Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0981/11
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I - Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26º, alínea b), e 38º, alínea a), do ETAF de 2002 e artigo 280º, nº1, do CPPT, o que é relevante é que o recorrente, nas conclusões das respectivas alegações de recurso, suscite qualquer questão de facto, manifestando discordância com o decidido no que respeita aos juízos de apreciação da prova efectuados pelo Tribunal recorrido.
II - O recurso não versa exclusivamente matéria de direito se nas conclusões do respectivo recurso o recorrente diverge das ilações que a Mmª Juíza “a quo” retirou da factualidade provada considerando-a insuficiente para suportar a sentença proferida.
Nº Convencional:JSTA000P13895
Nº do Documento:SA2201203140981
Data de Entrada:10/31/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B..., LDA E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I-RELATÓRIO
1.A……, S.A. e FAZENDA PÚBLICA, ambas com a identificação constante dos autos, vieram reclamar os respectivos créditos, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, por apenso à execução fiscal movida pela Fazenda Pública a “B……, L.DA”, devidamente identificada nos autos.
A Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou verificados os créditos reclamados, procedendo à sua graduação.
2.Não se conformando com tal decisão, A……, S. A. veio interpor recurso, ao abrigo dos artigos 279.º a 282.º do CPPT e artigo 26.º, alínea b), do ETAF para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280.º a 282.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), alegando, e formulando as seguintes Conclusões:
“1- A sentença de graduação de créditos gradua o crédito do aqui recorrente em segundo lugar, logo a seguir aos créditos resultantes da falta de pagamento de IMT e IMI reclamado pela Fazenda Pública e respectivos juros de mora.
2- No que respeita à graduação, a sentença não padece de qualquer reparo, na medida em que os créditos resultantes de IMI e IMT gozam de privilégio imobiliário especial relativamente aos créditos hipotecários.
3- Os privilégios imobiliários recaem sobre bens imóveis, podendo ser gerais ou especiais, sendo que o crédito decorrente da falta de pagamento de IMI e IMT é especial,
4- O bem penhorado nos autos é um imóvel.
5- No entanto, a Direcção de Finanças de Viseu reclamou créditos no montante global de € 79.516,07, não tendo discriminado o que efectivamente respeita ao imóvel penhorado nos autos, porquanto só esse valor é que goza de privilégio imobiliário especial.
6- Jamais o valor em dívida pela falta de pagamento de IMI e IMT relativo ao imóvel penhorado poderia ascender a €79.516,07, sendo que o imóvel tem um valor tributável de €38.352,10 e um valor de aquisição de € 100.000,00.
7- Desta forma deveria a sentença de graduação de créditos especificar qual o montante relativo a IMI e IMT que goza de privilégio imobiliário geral e se encontra graduado em primeiro lugar.
8- A sentença proferida viola assim o disposto no art. 868° do C.P.C.”
3. Não foram apresentadas Contra-alegações
4. O Digno Representante do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto Parecer, concluindo pela procedência do recurso, argumentando, em síntese:
“(…) O que se põe em causa é se os créditos discriminados a fls. 104 e 105, de IMT e IMI dizem respeito ao imóvel penhorado nos autos, o que é pressuposto do reconhecimento e da graduação de que foi efectuada com base em privilégio imobiliário especial, nos termos do disposto no art. 744.º do C. Civil, aplicável por força de outras disposições legais.
(…) Para tal, foi junta, pela reclamante F.P. - Direcção de Finanças de Viseu, a qual juntou a certidão de fls. 45 e ss..
Na mesma é referida a final a “indicação dos artigos matriciais sobre que recaiu a dívida”, nos termos do art. 80.° n.° 3 do C.P.P.T., aplicável por sucessivas remissões efectuadas com base nos arts. 245.° n.°1 e 241.° n.° 3 do mesmo.
Acontece que parece apenas se obtém a correspondência dessa indicação, quanto ao imóvel penhorado, relativamente ao IMT de 2009 e ao IMI de 2008, originado no proc. 3700 2009 01053523.
