Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0695/12
Data do Acordão:02/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
FUNDAMENTOS
ILEGITIMIDADE
Sumário:I - Tendo a recorrente invocado como causa de pedir, em sede de oposição à execução fiscal, entre outros fundamentos, o facto de não ser proprietária ou possuidora de fracções autónomas sujeitas a tributação em IMI no período a que respeita a dívida exequenda, e tendo pedido que «seja declarada como parte ilegítima, nos autos de execução, com todas as legais consequências» haverá de se concluir que formulou também um pedido principal adequado à forma processual adoptada - oposição à execução fiscal.
II - Esta ilegitimidade substantiva, que se relaciona com a dívida exequenda e com o respectivo título e não com a incidência do tributo, constitui fundamento de oposição à execução fiscal nos termos da al. b) do nº 1 do art. 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que não se verifica uma situação de erro na forma do processo, determinante da absolvição da Fazenda Pública da instância.
Nº Convencional:JSTA000P15357
Nº do Documento:SA2201302270695
Data de Entrada:06/21/2012
Recorrente:ASSOC A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Associação A…….., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 29 de Dezembro de 2011, que julgou por verificada a excepção do erro da forma do processo, absolvendo a Fazenda Publica do pedido.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) A oponente apresentou oposição à execução fiscal, com três fundamentos, a sua ilegitimidade, por ser proprietária dos imóveis em causa, o facto de ser um cooperativa de habitação económica, logo, isenta de contribuição predial e, sem prescindir, impugnou as liquidações efectuadas, em virtude de errados pressupostos de avaliação.
b) A sentença em crise menciona que a oposição não apresenta quaisquer fundamentos dos previstos no artigo 204º do C.P.P.T., e verificou a procedência da excepção do erro da forma do processo.
c) Não se pronunciou, como estava obrigada, no que diz respeito aos restantes fundamentos na parte processual que se pudesse aproveitar.
d) Desta forma, o tribunal a quo deveria conhecer das outras excepções invocadas na oposição, a saber da ilegitimidade e da isenção que beneficia, dado que foram tempestivamente legadas e no articulado próprio.
e) Não o fazendo, o tribunal a quo, violou os artigos 199º, 493º, 494º, 495º e 496º do CPC e o artigo 204º do CPPT.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o douto parecer no sentido do provimento do recurso, sustentando que a recorrente formulou um pedido principal adequado à forma processual adoptada (ilegitimidade substantiva, fundamento legal para dedução de oposição (art.204° n°1 al. b) 2°segmento CPPT) e que a adequação da forma processual utilizada àquela pretensão de tutela jurídica impede a existência de erro na forma de processo e impõe o conhecimento do mérito da causa com base no fundamento legal invocado de oposição à execução, após fixação da matéria de facto pertinente.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. Do objecto do recurso.
A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento ao considerar verificado erro na forma do processo, absolvendo a Fazenda Pública do pedido, nos termos estatuídos nos art°s 199º, 288º nº1 al. b), 493º nº1 e 2 e 494º al. b) todos do Código de Processo Civil aplicáveis por força do artº 2º al. e) do CPPT.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, perante a petição apresentada pela recorrente, considerou verificar-se erro na forma do processo, uma vez que, os pedidos formulados pela executada não se subsumem à forma processual escolhida - oposição à execução fiscal - sendo antes próprios de uma impugnação judicial.
Foi ainda ponderada pela Meritíssima Juíza a possibilidade de convolar a petição inicial para o meio processual adequado, impugnação judicial, (arts. 99º e 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário), julgando-se tal não ser já possível, “por extemporâneo.” (fls. 435 dos autos).

Contra o assim decidido se insurge a recorrente alegando que “…o tribunal a quo deveria conhecer das outras excepções invocadas na oposição, a saber da ilegitimidade e da isenção que beneficia, dado que foram tempestivamente alegadas e no articulado próprio.” (al. d) das conclusões das alegações a fls. 454 dos autos).

