Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01192/14.7BELRS
Data do Acordão:03/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
OPERAÇÕES FINANCEIRAS
Sumário:As comissões pagas pelas seguradoras (não abarcadas pela isenção prevista na alínea b) do artigo 7.º, n.º 1 do CIS) não tem natureza financeira, nem são subsumíveis à Verba 17, devendo, por força da especial disciplina consagrada na Verba 22, “ Seguros” ser objecto de tributação.
Nº Convencional:JSTA000P29086
Nº do Documento:SA22022030901192/14
Data de Entrada:11/16/2021
Recorrente:COMPANHIA DE SEGUROS A…………., S.A
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1.COMPANHIA DE SEGUROS A…………, S.A”, inconformada com o julgamento de improcedência da impugnação judicial por si intentada contra o acto de liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2011, e respectivas liquidações de juros compensatórios, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Tendo alegado, encerrou a sua motivação com o seguinte quadro conclusivo:

«1.º A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o ato tributário de Imposto do Selo do ano de 2011;

2.º Entende a Recorrente que a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal a quo não cuidou de analisar a questão da inexistência de incidência, conforme invocado nos artigos 98.º a 103.º da p.i. e nas páginas 15 e 16 das alegações escritas, para as quais se remete;

3.º Tratando-se esta de questão sobre a qual se lhe impunha tomar conhecimento, a decisão que não a conheceu incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, deve o presente recurso ser julgado procedente e determinada a revogação da sentença recorrida, proferindo-se nova decisão que julgue procedente a impugnação judicial;

4.º Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu, ainda, em erro de julgamento de direito na interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e, bem assim, na interpretação do princípio da igualdade;

5.º A Recorrente entende que as comissões pagas por si ao Banco B............., S.A., no âmbito da atividade de mediação de seguros, estão isentas nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;

6.º Não é efetuada qualquer ressalva na referida norma quanto à eventualidade da sua aplicação restritiva somente ao que a sentença recorrida designa por “operações financeiras em sentido estrito”, pelo contrário, se o legislador incluiu a referência a “(…) instituições financeiras” na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo foi, precisamente, porque não pretendeu restringir o conceito de operações previstas naquela norma às operações efetuadas por instituições de crédito e por sociedades financeiras no âmbito da atividade bancária e da intermediação financeira, pelo que, em algumas circunstâncias, mesmo as comissões previstas na verba 22.2 da TGIS deverão também beneficiar desta isenção de Imposto do Selo;

7.º Não se pode ignorar o elemento literal de interpretação das normas jurídicas, uma vez que de acordo com o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…)”, razão pela qual, inexistindo qualquer correspondência da expressão “operações financeiras em sentido estrito” na letra da lei, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida não pode ser invocada para sustentar que as comissões pagas pela Recorrente ao Banco B............., SA pertencem àquela espécie de comissões e não se encontram isentas;

8.º O entendimento da Recorrente é ainda plenamente validado pelo elemento histórico da interpretação da lei, segundo o qual a regra de isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não impõe quaisquer requisitos adicionais para as comissões nela previstas, nomeadamente, em função da atividade das entidades envolvidas, conforme parece decorrer (erroneamente) da sentença recorrida;

9.º Apesar, no passado, o legislador ter incluído um elemento objetivo específico como pressuposto da isenção (através da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de setembro), tal elemento foi expressamente excluído com a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, a partir de 1 de janeiro de 2003, só voltando a ser introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a partir de 31 de março de 2016, sendo que essa limitação nem sequer é aplicável às comissões ora em apreço sob pena de violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal;

10.º Em toda a evolução na redação da norma de isenção atualmente prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo há que destacar que a alteração promovida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, enuncia de forma clara e inequívoca a intenção do legislador em alargar o âmbito de aplicação da norma;

11.º Em momento algum o legislador limitou a referida isenção ao tipo de atividade das entidades envolvidas na operação, i.e., não se identifica na atuação do legislador qualquer indício de que os juros ou comissões isentos deverão ser somente os que têm subjacente “operações financeiras em sentido estrito”. Pelo contrário, o legislador sempre procurou alargar o âmbito de aplicação daquela isenção;

12.º A alteração promovida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aditou um n.º 7 ao artigo 7.º do Código do Imposto do Selo veio introduzir, novamente, uma restrição do âmbito de aplicação daquela norma. Todavia, importa salientar que aquela limitação cinge-se, apenas, às garantias e operações financeiras tal como previstas nas verbas 10 e 17 da TGIS, não abrangendo as comissões pela atividade de mediação de seguros como as que estão a ser discutidas nos presentes autos;

13.º A questão da aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo às comissões pagas a instituições de crédito no âmbito da atividade de mediação de seguros já era discutida aquando da alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e, ainda assim, o legislador não a clarificou, o que significa inequivocamente que as comissões em apreço têm pleno cabimento naquela isenção. Nesse momento, o legislador poderia – e se a sua intenção era a de que as comissões pela atividade de mediação de seguros não se enquadram no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, deveria! – ter introduzido uma norma expressa quanto a essa limitação;

14.º Se o legislador nada fez quanto a esta questão, mantendo-se a regra jurídica nos mesmos moldes anteriores, não pode o intérprete distinguir onde o legislador não o fez e, para além disso, considerando o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “(…) o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, pelo que a interpretação segundo a qual a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo será ilegal por manifesta violação das normas jurídicas aplicáveis na data dos factos tributários em presença;

