Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0234/11.2BEVIS
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
MÉRITO
Sumário:Não há entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante que fundamente o conhecimento do mérito do recurso se houve num e noutro caso diferentes ocorrências processuais, relevadas na respectiva fundamentação dos acórdãos, que conduziram a que se decidisse, no acórdão recorrido, pela não invocação tempestiva da omissão de resposta à diligência requerida e no acórdão fundamento, pela sua invocação tempestiva.
Nº Convencional:JSTA000P31950
Nº do Documento:SAP202402210234/11
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -
1 – A..., Lda., não se conformando com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 7 de junho de 2023, proferido nos presentes autos, vem, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, por alegada oposição com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (rectius, do Tribunal Central Administrativo Norte) de 15 de dezembro de 2022, proferido no processo n.º 315/11.2BEVIS, relativamente à realização de uma perícia requerida pela impugnante e indeferida por aquele Tribunal.
A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Ao não ter proferido decisão sobre a realização da requerida perícia e ao não observar as formalidades legais impostas para o efeito, o Tribunal a quo cometeu uma irregularidade processual, em violação do disposto nos artigos 13.º e 115.º do CPPT, 99.º, n.º 1, da LGT e 156.º, n.º 1, e 578.º do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT).
2. Por via da omissão de decisão sobre a realização da requerida perícia nos autos, foi cometida uma irregularidade no processo que influi no exame ou decisão da causa, consubstanciando-se, assim, tal irregularidade processual numa nulidade, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, nulidade que expressamente se arguiu, com as devidas e legais consequências – AC. STA de 31.01.2002, Rec26653 e ac. STA de 10.07.2002, proferido no Proc. 025998.
3. Nesta senda, a decisão não poderá ser considerada conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 28 de junho de 2012, sob o processo 02517/11.2BEPRT que também nos diz «(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida (…).
4. O Acórdão Fundamento – TCAN, processo n.º 315/11.2BEVIS – considerou que o Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre o requerimento probatório constante da petição inicial e no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação.
5. No entanto, o Acórdão Recorrido afirmou, sem mais considerações, que a arguição de tal nulidade efetuada apenas aquando na interposição do recurso seria intempestiva, por não alegada nos dez dias posteriores ao conhecimento da omissão.
6. Esta irregularidade cometida nos presentes autos influi no exame ou decisão da causa, porquanto a decisão de dispensar ou de ordenar a realização da prova pericial é indiscutivelmente relevante, influindo decisivamente na decisão da causa.
7. E, no caso concreto, tanto influi na decisão da causa, que o tribunal a quo acaba por considerar que a recorrente não fez prova dos factos essenciais.
8. No Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo deu como não provados factos essenciais, nomeadamente: (A) «As aquisições de mercadorias às sociedades Comerciais B..., Lda. e C..., Lda., durante o exercício de 2008 e os demais que têm as referidas aquisições como pressuposto» e (B) «Que, relativamente ao ano de 2008, os registos contabilísticos da Impugnante (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) permitam um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existenciais iniciais, compras e produção».
9. Ora, a Recorrente pretendia precisamente, mediante a referida prova pericial, a comprovação de tais factos essenciais, retratando a indispensabilidade das aludidas compras para a realização dos proveitos declarados.
10. Destarte, mal andou o Tribunal Central Administrativo, no acórdão impugnado, ao decidir que, ao contrário do Acórdão fundamento, nada há a apontar ao julgamento de direito efetuado pela sentença, uma vez que, além de considerar intempestiva a arguição da nulidade processual, consequentemente deu como não provados, factos essenciais que a recorrente pretendia alcançar como provados com a realização da ora referida perícia.
11. Em consequência, requer-se ao Pleno da secção do Contencioso Tributário deste Venerando Supremo Tribunal que uniformize jurisprudência, no sentido do acórdão fundamento, de ser subsidiariamente aplicável ao processo ora em referência, ordenando a produção da prova pericial, conforme requerimento de prova formulado na petição inicial.

Termos em que julgando o presente recurso procedente, farão V. Exas. a acostumada, JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.