6. No caso vertente a decisão sindicada, depois de discorrer sobre os fundamentos da oposição, julgou que nenhum dos factos articulados pelo oponente se reconduzem aos fundamentos de oposição previstos nas diversas als. a) a i) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
E concluiu também que «em boa verdade, na petição inicial, a oponente invoca a existência de vícios decorrentes das avaliações efectuadas em 1994 às fracções dos imóveis que melhor identifica na petição inicial, sendo o pedido que formula atinente àquelas avaliações».
Sucede que não é essa, apenas, a realidade que se surpreende dos autos.
Com efeito analisada a petição inicial, constata-se que a recorrente invocou naquela peça causas de pedir características da impugnação judicial, nomeadamente o erro sobre os pressupostos de direito na interpretação e aplicação de norma que confere isenção e o erro nos critérios aplicados na fixação dos valores patrimoniais tributários das fracções autónomas, determinante de erro nas consequentes liquidações do imposto.
Porém, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente invocou também como causa de pedir o facto de não ser proprietária ou possuidora das fracções autónomas sujeitas a tributação em IMI no período a que respeita a dívida exequenda (cf. petição inicial, arts. 11º a 17º), o que configura uma situação de ilegitimidade substantiva, fundamento legal para dedução de oposição.
Sendo que a final (cf. fls.22) pede que « seja declarada como parte ilegítima, nos autos de execução supra referenciados, com todas as legais consequências».
Ou seja, um dos pontos fulcrais da pretensão da recorrente era também a alegação da sua ilegitimidade por não ser proprietária ou possuidora das fracções autónomas sujeitas a tributação em IMI, no período a que respeita a dívida exequenda.

Ora o artº 204º, nº 1, al.b) do Código de Procedimento e Processo Tributário elege como fundamento da oposição a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida.
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto do executado figurar no título executivo, mas não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, tem a ver com os tributos incidentes sobre o rendimento ou fruição dos respectivos bens.
Assim deverá reconhecer-se a ilegitimidade do executado, relativamente aos tributos que incidam sobre a propriedade mobiliária e imobiliária, não só nos casos em que se constate que ele não era possuidor [como deriva literalmente do texto da alínea b) do n.° 1 do art. 204.°], mas também nos casos em que se constate que ele não era fruidor ou proprietário no período a que respeita a dívida exequenda e seja destas qualidades que a lei faça depender a incidência do tributo (vide entre outros Acórdãos desta Secção de 14.03.2003, recurso nº 1473/03, de 3/10/01, in rec. nº 25.727, e de 05/06/2002, recurso 026298, e, na doutrina, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 490, e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6º edição, vol. III, pag. 454.)
Esta ilegitimidade substantiva, que se relaciona com a dívida exequenda e com o respectivo título e não com a incidência do tributo, constitui, pois, fundamento de oposição à execução fiscal nos termos da al. b) do nº 1 do art. 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário( Já o mesmo não se dirá em relação à invocada isenção que, como atrás se referiu, poderá integrar erro sobre os pressupostos de direito na interpretação e aplicação de norma que confere isenção, portanto relativo à legalidade dos actos de liquidação imposto.
).
Por isso se entende que a recorrente formulou também um pedido principal adequado à forma processual adoptada ( oposição à execução fiscal) pelo que não se verifica uma situação de erro na forma do processo, determinante da absolvição da Fazenda Pública da instância.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido contrario, padece, pois, do erro de julgamento que lhe vem imputado e deve, por isso, ser revogada.


7. Impunha-se agora conhecer do mérito da oposição , já que o tribunal recorrido não conheceu do mérito da causa por motivo que foi julgado improcedente.
Sucede que a sentença de primeira instância, que absolveu a Fazenda Pública da instância e não conheceu do mérito do pedido, não fez, por isso, qualquer explicitação dos factos que se deviam ter de considerar como relevantes e provados, nomeadamente para apreciação deste fundamento de oposição.
Também este Tribunal de recurso não dispõe, por sua vez, de base factual para decidir o recurso jurisdicional, uma vez que, face ao alegado pela recorrente, ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida, nem aqui pode estabelecer-se, por o Tribunal carecer de poderes de cognição em sede de facto.
Há, assim, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe ordenar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de que, produzida a prova pertinente, se conheça deste fundamento de oposição (al. b) do nº 1 do art. 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário).

8. Decisão:
Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância, para ser substituída por outra que, produzida a prova pertinente, conheça do mérito do fundamento de oposição invocado.
Sem custas,
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2013. - Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes - Valente Torrão.