Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0858/14 |
Data do Acordão: | 04/17/2015 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CA |
Relator: | MARIA DO CÉU DAS NEVES |
Descritores: | SUSPENSÃO DE EFICÁCIA PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL PONDERAÇÃO DE INTERESSES MATÉRIA DE FACTO QUESTÃO DE DIREITO |
Sumário: | O juízo relativo à ponderação de interesses a que alude o n.° 2 do art.° 120.° do CPTA integra matéria de facto que não pode ser apreciada pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo.(*) |
Nº Convencional: | JSTA00069154 |
Nº do Documento: | SAP201504170858 |
Data de Entrada: | 02/11/2015 |
Recorrente: | MUNICÍPIO DE LISBOA |
Recorrido 1: | CONSELHO DE MINISTROS E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE COM 5 DEC. VOT. |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | AC STA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT- SUSPEFIC. DIR ADM ECON |
Legislação Nacional: | ETAF02 ART12 N3. CPTA02 ART120 N1 B N2 N5 ART136 N2 ART150 N2 N4. CPC13 ART674 N1 N2. CPC96 ART514 ART722. CCIV66 ART352. RCM 30/14 DE 2014/04/08. |
Jurisprudência Nacional: | AC STAPLENO PROC0783/06 DE 2007/02/06.; AC STA PROC0725/14 DE 2014/10/23.; AC STA PROC0799/14 DE 2014/09/25.; AC STA PROC0561/14 DE 2014/07/09.; AC STA PROC0359/06 DE 2007/03/06.; AC STA PROC0608/05 DE 2005/06/29. |
Referência a Doutrina: | ANTUNES VARELA - ANOTAÇÃO AO AC STJ DE 1984/11/08 IN RLJ ANO122 PAG220. VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 4ED 2003 PAG303. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO O Município de Lisboa, inconformado com o acórdão da secção proferido em 06 de Novembro de 2014 que (i) indeferiu o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida e, (ii) julgou totalmente improcedente a pretensão cautelar, traduzida na “suspensão de eficácia de acto administrativo” formalizado “através da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014 de 08 de Abril, publicada no nº 69, da I série do Diário da República, que aprovou o caderno de encargos e determinou a abertura do concurso público para alienação das acções da A………….. S.A., dele recorreu para o Pleno da secção, formulando, na respectiva alegação as seguintes conclusões: «I – O douto acórdão recorrido foi proferido tendo por base uma fundamentação de direito que, confrontada com o objecto dos presentes autos, colide com os preceitos legais e constitucionais aplicáveis à situação sob litígio, incorrendo em erro de julgamento e na nulidade prevista na alínea d), do nº 1, do artº 615 do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA. Do interesse Público no Sector dos Resíduos Sólidos Urbanos II – O Venerando tribunal considerou que o dano para interesse nacional invocado pelo requerido ora recorrido será superior aqueles que o requerente ora recorrente invocou tendo acolhido em tal juízo os eventuais danos tal como foram descritos pelo recorrido e tendo sido estes tidos pelo Venerando Tribunal como prejuízos efectivos nos interesses nacionais especificadamente indicados como resultando irremediavelmente prejudicados com a suspensão da privatização. III – No entanto, sem embargo de se considerar que algumas das circunstâncias invocadas pelo recorrido sejam passíveis de enquadramento no interesse público nacional, já não é de todo verdade que tal interesse público resulte prejudicado com a suspensão da privatização da A…….. IV – E para tal conclusão não são necessários juízos de valor sobre as opções do recorrido, não se invadindo “aquilo que são das margens da decisão política, das suas opções e critérios que a norteiam e, bem assim, invadir aquilo que é margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que a mesma dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público e a oportunidade da decisão suspendenda no seu contexto e tempo”, bastando atentar no conteúdo das várias situações descritas pelo recorrido como consubstanciadores do interesse público nacional e de eventuais que resultariam para o mesmo com o decretamento da providência requerida. V – Pela simples razão de que esse interesse público sempre foi e será prosseguido e permanecerá incólume com a suspensão da privatização da A……... VI – Foi na aceitação da imputação dos danos superiores para o interesse público nacional invocados pelo recorrido que ocorreu o erro de julgamento, bem como a omissão de pronúncia relativamente aos danos invocados pelo recorrente, que motivaram o presente recurso. VII – Resulta das atribuições e competências que são próprias dos municípios e não do Estado, no que se refere ao sector dos resíduos sólidos a nível nacional, na gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos que a intervenção dos municípios globalmente considerada é maioritária em relação à do Estado. VIII – A gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos é pois, também e principalmente uma competência dos municípios conforme resulta do disposto nos artigos 2º e 23º da Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro. IX – Não podendo o recorrido arrogar-se de exclusividade da prossecução do interesse público no que se refere aos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos, como faz ao invocar prejuízos para o “interesse público definido e prosseguido para o sector dos resíduos urbanos”. X – Os sistemas multimunicipais foram assim criados por necessidade de articulação dos vários interesses públicos locais e apenas com a cooperação e concordância dos municípios envolvidos na criação desses sistemas multimunicipais, foi possível a sua criação pelo Estado e o seu funcionamento e sucesso na gestão integrada de resíduos sólidos urbanos. XI – O interesse público nacional do sector dos resíduos sólidos urbanos mais não é, assim do que um veículo para a prossecução do interesse público local das populações servidas pelos sistemas multimunicipais. XII – O Estado tendo chamado a si a criação dos sistemas multimunicipais não pode pois deixar de atender ao interesse público da populações locais que deverá presidir no sector dos resíduos sólidos. XIII – O interesse das populações locais é prosseguido pelas autarquias locais que se encontram dotadas de autonomia nessa matéria, conforme decorre da natureza das próprias autarquias constitucionalmente consagradas enquanto “pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas” (artigo 2º da CRP). XIV – Decorrendo igualmente da aplicação do princípio da autonomia local, definido como o “direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações uma parte importante dos assuntos públicos”, na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL), (artº 3º, nº 1), sendo aceite pelos Estados contratantes que à mesma se encontram vinculados, entre os quais Portugal, que “O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto possível, pela Constituição” (artigo 2º da CEAL). XV – Não pode pois o Estado arrogar-se a exclusividade da definição do que entende serem as opções e decisões que melhor prosseguem um interesse público que na sua génese é um interesse das populações locais, o qual deve ser prosseguido em primeira linha pelas próprias autarquias às quais, compete a definição das opções políticas e tomada de decisões que entender serem as que melhor servem as suas populações e não pelo Estado. XVI – Conforme o recorrente invocou no requerimento inicial da presente providência e petição inicial da acção principal para a prossecução do interesse público da população que serve, no âmbito do sector dos resíduos sólidos, é essencial a sua participação na gestão da B………. XVII – Participação esta que é concretizada através da indicação de dois membros do Conselho de Administração da B………, um deles