, o recorrido viria a receber os vencimentos relativos ao período em que cumpriu a pena de inactividade referida em 9 e 10 supra, acrescidos dos respectivos juros (fls. 100 e 101 e 106 a 121 dos autos).
23- No processo comum singular nº 42/97, que correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz para apreciação do pedido cível, na sequência do Inquérito nº 18/96 em que era assistente ... - magistrada do M.P. alegadamente ofendida pelo recorrente - foi acordado pelas partes porem termo à acção cível mediante termo de transacção de 4/02/2002, homologado judicialmente (fls. 127/128 dos autos).
24- Em 26/03/2004 o C.S.M.P deliberou o seguinte:
«O direito disciplinar é, tal como o direito penal, um direito punitivo, sendo -tal como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 19 de Junho de 1986 no processo nº 21667 - de aplicar supletivamente ao direito disciplinar as normas e princípios de direito penal que não contendam com a especificidade daquele.
Ora, no Código Penal consagra-se o instituto do desconto na pena das medidas processuais e penas anteriormente sofridas - cf. artigos 80.° a 82.° deste Código - em homenagem a imperativos de justiça material que se colocam igualmente em sede de punição disciplinar.
E, tal como se acentua no Código do Procedimento Administrativo Anotado de Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Maria da Glória Dias Garcia, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, 4ª Edição, pág. 246, no nº 3 do artigo 134º deste Código ressalva-se a protecção conferida a certas situações de facto surgidas à sombra de actos nulos, em homenagem ao princípio da justiça e ao princípio da tutela da confiança.
Princípios que podem ser chamados a colmatarem situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da "absolutidade" do acto nulo - cfr. anotação IV ao referido artigo 134º in Código do Procedimento Administrativo Comentado de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, 2ª Edição, pág. 655.
Ora, no acórdão deste Conselho de 19 de Fevereiro de 2003, alegando o Recorrente que "já esteve, de facto, em cumprimento de pena, um ano inteiro inactivo, de 1/02/97 a 1/2/98", mas sendo o acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça de cujo recurso hierárquico se conheceu, bem como o respectivo processo omissos quanto a tal alegado cumprimento, considerou-se que, estando em causa a mesma pena - de inactividade pelo período de um ano - a questão que, relativamente a tal matéria, se colocava era a de determinar os efeitos de facto produzidos pelo anterior acto punitivo e apreciar a situação daí decorrente.
E decidiu-se o seguinte:
Acordam no Conselho Superior do Ministério Público em confirmar a decisão punitiva, que, todavia, não deverá ser executada sem que se dilucide a questão dos efeitos produzidos e revogar a decisão constante da parte final do acórdão recorrido transcrita em 1 e proferida em vista do disposto no artigo 170º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, comunicando-se de imediato à Direcção-Geral da Administração da Justiça e ao Conselho dos Oficiais de Justiça para efeitos de cessação da execução do acto punitivo."
Este acórdão foi objecto de recurso contencioso de que não é conhecido o resultado.
E veio, entretanto, a Direcção-Geral da Administração da Justiça confirmar que a pena de um ano de inactividade fora, tal como havia sido alegado pelo Recorrente, efectivamente cumprida no período compreendido entre 1.2.97 e 1.2.98.
E, assim havendo sido, delibera-se que se impõe o desconto na nova pena, objecto ainda de recurso contencioso, daquela que foi anteriormente cumprida» (fls. 131/132).
25- No tribunal Judicial de Santa Cruz, nos autos de processo comum singular em que era assistente a ofendida a Magistrada do MP, Drª ... e arguido o ora recorrente, foi alcançada uma transacção judicial, devidamente homologada, em que este se comprometeu a fazer publicar em vários jornais um texto em que expressamente apresentava desculpas à referida Magistrada pelas expressões proferias publicamente em Agosto de 1995 (fls. 127/128).
26- NO TAC de Lisboa foi interposto recurso contencioso (Proc. nº 283/97 – 3ª Secção) movido pelo recorrente A... contra a deliberação do COJ de 13/01/1997 que lhe havia aplicado a pena disciplinar de inactividade por um ano (fls. 152 e sgs.)