15.º O n.º 3 do artigo 103.º da CRP proíbe a retroatividade da lei fiscal, e que o caráter interpretativo de determinada norma implica a sua aplicação retroativa, pelo que só poderá ser conferido caráter interpretativo à lei fiscal em situações em que era notório e inquestionável que a interpretação a conferir à norma era o entendimento que o legislador apenas expressamente consagrou mais tarde. Caso contrário o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ínsito no n.º 3 do artigo 103.º da CRP será manifestamente violado, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais na eventualidade de se equacionar a aplicação deste n.º 7 ao caso em apreço;

16.º A interpretação das normas constantes da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, no sentido de que as comissões subjacentes à atividade seguradora, somente pelo facto de serem enquadráveis na verba 22 da TGIS, não beneficiam daquela isenção e de ser reconhecido o caráter interpretativo da limitação introduzida pelo artigo 152.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, somente para as referidas comissões subjacentes à atividade seguradora consubstanciariam uma violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e coerência sistemática, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;

17.º Não existe o mínimo suporte na letra da lei para o entendimento de que o legislador teria pretendido sujeitar a Imposto do Selo comissões pagas por e a instituições de crédito e financeiras, somente pelo facto de corresponderem a comissões pela atividade de mediação de seguros, devendo entender-se que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo abarca toda e qualquer comissão, cobrada entre instituições de crédito, sociedades financeiras e quaisquer outras instituições financeiras, independentemente de se qualificar como operação financeira em sentido estrito ou em sentido lato;

18.º Deve, pois, concluir-se que o facto de o legislador ter simplesmente enumerado na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo um conjunto de realidades, entre as quais as “comissões” – sem qualquer espécie de ressalva quanto ao seu tipo –, que pretendeu isentar sempre que estas se realizem entre determinadas entidades financeiras, não permite de modo algum restringir o escopo de aplicação da isenção às comissões relacionadas com “operações financeiras em sentido estrito”, pois nem sequer está determinado o que abarcará este conceito;

19.º E nem se invoque a Circular n.º 7/2009 para suportar a interpretação restritiva da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, pois, as circulares da administração tributária são orientações administrativas que vinculam a administração tributária, mas não são dotadas de juridicidade, nem vinculam os contribuintes, ou os tribunais, pelo que, também com este fundamento, resulta evidenciada a ilegalidade do entendimento dos serviços de inspeção tributária;

20.º Conclui-se, pois, que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na versão em vigor à data dos factos tributáveis, não tinha em conta quaisquer limitações visando os elementos objetivos que prevê – bastando que se tratem de garantias, juros e comissões –, pelo que para a sua aplicação importava apenas aferir a natureza das entidades envolvidas, devendo concluir-se pela sua aplicação na situação sub judice;

21.º Sendo a intenção do legislador isentar de tributação operações realizadas por instituições financeiras, visando desonerar os clientes das instituições financeiras e favorecer o acesso destes a todos os serviços financeiros, e sendo certo que o legislador isenta de Imposto do Selo os atos ou as operações e não determinada atividade, no caso sub judice, a subsunção de uma determinada operação à isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo exige apenas o cumprimento de dois requisitos: (i) por um lado, que se esteja perante juros e comissões cobrados, garantias prestadas ou utilização de crédito; e, (ii) por outro lado, que essas operações sejam realizadas entre instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras. Estes requisitos estão inequivocamente verificados;

22.º Não subsiste qualquer dúvida de que no caso sub judice se trata de uma operação realizada entre uma instituição de crédito (o Banco B............., S.A.) e uma instituição financeira (a Recorrente);

23.º O Banco B............., S.A. é uma instituição de crédito, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do RGICSF, devendo ter-se presente que, nos termos da alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º do RGICSF, os Bancos podem efetuar operações de mediação de seguros e que desenvolverem aquela atividade não perdem a qualificação de instituição de crédito;

24.º Não se pode limitar aquela isenção ao âmbito de atividades bancárias – “operações financeiras em sentido estrito” –, pelo que não é pelo simples facto de o Banco B............., SA atuar neste contexto como mediador de seguros que perde a natureza de instituição de crédito;

25.º A qualificação da Recorrente como instituição financeira é também uma conclusão inequívoca à luz do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, que estabelece que as empresas de seguros são “(…) instituições financeiras que têm por objecto exclusivo o exercício da actividade de seguro directo e resseguro”. A nova redação do regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora introduzido pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, manteve a definição de empresas de seguros, pois dispõe o n.º 1 do artigo 47.º da referida lei que “As empresas de seguros são empresas financeiras que têm por objeto exclusivo o exercício da atividade seguradora, bem como as operações dela diretamente decorrente, com exclusão de qualquer outra atividade comercial”;

26.º O princípio que resulta do artigo 101.º da CRP dissipa quaisquer dúvidas que pudessem ainda existir de que as pessoas coletivas do setor segurador configuram verdadeiras instituições financeiras;

27.º Para além disso, também é inquestionável que se está perante comissões cobradas e que as mesmas se enquadram nas operações previstas naquela alínea para efeitos de isenção. Com efeito, é inegável que os montantes pagos pela Recorrente assumem a natureza de comissões;