3 - A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de que se encontram reunidos os requisitos legais para o conhecimento do mérito do presente recurso para Uniformização de Jurisprudência, concedendo-lhe provimento, fixando-se jurisprudência no sentido do Acórdão fundamento.


4 - Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA.
- Fundamentação -

5 - Questões a decidir

Importa averiguar previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

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6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no acórdão fundamento:
A) A Impugnante declarou o início de actividade em 01/01/1975, e é sujeito passivo de IRC, colectada no Serviço de Finanças de Tondela, exercendo a actividade de “Comércio por grosso de bebidas alcoólicas” com o código CAE n° 51341 (actual 46341) e enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, apresentando continuadamente crédito de IVA, cfr. Relatório de Inspecção, fls. 5 a 7 que correspondem a fls. 20 a 22 do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; estes factos não foram questionados pela Impugnante;

B) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu realizaram acção de inspecção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço nº ...38 com código de actividade ...19 emitida pela Divisão de Inspecção Tributária I, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, de âmbito geral e incidência no exercício de 2008, cujo procedimento teve início em 22/10/2010 e terminou em 06/12/2010, vide fls. 4 e 5 do Relatório constantes de fls. 19 e 20 do PA;

C) Do relatório de inspecção tributária elaborado extracta-se:
“A.1 Existências
...
A sociedade não declara inventário permanente das mercadorias. As existências declaradas correspondem ao saldo de quantidade existente em cada um destes livros e em cada armazém a data de 31 de Dezembro.
...
...os livros de registo das existências somente apresentam o registo dos movimentos das mercadorias por DA e ou DAA, não havendo qualquer correspondência com a factura contabilística e ou mesmo a guia.
Deste modo contabilisticamente a existência somente de inventário intermitente implica a falta de conhecimento, no decurso do exercício, das quantidades e do valor das existências em armazém e impossibilidade de um apuramento, a qualquer momento, dos resultados obtidos nas vendas.
Por outro lado, tendo-se procurado fazer um confronto entre o registo contabilístico das facturas de aquisição, a data de recepção das respectivas vendas e o seu registo nos respectivos livros de contas correntes de existências, verifica-se, por vezes, um desmesurado desfasamento temporal.
...
Verificam-se ainda situações de entregues directas, isto é, a sociedade por vezes compra a dado fornecedor e vende directamente para o cliente, isto é, a mercadoria não entra em qualquer armazém da sociedade, indo directamente do fornecedor para o cliente.
...
A.3.1 – Compras-Mat. Primas, Subsid. e de Consumo
...
Atendendo aos quadros conclui-se que a sociedade declarou ter vinificados a quantidade total de 68 795,11 hectolitros (6 879 511 litros).
Considerando os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade vendida questionou-se o técnico dos escritórios... sobre o modo como foi obtida a quantificação de litros a partir das uvas recepcionadas, tendo aquele referido que não foi utilizado qualquer cálculo, tendo as quantidades resultantes da vinificação sido fornecidas pela gerência.
...os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade... tendo sido detectadas facturas para sujeitos passivos já falecidos... referiram que é muito difícil o seu controlo, sendo muitas vezes os descendentes que trazem as uvas com o cartão do vinicultor ainda em nome do falecido. ...
...os documentos de aquisição (documentos internos) e de acompanhamento (DA´s) de uvas são realizados na própria empresa. Dos documentos internos de aquisição, uma parte é realizada num programa específico enquanto a outra é efectuada no processador Word. Relativamente a estes últimos documentos a funcionária encarregou de os emitir alegou utilizar sempre o mesmo original, não dispondo assim de qualquer salvaguarda em suporte informático.
...
A.4 – Acareação: Existências – Compras - Vendas
...
...considerando todos os pressupostos acima expostos, pode aferir-se que os registos contabilísticos da sociedade (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) não permitem um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.
... tendo-se tentado realizar o confronto entre os registos das existências, produção, compras e vendas, uma das conclusões a que se chega é que as diferenças tanto são no sentido positivo como negativo.
(...)
III.B - Identificação e análise de fornecedores não declarantes
Decorrente da análise de reembolsos de IVA solicitados pela sociedade inspeccionada relativamente, ainda ao exercício de 2004, onde constava, o fornecedor “B..., Lda.”, com NIPC: ...72, que evidenciava no cadastro do sistema informático incumprimento continuado das suas obrigações declarativas em sede de IVA e IRC, foi realizada informação e proposta a emissão de fichas de prospecção, tendo sido remetidas à respectiva Direcção de Finanças de Lisboa, da área da sede/domicílio do sujeito passivo.
(...)
Foram recolhidos indícios que nos permitem concluir que as facturas emitidas pela entidade “B..., Lda.”, ao sujeito passivo em análise, não traduzem operações efectivas.
(...)
(...)
As facturas de mercadorias emitidas por “B...", e “C...”, foram todas realizadas com liquidação de IVA, contudo as correspondentes mercadorias deram entrada nos livros de contas correntes de existências, dos entrepostos de “D...”, conjuntamente com outras adquiridas com isenção, não se verificando qualquer separação.
- As aquisições declaradas aos dois fornecedores representam 87% do total das compras nacionais sem isenção de IVA, ou seja, quase a sua totalidade
- como foi liquidado IVA em todas as facturas de “B...” e de “C...”, tal implicou que a sociedade “D...” deduzisse tal imposto nas suas declarações periódicas (solicitando o reembolso ao Estado) e o emitente (no caso das “B...”), sujeito passivo não declarante não entregasse nos cofres cio Estado o respectivo imposto liquidado.
Atendendo aos factos anteriormente descritos e à análise realizada, reforçam-se os indícios indicados nos elementos enviados pelas Direcções de Finanças de Lisboa e de Santarém no sentido da inexistência de transacções entre as entidades “B..., Lda.” e “D...” e entre “C..., Lda.” e “D...”. Os factos enunciados sustentam que as operações entre as empresas “B.... Lda.”, NIPC: ...72 e “C.... Lda.”. NJPC: ...14 (emitentes) e o sujeito passivo “D..., SA” NIPC ...74 (utilizador), foram inexistentes na medida em que não suportam qualquer venda de mercadoria efectiva, tratando-se de transacções fictícias, com o único objectivo de obtenção de vantagem patrimonial, consubstanciada na dedução indevida de IVA e na contabilização de custos, com reflexos no apuramento da matéria tributável em IRC. (...), cfr. fls. 15 a 60 do Relatório constante do PA;