com funções executivas nas áreas dos aterros, a Direcção de Estudos, Qualidade e Inovação, a Estação de Tratamento e Valorização Orgânica e os Apoios Municipais, conforme se encontra também publicado no sítio oficial da Internet desta empresa. XVIII – Resultando tal direito de indicação de dois membros para o Conselho de Administração e, em especial, as funções executivas atribuídas a um deles, a uma plataforma de entendimento entre os accionistas apenas possível por força do disposto no artº 41º do Decreto-Lei nº 133/2013. XIX – Sendo que aquele Decreto-Lei nº 133/2013 de 03 de Outubro consiste no Regime Jurídico do Sector Público Empresarial cujo âmbito de aplicação se limita às empresas públicas, este deixará de ser aplicável à B………. caso se concretize a sua privatização decorrente da privatização da A…….. e, assim, com a privatização de mais de 50% do capital social da B……., o recorrente deixará de ter direito à indicação de dois membros para o Conselho de Administração, um deles com funções executivas, desta sociedade, apenas lhe restando um direito de indicação de um administrador (sem funções executivas) nos termos previstos no Código das Sociedades Comerciais. XX – Com esta privatização, o recorrente deixa assim de poder prosseguir o interesse público da sua população conforme lhe é garantido pela Constituição, pela CEAL e pela Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro, como tem feito até à presente data. XXI – Pelo que, a privatização da A…….. determina assim o impedimento da prossecução do interesse público da população que o recorrente serve, também, através do acompanhamento directo da gestão da B………. A) Do alegado esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental do «PERSU» 2020 e do financiamento dos Fundos Comunitários XXII – Não pode igualmente colher o argumento emitido pelo douto acórdão de que “a concretização das metas do «PERSU» 2020, implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e a captação de recursos pelos accionistas das empresas concessionárias” e que “só a alienação da A……… permitirá viabilizar o esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental e promover soluções de maior eficiência e eficácia económica que assegurem a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência”. XXIII – O âmbito do PERSU 2020 consiste em estabelecer a visão, os objectivos, as metas globais e as metas específicas por Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos e as medidas a implementar no quando da gestão de resíduos urbanos no período de 2014 a 2020, bem como a estratégia que suporta a sua execução, abrangendo os resíduos urbanos cuja gestão é da responsabilidade dos sistemas de gestão de resíduos urbanos. XXIV – E a definição das metas específicas de cada sistema na elaboração da proposta deste PERSU 2020 envolveu todas as empresas gestoras de resíduos urbanos, incluindo a B………., enquanto empresa pública que actualmente é, sendo que, no caso da B……. encontravam-se já a ser desenvolvidos processos de procura de soluções envolvendo conjuntamente os municípios e a empresa para que seja possível criar sistemas de recolha de maior proximidade e que só é possível de concretizar numa relação de proximidade e clima de cooperação e confiança verificados entre os municípios e a empresa. XXV – A B………. e certamente as restantes empresas gestoras dos sistemas multimunicipais, encontrava-se já a desenvolver esses projectos de procura de soluções para o cumprimento das metas do PERSU 2020 antecipando-se à sua entrada em vigor e igualmente antes da publicação do Decreto-lei nº 45/2014, procedendo também aquela empresa à definição dos investimentos necessários para o cumprimento das metas comunitárias relativamente aos resíduos consubstanciadas o PERSU 2020, o que demonstra a irrelevância da natureza privada ou não destas empresas para efeitos da obrigatoriedade do cumprimento das metas PERSU 2020 (que de resto nem se encontra ainda em vigor), não se descortinando razões para o “receio” do recorrido respaldado pelo douto acórdão, de essas metas, porventura, poderem não ser concretizadas pelas sociedades gestoras caso o seu capital social permaneça maioritariamente público. XXVI – Pelo que resulta evidentemente falso o argumento de que a não privatização da A…….. importa a não aplicação do PERSU 2020 ou a não concretização das metas comunitárias nele previstas. XXVII – A existirem consequências negativas no interesse público definido e prosseguido para o sector dos resíduos urbanos, através do desenvolvimento e cumprimento das metas previstas no PERSU, estas serão causadas pela própria privatização e não pela manutenção da natureza pública das sociedades gestoras de sistemas multimunicipais. XXVIII – Pois que se no contexto societário actual, pacificamente se encontram a ser desenvolvidos processos de soluções envolvendo conjuntamente os municípios e a empresa para que seja possível criar sistemas de recolha de maior proximidade, a alteração da estrutura societária da B……… em consequência da privatização da A………, irá necessariamente atrasar todo esse processo, quanto mais não seja, com a saída de alguns dos actuais responsáveis e entrada de novos e o necessário estabelecimento de relações funcionais na empresa e societárias com novos accionistas. XXIX – Quanto ao financiamento comunitário, como também bem sabe o recorrido, existe actualmente um quadro de financiamento disponível com cerca de 200 milhões de euros de financiamento comunitário até 2020 e tal financiamento será alocado no âmbito do PERSU 2020, que é aplicável a todas as empresas do sector independentemente da sua natureza pública ou privada. XXX – Quanto aos investimentos e às metas que é necessário alcançar no quadro do PERSU 2020, os sistemas multimunicipais dispõem de mecanismos para os concretizar e alcançar, mantendo-se o sistema com capitais maioritariamente públicos, como até aqui, podendo candidatar-se às linhas de apoio comunitárias para o efeito, aliás, como sempre fizeram. XXXI – Assim se repudiando tudo quanto ao risco de não obtenção desses financiamentos como consequência da suspensão do processo de privatização, como é levianamente invocado pelo recorrido, tendo induzido o venerando tribunal em erro. XXXII – Convém igualmente, esclarecer que o PERSU 2020 não trata de definir a construção de grandes infra-estruturas mas de fazer um esforço a montante na alteração de padrões de comportamento e de sistemas de recolha da responsabilidade dos municípios. XXXIII – E tomando consciência do trabalho a realizar, este estava já a ser antecipadamente desenvolvido pela B………, consciente da necessidade para o país do cumprimento de tais metas comunitárias, pelo que quando muito o processo de privatização veio a abrir portas a eventuais conflitos que não existiam e poderá vir a traduzir-se no insucesso do projecto caso não sejam estabelecidas relações de confiança e cooperação entre os municípios acionista e os compradores da A………, conforme já anteriormente se verificavam no seio da estrutura acionista pública da B……….. XXXIV – Sendo ainda de realçar que os investimentos a realizar no âmbito do PERSU 2020 por parte das empresas gestoras dos sistemas fazem-se com recurso a fundos europeus, financiamentos bancários, nomeadamente do BEI e recursos próprios, que não agravam a despesa pública. XXXV – Não é verdade que as empresas gestoras de sistemas multimunicipais de recolha e tratamento de resíduos sólidos sejam deficitárias e exijam um esforço financeiro do estado, tal como invocou o requerido e foi aceite pelo douto acórdão recorrido. XXXVI – Na realidade, ao contrário do sector das águas onde se constata a existência de um “défice tarifário”, no sector dos