27- Por sentença de 3/12/2001 foi o acto referido em 26 anulado (loc. cit.).
28- Dela foi interposto recurso jurisdicional pelo COJ (fls. 168), o qual, no entanto, viria a ser declarado findo por desistência do recorrente (fls. 184 e 185).
29- Da mesma sentença também recorrera o M.P. para o Tribunal Constitucional (fls. 166), recurso, porém, que viria a ser julgado extinto face à publicação, entretanto, do Ac. do TC nº 73/2002 que declarou inconstitucionais as normas dos arts. 98º 4 111º, al.a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça (fls. 171 e 173).
30- A referida sentença (ponto 27 supra) transitou em julgado em 8/07/2002 (fls. 189).
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III- O Direito
1- Da Prescrição
Começa o recorrente por advogar que, por aplicação do art. 121º, nº3 do Código Penal, “ex vi” art. 4º, nº3, do DL nº 24/84, de 16/01, o procedimento disciplinar se encontra prescrito.
No entanto, de acordo com o nº5 daquele art. 4º, o prazo prescricional é suspenso com a instauração do processo de inquérito. Significa que em 23/01/96, data do despacho que determinou a abertura do processo de inquérito, se iniciou um período suspensivo, que não terminaria antes do termo do mesmo processo (Ac. do STA de 19/10/99, Proc. nº 042460; 17/05/2000, Proc. nº 033385), sendo que neste caso o inquérito terminou com o despacho de 15/07/99 (ver ponto 7 da matéria de facto). Por outro lado, o acto punitivo de 13/1/97 foi praticado dentro do prazo, sendo certo que a suspensão durou até ao trânsito em julgado da decisão judicial que recaiu sobre o recurso contencioso dele interposto (Ac. do STA de 13/07/93, Proc. nº 029346; Pleno de 6/12/2005, P. nº 042203/97).
Ora, tendo em atenção que os factos ocorreram no dia 5 ou 6 de Agosto de 1995 e que o inquérito foi instaurado em 23/01/96, não estava nessa ocasião decorrido ainda o prazo prescricional de três anos. E, por outro lado, uma vez que a decisão judicial tomada em recurso do primitivo acto sancionatório foi tomada em 3/12/2001 (transitada em 08/07/2005: fls. 153 e 183), a data do reinício do procedimento através da prolação do novo acórdão punitivo em 3/10/2002 está necessariamente contida no referido prazo prescricional.
Improcede, pois, a conclusão 1ª das alegações finais do recurso.
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2- Da inconstitucionalidade
2.1- Aponta o recorrente a inconstitucionalidade formal decorrente do facto de, com a publicação do DL nº 96/2002, de 12/04, ter sido ferido o princípio da reserva de competência exclusiva da Assembleia da República.
Mas não tem razão.
Com efeito, o diploma em apreço surge na sequência da declaração de inconstitucionalidade do Estatuto dos Oficiais de Justiça pelo Ac. do T.C. nº 73/2002, de 20/02/2002, in DR, I, de 16/03/2002, na parte em que reconhecia ao COJ competência material para apreciação do mérito e acção disciplinar aos oficiais de justiça (cfr. arts. 98º e 111º, al.a), do DL nº 343/99, de 26/08).
Contudo, e como se tem vindo a decidir, aqueles dispositivos, alterados pelo DL nº 96/2002, visam somente a «redefinição de competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício do poder disciplinar sobre os oficias de justiça, que vem sendo exercida pelo Conselho Superior dos Oficiais de Justiça, por forma a que estas percam a sua natureza de competências exclusivas e admitam, em qualquer caso, uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro de pessoal que integram», como se pode ler no respectivo preâmbulo.