Com efeito, tal não parece resultar quanto a 2 casos, ainda que seja provável que tal possa ainda vir a acontecer, pois:
1- o que mais se mostra junto a fls. 69, quanto ao I.M.T. de 2006 o qual foi reclamado com base no processo de execução fiscal 1430 2008 01017560, é sugestivo de que pelo menos parte da dívida também possa também ser proveniente do mesmo;
2- a dívida de IMI, também de 2008, que foi reclamada com base no processo de execução fiscal 3700 2009 01021737 é de montante igual à que resulta comprovada, conforme acima referido, podendo corresponder a uma 2ª prestação da mesma dívida.
Para tal, devia-se ter convidado, antes de mais, a reclamante, a fim de que proceda ainda à junção de certidão discriminativa dos imóveis a que estas 2 últimas respeitam, por analogia com o previsto no art. 812.° n.° 2 do C.P.C. quanto ao requerimento executivo, e com base no disposto no n.° 4 do dito art. 868.° do C.P.C..
Com efeito, tal parece ainda impor-se, uma vez que está em causa, se não a existência de garantia real, a validade da que foi invocada com o dito privilégio, o que pode ter motivado até a dita reclamação — assim, ainda assinala Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2005, p. 8.
Nestes termos, quer parecer que é de julgar o recurso procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada na parte em que graduou em 1.º lugar todos os créditos de I.M.T. e I.M.I. que tinham sido reclamados pela F.P.- Direcção de Finanças de Viseu, sendo de proceder oportunamente a uma nova graduação dos mesmos em função do que resultar dessa nova certidão a obter.”
5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II- FUNDAMENTOS
1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos
“Os créditos reclamados e admitidos liminarmente mostram-se devidamente documentados.
A quantia exequenda respeita a dívidas de IRS dos anos de 2007 e 2008.
As penhoras, realizadas pela FP, para garantia da quantia exequenda foram registadas em 01/04/2009, incidindo sobre o seguinte imóvel:
Prédio urbano, inscrito na correspondente matriz predial sob o artigo 2.085 da freguesia de Santa Maria de Viseu, concelho de Viseu, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n°.869, da referida freguesia.
Em 01/04/2009 a FP registou penhora para garantia das dívidas nos processos de execução fiscal n°s.143020080l029690 e 1430200801017560, ambos instaurados pelo Serviço de Finanças de Peniche, sobre o referido imóvel.
Também sobre o mencionado imóvel, a FP registou penhoras em 15/09/2009, 08/10/2009 e 26/04/2010, para garantia das dívidas nos processos de execução fiscal n°s.3700200901004689, 1430200901015672 e 3247201001021672.
Em 09/11/2009 a FP registou Hipoteca Legal, sobre o mesmo imóvel, para garantia das dívidas no processo de execução fiscal n°.2720200901031180.
A hipoteca para garantia do crédito reclamado pelo A…… foi registada em 30/05/2007.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- DE DIREITO
2.1. Questão prévia: da incompetência do STA
2.1.1. Impõe-se, a título prévio, conhecer da questão da incompetência do STA, em razão da hierarquia, cujo conhecimento, nos termos do art. 13º do CPTA, deve preceder o de qualquer outra, uma vez que a sua eventual procedência prejudicará, precisamente, a apreciação e o julgamento das demais questões suscitadas no recurso, face ao disposto no nº2 do art. 16º do CPPT e nos arts. 101º e ss. do CPC.
A competência do STA para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, tal como resulta da alínea b) do art. 26º do ETAF, exclusivamente, a matéria de direito, constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete, nos termos da alínea a) do art. 38º do ETAF, conhecer “dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26º”.
Nesta consonância, prescreve o nº 1 do art. 280º do CPPT que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
“Reserva-se, portanto, ao Supremo Tribunal Administrativo”, tal como ficou consignado no Acórdão deste Tribunal de 29/09/2010, proc nº 266/10, “o papel de tribunal de revista, com intervenção reservada para os casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão”.
