Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0967/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO DE REVISTA
RECURSO JURISDICIONAL
CPTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excepcional. Daí que apenas seja admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou.
II - Destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III - A questão de saber “ … se uma declaração de substituição ao início de actividade, entregue fora do prazo para o exercício da opção, previsto no artigo 53º n.º 7, al. b) do CIRC, pode ser aceite e produzir efeitos retroactivos. ”, inserida no contexto factual fixado pelas instâncias e insindicável agora, não assume aquela relevância fundamental nem se apresenta como clara a necessidade de admissão deste recurso, pois se mostra, antes e bem evidentemente, insusceptível de expansão para além dos limites da situação singular em que se verificou e as instâncias caracterizaram, apreciaram e decidiram.
Nº Convencional:JSTA000P14891
Nº do Documento:SA2201211210967
Data de Entrada:09/24/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso de revista da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul ( Secção Tributária ) que, confirmando integralmente a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, manteve a decretada procedência da impugnação judicial antes e oportunamente deduzida pelo ora Requerido A……, nos autos convenientemente identificado, e, em consequência, manteve a também decretada anulação da liquidação adicional de IRS n.º 20095004917290, relativa ao exercício de 2005.

Sustenta em síntese e fundamentalmente que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do presente recurso de revista para eventual reapreciação da questão “ … para efeitos de enquadramento do Sujeito Passivo (SP), no regime de tributação do lucro tributável em IRC, se uma declaração de substituição ao inicio de actividade, entregue fora do prazo para o exercício da opção, previsto no artigo 53º n.º 7, al. b) do CIRC, pode ser aceite e produzir efeitos retroactivos.

Para intentar demonstrar a admissibilidade do presente recurso de revista, alega

Que “ … tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do mesmo direito, dado que esta questão tem capacidade de se repetir num número indeterminado de casos futuros.

E que “ … a questão que considera que, a apresentação de uma declaração de substituição de declaração de inicio de actividade, fora de todos os prazos legais, em alternativa ao exercício atempado da opção pelo regime de tributação do lucro tributável nos termos do n.º 1 e 7 do art.º 57º do CIRC consubstancia a existência de erro nos pressupostos de facto e de direito, assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros que têm uma forte probabilidade de poderem vir a acontecer, sendo certo, por outro lado, que a resposta a dar a essa questão pode interessar a um leque alargado de interessados.”

E que “ … atribuir efeitos retroactivos a um acto administrativo, ao considerar válida a declaração de alteração de inicio de actividade a todo o tempo, consubstancia também a violação da regra geral de que os actos administrativos produzem efeitos apenas, desde a data em que são praticados ( art.º 127º do CPA, aplicável ex vi artigo 2º c) da LGT ), são questões susceptíveis de requerer uma apreciação por parte do STA, tendo em vista a necessidade de uma melhor aplicação do direito, neste e em outros casos concretos.

O Impugnante e ora Requerido, convenientemente notificado deste pedido de revista excepcional, nada disse.

E o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu depois fundamentado parecer pronunciando-se, por um lado e de harmonia com jurisprudência desta Secção e Formação que expressamente convoca, pela admissibilidade deste meio processual também no contencioso tributário e, por outro, já quanto à admissibilidade do recurso de revista no caso concreto, opinou no sentido de que “ Parece duvidoso que a questão tenha “ importância fundamental “, atento que foi decidido com base na aplicação do princípio da boa fé e em face do que tinha sido preenchido pela A.T. na declaração de início de actividade. Concluindo, parece ser de proceder à apreciação preliminar do recurso interposto, propendendo mesmo para não se dar por reunidos todos os pressupostos previstos no art. 150º n.º 1 do CPTA. “.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A questão da competência, isto é, da aplicabilidade ou não ao contencioso tributário do recurso excepcional de revista previsto pelo artigo 150º do CPTA, a que o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal se refere na primeira parte do seu parecer de fls. 288, tem efectivamente conhecido, agora, decisões reiteradas, constantes e uniformes no sentido de que este excepcional recurso de revista, consagrado e previsto pelo art.º 150º do CPTA, logra também aplicação no domínio do contencioso tributário – cfr. entre outros os acórdãos proferidos nos processos n.º 1075/11 e n.º 899/11, em 12.01.2012, e processos n.º 1140/11, 237/12 e 284/12, em 26.04 de 2012 e de 11.07.2012, no processo n.º 515.12, de que aliás fomos relator, todos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo -.

Daí que, já de harmonia com o apontado sentido jurisprudencial, a questão da competência não constitua obstáculo processual prévio da apreciação preliminar de admissibilidade que cumpre - cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -.

Vejamos então, se, in casu, se verificam ocorrer ou não os pressupostos legais de admissibilidade deste recurso excepcional de revista.