D) A impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção tributária, por ofício n.º...04 de 09/12/2010 e 60 de 04/01/2011, ambos da Direcção de Finanças de Viseu, a fim de poder exercer o direito de audição nos termos do art.60.° da LGT e do art.60.° do RCPIT, o que fez não fez, vide fls. 78 e 79 do Processo Administrativo, correspondentes a fls. 63 e 64 do Relatório e ainda fls. 11 também do PA;

E) Por ofício n.º ...73 de 21/01/2011, recebido no dia 24, foi a impugnante, na pessoa do seu mandatário, notificada do relatório de inspecção tributária, vide fls. 12 e 13 do PA;

F) Na sequência do mencionado relatório de inspecção tributária, foram emitidas as liquidações impugnadas n.ºs ...26, ...28, ...30, ...32, ...34, ...27, ...29, ...31, ...33 e ...35, no montante global a pagar de € 80 308,96, de que a Impugnante foi notificada no início de Março de 2011, constando das aludidas liquidações, como data limite de pagamento, o dia 30-04-2011, cfr. fls. 11 a 20 destes autos e fls. 138 e 139 do Processo Administrativo;

G) A presente impugnação foi apresentada, via postal, expedida em 27-06-2011, vide código de 12 barras do registo postal aposto a fls.2 dos autos, folha 1 da P.I..

Factos não provados:

A) As aquisições de mercadorias às sociedades Comerciais B..., Lda. e C..., Lda., durante o exercício de 2008 e os demais que têm as referidas aquisições como pressuposto.