28.º Assim, verificam-se, no caso sub judice, os pressupostos de aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, pelo que as comissões em apreço se encontram isentas de Imposto do Selo, sendo evidente o erro de julgamento de direito em que incorre a sentença recorrida, devendo ser revogada, com as demais consequências legais;

29.º É de salientar que o eventual impacto de uma determinada isenção no funcionamento do mercado não serve de critério de interpretação de uma determinada norma;

30.º A possibilidade de ocorrência de uma desvantagem concorrencial entre mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros – que, aliás, não surge sequer evidenciada nos presentes autos – não é fundamento para interpretar restritivamente uma determinada norma, quando todos os elementos apontam claramente no sentido de que se pretendeu abranger pela isenção as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros;

31.º A Recorrente entende ainda, contrariamente ao decorre da sentença recorrida, que a interpretação de que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não pode ser aplicável às instituições de crédito que efetuem a atividade de mediação de seguros é que encerra uma perversa violação do principio da igualdade;

32.º Para que se equacione devidamente a aplicação do princípio da igualdade deverá ter-se muito bem definidas, a priori, as situações-base que se pretende comparar, pois só desse modo é que se poderá efetuar uma análise correta do princípio da igualdade, garantindo que perante duas situações idênticas o tratamento é – ou deverá ser – idêntico e que perante duas situações distintas o tratamento é – ou deverá ser distinto;

33.º Na situação sub judice, as condições em que as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros realizam as aludidas operações não são idênticas às condições em que os mediadores convencionais de seguros as exercem, logo o ponto de partida para cada uma das situações que se pretende comparar não é o mesmo!

34.º A desigualdade de condições, imposta pelas circunstâncias e contexto em que uns e outros exercem a sua atividade, justifica, precisamente, que os mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros não sejam comparáveis para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo;

35.º Embora sujeitos às mesmas condições de acesso e exercício das operações e, como tal, aos mesmos direitos e deveres, é manifesto que as operações geradoras das comissões sub judice são, em larga maioria, acessórias e indissociáveis dos serviços fornecidos na atividade principal das instituições de crédito, na sua maioria num quadro de adesão a cláusulas contratuais gerais, e numa ótica de proteção das operações a que estão associados (vide, exemplificativamente, seguros relativos a financiamento para aquisição de habitação).

Trata-se, aliás, de uma conclusão que é evidenciada pelo próprio Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de julho que, apesar de sujeitar a instituição de crédito que realiza operações de intermediação ou mediação de seguros às mesmas condições de acesso e exercício das operações que os mediadores convencionais de seguros, culmina por diferenciá-la daqueles mediadores de seguros, evidenciando que não se encontram em situação comparável;

36.º O conceito de mediador de seguros ligado previsto no artigo 8.º daquele diploma distingue entre aqueles que exercem a atividade de mediação de seguros em nome e por conta de uma empresa de seguros [cf. subalínea i) da alínea a)] e aqueles que a exercem em complemento da sua atividade profissional, sempre que o seguro seja acessório do bem ou serviço fornecido no âmbito dessa atividade principal [cf. subalínea ii) da alínea a)], sendo que esta distinção é, pois, claramente enunciadora de que o legislador entendeu que aquelas duas situações não são comparáveis e que uns e outros mediadores não se encontram na mesma situação;

37.º Tendo obviamente presente que a isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, na sua última ratio, visa desonerar o cliente final das instituições financeiras, é inquestionável que também as operações, como a sub judice, conexas com as operações próprias da atividade principal teriam de seguir o mesmo regime.

Diferentemente, no caso dos mediadores convencionais, há o exercício de uma atividade a título principal, com capacidade de negociação e independência e relativamente a uma carteira de clientes afeta aos aludidos mediadores;

38.º Não estando os mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros na mesma situação, é justificada a diferença de tratamento em sede de tributação de Imposto do Selo, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária ínsito nos artigos 13.º e 103.º da CRP, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;

39.º Na eventualidade de se entender que a nulidade de omissão de pronúncia conforme arguido supra não procede, então deverá reconhecer-se a existência de erro de julgamento de direito na interpretação da alegada inexistência de incidência ou dúvida sobre o facto tributário;

40.º Por um lado, como resulta dos presentes autos, a verba 22.2 da TGIS não seria a verba aplicável na situação sub judice, o que determinaria a ilegalidade da liquidação impugnada, pois de acordo com a fundamentação expendida pela administração tributária a mesma assenta na aplicação daquela verba 22.2 da TGIS;

41.º Por outro lado, ainda que se admita que tal ilegalidade não procede, mantém-se válida a afirmação de que da fundamentação do ato de liquidação sub judice também não são identificados os pressupostos que justifiquem a eleição daquela verba como norma de incidência, o que gera uma situação de dúvida sobre a existência de facto tributário e constitui fundamento para a anulação da liquidação nos termos do artigo 100.º do CPPT;

42.º Deste modo, não pode a decisão recorrida manter-se, devendo ser revogada e substituída por decisão de procedência integral da impugnação, com o consequente reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira não contra-alegou.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, defendendo que o entendimento adoptado está conforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal.