Ou seja, «a leitura das novas redacções destas normas evidencia que o legislador do DL 96/02 considerou que a razão que tinha motivado o juízo de inconstitucionalidade das suas primitivas redacções fora a atribuição de competência exclusiva ao COJ para decidir sobre o mérito profissional e o exercício da acção penal dos funcionários de justiça e, nesse convencimento, retirou-lhe essa competência e atribuiu-a, consoante os casos, ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e ao Conselho Superior do Ministério Público, para quem cabia recurso hierárquico necessário das deliberações daquele Conselho» (Ac. do STA de 26/05/2004, Proc. nº 0742/03).
E estas alterações significam, por conseguinte, a conformação ao consignado no art. 218º, nº3, da CRP, não no sentido da estatuição em matéria substantiva de infracções disciplinares e regime de punição, mas no sentido da competência para o exercício do poder disciplinar em última instância (neste sentido, ainda, o Ac. do STA de 30/11/2004, Proc. nº 0269/03; 2/12/2004, Proc. nº0718/04; 13/01/2005, Proc. nº 0694/04). Coisas distintas, já se vê.
Não se mostra, por isso, violado o art. 165º, nº1, al.d), da CRP, pelo que se considera improcedente a matéria da conclusão 3ª das alegações.
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2.2- No passo seguinte, o recorrente sustenta que se mostra ofendido o art. 6º, al.k), da Lei nº 23/98, de 25/05, por não ter havido negociação colectiva prévia ao DL nº 96/2002 acima referido.
Ora, o art. 6º, al.k), da Lei nº 23/98, de 25/05 (que estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público), dispõe que devem ser objecto de negociação colectiva as matérias relativas à “fixação” ou “alteração” do estatuto disciplinar.
Todavia, e conforme atrás tivemos ocasião de dizer, esta alteração não colide com direitos subjectivos dos trabalhadores, nem interfere com o leque de interesses legítimos de ordem substantiva que devessem ser preservados e cuja observância haveria de ser assegurada através de negociação prévia. Diferentemente, trata-se da adaptação de um regime disciplinar à Constituição naquilo que ele tinha de afronta aos poderes de reexame e avocação reconhecidos a outros órgãos externos ao COJ. Ou seja, se tinha em vista a consagração de um regime de competências adaptado à Constituição, então a alteração não tinha que ser objecto de negociação colectiva, face ao disposto no art. 12º da Lei nº 23/98 (dispõe: «A estrutura, atribuições e competências da Administração Pública não podem ser objecto de negociação colectiva ou de participação» destaque a negro nosso).
Improcede, desta feita, a conclusão 2ª das alegações.
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2.3- Diz, depois, que os vícios que conduziram à declaração de inconstitucionalidade encetada pelo Acórdão nº 73/2002 não foram totalmente expurgados pelo DL nº 96/2002.
Em causa estão, os arts. 95º e 107º, al.a), do DL nº 376/87, de 11/12 e os arts. 98º e 111º, al. a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo DL nº 343/99, de 26/08.
Esta alegação, porém, consideramo-la já resolvida na abordagem efectuada em 2.1.
São preceitos que se mostram totalmente justificados no respeito absoluto pela declaração de inconstitucionalidade vertida no citado aresto do Tribunal Constitucional, pelo que nada importa acrescer ao que ali deixamos afirmado.
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3- Da amnistia
Insiste o recorrente que a infracção disciplinar em causa estaria amnistiada, por força do art. 7º, al.d), da Lei nº 29/99, de 12/05.
Não tem, porém, razão.
Com efeito, de acordo com a alínea c) do art. 7º do diploma, só estariam abrangidas pela amnistia as infracções disciplinares que não constituíssem, simultaneamente, ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não fosse superior à suspensão ou prisão disciplinar.
Ora, não obstante um dos requisitos para a aplicação da amnistia se mostrar verificado (o ilícito penal foi, efectivamente, amnistiado, conforme ponto 7 da matéria de facto), o certo é que a pena disciplinar concretamente aplicada não foi a de suspensão, mas a de inactividade.