Não olvido que as testemunhas arroladas pela Impugnante, todas elas funcionários/as da Impugnante, confirmaram as aquisições e pagamentos mas as mesmas resultam incompatíveis com o conjunto de factos apurados em sede de inspecção, mormente os apurados pela Direcção de Finanças de Lisboa e Santarém, em averiguações sobre as alegadas vendedoras. Factos que, na essência, constam dos factos provados supra descritos. Factos que impossibilitam a existência das referidas aquisições, as quais não foram meras aquisições ocasionais e de pouca monta. Factos que a Impugnante se limitou a contestar na parte em que afirmou ser estranha às condições concretas dos seus fornecedores não lhe podendo ser imputáveis as eventuais falhas ou omissões por eles praticados (mesmo esta alegação pode ter uma leitura que não é abonatória para a Impugnante pois que as instalações da primeira fornecedora situavam-se a cerca de 8 a 10km das instalações da Impugnante de Olhalvo e, no dizer da testemunha AA, teriam cerca de 100m2; por outro lado sempre se referirá que a segunda testemunha referiu que por via dos documentos que recebia e passava “conhecia uma ou duas pessoas das respectivas empresas”. Mas isso é só parte da argumentação pois nada disse, por exemplo, sobre a impossibilidade de transportar vinho em viaturas ligeiras ou sem possibilidade de se deslocarem pelos seus próprios meios; como explicar que as alegadas aquisições estando isentas de IVA este foi liquidado nas referidas transacções originando deduções de imposto nas declarações periódicas da Impugnante; nada disse, nem o podia dizer, como é que um fornecedor fornece se não tem produção e não há documentação sobre eventuais compras que ele tenha feito. Não é necessário uma inteligência extraordinária para perceber o que o “povo” traduz da seguinte forma: “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”. Mas aqui a compradora comprou cabritos a alguém que não tinha cabras nem demonstrou donde lhe vieram. Em suma não nos merece credibilidade o depoimento das testemunhas na parte em que confirmaram as referidas aquisições, seus pagamentos, etc. Também a Impugnante argumentou, mas não conseguiu provar, a indispensabilidade das aludidas compras para a realização dos proveitos declarados. Por um lado a dificuldade da prova resulta da não prova do controlo das existências, vide alínea seguinte; vide também a documentação insuficiente da produção própria, ou seja todo um conjunto de situações que podem justificar os proveitos sem as referidas compras; vejam-se também as grandes oscilações das margens de comercialização. Por exemplo no ano em causa e anterior o volume de negócios aumentou comparativamente com os exercícios anteriores mas ocorreu um aumento do CMVMC mais do que proporcional implicando uma diminuição significativa da margem bruta de comercialização;

B) Que, relativamente ao ano de 2008, os registos contabilísticos da Impugnante (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) permitam um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.

A Inspecção, tentando fazer o apuramento das existências, verificou que nos respectivos livros o que é registado são os documentos de acompanhamento das mercadorias (DAA’S ou DA’s) enquanto que na contabilidade o que consta registado são facturas, não se conseguindo fazer uma concatenação entre umas e outras. Por outro as dificuldades no apuramento são ainda mais acentuadas pelo facto de a Inspecção ter verificado que existem intervalos de tempo entre a recepção de mercadorias e a sua facturação; por outro lado existem vendas e compras directas que vão directamente do e para o cliente sem entrar em qualquer armazém da sociedade Impugnante.