1.5. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, face ao teor das conclusões de recurso, são as seguintes as questões a resolver:

(i) É nula a sentença, por o Tribunal a quo não ter conhecido nem decidido a questão da inexistência de incidência do imposto de selo invocado pela Recorrente na sua petição inicial e nas suas alegações finais (conclusões 1ª a 3ª e 39.ª das alegações de recurso), em violação do preceituado no artigo 125.º do CPPT?

(ii) Padece a sentença de erro de julgamento uma vez que a isenção da alínea e) do artigo 7.º, n.º 1 do Código de Imposto de Selo (CIS) não se dirige apenas às operações financeiras stricto sensu, abrangendo todas as operações desenvolvidas pelas instituições financeiras, não podendo, para efeitos de exclusão do elemento objectivo dessa norma de incidência convocar-se o n.º 7 do artigo 7.º do CIS, sob pena de violação do princípio constitucional de não retroactividade da lei fiscal?

(iii) Julgada procedente a segunda das questões antes enunciada, devem ser restituídos à Recorrente os montantes já pagos acrescido de um valor a título de indemnização (conclusão 42ª das alegações de recurso), atento o regime previsto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT)?

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Da instrução dos autos resultaram provados os seguintes factos:

A) A Impugnante dedica-se à exploração das atividades de seguro e resseguro dos ramos “Vida” e “Não Vida” (cfr. fls. 41, no SITAF);

B) O Banco B............., S.A., está autorizado, pelo Instituto de Seguros de Portugal, a exercer a atividade de mediador de seguros ligado, Vida/Não Vida, desde 31 de outubro de 2007 (cfr. fls. 188, do Processo Administrativo apenso aos autos);

C) Em 10 de outubro de 2007, a Impugnante celebrou com o Banco B............., S.A., um contrato de prestação de serviços de mediação de seguros, do qual consta o seguinte:

“(…)


(Partes)


1- A Seguradora é uma Companhia de Seguros, acima devidamente identificada, autorizada a operar em todos os ramos de actividade em Portugal.

2- O Mediador Ligado é um mediador de seguros inscrito, com o número de registo no Instituto de Seguros de Portugal atribuído no quadro do respectivo processo de inscrição, na categoria de Mediador Ligado, e dispõe de meios próprios de trabalho.


(Objecto)


1- O presente contrato tem por objeto a prestação pelo Mediador Ligado à Seguradora dos seus serviços no campo da Mediação de Seguros.

2- O Mediador Ligado compromete-se a proceder à comercialização dos produtos da Seguradora, no âmbito dos Ramos para os quais se encontre autorizado a exercer a actividade de mediação.

(…)


(Remuneração)


A Seguradora atribuirá ao Mediador Ligado, pelos seus serviços, as verbas previstas nas Tabelas constantes dos Protocolos Anexos a este contrato, que dele fazem parte integrante e que apenas poderão ser alteradas por acordo escrito entre as Partes.

(…)” (cfr. documento 1, junto com a Petição Inicial, a fls. 30 ss., no SITAF);

D) Em 3 de outubro de 2013, foi iniciado o procedimento externo de inspeção tributária, de âmbito geral, com vista a apurar a situação tributária da Impugnante e a obter um grau de segurança aceitável sobre se as demonstrações financeiras refletem o cumprimento das obrigações fiscais inerentes ao exercício da sua atividade, reportada ao exercício de 2011 (cfr. fls. 40, no SITAF);

E) O Relatório de Inspeção Tributária foi elaborado em 19 de dezembro de 2013, do qual consta o seguinte:

“(…)

Importa nesta fase referir que o Sujeito Passivo (a sociedade Companhia de Seguros A…………….., SA) se dedica à exploração quer do ramo “Não Vida” quer do ramo “Vida”. No entanto, as comissões que estão a ser objeto da presente fundamentação, e que portanto estão a ser objeto de correção, são exclusivamente as comissões relativas aos seguros do ramo “Não Vida” por si explorados, e que, conforme supra demonstrado, estão sujeitos e não isentos de imposto do selo.

(…)

Donde, é facto que o RGICSF “permite” que os bancos exerçam a atividade de mediação de seguros (não obstante essa não ser uma prática que o legislador tenha “reservado” para os bancos).

Na verdade, a mediação de seguros, embora possa ser efetuada por bancos, não é uma operação ou serviço tipicamente bancário, e tanto assim é que, essa “faculdade” concedida pelo RGICSF, essa “permissão”, não lhes concede nem possibilita, só por si, o exercício da atividade de mediação de seguros. O exercício dessa operação ou atividade exige uma inscrição adicional no Instituto de Seguros de Portugal (ISP).

Com efeito, para que os bancos, ou qualquer outra pessoa ou entidade, possa legalmente exercer a atividade de mediação de seguros, tem de cumprir as diversas condições de acesso previstas no Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de julho, tem de se inscrever no ISP (entidade de supervisão dessa atividade), e tem de cumprir as restantes condições de atividade expressamente previstas no supra citado Decreto-Lei que regula as condições de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros em Portugal.

(…)

E não é crível que estas opções legislativas sejam alheias à manifesta separação do sistema financeiro nacional entre a atividade financeira strictu sensu (nesta englobando a atividade de intermediação financeira), e a atividade seguradora, bem como à edificação bipartida do mercado único de produtos financeiros e do mercado único de produtos de seguro desenvolvida pelo direito comunitário.