A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva “ Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excepcional deste recurso jurisdicional de revista,

Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

Já no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios… .

(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).

Ora, a questão suscitada e que a Requerente A.T. requer seja reapreciada, a de saber “ … se uma declaração de substituição ao início de actividade, entregue fora do prazo para o exercício da opção, previsto no artigo 53º n.º 7, al. b) do CIRC, pode ser aceite e produzir efeitos retroactivos. ”,

Conheceu decisão conforme das instâncias chamadas a decidir – o TT de 1ª Instância e o TCASul, já em sede de recurso jurisdicional ordinário, aqui com um voto de vencido, embora – e recolhera também parecer concordante do Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste último Tribunal Superior.

Decisões e parecer que expressamente convocaram em seu abono a factualidade subjacente, designadamente os factos levados aos números 4, 5 e 11 do probatório fixado e agora assente, bem assim como os juízos que, nesta sede, foram acolhidos nas questionadas decisões judiciais e que, como é sabido e decorre da lei, escapam naturalmente aos poderes de sindicância do tribunal de revista – cfr. art.º 150º n.º 3 e 4 do CPTA -.

Ora, neste segmento decisório o sindicado aresto, dando expresso acolhimento à opinião/parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público respectivo – cfr. parecer de fls. 236 a 239 “ ... mas se é admitida a declaração de substituição e se ela é aceite, tem de ser relevante, caso contrário deveria a AF tomar posição sobre a aceitação da mesma. “ -, depois de exaustiva e bem esclarecedora resenha jurídica acerca dos regimes de tributação do lucro tributável em sede de IRC – regime de transparência fiscal e regime simplificado -, sempre estribada na conveniente invocação da jurisprudência e doutrina atinentes,

O sindicado aresto, dizia, considerou e decidiu que no “ ... caso dos autos, a verdade é que a Administração Tributária aceitou a declaração a que alude o n.º 11 da matéria de facto, não constando nem das instruções de preenchimento, nem da alusão a qualquer norma legal, a exclusão da sua aplicação na cédula de IRC. Ao admitir a alteração da data de inicio de actividade para 2 de Janeiro de 2005, com um volume de negócios estimado em € 180.000, sem quaisquer restrições expressas ou implícitas, também por este motivo a administração tributária deveria ter daí retirado todas as consequências, designadamente em termos de enquadramento do sujeito passivo para efeitos de IRC, sujeitando-o assim ao regime geral de determinação do lucro tributável, nos termos do art.º 53º n.º 2 do CIRC.”.

Mais aditando que “ Tal entendimento é o único admissível à luz do princípio da colaboração, consagrado no citado art.º 59º da LGT ( cfr. art.º 48 do CPPT )... “,

Uma vez que, como antes evidenciara, “ ... a alteração ao regime de tributação ao abrigo do aludido art.º 53 n.º 7 al. b) do CIRC, se deve consubstanciar como acto enquadrável neste preceito, o igualmente convocado “ ... art.º 36º do CPPT, o qual determina que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeito em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, ..., pelo que somente se tornaria eficaz após notificação ao sujeito passivo.”.

Donde e agora, para o efeito jurídico-processual que cumpre – apreciação preliminar sumária de admissibilidade do presente recurso excepcional de revista – seja de concluir antes que a questionada decisão judicial não é ostensivamente errada nem juridicamente insustentável, nem pode a controvertida apreciação/decisão produzida pelas instâncias qualificar-se como susceptível de integrar “ erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada …”.

Daí que, por este ponto, não seja manifestamente caso de lançar mão da “ válvula de segurança do sistema” que o legislador cuidou de apontar na Exposição dos Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII que precederam a consagração deste extraordinário meio de recurso excepcional de revista como sua especial característica.

E não se vê também que a matéria subjacente se tenha revelado e seja “de elevada relevância e complexidade” jurídicas susceptíveis de “suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.”, nem que a questão apreciada e decidida pelas instâncias “ seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

Por outro lado, a questão suscitada e a controvérsia proposta, tal como se mostra enunciada, inserida no contexto factual fixado e insindicável agora, como deve ser, mostra-se antes e bem evidentemente insusceptível de expansão para além dos limites da situação singular em que se verificou e as instâncias caracterizaram, apreciaram e decidiram.

Daí que, aquela questão, já pela sua especificidade e particularidade, também não seja susceptível de qualificar-se, designadamente para o efeito que cumpre, de elevada relevância jurídica ou social, nem se configurou, na apreciação e decisão que conheceu das instâncias, como de elevada complexidade, complexidade capaz de suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em considerar não verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso ( artigo 150º do CPTA ) e, em consequência, acordam em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente Administração Tributária.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Alfredo Madureira (relator) - Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.