Considera-se que as conclusões versam matéria exclusivamente de direito se “resumirem a sua divergência com o decido à interpretação ou aplicação da lei ou à solução dada a qualquer questão jurídica” e versam matéria de facto se “manifestarem divergência com a questão factual”. Esta divergência pode assumir, designadamente, as seguintes variantes: “quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devem retirar dos mesmo” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, p. 425). No mesmo sentido (cfr., entre outros, os Acórdão do STA de 29/9/2010, procs nº 266 e 446/2010).
2.1.2. Aplicando a jurisprudência referenciada ao caso em apreço, extrai-se que o recorrente vem pôr em causa a base factual em que a Mmª Juíza assentou a graduação dos créditos, manifestando divergência com as ilações que se devem retirar dos documentos apresentados, fundamentalmente por achar insuficiente a prova produzida para fundamentar o decidido.
Vejamos.
Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que procedeu à graduação dos créditos reclamados pela FP- Direcção de Finanças de Viseu e pelo A……, do seguinte modo:
·“em primeiro lugar, os créditos de IMT reclamado pela FP e os créditos de IMI reclamados pela FP e respectivos juros de mora (garantia do privilégio imobiliário especial, tendo o IMT do ano de 2009, posto à cobrança nesse ano garantia da hipoteca legal;
·em segundo lugar, o crédito reclamado pelo A……, funcionando a garantia, para os juros, com o limite de três anos (garantia da hipoteca);
·em terceiro lugar, o crédito de IRS reclamado pela FP, e a quantia exequenda, respeitante à dívida de IRS dos anos de 2007 e 2008, e respectivos juros de mora (garantia do privilégio imobiliário geral relativamente a todos e garantia da penhora quanto ao crédito reclamado de IRS e a quantia exequenda de dívida de IRS do ano de 2008);
·por fim, os créditos reclamados pela FP de IVA e Coimas e respectivos juros de mora, com o limite legal (garantia da penhora).”
Conforme decorre das respectivas conclusões, o recorrente, sem pôr em causa a graduação dos créditos feita pela sentença recorrida, vem sim questionar o facto de a FP ter reclamado o montante global de €79.516,07 sem ter “discriminado o que efectivamente respeita ao imóvel penhorado nos autos, porquanto só esse valor é que goza de privilégio imobiliário especial” (conclusão 5). E, na conclusão nº 6 acrescenta o recorrente que “Jamais o valor em dívida pela falta de pagamento de IMl e IMT relativo ao imóvel penhorado poderia ascender a €79.516,07, sendo que o imóvel tem um valor tributável de €38.352,10 e um valor de aquisição de € 100.000,00”.
E, finalmente, na conclusão 7 conclui que “(…) deveria a sentença de graduação de créditos especificar qual o montante relativo a IMI e IMT que goza de privilégio imobiliário geral e se encontra graduado em primeiro lugar.”
Em face das conclusões, uma vez que são estas as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1 do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT), verifica-se que nas vazadas nos pontos 5, 6 e 7, o recorrente diverge das ilações que a Mmª Juíza “a quo” retirou da factualidade apresentada pela recorrida para fundamentar os créditos reclamados, considerando a factualidade provada insuficiente para suportar a graduação levada a efeito, no que se refere à falta de discriminação do valor do imóvel penhorado nos autos, porquanto só esse valor é que goza de privilégio imobiliário especial.
No fundo, o recorrente assume clara discordância com ao decidido pelo tribunal “a quo” em sede de matéria de facto, pondo em causa os juízos de apreciação da prova a partir dos factos provados e não provados, pretendendo daí retirar apoio para a sua fundamentação de direito. Com efeito, a consideração dos factos por si enunciada poderia, em seu entender, ser determinante para a procedência do recurso.
Pelo exposto, procede, desta forma, a excepção da incompetência em razão da hierarquia deste STA para conhecer do objecto do recurso.
III- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em julgar este Supremo Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por competente ser para o efeito o Tribunal Central Administrativo Norte.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 14 de Março de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Ascensão Lopes - Pedro Delgado.