Com efeito, é desprovido de sentido considerar que o legislador, ao prever a norma de isenção preceituada no art. 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, em que isenta “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras e sociedades de capitais de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de créditos, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados-membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”, ambicionasse nela enquadrar o vasto universo das operações financeiras, nelas incluindo as de seguro, praticadas pelas instituições financeiras em sentido abrangente, quando no mesmo artigo, nas alíneas a) e b), do n.º 1, autonomizou regras isentivas próprias para as operações de resseguro ou de seguro do ramo vida, considerando que são também isentos do imposto “Os prémios recebidos por resseguros tomados a empresas operando legalmente em Portugal” e os “Prémios e comissões relativos a seguros do ramo “Vida”.

Assim, numa interpretação sistemática do CIS, verifica-se que o legislador fez uma separação clara entre seguros e operações financeiras, tendo na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS querido prever apenas as operações financeiras strictu sensu, integradoras do universo de “operações tipo” da atividade bancária ou da intermediação financeira (sendo de excluir daquele âmbito todas as operações de seguro, decorrentes da atividade seguradora desenvolvida pelas instituições legalmente habilitadas para o efeito).

Ora, atento tudo ao anteriormente expendido, a atividade de mediação de seguros é tida como um ramo dependente da atividade seguradora por, em última análise possuir por objeto a celebração, a gestão e a execução de contratos de seguro, factualidade esta que permite individualizá-la face ao grupo das operações financeiras em sentido estrito.

Assim, as comissões suportadas pelas empresas de seguros relativas à mediação de produtos de seguro, ainda que por instituições de crédito, devem ser enquadradas no âmbito de sujeição da atividade seguradora, fiscalmente positivada, no que ao imposto de selo respeita e em particular, na verba 22.2. da TGIS.

(…)

A verba 17.3.4., sob a epígrafe “Operações financeiras” embora contenha o vocábulo “comissões”, assenta na relação de causalidade entre as comissões e as operações financeiras (incluídas nesta verba) sob pena de, ao contrário do supra referido, termos de considerar irrelevantes as epígrafes das verbas da TGIS.

Assim, a verba 17 da TGIS, circunscreve no seu corpo, e em concreto, as operações financeiras a que se destina (incluindo as comissões daí decorrentes as comissões ligadas a essas operações), não estando a atividade (acessória) de mediação de seguros integrada nesta verba. Ou, dito de outro modo, se não existisse a verba 22 da TGIS, as comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros não estariam sujeitas a imposto do selo, ainda que decorrentes de operações (de mediação de seguros) realizadas entre Seguradoras e Instituições de Crédito, conforme bem sustenta a decisão arbitral CAAD supra referida.

Com efeito, é pacífico que o imposto do selo da verba 17 nunca abrangeria todas as operações realizadas por Bancos e Seguradoras (por exemplo os contratos de seguro celebrados nunca consubstanciariam uma qualquer operação financeira para efeitos de incidência de imposto do selo na verba 17 antes estando contemplados na verba 22 da TGIS enquanto operação de seguros).

Face ao exposto, terá de se considerar que estas comissões não são subsumíveis na isenção consagrada na aludida alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, por esta norma não versar operações do universo da atividade seguradora, mas apenas sobre as operações abrangidas pelas operações descritas nas verbas 10 e 17 da TGIS.

(…)

No caso em apreço e analisada a TGIS, verifica-se que a taxa a utilizar é a prevista na verba “22.2. – Seguros – Comissões cobradas pela atividade de mediação” e que a mesma ascende a 2% sobre o respetivo valor líquido de Imposto do selo”.

Donde, no plano da tributação em sede de imposto do selo, as comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros estão sujeitas a imposto do selo ao abrigo da verba 22.2. da tabela geral anexa ao CIS, recaindo o encargo da tributação sobre o mediador, mas sendo as empresas seguradoras os sujeitos passivos do imposto a que está acometida a responsabilidade pela liquidação e entrega do imposto do selo nos cofres do Estado, tudo em respeito pelo art. 1.º, n.º 1, pelo art. 2.º, n.º 1, alínea e), pelo art. 3.º, n.º 3, alínea o), pelo art. 23.º e pelo art. 41.º, todos do CIS.

Refira-se ainda, a título meramente informativo, que sobre esta matéria já se pronunciou o CAAD – centro de arbitragem Administrativa – no processo n.º 74/2012-T, com decisão de 17/12/2012, o qual concluiu que a liquidação de imposto do selo nas comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros está contemplada na verba 22 da TGIS e não na verba 17 da TGIS, que as comissões de mediação de seguros não estão contempladas na isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS e que, por conseguinte, a liquidação de imposto do selo nas comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros é legal e não merece qualquer censura.

Face a tudo o que antecede, procedeu-se ao apuramento do imposto do selo devido, de acordo com as disposições legais acima mencionadas, tendo o mesmo ascendido a euros 242.151,92, apurado conforme anexo 7 (9 folhas).