resíduos tem-se vindo a verificar situações várias de superavit tarifário, significando isso que estas empresas (públicas) têm sido capazes de cobrir os custos de investimento e operação gerando ganhos de produtividade que se reflectem em reduções reais da tarifa e aumento de proveitos para aos accionistas, conforme se poderá constatar através da análise do relatório e contas da B………… relativo ao exercício de 2013 e que se encontra publicado e disponível para consulta no site oficial desta empresa com o endereço www.B............pt. XXXVII – A situação financeira da B……… é sólida e com tal situação de superavit para a B.........., através da A………., não será, nem tem sido necessária a intervenção financeira do recorrido, carecendo de qualquer fundamento a invocação de necessidade de qualquer esforço financeiro por parte do Estado para a sustentabilidade financeira da B………., configurando assim a sua consideração para a ponderação na fundamentação da rejeição da presente providência, em erro de julgamento, que se pretende rectificado por via do provimento do presente recurso. B) Do alegado incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento XXXVIII – No Memorando de Entendimento inicial, nada está referido relativamente à privatização da A………., não correspondendo assim à verdade, conforme o recorrido invocou e o douto acórdão recorrido acolheu, que o decretamento da providência teria o efeito real de inviabilizar a decisão de privatização, acarretando o “incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento”. XXXIX – Por outro lado, conforme foi largamente divulgado na comunicação social e melhor sabe o recorrido, de acordo com o Relatório das oitava e nona avaliações da “Troika”, as entidades que compõem esta comissão afirmaram que os objectivos definidos no memorando de entendimento face às privatizações já estão atingidos e que foram cumpridos os objectivos da negociação com Portugal após a privatização da C…….., D……. e a E…….., cuja venda rendeu ao Estado 6,3 milhões de euros, mais de mil milhões de euros acima dos cinco mil milhões de euros pretendidos. XL – Aquelas entidades que constituem a Troika, consideraram que os objectivos de privatização estão já cumpridos sendo que as privatizações das sociedades F……, A……., G……. Carga e H……….. constituem opções políticas do Governo e não têm qualquer intervenção das instâncias internacionais. XLI – Não existindo qualquer compromisso perante aquelas instâncias internacionais em privatizar a A……….. (tendo estas inclusivamente esclarecido esse tema publicamente), este argumento de prejuízo para o interesse nacional, não colhe, não se verificando portanto, qualquer incumprimento do Memorando de Entendimento ou até mesmo do Programa de Assistência Económica e Financeira, contrariamente ao invocado pelo recorrido e acolhido pelo douto acórdão recorrido, que pudesse ser alvo de sanções ou agravamento das condições impostas por aquelas entidade ao nosso país, consubstanciadores de eventuais danos para o interesse público, pelo que a sua consideração para a ponderação na fundamentação da rejeição da presente providência, configura um erro de julgamento que se pretende colmatado com o provimento do presente recurso. C) Do alegado desinteresse dos investidores XLII - Não pode proceder a invocação por parte do recorrido – igualmente tida em conta na ponderação dos interesses dos autos pelo Venerando Tribunal, tendo este acolhido tal motivação – de que decretar a providência “equivaleria, na prática e seguramente, a anular o concurso em curso: nenhum dos concorrentes iria manter-se no mesmo durante o tempo necessário – os anos necessários – para a decisão final da acção principal” e sendo que “certamente nenhum investidor quererá vir a participar num processo com tão grande grau de incerteza”. XLIII – Não será a suspensão do concurso que causará uma situação de incerteza sobre o desfecho do mesmo mas antes e principalmente a acção administrativa especial, sem que seja decretada a providência requerida, que foi interposta para a impugnação do acto suspendendo, na qual é peticionada a declaração de nulidade do mesmo, pois essa sim, uma vez interposta e não sendo decretada a suspensão do acto impugnado, enquanto não tiver sido proferida decisão transitada em julgado, provoca uma situação de incerteza quanto à validade do concurso e da privatização da A………. XLIV – Para os concorrentes e para o recorrido, é mais benéfica a situação em que a presente providência é decretada até que se obtenha uma decisão transitada em julgado da acção principal, na medida em que, caso seja concretizada a privatização em causa sem que seja decretada a presente providência cautelar, o concorrente vencedor ver-se-á diariamente confrontado nas decisões que tomar na gestão da empresa, com a eventualidade de ser proferida decisão judicial que declare nula a sua compra e tenha de ser reposta a situação actual, com os prejuízos daí decorrentes quer para o recorrido, quer para o concorrente vencedor, quer ainda para a própria B……….. XLV – Prejuízos esses – que se pretendem evitar com o requerimento do decretamento da presente providência – cuja estimativa e avaliação da respectiva extensão se revelam de extrema dificuldade devido à complexidade que a avaliação da reposição da situação implica e exige aliada à imprevisibilidade temporal de prolação de decisão judicial transitada em julgado na acção principal, como aliás resulta reconhecido no douto acórdão recorrido na apreciação do requisito do periculum in mora. XLVI – Os concorrentes que apresentaram propostas não vinculativas previstas na Resolução do Conselho de Ministros nº 36-A/2014 de 06 de Junho, tendo sido indicados como contra interessados nos presentes autos, desta forma lhes tendo sido dada oportunidade de conhecerem a posição do recorrente, e se oporem à presente providência, bem como à correspondente acção principal, não se desinteressaram da privatização, tendo apresentado as suas propostas vinculativas e tendo inclusivamente o concorrente vencedor assinado o contrato cujos termos se desconhecem, com vista a alienação de 85% do capital social da A……., mesmo antes da prolação do douto acórdão recorrido. XLVII – Ou seja, o negócio da compra de 95% da A……… – com acesso directo a financiamentos comunitários de valor superior ao despendido nessa compra, representando 65% da produção nacional da gestão tratamento de resíduos sólidos urbanos no território português – é suficientemente atractivo para os investidores para que se tivessem conformado com o risco de verem o mesmo suspenso e, daqui a uns anos, declarado nulo. XLVIII – Não é assim verdade que, os concorrentes (ou o concorrente vencedor) se desinteressassem, porquanto, mesmo perante a eminência do decretamento da suspensão de eficácia do concurso público de privatização da A……., os mesmos não deixaram de apresentar as suas propostas vinculativas para aquisição de 95% do capital social da A………... XLIX – Tratava-se, pois, de uma mera conjectura por parte do recorrido na sua oposição que veio a revelar-se infundada com a apresentação das propostas vinculativas dos concorrentes e que, em suma, não poderia ser tida em conta na fundamentação da rejeição da providência requerida, como o foi, o que se caracteriza como erro de julgamento que importa eliminar com o provimento do presente recurso. D) Do alegado prejuízo do clima de retoma da confiança na economia nacional L – Acolheu igualmente o douto acórdão recorrido como incluído no âmbito do superior interesse público nacional que nos termos do nº 2 do artigo 120º do CPTA serve de fundamento da rejeição da providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, o alegado pelo recorrido