Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0342/12.2BELSB
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
ESTADO
OMISSÃO LEGISLATIVA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir o recurso de revista de acórdão que confirmou a decisão de TAF que havia julgado improcedente pretensão indemnizatória fundada em alegada omissão legislativa ilícita e que, assim, se constituía como fonte do direito que pretendido alcançar, dado que quanto às questões colocadas as mesmas mostrarem-se decididas de forma confluente pelas instâncias no sentido da inexistência de tal omissão, sendo que o juízo mostra-se feito com apelo a fundamentação credível e que não aparenta erros lógicos ou jurídicos manifestos, abordando problema de modo a deslindar o que poderia aparecer como matéria complexa.
Nº Convencional:JSTA000P25553
Nº do Documento:SA1202002060342/12
Data de Entrada:11/29/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 04.07.2019 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»] [cfr. fls. / - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que a mesma havida deduzido por inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante «TAC/L»] que havia julgado totalmente improcedente a ação administrativa comum por si deduzida contra o ESTADO PORTUGUÊS, e na qual peticionava que este fosse condenado a pagar-lhe indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos emergente de responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da função legislativa, concretamente pela sua omissão havida até à publicação da Lei n.º 7/2011, de 15.03 [diploma que veio regular o procedimento de mudança de sexo no registo civil e correspondente alteração de nome próprio].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. / ] «para uma melhor aplicação do direito» [fundada in casu na infração, nomeadamente, do disposto nos arts. 15.º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (RCEEEP) (publicado em anexo à Lei n.º 67/2007), 486.º e 563.º do Código Civil (CC), 13.º, 19.º, 25.º, 26.º e 37.º da CRP, 01.º, 02.º, 07.º, 12.º, 19.º, 28.º e 29.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)].

3. O R. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. / ] nas quais pugna, mormente, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O «TAC/L» julgou totalmente improcedente a ação administrativa comum sub specie por entender não estarem demonstrados os requisitos da ilicitude [ausência de omissão legislativa ou de um dever de legislar], do dano [inexistência de «dano anormal»] e do nexo de causalidade.

7. O «TCA/S» manteve aquele juízo, negando provimento ao recurso quanto aos acometidos erros de julgamento, para o efeito tendo efetuado distinção entre a factualidade/pretensão indemnizatória sujeita ao regime normativo anterior à Lei n.º 67/2007 e aquela que já seria disciplinada por aquela Lei, concluindo em ambas situações no sentido da ausência de demonstração do pressuposto da ilicitude.

8. Assim, nesse quadro extrai-se da fundamentação do acórdão sob recurso que «o recurso está votado ao insucesso na parte em que a responsabilidade civil do Estado se funda em factualidade geradora de danos derivados de omissão legislativa após a publicação da Lei n.º 67/2007 (…). Com efeito, passou a exigir-se a prévia verificação de inconstitucionalidade por omissão pelo Tribunal Constitucional, o que não sucedeu como evidenciado na sentença recorrida», e na parte em que a responsabilidade do R. resulta fundada no anterior quadro normativo que «os direitos fundamentais que a ora Recorrente invoca encontravam-se tutelados por via da propositura de uma ação de estado: era necessária uma ação judicial prévia a reconhecer esse direito (mudança de sexo e do nome no registo civil). Era, pois, com base em decisão judicial que, no registo civil, se fazia a alteração da menção do sexo, em consequência da decisão judicial (prevendo o CRC os processos de retificação, emenda ou alteração dos registos)».

9. A A., aqui ora recorrente, discorda do julgamento feito pelas instâncias, insurgindo-se contra o juízo de improcedência da sua pretensão indemnizatória já que proferido com errada interpretação e aplicação do quadro normativo supra enunciado, estando, no seu entendimento, preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil.

10. Afigura-se que o acórdão, no seguimento, aliás, da decisão do «TAC/L», abordou o problema de modo a deslindar o que poderia aparecer como matéria complexa, fazendo através de julgamento assente numa plausível fundamentação jurídica, sendo que não se mostra persuasiva a motivação/argumentação expendida pela A., aqui recorrente.

11. Com efeito, não se descortina, à luz da realidade veiculada nos autos e presente a publicação e vigência da Lei n.º 7/2011, um contexto que permita surpreender, no e do caso, uma qualquer relevância jurídica e social fundamental para além da importância que o mesmo assume para a própria A., nem que o juízo em causa sobre o pressuposto da ilicitude revele uma necessidade de melhor aplicação do direito, tanto mais que na e quanto à concretização dos pressupostos de admissibilidade da revista a A. nenhuma argumentação relevante expendeu.

12. Por outro lado, e tal como afirmado por esta Formação de Admissão Preliminar [cfr. Ac. de 03.07.2014 - Proc. n.º 0360/14], ponderando o regime e vigência aportado pela Lei n.º 67/2007 ao n.º 5 do referido art. 15.º, «[e]sse tratamento na lei que aprova o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas torna ainda menos relevante uma discussão travada ao abrigo do regime do DL 48051, que essa lei revogou», na certeza de que dada a exigência de verificação cumulativa dos pressupostos de responsabilidade civil temos que também nesse contexto e como ali foi entendido «tudo o demais que vem apresentado no recurso carece, igualmente, de importância fundamental, nem se colhe que sobre a correspondente matéria haja clara necessidade de revista para melhor aplicação do direito».



DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da A., aqui recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia. D.N..

Lisboa, 6 de fevereiro de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – Madeira dos Santos.