É verdade que na escala de graduação da gravidade das penas, a de suspensão se apresenta à frente da de inactividade (cfr. art. 11º, nº1, als. c) e d), do Estatuto dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº 28/84, de 16/01). No entanto, embora haja pontos de contacto e efeitos comuns entre ambas, a duração de uma e outra não é igual. Enquanto a de suspensão do exercício de funções pode ir de 20 dias a 240 dias, a de inactividade não poderá ser inferior a um ano (nºs 4 e 5 do art. 12º do Estatuto citado). Para além disso, enquanto a pena de suspensão pode implicar a impossibilidade de promoção durante um ano (art. 13º, nº4, cit. dip.), essa impossibilidade de promoção ascende a dois anos no caso da inactividade (art. 13º, nº5, ci. dip.).
Quer dizer, sendo parcialmente diferentes os efeitos das penas, não quis o legislador que a infracção disciplinar punível com a pena de inactividade merecesse inclusão na lei de amnistia.
Improcede, portanto, o vício invocado na petição inicial e mantido na conclusão 4ª das alegações finais.
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4- Da nulidade
4.1- Neste capítulo, começa por imputar ao acto a ofensa do caso julgado a que respeita o art. 133º, nº2, al.h), do CPA. E isto por, alegadamente, o acórdão do COJ referido no ponto 16 da matéria de facto ter reiterado uma punição sobre a mesma factualidade que esteve na base do acórdão do TAC de Lisboa que havia declarado nula a anterior deliberação punitiva daquele órgão.
Não concordamos.
Se o anterior acto desapareceu da ordem da jurídica, porque declarado nulo, tal não impedia a sua renovação atendendo aos fundamentos utilizados na sentença de provimento. Com efeito, o fundamento para a declaração judicial de nulidade centrou-se na falta de atribuições do COJ no exercício do poder disciplinar sobre os funcionários. Isto quereria à partida dizer que, no quadro do mesmo ordenamento jurídico, não poderia o mesmo órgão retomar o procedimento para o exercício daquele poder. Mas, quando o procedimento disciplinar foi retomado, isto é, quando o COJ voltou a punir o recorrente, mesmo tendo por base a mesma factualidade, já a legislação em apreço se tinha alterado com o DL nº 96/2002, no sentido da redefinição de competências. E tal já permitiu o exercício do poder disciplinar que anteriormente havia faltado.
Desta maneira, tratando-se de novo acto, praticado no âmbito de novo enquadramento jurídico em matéria de competências, não se pode dizer que o novo acto violou o caso julgado.
Improcedente, por isso, se julga a matéria da conclusão 5ª.
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4.2- Improcedendo o vício anterior, igual sorte merecerá o que o recorrente invocou sobre a pretensa violação do princípio “ne bis in idem”.
Este princípio, com assento no artigo 29º, n .º 5 da CRP e recebido no âmbito disciplinar no art. 14º, nº1, do Estatuto dos Funcionários citado - e que, conforme doutrina e jurisprudência unânimes, é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória - dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
Trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito: o de que ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico. Convém advertir, porém, que a força que dela emana só funciona nos casos em que o pressuposto da pena efectiva esteja presente, porque só a sobreposição de penas efectivas radicadas no mesmo facto ilícito conforma a valoração dogmática do princípio. Isto é, não basta para o accionar relevantemente que o agente da acção por esta seja reprimido. É necessário que a punição interfira decisiva e definitivamente na esfera de direitos e interesses do indivíduo. E tal não acontece quando uma pena vem a ser eliminada da ordem jurídica em virtude, por exemplo, do êxito de uma pretensão reactiva e anulatória de feição contenciosa.
Deste modo, porque a primeira sanção foi declarada nula, não se pode dizer que a segunda colide com aquele princípio. Razão pela qual se não mostram ofendidos as disposições dos arts. 14º, nº1 do DL nº 24/84, de 16/01, 133º, nº2, al.d), do CPA e 29º, nº5, da CRP, nem a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
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4.2.1- Mas uma coisa é o acto que impõe a pena (acto declarado nulo), outra é o seu efeito, no caso de ter sido, efectivamente, cumprida. E então, pergunta-se: a circunstância de ter já sido executada a pena de inactividade imposta pelo primeiro acto (posteriormente declarado nulo, repetimos) teria impedido o cumprimento da mesma pena pelo segundo acto (acto renovador)?