quanto ao decretamento da providência requerida pôr em causa o “clima de retoma da confiança na economia nacional”, o que “seria gravíssimo para o interesse público e de todos os portugueses”. LI – Através desta afirmação, invoca-se, ao fim e ao cabo, que o facto de se aplicar a lei em Portugal e de os municípios exercerem os seus direitos junto das instâncias judiciais irá potenciar a destruição da confiança dos investidores e dos mercados na economia nacional. LII – Ora, a confiança dos investidores e dos mercados na economia nacional sai antes reforçada com a constatação de que o ordenamento jurídico português vigente aplicável, nomeadamente às empresas, é consistente e que a sua aplicação quando posta em causa, é passível de sancionamento judicial com mecanismos próprios previstos para a prevenção de prejuízos perante uma situação em litigio numa acção principal. LIII – Ao invés, a conduta do requerido que procedeu a uma violação grave por parte da Lei do Sector Empresarial do Estado e do próprio Código das Sociedades Comerciais, que constitui afinal o regime legal essencialmente aplicável às empresas portuguesas em que os investidores queiram materializar os seus investimentos, essa sim é passível de suscitar desconfiança desses investidores. LIV – Que confiança será suscitada nos investidores que vêem o recorrido utilizar um expediente ilegal e nulo (a aprovação de alterações de estatutos das sociedades comerciais através de decreto-lei) com a finalidade de evitar a participação dos municípios enquanto accionistas (como accionistas seriam esses potenciais investidores) nas deliberações das empresas em causa, sabendo de antemão que os mesmos não concordariam com tais alterações? LV – A confiança na economia nacional é um conceito tão vasto e complexo dependente de tantas outras circunstâncias, nomeadamente opções políticas, decisões estratégicas, estabilidade legislativa, económica e fiscal, que mal estaríamos se a mesma resultasse minimamente abalada com o decretamento de uma providência de suspensão da privatização da A………, quanto à qual foi reconhecido encontrarem-se preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. LVI – A alegada desconfiança na economia nacional, consubstanciado, por outro lado, um mero e hipotético receio, sem o mínimo fundamento, não se pode sequer ter como provavelmente verificada em caso de decretamento do presente processo cautelar, pelo que igualmente é de afastar a sua inclusão no superior interesse nacional que possa fazê-lo pesar mais na balança para o lado da rejeição da presente providência, configurando esta inclusão um erro de julgamento que se visa rectificar por via do presente recurso. E) Do alegado interesse dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas acções LVII – “O interesse dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas acções” invocado pelo recorrido e acolhido na ponderação prevista no nº 2 do artigo 120º do CPTA, não pode também ser incluído no rol dos danos que pesam na decisão de rejeição da presente providência. LVIII – Com efeito, conforme previsto no caderno de encargos aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014 (artigos 41º a 44º), e conforme é também suscitado no requerimento inicial dos presentes autos, a opção de venda a exercer pelos municípios encontra-se sujeita à condição de a privatização ser concretizada e nem sequer o valor mínimo que é comunicado pela I……….. e pelas J……………. aos municípios é garantido, encontrando-se previsto na minuta de carta de exercício de opção de venda prevista no artº 42º, que o valor de venda poderá ser inferior ao valor dos capitais próprios da B……….. e que a venda apenas se realizará após a privatização e a compra das acções dos municípios que será efectuada pela própria A……… (artigo 39º). LIX – E tendo em conta que o recorrido, nos termos previstos no artigo 15º do Decreto Lei 45/2014 poderá suspender e dar sem efeito a privatização por razões de interesse público, não é legítimo que os municípios que tenham exercido essa opção de venda, tenham, como certa a venda dessas ações no âmbito desse processo de privatização. LX – Por outro lado, mesmo que assim não fosse, no âmbito do nº 2º do artº 120º do CPTA, não cabe a invocação de interesses de municípios que não são parte nos presentes autos e cujos interesses consequentemente, não coincidem com o alegado interesse público prosseguido pelo recorrido e invocável nesta sede, sendo que a sua consideração para a ponderação na fundamentação da rejeição da presente providência, configura um erro de julgamento que se pretende colmatado por via do presente recurso. Da aplicação do nº 2 do artº120º do CPTA e da omissão da ponderação de interesses dos danos invocados pelo recorrente LXI – Na presente providência, conforme é patente pela natureza das partes, não estão em causa interesses privados, mas tão só o interesse público, o prosseguido pelo recorrente, correspondente ao interesse público da sua população local e o prosseguido pelo recorrido de âmbito nacional. LXII – Embora à primeira vista possa resultar que o interesse nacional, pelo menos por dizer respeito a todos os cidadãos nacionais seria um interesse superior ao prosseguido pelo recorrente, a ponderação dos interesses em causa nos autos poderão levar a uma conclusão diferente. LXIII – Aquela disposição legal, para além de chamar à ponderação do julgador os interesses em causa, impõe que prevaleça e seja protegido aquele que maiores danos sofrer perante um eventual decretamento ou rejeição da providência. LXIV – No douto acórdão recorrido, foram resumidos os danos invocados pelo recorrente, não tendo sido tido em conta senão em sede de apreciação do requisito do periculum in mora a invocação por parte do recorrente que os danos que se verificarão com a procedência da acção principal sem que seja decretada a providência, serão de difícil reparação. LXV – No artigo 258º e seguintes do requerimento inicial, o recorrente invocou que “não seria desejável nem pelo requerido nem pelo requerente, nem pelo concorrente vencedor do procedimento concursal em curso, que a verificação das consequências da procedência da acção principal que consistirão na reposição da situação que consistirá em primeira linha na declaração de nulidade do acto suspendendo e da transmissão das acções da B………. e nas consequências daí decorrentes na estrutura da sociedade e no eventual reembolso das quantias pagas acrescidas de eventuais juros e indemnizações”. LXVI – E que “o invocado encaixe financeiro, como facilmente se conclui do supra exposto poderá revelar-se um benefício inferior ao prejuízo que para o Estado representará a procedência da acção principal, pelo que, pelo contrário, o decretamento da mesma, evitará um eventual prejuízo para o erário público superior ao encaixe financeiro que se espera”, daí se concluindo que os danos resultantes da não concessão da presente providência serão muito superiores aos que poderiam advir do decretamento da mesma. LXVII – Pois, permitindo-se o prosseguimento da privatização da A………, com a ulterior declaração de nulidade do acto administrativo respectivo, os danos para o recorrido, para o recorrente e consequentemente para os portugueses, através da reposição da situação anterior determinada por tal nulidade, serão como o Venerando Tribunal assume – mas apenas em sede de apreciação do requisito do periculum in mora – de difícil reparação, comprometendo a satisfação dos interesses que o recorrente visa assegurar na acção. LXVIII – Há aqui uma coincidência de fundamentos que importa ter em conta na ponderação dos interesses imposta pelo nº 2 do artº 120º do CPTA, ponderação essa que, tendo presente o teor do douto acórdão