(…)(cfr. fls. 35 ss., no SITAF);

F) Em 19 de dezembro de 2013, foi emitido ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 6430003188, no montante de 242.151,92 euros (cfr. documento 3, junto com a Petição Inicial, a fls. 111, no SITAF);

G) Em 19 de dezembro de 2013, foram emitidos os atos de liquidação de juros compensatórios, relativos ao imposto referido na alínea anterior, n.ºs 2013 00002331970 a 2013 00002331977, no montante total de 23.173,85 euros (cfr. documento 3, junto com a Petição Inicial, a fls. 111, no SITAF);

H) Os atos de liquidação identificados nas alíneas F) e G) perfazem o valor total de 265.325,77 euros, e tinham como data limite de pagamento o dia 27 de fevereiro de 2014 (cfr. documento 3, junto com a Petição Inicial, a fls. 111, no SITAF);

I) Em 25 de fevereiro de 2014, a Impugnante efetuou o pagamento dos atos de liquidação impugnados (cfr. documento 4, junto com a Petição Inicial, a fls. 113, no SITAF);

J) A presente impugnação deu entrada em juízo no dia 27 de Maio de 2014.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Considerado que a Recorrente imputa à sentença o vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia e erros de julgamento de direito e que da procedência do primeiro poderá derivar a necessidade de os autos baixarem à 1ª instância (designadamente por, verificando-se a arguida nulidade, os autos não conterem os elementos indispensáveis à apreciação da questão alegadamente omitida) será, naturalmente, por essa primeira questão que se iniciará o conhecimento do recurso. Sendo esta julgada improcedente ou não se verificando a necessidade de ordenar a referida baixa dos autos, conheceremos e julgaremos o erro de julgamento igualmente imputado ao julgado.

3.2.2. Da nulidade por omissão de pronúncia

3.2.2.1. Como unanimemente vem sendo afirmado, no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, importa, antes de mais, ter presente que esta se verifica e apenas se verifica quando o Tribunal, em violação do seu dever de cognição, consagrado no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, não se pronuncia sobre questões que deva apreciar, ou seja sobre «todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Neste contexto podemos afirmar, como também é pacífico, que não há omissão de pronúncia se o Tribunal expressamente se recusa a conhecer de determinada questão, indicando as razões dessa recusa (ainda que tal opção possa ser qualificada como errada e, consequentemente, consubstanciar erro de julgamento) ou quando não se pronuncia expressamente sobre todos os argumentos invocados pelas partes em abono da sua pretensão.

3.2.2.2. Segundo a Recorrente a sentença é nula uma vez que a Meritíssima Juíza «não cuidou de analisar a questão da inexistência de incidência, conforme invocado nos artigos 98.º a 103.º da p.i.», em que ficou consignado o seguinte: «Como repetidas vezes se invocou supra, a administração tributária suporta a incidência objectiva do Imposto do Selo sobre as comissões em apreço na verba 22 da TGIS», «desprezando, para esse efeito, o estatuto de instituição financeira da Impugnante e de instituição de crédito da entidade beneficiária das comissões». «Entende a Impugnante que as operações em apreço não cabem na previsão daquela verba 22». «Nesse sentido, a liquidação sub judice é ilegal, impondo-se a sua anulação». «Por outro lado, ainda que se admita que tal ilegalidade não procede, da fundamentação do ato de liquidação sub judice também não são identificados os pressupostos que justifiquem a eleição daquela verba como norma de incidência». «Ora, tal circunstância, não pode deixar de gerar a dúvida sobre a existência de facto tributário, o que constitui fundamento para a anulação da liquidação nos termos do artigo 100.º do CPPT».

3.2.2.3. Em suma, devidamente interpretada a petição inicial, conclui-se que nos artigos 98.º a 103.º da petição inicial a Impugnante realça que, como já anteriormente dissera, o seu estatuto impede que a Administração Tributária liquide imposto de selo sobre as operações financeiras em causa nos autos que, defende ainda, não cabem no âmbito da verba 22. da Tabela Anexa ao Código de Imposto de Selo, não revelando o acto de liquidação, outrossim, as razões que terão determinado a Administração Tributária a eleger aquela verba para efeitos de tributação.

3.2.2.4. Ora, salvo o devido respeito, uma cuidadosa leitura da sentença recorrida devia ter conduzido a Recorrente a concluir, não podemos deixar de o dizer, com alguma facilidade, que todas as questões por si suscitadas na petição inicial foram apreciadas e decididas em 1ª instância, o que significa que, em nosso entender, a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia é totalmente destituída de fundamento.

3.2.2.5. Na verdade, resulta da sentença recorrida que o Tribunal a quo começou por identificar de forma generalizada como questão a decidir a questão de saber «se as comissões pagas pela Impugnante ao Mediador Ligado estão sujeitas e não isentas de Imposto de Selo e se ocorre falta de fundamentação do acto de liquidação» (“Questões a decidir). Posteriormente, após ter fixado os factos provados, concretizou que «A Impugnante vem pugnar pela aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que confere isenção de Imposto do Selo, relativamente a um conjunto de operações financeiras, em que aquela considera estarem incluídas as comissões por si pagas a um Banco que exerce, a título acessório, funções de mediação de seguros. Ainda que venham invocados outros argumentos, a questão central suscitada é a de apreciar e decidir se aquelas comissões estão isentas de Imposto do Selo, ao abrigo da norma referida, ou se, não lhe sendo tal preceito aplicável, se são tributadas em Imposto do Selo, por via da verba 22.2., da TGIS.»IV. Fundamentação de direito”).