A questão assim equacionada é já diferente. A questão não consiste, agora, em apurar da possibilidade de o acto renovador impor a mesma pena, mas sim em avaliar da possibilidade legal da sua execução. Trata-se, portanto, de estudar o problema pelo prisma das consequências sobrepostas de ambos os actos porque, evidentemente, se os factos sobre que incidiam eram os mesmos e se os efeitos do primeiro acto se consumaram pela sua realização material, os efeitos do segundo já não poderiam ser accionados, sob pena de duplo cumprimento efectivo de pena.
Acontece que o acto ora recorrido (de 19/01/2003: facto 18), apesar de confirmar a decisão punitiva, isto é, não obstante reeditar a sanção de inactividade por um ano, determinou a sua não execução imediata, ao mesmo tempo que revogava a deliberação anterior na parte em que impunha a sua execução. Ou seja, no que concerne à eficácia dessa nova deliberação, foi decidido que ficava suspensa até que fossem “dilucidados” os seus efeitos, num exercício administrativo que se nos afigura resolúvel pela figura da eficácia diferida, subsumível, portanto, à previsão dos arts. 127º, nº1, “in fine” e 129º, al.b), do CPA.
E mais sucede que, posteriormente, o mesmo Conselho Superior do Ministério Público (em 26/03/2004: facto 24), retomando o estudo do caso nesse ponto, viria definitivamente a concluir que a pena então aplicada haveria de ser descontada na que primeiramente fora aplicada. Deste modo, porque ambas eram de inactividade pelo mesmo período de um ano, e uma vez que ela tinha sido já totalmente cumprida, o recorrente deixaria, efectivamente, de cumprir a sanção reeditada em 19/01/2003.
Isto significa que não houve duplo cumprimento de pena e, por isso, a situação não se enquadra no princípio “ne bis in idem” invocado pelo recorrente.
Improcede, assim, a matéria das conclusões 6ª a 9ª das alegações.
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5- Advoga, depois, o recorrente que a entidade recorrida não deveria ter dado por provadas as afirmações ofensivas a si imputadas. O que configuraria erro sobre os pressupostos de facto.
Contudo, do conteúdo dos autos e do processo instrutor não resulta que o recorrente não se tenha referido à queixosa nos termos que estiveram, precisamente, na base do sancionamento disciplinar. Pelo contrário, os elementos existentes (declarações de dois Magistrados do M.P., testemunhas com quem o recorrente jantara e a quem fizera as ditas afirmações) revelam uma conduta violadora de deveres de respeito e correcção. E se o recorrente tinha o ónus de demonstrar na presente sede contenciosa a verificação do vício invocado, não foi capaz de o fazer.
Assim, não procede o vício incluído na conclusão 10ª.
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6- A seguir, o recorrente considera terem sido violados os arts. 136º, nº1 e 138º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo DL nº 376/87, de 11/12 (revogado pelo DL nº 343/99, de 26/08, mas aqui aplicável, atendendo à data dos factos).
Dispõe o primeiro daqueles normativos:
«Artigo 136.º
Penas de suspensão de exercício e de inactividade
1 - As penas de suspensão de exercício e de inactividade são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ou quando o oficial de justiça for condenado em pena de prisão, salvo se a condenação implicar pena de demissão.
2 - …».
E o segundo:
«Artigo 138.º
Medida da pena
Na determinação da medida da pena atende-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele».
A este respeito, disse ser impossível que a pena pudesse ser aquela, uma vez que a Magistrada em causa já não era seu superior hierárquico por desde Agosto de 1995 não haver já relações funcionais entre ambos. Pretendia, deste jeito, afastar a aplicação do art. 3º, nºs 4, al. f) e 10, do DL nº 24/84, de 16/01, aplicável “ ex vi” art. 182º do citado DL nº 376/87.