recorrido (ponto LXIII daquele aresto) não foi feita. LXIX – E nessa ponderação, os danos que resultarão tanto para o recorrente como afinal para o recorrido, com a imperativa reposição da situação em caso de procedência da acção principal, são evidentemente superiores àqueles que o douto acórdão acolheu na sua decisão. LXX – Assim ocorrendo uma situação de omissão de pronúncia prevista na alínea d), do nº 1 do artº 615º do CPC que consubstancia uma causa de nulidade do douto acórdão recorrido». Termina requerendo a revogação do acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente a verificação dos danos superiores invocados pelo recorrente, nos termos do nº 2 do artº 120º do CPTA, e assim se decretando a suspensão de eficácia da RCM nº 30/2014 de 08 de Abril. * O recorrido, Presidência do Conselho de Ministros contra alegou, formulando as seguintes conclusões: «I. De acordo com a jurisprudência pacífica do STA, são considerados matéria de facto – e, por esse motivo, insuscetível de ser reapreciada em recurso para o Pleno – a selecção de factos, a sua imputação, a sua relação de causalidade com a lesão do interesse público, bem como, o juízo comparativo de probabilidade sobre o peso relativo dos danos que ameaçam os interesses em presença, feitos no acórdão recorrido, que subjazem ao juízo de ponderação de interesses. São juízos formulados a partir de factos, sempre que nessa ponderação ou valoração intervenha apenas um critério retirado das máximas da experiência comum ou do homem médio, sem apelo a máximas ou ponderações só existentes na ordem jurídica. É esse o caso do presente recurso. II. O verdadeiro e único alvo das censuras do recorrente reside no juízo efectuado no acórdão recorrido acerca da verosimilhança e do grau de fundamentação dos receios e potenciais danos invocados pelos recorrentes, em comparação com os previsíveis danos para o interesse público invocados pelo recorrido. Trata-se, pois, de juízos de probabilidade e causalidade – logo, umbilicalmente dependentes da apreciação de factos – e não de qualquer análise jurídica. Como tal, tais questões encontram-se subtraídas aos poderes de cognição do Pleno do STA (em coerência, aliás, com o decidido por esse Pleno através do douto acórdão de 13/11/2014 (rec. nº 561/14), no âmbito de recurso substancialmente idêntico a este, também respeitante à reprivatização da A…………, em que estava em causa um acórdão recorrido de teor semelhante ao dos presentes autos). III. Ao aferir da eventual verificação da nulidade de uma decisão judicial por omissão de pronúncia, importa verificar se o juiz conheceu de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e excepções invocadas e de todas as excepções que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão. O conceito de “questões” não se confunde, pois, com o de argumentos aduzidos pelas partes, não pesando sobre o juiz o dever de se pronunciar sobre todos e cada um destes. IV. A “questão” que o recorrente afirma encontrar-se omissa no douto acórdão recorrido constitui uma mera linha argumentativa, não um pedido, uma causa de pedir ou excepção. Logo, o tribunal a quo não omitiu qualquer questão de que devesse obrigatoriamente conhecer. Mesmo que assim não fosse, o tribunal a quo analisou esse aspecto noutra sede, conforme confessa o recorrente, pelo que não há razões para suspeitar que não o tivesse presente quando analisou a ponderação de interesses, nem seria exigível que voltasse a enumerar especificadamente toda a matéria de facto e de direito. V. O douto acórdão recorrido não enferma, pois, de nulidade por omissão de pronúncia, dado que não deixou de se pronunciar sobre quaisquer questões cujo conhecimento fosse imposto. VI. A titularidade dos sistemas multimunicipais é do Estado, que pode efectuar a sua exploração e a gestão por via directa ou mediante a sua atribuição, em regime de concessão a entidade de natureza empresarial. Do seu carácter multimunicipal, envolvendo áreas e interesses que transcendem o território dos diversos municípios, decorre que não estamos aí perante uma matéria incluída nas atribuições dos municípios em resultado da autonomia local constitucionalmente garantida, nem sequer por força da lei ordinária. VII. No que diz respeito ao conjunto de questões delimitadas no recurso interposto pelo recorrente, Município de Lisboa, o acórdão recorrido procedeu a uma adequada aplicação o direito, pelo que deve ser confirmado. Com efeito, o decretamento da providência cautelar requerida é susceptível de impedir Portugal de atingir as metas ambientais nacionais e europeias, dados os avultados investimentos exigidos ao longo dos próximos anos e os constrangimentos financeiros que limitam a intervenção do Estado e do sector público em geral. O decretamento da providência cautelar, ao impossibilitar provavelmente de forma definitiva, a reprivatização da A………, é de molde a prejudicar o cumprimento de compromissos assumidos pelo Estado Português perante os seus credores no âmbito do programa de assistência. O decretamento da providência cautelar requerida seria não apenas de molde a prejudicar os interesses e expectativas dos municípios que exerceram o seu direito de opção de venda, como a afastar os investidores, em particular estrangeiros, deste sector, como de toda a economia portuguesa, desperdiçando-se o potencial da renovada, ainda que cautelosa, confiança, que a economia portuguesa tem conseguido gerar. VIII. Os argumentos esgrimidos pelo recorrente – nesta sede como no requerimento inicial julgado pelo tribunal a quo – não são de molde a demonstrar que, com o não decretamento da providência cautelar, os interesses por si defendidos sofrerão um prejuízo superior àquele que poderia resultar do seu decretamento para os interesses públicos nacionais defendidos pelo recorrido». * Igualmente as contra interessadas A……….., S.A., I……….., SGPS, S.A., B…………, S.A., e J………, SGPS, S.A., contra alegaram apresentando as seguintes conclusões que aqui se reproduzem: 1ª. «Contra a decisão do STA e fundamentação expedida no acórdão recorrido, o recorrente sustenta que em relação à mesma ocorre uma situação de erro de julgamento e omissão de pronúncia prevista na alínea d), do nº 1, do artº 615º do CPC, que consubstancia uma causa de nulidade do acórdão recorrido. 2ª. O recorrente não demonstra, todavia, em que consiste a omissão de pronúncia, limitando-se a invoca-la. 3ª. De igual modo, o recorrente não fundamenta o alegado vício de erro de julgamento, para além da mera afirmação de que o mesmo consiste na aceitação da imputação dos danos superiores para o interesse público nacional invocados pelo recorrido Conselho de Ministros. 4ª. Em face da Resolução do Conselho de Ministros nº 55-B/2014 de 19 de Setembro, que selecionou o concorrente vencedor, tendo já sido celebrados os instrumentos jurídicos necessários tendo em vista a alienação de acções representativas do capital social da A…….. objecto do concurso público, se torna até duvidoso que a presente providência mantenha alguma utilidade. 5ª. A alegação dos prejuízos de difícil reparação efectuada pelo recorrente, designadamente para efeitos do juízo de ponderação previsto no nº 2 do artº 120º do CPTA, mantém o seu carácter hipotético, não credível, e meramente abstracto e inconclusivo, como se conclui no douto acórdão recorrido. 