3.2.2.6. É, com esta delimitação do objecto dos autos ou do litígio que o Tribunal avança para o conhecimento da questão identificada como central, por referência aos argumentos de facto e de direito que julgou de maior pertinência, convocando outrossim, doutrina e jurisprudência deste Supremo Tribunal e do Tribunal Constitucional. E, por fim, após ter concluído que as operações em questão estavam sujeitas e não estavam isentas e o acto de liquidação estava suficientemente fundamentado, o Tribunal acrescentou ainda o seguinte:

«Ante o exposto e por não se consubstanciarem como fundamentos da presente decisão, não são consideradas as alegações relativas a uma circular da Administração Tributária ou ao argumento de desigualdade de tratamento entre mediadores convencionais e mediadores que desempenham a título acessório essa atividade, como as instituições de crédito. Estão aqui em causa argumentos da Impugnante para contestar a não sujeição das comissões em apreço à norma de isenção, no entanto, a conclusão antecedente, assente na jurisprudência do STA, não se suporta em qualquer desses argumentos, que não se revelam, por isso, relevantes para a decisão destes autos.

Por fim, no que respeita à invocada dúvida sobre o facto tributário, decorrente de uma alegada falta de fundamentação do ato de liquidação impugnado, que suporte a sua integração na verba 22.2., da TGIS, cabe atender ao disposto no Relatório de Inspeção Tributária, na medida em que é neste que se evidencia a fundamentação do ato de liquidação de Imposto do Selo impugnado.

Ora, o mencionado Relatório efetua de forma exaustiva a demonstração da não sujeição à norma de isenção das comissões cobradas pela atividade de mediação e, do mesmo modo, a inclusão dessas operações na verba 22.2., da TGIS.

A Administração Tributária está vinculada ao dever geral de fundamentação, nos termos enunciados no n.º 1, do artigo 77.º, da LGT. Cujo sentido e amplitude foram já abundantemente tratados na jurisprudência dos tribunais superiores. Entende-se aí que “a fundamentação do ato administrativo (tributário) é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, suposto na posição dos interessados em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões (factuais e (ou) jurídicas) que motivaram a decisão.” (acórdão do STA, de 20-04-2020, processo n.º 01090/08.3). Nesta medida, é determinante que “o discurso contextual” do ato tributário “dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão” (acórdão do STA, de 09-09-2015, processo n.º 01173/14). Seguindo o excurso deste último aresto, “o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto.”

A fundamentação aduzida no Relatório de Inspeção Tributária, com base na qual foram emitidos os atos de liquidação impugnados, revela-se conforme com o entendimento jurisprudencial da fundamentação que deve incidir sobre este tipo de atos tributários.

É, assim, claro que inexiste falta de fundamentação do ato de liquidação do Imposto do Selo, no que respeita à sua inclusão na verba 22.2., da TGIS, soçobrando qualquer dúvida quanto a esse aspeto. A Impugnante pode discordar da fundamentação aduzida, mas não pode alegar que não compreende as razões da emissão do ato de liquidação e da sua inclusão na referida verba.

Nestes termos, improcede a alegada falta de fundamentação do ato de liquidação do Imposto do Selo».

3.2.2.7. Em suma, o Tribunal a quo não só conheceu da questão central, sujeição ou não sujeição e isenção ou não isenção a imposto das operações em apreço nos autos, como apreciou a falta de fundamentação formal do acto de liquidação impugnado e afastou a existência de qualquer dúvida sobre a norma de incidência ou sobre a existência de facto tributário, questão que a própria Impugnante, nos artigos 102.º e 103.º da sua petição inicial, associou directamente à referida falta de fundamentação, não havendo, razão alguma para que julgue verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

3.2.3. Dos erros de julgamento de direito

3.2.3.1. Diz ainda a Recorrente que a sentença errou na interpretação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que confere isenção de Imposto do Selo a um conjunto de operações financeiras, em que aquela considera estarem incluídas as comissões por si pagas a um Banco que exerce, a título acessório, funções de mediação de seguros; que errou ao legitimar a inclusão dessas operações, em termos de tributação, na verba 22. da Tabela Anexa ao CIS e, por fim, que errou ao convocar o n.º 7 do mesmo normativo para densificação e aplicação do n.º 1, alínea e) do mesmo artigo 7.º, por a interpretação deste último com essa abrangência se traduzir numa aplicação retroactiva de lei fiscal e, nessa medida, ser inconstitucional.

3.2.3.2. Não cremos que deva ser reconhecida razão à Recorrente.

3.2.3.3. Para que bem se compreenda porque assim o decidimos, importa ter presente que a tese da Recorrente assenta nuclear e sucessivamente em dois argumentos que, logicamente estruturados (e não foi assim que foram apresentados na Impugnação Judicial nem nas alegações de recurso onde esses argumentos surgem de forma invertida) revelam o seguinte raciocínio: a Verba 22 da Tabela Anexa ao Código de Imposto de Selo não é aplicável às operações em causa, antes a Verba 17, pelo que, devendo as operações em apreço nos autos ser qualificadas como operações financeiras estão isentas de imposto de selo, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 alínea e) do CIS, única norma que estava em vigor à data da realização das referidas operações e que não consagrava a restrição objectiva que veio a ser estabelecida pelo n.º 7 do mesmo normativo, isto é, a restrição do âmbito de aplicação objectivo da citada alínea e) às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.