Na verdade, a medida de inactividade não só depende dos pressupostos estabelecidos no art. 136º acima transcrito, como das normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (E.D.) atrás referidas. E é certo que o nº 10, do art. 3º desse diploma prescreve que o dever de correcção «consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas, quer ainda os superiores hierárquicos». O que significaria, na tese do recorrente, que não estando em causa a ofensa a nenhum colega, nem a qualquer superior hierárquico (neste caso, com o argumento de que não mantinha relações funcionais com a queixosa desde Agosto de 1995), não poderia ver aplicada a pena de inactividade.
Não partilhamos dessa tese.
É verdade, com efeito, que o recorrente exerceu funções no Tribunal de Santa Cruz desde Junho de 1993 a Setembro de 1995 e que a ofendida ali prestou serviço como Magistrada do Ministério Público entre Setembro de 1990 e Julho de 1994. E certo é, também, que as declarações alegadamente ofensivas foram efectuadas em 5 ou 6 de Agosto de 1995, isto é, quando não havia relações funcionais entre recorrente e ofendida. Assim sendo, nesse momento a Magistrada não era superior hierárquico do recorrente.
Contudo, as afirmações produzidas pelo recorrente naquela data respeitavam a uma época anterior em que ambos trabalhavam no mesmo tribunal e em que um (recorrente) era inferior hierárquico do outro (Magistrada do M.P.). Quer dizer, se a ilicitude se concretiza por imputações de comportamento da ofendida reportadas a um tempo em que entre ambos havia uma relação funcional e de hierarquia, a integração dos factos não pode deixar de fazer-se à conta de uma ofensa contra a honra e dignidade de um superior hierárquico, mesmo que no instante em que a declaração é produzida tenha já cessado essa mesma relação.
Por outro lado, ainda que a ofendida não fosse já superior hierárquico do recorrente no momento em que este terá proferido as afirmações desrespeitosas (Agosto de 1995), o certo é que, nem mesmo assim, a incorrecção era atitude complacente ou tolerável. É que se outro bom motivo não houvesse, a ofensa não deixaria de existir porque, em qualquer caso, sempre teria por destinatário um “terceiro”, e isso não deixaria de constituir pressuposto de desrespeito grave, para efeitos da aplicação da pena de inactividade prevista no art. 25º, nº2, al. a), do Estatuto Disciplinar (E.D.), preceito que o recorrente também chama à colação.
Pelas razões expostas e porque não se nos afigura que a pena seja inadequada aos factos e circunstâncias em que a ofensa disciplinar foi cometida, não se mostra verificado o vício a que se refere nas conclusões 11ª a 14ª.
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Por fim, o recorrente acha-se indignado contra a alegada violação do art. 25º, nº2, al. a) do E.D., porque, em seu entender, só com base em desrespeito grave e por motivos relacionados com o exercício das suas funções poderia ter sofrido tal pena de inactividade.
Ora, é grave que o recorrente tenha dito:
- que a sua superiora hierárquica “gostava de se exibir”;
- que “usava mini saias para mostrar as pernas não se sabe até onde”;
- que ela chegou a “subir a uma escada ou escadote para as mostrar (as pernas) ao participado” (parênteses nosso);
- que ela “se mandava e atirava ao participado e porque este não se mostrou interessado o perseguiu a tal ponto que o mesmo teve que apresentar uma queixa crime”;
- que “só não saltou para cima da participante porque não quis”.
E também não deixa de ser uma ofensa por motivos relacionados com o exercício das suas funções, já que a imputação à ofendida desse comportamento de sedução e assédio se concentrava na actividade que ambos exerciam no mesmo tribunal.
Logo, no nosso entendimento, uma tal ofensa não escapa à previsão do citado preceito.
E, porque é assim, não se mostra verificado o vício, nem procedentes as conclusões restantes.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso.
Custas pelo recorrente.
Taxa de justiça: 400 euros.
Procuradoria: 200 euros.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2005. – Cândido de Pinho (relator) – Azevedo Moreira – Pais Borges.