6ª. Não existe qualquer erro de julgamento no caso dos autos, nem o recorrente demonstra o contrário, sendo certo que, pelo menos, no que toca às conclusões XXII a XXXVII e XLII a XLIX das alegações, está em causa a censura de um juízo de facto construído sobre ilações extraídas dos factos materiais adquiridos para a causa, a qual não pode ser objecto de revista, de acordo com a interpretação uniforme do disposto no artigo 150º, nº 4 do CPTA. 7ª. O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo ser confirmado na íntegra». * A fls. 1404 a 1406 foi proferido acórdão considerando não ocorrer a nulidade invocada pelo recorrente. * O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos que constam de fls. 1421 a 1424. * Sem vistos, o processo foi submetido a julgamento. * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: «I) No Diário da República, Iª Série, nº 69, de 08.04.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, datada de 03.04.2014 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte: * 2.2. O DIREITO O acórdão recorrido decidiu: a) Indeferir o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida; b) Julgar totalmente improcedente a pretensão cautelar sub judice, recusando a providência requerida, que consistia na suspensão de eficácia do acto administrativo” formalizado “através da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, de 08 de abril, publicada no nº 69 da I série do Diário da República, que aprovou o caderno de encargos e determinou a abertura do concurso público para alienação das acções da A…………., SA”. E o recorrente, Município de Lisboa, insurge-se contra o assim decidido apenas no segmento decisório que julgou improcedente a suspensão de eficácia, e dentro deste, apenas na parte que aprecia os pressupostos previstos no nº 2, do artº 120º do CPTA, [ponderação dos interesses em causa], deixando incólume os restantes segmentos objecto de análise e decisão, onde se decidiu que se verificava o requisito do fumus non malus iuris previsto na al. b), do nº 1 do citado artigo, bem como, o requisito do periculum in mora [al. b)]. Mais reputa o acórdão de nulo, por omissão de pronúncia, no juízo de ponderação de interesses/prejuízos no âmbito do disposto no nº 2 do artº 120º do CPTA, quanto aos danos alegados pelo ora recorrente no articulado inicial e que foram considerados na análise do requisito do periculum in mora. * NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA Comecemos a nossa análise pela omissão de pronúncia, adiantando desde já que a mesma se apresenta como manifestamente improcedente, uma vez que, como aliás se explicita no acórdão que sustentou a arguição de nulidade, e depois de se estabelecer a diferença entre questão que obrigue a pronúncia e argumento em que se funda uma determinada posição, o recorrente não só não esclarece em concreto os contornos da nulidade [pois, na verdade, o que pretende assacar à decisão é somente o erro de julgamento] como, por outro lado, o requisito negativo relativo à ponderação de interesses/prejuízo se mostra efectuado [cfr. ponto 2.2.2 e seus nºs LVII) a LXIX], tendo sido considerada e ponderada toda a factualidade, alegada e provada, que se apresentou como sendo danos/prejuízos para as partes, num juízo de ponderação de negação ou decretação da providência cautelar. É, pois, manifesta a improcedência desta arguição de nulidade. * ERRO DE JULGAMENTO Quanto ao mais, ou seja quanto à ponderação de interesses que foi efectuada no acórdão recorrido, importa analisar se esta pretensão, poderá ser atendida, designadamente, face à alegação do recorrente no que a este aspecto concerne e à jurisprudência que este Supremo Tribunal tem vindo a perfilhar em situações semelhantes à dos presentes autos. Argumenta o recorrente [como melhor se retrata nas conclusões apresentadas e supra transcritas] que “sem embargo de se considerar que algumas das circunstâncias invocadas pelo recorrido sejam passíveis de enquadramento no interesse público nacional, já não é de todo verdade que tal interesse público resulte prejudicado com a suspensão da privatização da A…...”, enumerando os itens em que tal valoração errou: (i) do interesse público no sector dos resíduos sólidos urbanos; (ii) do alegado esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental do PERSU 2020 e do financiamento dos Fundos Comunitários (iii) do alegado incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento; (iv) do alegado desinteresse dos investidores; (v) do alegado prejuízo do clima de retoma da confiança na economia nacional; (vi) do alegado prejuízo para os interesses dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas acções. Em súmula, nesta sede recursiva, o alvo de censura ao acórdão recorrido, em sede de ponderação de interesses insere-se no nexo causal entre o não decretamento da providência cautelar e o aproveitamento do esforço financeiro associado ao cumprimento das metas ambientais do PERSU 2020 e do financiamento dos Fundos Comunitários, que o decretamento da providência não invalida o cumprimento de obrigações assumidas pelo Estado Português com os credores no âmbito do programa de assistência, que pode prejudicar os interesses dos investidores na retoma económica na economia nacional, bem como o prejuízo para os interesses dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas acções. * Vejamos, o decidido, a este respeito no acórdão recorrido: «Importa, agora, aferir do requisito ou pressuposto negativo previsto no nº 2 do art. 120º do CPTA [requisito relativo à ponderação da adequação/equilíbrio em termos da decisão de concessão ou recusa da providência], já que a despeito de estarem verificados os requisitos positivos exigidos para a adoção da providência a mesma ainda assim será recusada “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa” [cfr. art. 120º, nº 2 CPTA]. * Ora, atenta a crítica feita pelo recorrente e o decidido no acórdão recorrido, não cremos que o ali decidido possa ser sindicado, pois quer o Pleno, quer a secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, têm vindo a entender que a fixação dos danos ou prejuízos a que alude o nº 2, do artº 120º do CPTA e o juízo relativo à respectiva ponderação, constitui matéria de facto, que por isso mesmo, não pode ser apreciada por este Tribunal. De facto, o Pleno da 1ª secção apenas conhece de matéria de direito, de acordo com o disposto no artº 12º, nº 3 do ETAF, pelo que apenas pode controlar a decisão de direito e já não a questão de facto; daí que se mostre excluído do âmbito de cognição o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a menos que se mostre verificada a ressalva prevista no nº 4 do artº 150º do CPTA [salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova] – cfr. neste sentido, entre muitos outros [Acs. de 29/06/2005, in rec. nº 0608/05, de 06/03/2007, in rec. nº 359/06] o Ac. do Pleno deste STA, proferido em 06/02/2007, in rec. nº 0783/06, onde expressamente se refere a este propósito: «(…) deve considerar-se matéria de facto (…) mas também os juízos formulados a partir dos factos, sempre que nessa ponderação ou valoração intervenha apenas um critério retirado das máximas da experiência comum, ou do homem médio, sem apelo a máximas ou ponderações só existentes na ordem jurídica. “Os factos (a matéria de facto), no campo do direito processual, abrangem principalmente, embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real”. Contudo há questões que podem envolver “juízos de facto (autênticos juízos de valor sobre matéria de facto)”. (…). “Há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelem essencialmente para a sensibilidade do jurista, para a formação especializada do julgador”. Concluía o autor que “os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação” - ANTUNES VARELA Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8-11-1984, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122, n.