3.2.3.4. Desta forma delimitada ou estruturada a tese da Recorrente conclui-se, cremos que sem dificuldade, que a questão de aplicação ou não aplicação da disciplina consagrada no n.º 1, alínea e) ou do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, isolada ou conjugadamente, não assume qualquer pertinência, uma vez que essa problemática só teria relevo se estivéssemos a aferir da tributação de operações financeiras englobadas nas verbas 10. a 17.º da Tabela Anexa ao CIS, como pretende, sem razão, a Recorrente.

3.2.3.5. Ou seja, se bem vemos, a questão fulcral que foi colocada nesta Impugnação e retomada neste recurso não é a constitucionalidade da norma a que foi atribuída natureza autêntica ou a aplicação da “nova norma” como critério de delimitação do âmbito objectivo da alínea e) do artigo 7.º do CIS. A questão fulcral é a questão da natureza das operações tributadas que, em nosso entender - como por diversas vezes ficou já expresso por este Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos acórdãos de 28-6-2017, de 15-6-2017, de 29-6-2016, de 6-10-2021 e de 23-2-2022, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 1627/15, 770/15, 1630/15 e 1789/16.0BELRS, integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, cuja jurisprudência aqui se acolhe expressamente como fundamento deste julgamento - não tem, nas comissões paga pelas seguradoras (não abarcadas pela isenção prevista na alínea b) do artigo 7.º, n.º 1 do CIS) natureza financeira, nem são subsumíveis à Verba 17, devendo, por força da especial disciplina consagrada na Verba 22, “ Seguros” ser objecto de tributação.

3.2.3.6. Neste contexto, insista-se, a questão da constitucionalidade da restrição decorrente da aplicação conjugada do n.º 1 alínea e) e n.º 7 do artigo 7.º do CIS não tem que se colocar.

3.2.3.7. Foi este, se bem vemos, também o entendimento perfilhado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 751/2020, de 16 de Dezembro e que conduziu a que tivesse expressamente restringido a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos.

3.2.3.8. Efectivamente, enfrentando a questão da proibição absoluta ou relativa da proibição das leis interpretativas em matéria fiscal, consignou-se no citado acórdão a seguinte jurisprudência: «13. No caso da norma em apreciação no presente processo, nem sequer é necessário discutir se a proibição constitucional de leis interpretativas em matéria fiscal é, nos mesmos termos em que a previsão do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição tem sido interpretada pela jurisprudência constitucional, absoluta (como sustentado, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 267/2017, 644/2017 e 92/2018) ou admite exceções, fundadas seja na existência de uma controvérsia insanável com um lastro decisório estatisticamente significativo no âmbito de uma determinada ordem jurisdicional, seja na coincidência do sentido fixado pela lei interpretativa com o da jurisprudência dominante relativamente ao entendimento da lei interpretada (como se considerou hipoteticamente, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 395/2017 e 107/2018; e se entendeu dever aplicar no caso decidido pelo Acórdão n.º 49/2020).

Com efeito, tal questão pode aqui ser deixada em aberto, uma vez que é muito reduzido o número de decisões de tribunais superiores ou de tribunais arbitrais tomadas antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016 relativamente à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003.

Acresce que as decisões conhecidas (por exemplo, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.09.2010, Processo n.º 2754/08, e o acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa [– CAAD –], de 17.12.2012, Processo n.º 74/2012-T) respeitam à atividade de mediação de seguros, nomeadamente a comissões cobradas por operações de seguro entre instituições de crédito e instituições financeiras como as seguradoras – operações caracterizadas como não financeiras e descritas na verba 22 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Ora, a dimensão específica que está em causa no presente processo diz respeito às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos – uma operação financeira abrangida pela verba 17 da citada Tabela. E, como resulta claro da jurisprudência conhecida sobre a norma ora em apreciação, a questão do respetivo alcance apresenta-se de modo significativamente diferente consoante estejam ou não em causa operações financeiras, para efeitos daquela verba 17 (cfr. os juízos sobre o caráter inovador de tal norma proferidos nos processos do CAAD n.ºs 348/2016-T, 633/2016-T, 667/2016-T, 9/2017-T, 279/2017-T, 303/2017-T, 353/2017-T, 441/2017-T, 527/2017-T e 510/2018-T – todas relativas a fundos de pensões; e as interpretações restritivas da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, no sentido de a isenção aí prevista estar necessariamente associada à concessão de crédito, feitas no âmbito de processos em que estava em causa a atividade de mediação de seguros, como sucedeu no citado acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, posteriormente seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo – v. acórdãos de 15.06.2016, Processo n.º 770/15, de 29.06.2016, Processo n.º 1630/15, de 30.11.2016, Processo n.º 822/16, de 18.01.2017, Processo n.º 835/16, de 5.04.2017, Processo n.º 1391/16, e de 28.06.2017, Processo n.º 1627/15 – e em diversos processos do CAAD)».

3.2.3.9. Donde, não cabendo as operações cuja isenção vem peticionada, no âmbito objectivo de aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por não constituírem operações financeiras, há que concluir pela legalidade da tributação de que foram objecto, nos termos dos artigos 1.º do Código Imposto de Selo conjugado com a verba 22 da Tabela a este diploma anexa.

3.2.3.10. As custas da presente acção serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC (aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com a fundamentação exposta no ponto 3. deste acórdão, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Março de 2022 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (voto a decisão).