7 – Apreciando
7.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência

Vem o presente recurso para uniformização de jurisprudência interposto do acórdão do TCA Norte, proferido nos presentes autos por alegada contradição do ali decidido com o que o foi no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de dezembro de 2022, proferido no processo n.º 315/11.2BEVIS, relativamente à realização de uma perícia requerida pela impugnante e indeferida por aquele Tribunal.
Importa, pois, determinar se, como alegado, se verificam os requisitos de que depende o conhecimento do mérito do recurso, a saber, determinar se existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e ainda, havendo contradição, se a decisão impugnada é desconforme à jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão - artigo 284.º n.º 1 e 3 do CPPT.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido numerosas vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- Identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- Que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se “sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica” (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente). Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos.
Não obstante a aparente similitude entre os dois casos - derivadas, designadamente de em causa estar a mesma empresa, de em ambas ter sido requerida pela impugnante perícia à contabilidade sobre a qual não houve pronúncia expressa da 1.ª instância – há, entre os dois casos diferenças substanciais que obstam a que possam ter-se por preenchidos os pressupostos de que depende o conhecimento do mérito do recurso no que respeita à alegada nulidade resultante da prova pericial requerida.
Isto porque, bem lidos os arestos em confronto, as decisões finais que o TCA tomou num e noutro aresto não derivam, como alegado, de uma diferente qualificação do vício num e noutro caso, mas do momento em que, num e noutro, se assumiu que o impugnante teve conhecimento da rejeição do seu pedido para realização da perícia e consequentemente, do termo inicial de 10 dias para dele reagir.
No acórdão recorrido, considerou-se que “resulta dos autos que após a inquirição das testemunhas arroladas, ao abrigo do disposto no art. 120.º do CPPT, as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas no prazo de 25 dias, faculdade que a Recorrente usou remetendo as suas alegações via postal em 10/01/2012. // A apresentação das alegações constitui o encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, pelo que, in casu, a Recorrente não tem como negar que a partir desse momento tem conhecimento que a perícia que requereu não foi atendida – cf., acórdão recorrido, a fls. 22.
Por seu turno, o acórdão fundamento apenas considerou que “(…) resulta do processado que a Recorrente peticionou a realização de prova pericial na petição inicial e sobre tal pedido nenhuma pronúncia foi emitida pelo Tribunal a quo.//Tal omissão consubstanciaria uma nulidade secundária por não constar das omissões insanáveis do processo tributário previstas no artigo 98.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT). //Por sua vez, nos termos do artigo 149.º, n.º 1 do CPC “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária.” //Conforme jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, “caso a parte lesada apenas tome conhecimento da omissão do acto através da notificação da sentença, o recurso que desta interponha constitui o meio próprio para arguir essa nulidade, dado que é esta peça processual que dá cobertura à falta cometida e, por isso, só com a sua prolação a nulidade se consuma (cfr., entre outros, o acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA de 2.10.2001, no recurso nº 42.385 e os acórdãos da 2ª Secção do STA de 9/04/1997, no proc. n.º 21070, de 9.10.2002, no proc. nº 48.236, de 4.12.2002, no proc. nº 1314/02, de 10.07.2002, no proc. nº 25.998, de 3.03.2010, no proc. nº 063/10, e acórdão do Pleno da 2ª Secção de 6/07/2011, no proc. nº 0786/10.” – acórdão proferido a 17 de janeiro de 2018, proferido no processo 01285/17. (…) Voltando ao caso concreto, o Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre o requerimento probatório constante da petição inicial e no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação.// Assim sendo, a arguição da nulidade derivada de tal omissão foi atempadamente realizada. “(…) no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida em tempo, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 2 do CPC, serão nulos os termos processuais subsequentes ao momento em que foi omitida a pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da petição inicial e a própria sentença.” – cf. acórdão fundamento, a fls. 15 a 17.
Ou seja, não há entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante que fundamente o conhecimento do mérito do recurso, mercê das diferentes ocorrências processuais, relevadas na respectiva fundamentação dos acórdãos, que conduziram a que se decidisse, no acórdão recorrido, pela não invocação tempestiva da omissão de resposta à diligência requerida e no acórdão fundamento, pela sua invocação tempestiva.

Assim, à semelhança do decidido no Acórdão do Pleno deste STA de 24 de janeiro último, processo n.º 0773/09.5 BEVIS, não haverá que tomar conhecimento do mérito do recurso.

Em conclusão:
Não há entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante que fundamente o conhecimento do mérito do recurso se houve num e noutro caso diferentes ocorrências processuais, relevadas na respectiva fundamentação dos acórdãos, que conduziram a que se decidisse, no acórdão recorrido, pela não invocação tempestiva da omissão de resposta à diligência requerida e no acórdão fundamento, pela sua invocação tempestiva.
- Decisão -

8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.



Custas pela recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000, ponderados o desempenho processual das partes e a menor complexidade deste recurso, tendo ainda presente que o respectivo conhecimento ficou a montante, no sentido de que não passou da análise dos requisitos de admissibilidade do recurso.


Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.