º 3784, pág. 220. Ora, o recorrente não diverge do acórdão invocando o erro na aplicação de qualquer critério ou ponderação normativa ou jurídica, sendo certo que os danos ou prejuízos causados no regular funcionamento da Administração da justiça com a permanência em funções do recorrente, traduzem uma ponderação (avaliação) feita de acordo com as regras da experiência comum. O relevo que nesta ponderação tem a circunstância da lei fazer depender a suspensão de funções da classificação de Medíocre não foi posto em causa pelo recorrente - VIEIRA DE ANDRADE A Justiça Administrativa (Lições, 4ª edição, Coimbra, 2003, pág. 303. refere, a este propósito: “…o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos reais…”. As questões sobre a identificação e delimitação dos danos ou prejuízos, bem como o nexo de causalidade entre tais danos e a imediata execução (ou suspensão de eficácia) do acto são em regra questões de facto. Tanto é assim, de resto, que nos termos do artº 120º, 5, do CPTA a falta de contestação ou de alegação de que a adopção da providência prejudica o interesse público implica que o tribunal julgue verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou extensiva. Esta cominação só é explicável, por ter subjacente uma confissão, só admissível relativamente a factos – cfr. art. 352º do C. Civil. A excepção legalmente prevista a esta cominação, ou seja, os casos em que o julgador apesar da falta de contestação se pode considerar manifesta ou ostensiva a lesão do interesse público, não modifica a natureza da questão, pois os factos notórios “não carecem de prova nem de alegação” (art. 514º do CPC). Este Supremo Tribunal, no acórdão de 29-6-2005, proferido no processo 0608/05 a respeito da ponderação de interesses a que alude o artº 132º, n.º 6 do CPTA (providências cautelares no domínio do contencioso pré-contratual especialmente previsto) também concluiu que“…a ponderação de interesses prevista no artº 132º, nº 6, do CPTA é uma questão de facto”, com a seguinte argumentação: “(…)a formulação de um juízo comparativo - seja ele problemático, assertórico ou apodíctico - sobre a magnitude relativa dos prejuízos que em concreto advenham da adopção ou do indeferimento de certa medida cautelar é uma nítida questão de facto. Pois, ao impor que o tribunal pondere ou sopese «danos» e «prejuízos» prováveis, o artº 132º, nº 6, do CPTA obriga à emissão de um juízo triplo, sempre sobre factos - dois juízos de prognose sobre as consequências concretas do resultado (ou de deferimento, ou de indeferimento) da providência, os quais funcionarão como premissas do juízo final em que, comparando-se essas consequências, se concluirá quais são os «danos» ou «prejuízos» inferiores e «superiores». Ora, este simples cotejo - que, repetimos, é sobre factos - faz-se à margem do núcleo das leis substantivas e de processo e, encarado em si próprio, é alheio às disposições legais que exijam certa espécie de prova para a existência dos factos ou que fixem a «vis demonstrativa» de determinados meios de prova (cfr. o artº 150º, nºs 2 e 4, do CPTA e, ainda, o artº 722º do CPC)”. * Ora, no caso sub judice, o que se verifica, repete-se, é que no acórdão recorrido, em sede de ponderação de interesses, se decidiu sem apelo a normas substantivas ou processuais, pelo que este julgamento teve apenas por base os factos que se julgaram provados; e assim sendo, a matéria em causa no presente recurso é matéria de facto e, por isso subtraída ao julgamento do Pleno deste Supremo Tribunal, em conformidade com o disposto no nº 4 do artº 150º do CPTA, nº 3 do artº 12º do ETAF e nºs 1 e 2 do artº 674º do CPC. Aliás, em situação em tudo semelhante a esta, já se decidiu recentemente no Ac. deste STA, proferido em 13/11/2014, in rec. nº 0561/14, que expressamente refere: «Ora, é visível que o Acórdão recorrido ao formular um juízo comparativo sobre a magnitude relativa dos prejuízos que, em concreto, adviriam para o interesse público e para os interesses dos Recorrentes não fez apelo a leis substantivas e de processo, isto é, não apelou para a sensibilidade do jurista ou para a formação especializada do julgador pois apenas formulou um juízo de facto sobre a factualidade trazida aos autos. E isto porque se limitou a afirmar que os Recorrentes não tinham alegado factos susceptíveis de fazer crer que os actos suspendendos determinarão, necessariamente, a supressão do serviço público ou diminuirão a sua qualidade. Acrescentando que essa insuficiência alegatória era impeditiva do deferimento da sua pretensão e que, em contrapartida, os factos invocados pelo Conselho de Ministros eram verosímeis. E, porque assim, é-nos vedada a sindicância do acerto destes juízos de facto». * Deste modo, e porque o acórdão recorrido, sopesando os argumentos aduzidos por cada um dos intervenientes processuais, considerou à luz do princípio da proporcionalidade a coberto do nº 2 do artº 120º do CPTA, por um lado (i) que a balança da ponderação pende para o lado dos interesses invocados pelo Conselho de Ministros, conclusão que justificou com a circunstância de a argumentação aduzida por este ser não só mais consiste e persuasiva do que a trazida aos autos pelo ora recorrente, como igualmente pelo facto de estar suportada em factos verossímeis dos quais se retirava que a adopção da providência causaria ao interesse público danos superiores aos que podiam resultar da sua recusa para os interesses defendidos pelo requerente da acção principal e, por outro lado, (ii) que o requerente/ora recorrente não tinha consubstanciado a defesa do seu interesse mais relevante – o da garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras – em factualidade concreta que permitisse convencer o julgador que a alienação do capital da A………. a investidores privados conduziria à supressão do serviço público em causa ou à deterioração da sua qualidade, é manifesto e inegável que estes juízos de facto não podem ser sindicados, por este conhecimento nos estar legalmente vedado. Concluindo: o acórdão recorrido ao formular um juízo comparativo sobre a relevância dos prejuízos, que em concreto, adviriam para o interesse público e para os interesses do ora recorrente não procedeu à aplicação de normas de direito substantivo, não apelando para a menor ou maior sensibilidade ou especialidade do julgador, limitando-se a formular um juízo fáctico sobre a factualidade trazida e julgada provada; ao invés, e como se constata da transcrição supra efectuada, limitou-se a concluir que o ora recorrente não havia alegado factos suscetíveis de conduzir à conclusão que os actos suspendendo determinarão necessariamente a supressão do serviço público ou diminuição da qualidade, aduzindo ainda que, ainda assim, essa insuficiência de alegação era impeditiva do deferimento da pretensão de ver o acto suspenso. Estando, pois, em causa, um julgamento que apenas se fundou em factos, e face à matéria versada no presente recurso que é apenas matéria de facto [em que o recorrente reclama a reapreciação e repetição deste juízos oriundos da experiência comum] é inegável que a mesma se mostra subtraída ao julgamento do Pleno deste Supremo Tribunal. * 3. DECISÃO: Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso. Sem custas dada a isenção legal do recorrente [cfr. artº 4º, nº 1, al. g) do RCP], sem prejuízo do disposto nos nºs 6 e 7 da mesma norma, tanto neste Pleno, como na Secção. Lisboa, 17 de Abril de 2015. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (com a declaração anexa) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes (com declaração anexa) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (aderindo à declaração de voto do Cons. Vítor Gomes) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (aderindo à declaração de voto do Sr. Cons. Vítor Gomes) - José Augusto Araújo Veloso (aderindo à declaração de voto do Exmº. Cons. Vítor Gomes) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela. Declaração de voto Voto o acórdão com a seguinte declaração: Considero transponível para o presente caso o essencial da declaração de voto a que aderi no processo deste Pleno de 13.11.2014, proc. 561/14. Portanto, teria considerado, por razões de direito, que não se encontra preenchido o requisito da alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, relativo ao periculum in mora. Como se culminou nessa declaração: «Dito por outras palavras, e em suma, os alegados prejuízos que o Requerente pretende evitar decorrem tão só da concretização/consolidação do processo de reprivatização da A……….., SA., opção político legislativa constante o Decreto-Lei nº 45/2014, que não podem ser tidos em conta na presente providência cautelar». E na verdade, em rigor, acabou por ser o que foi julgado no acórdão recorrido. Com efeito, o que ocorre é que o acórdão não deu como provados quaisquer danos invocados pelo requerente, recorrente. É o que decorre, de: «LXVIII. Tal como se considerou no acórdão deste Supremo de 09.07.2014 [Proc. n.º 561/14], juízo que foi reiterado pelos acórdãos de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14] e de 23.10.2014 [Proc. n.º 0725/14] “a argumentação do Conselho de Ministros é forte e persuasiva e decorre de factos verosímeis que credibilizam a ideia de que, nos termos expostos, os danos para o interesse público que resultariam da adoção da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa para os interesses que … defendem na ação principal” sendo que a argumentação pretensiva cautelar não se revela convincente já que “[d]escontadas as considerações, irrelevantes nesta sede, acerca das supostas ilegalidades dos atos suspendendos e sobre a bondade e oportunidade das escolhas do Governo relativas à privatização da A.........” temos que a “alegação não está substanciada em qualquer facto concreto que permita firmar o juízo de que, por causa da alienação do capital da A........ a investidores privados, o serviço público em causa será suprimido ou passará a ser de inferior qualidade. E não é apodítico que a privatização, por si só, implique, necessariamente, qualquer um daqueles efeitos danosos para as populações utilizadoras/ LXIX. Com efeito, importa frisar que a alegação feita pelo requerente no seu requerimento inicial, mormente a quando e a propósito da demonstração do preenchimento do requisito do “periculum in mora” na vertente dos prejuízos de difícil reparação, revela-se hipotética, insubsistente, não credível e, em grande parte, meramente abstrata e conclusiva, termos em que se o “prato” da balança, no momento inicial do juízo de ponderação previsto no nº 2 do art 120º do CPTA poderia estar a “pender” para a esfera do requerente mercê deste haver logrado demonstrar o preenchimento dos requisitos positivos do art. 120º, nº 1, al. b) do CPTA, temos que tal não se confirma ou se constata no final do juízo de ponderação, já que os danos invocados pelo requerido «CM» e a que se aludiu supra, decorrentes duma eventual decretação da providência, são superiores aquilo que seriam os hipotéticos danos sofridos pelo requerente na sua esfera jurídica e de que o mesmo fez apelo.» Note-se que o acórdão recorrido começou por dar por preenchido o requisito de «receio de constituição de facto consumado», mas nada disse sobre «a produção de prejuízos de difícil reparação». E quando chegou à ponderação acabou por considerar que não havia qualquer credibilidade nos prejuízos de difícil reparação alegados. Assim, a ponderação, na verdade, nem chegou a ser feita. Se não se deram por credíveis os prejuízos alegados e não se entrou em consideração com o «receio de constituição de facto consumado», um prato da balança ficou vazio, e no outro ficaram os danos que resultariam da concessão da providência. Por isso, o resultado não poderia deixar de ser aquele a que se chegou, independentemente da questão matéria de facto/matéria de direito. Lisboa, 17 de Abril de 2015. Alberto Augusto de Oliveira. Declaração de voto Repito a declaração de voto que apus em julgamentos semelhantes, designadamente no acórdão proferido no Proc. 561/14. Não acompanho o entendimento do Tribunal quanto à limitação dos seus poderes cognitivos na apreciação do requisito de concessão da tutela cautelar estabelecido pelo n.º 2 do art.º 120.º do CPTA. Muito sumariamente - e sem necessidade de explicitar outras divergências com a concepção que porventura subjaz quanto à distinção entre “questão de facto” e “questão de direito” -, a tarefa de ponderação exigida no caso não é outra coisa senão a aplicação aos factos materiais da causa do regime jurídico imposto pelo n.º 2 do art.º 120.º do CPTA (e, sendo o caso, pelo n.º 3 do mesmo preceito que com a disposição anterior se conjuga no mesmo propósito de conformação jurídica da tutela cautelar segundo os ditames do princípio da proporcionalidade). É tarefa imposta ao tribunal de revista pelo n.º 3 e que não colide com o n.º 4, ambos do art.º 150.º do CPTA. Efectivamente, os n.ºs 2 e 3 do art.º 120.º conformam o regime de tutela cautelar, acrescentando uma cláusula legal de salvaguarda, de modo que se respeitem as máximas da adequação e da proibição do excesso ou proporcionalidade em sentido estrito, tornando a concessão e a modelação da tutela cautelar dependente da formulação de um juízo de valoração jurídica, fundado na comparação da situação do requerente com a dos interesses públicos e privados conflituantes em função dos danos que as alternativas decisórias (decretação ou não da providência e, eventualmente, a sua modelação) implicam para cada um deles. Não cabe ao Pleno intervir na aquisição da matéria de facto para esse efeito. Mas compete-lhe apreciar o eventual erro de direito na solução desse conflito de interesses com base nos factos fixados pela decisão recorrida. Trata-se de extrair consequências jurídicas de factos mediante um juízo que consiste em dar resposta à questão de saber qual dos interesses em conflito deve suportar e em que medida o “custo” do tempo necessário para saber quem tem razão. Mais, a meu ver, neste juízo de ponderação segundo critérios de proporcionalidade reside a essência da tarefa do juiz nas decisões cautelares, especialmente em direito público. Exige-se um juízo de avaliação ou ponderação de factos, é certo, mas trata-se de uma avaliação que não resulta de uma mera determinação ou reelaboração histórico-empírica, mas de valorações da ordem jurídica (extraídas, v.gr., da base jurídica que suportam os interesses em conflito, do regime que regula o interesse específico prosseguido pela actuação administrativa, das normas atributivas de competência ou definidoras de atribuições, da fixação de tarefas fundamentais do Estado, da organização administrativa, etc.). É matéria que, talvez com mais delicada exigência do que qualquer outra na decisão cautelar, apela, para usar a expressão habitual da jurisprudência de que se diverge, à “sensibilidade do jurista” ou à “formação especializada do julgador”. Se a ponderação efectuada estiver errada, haverá violação do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA. Isto posto e revertendo ao caso, é exacto que, na parte em que a apreciação da “verosimilhança argumentativa” das partes se traduziu em juízos de prognose de efeitos que o acórdão recorrido aceita ou rejeita, se está perante matéria insindicável pelo Pleno. E na ponderação a que, na base dos efeitos da execução imediata do acto suspendendo que aceitou como verosímeis, se procedeu para efeitos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, acompanho o acórdão recorrido. Lisboa, 17 de Abril de 2015. Vítor Manuel Gonçalves Gomes. |