Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:061/23.4BEAVR-S1
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ACTO DE EXECUÇÃO
DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA
Sumário:Estando em causa as questões – dotadas de alguma complexidade e que não beneficiaram nas instâncias de uma fundamentação sólida e detalhada – de saber se os actos praticados correspondem ainda a actos de execução da deliberação suspendenda e se, face às razões invocadas na resolução fundamentada, se deve considerar demonstrada a verificação do grave prejuízo para o interesse público que resultaria do diferimento da execução, justifica-se que o Supremo reanalise o caso que suscita interrogações jurídicas e que foi objecto de tratamento divergente pelas instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P31842
Nº do Documento:SA120240125061/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE ENTRE O DOURO E VOUGA E.P.E., NO LEGAL REPRESENTANTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. AA intentou, no TAF, processo cautelar, contra o CENTRO HOSPITALAR DE ENTRE O DOURO E VOUGA, E.P.E. onde pediu a suspensão de eficácia da deliberação, de 2/12/2022, do Conselho de Administração deste Centro Hospitalar, que anulara o procedimento concursal comum para o preenchimento de um posto de trabalho na categoria de Assistente Graduado Sénior da carreira especial médica de Anestesiologia a que fora opositora graduada em primeiro lugar segundo o relatório final do júri.
Após a citação da entidade requerida, o seu Conselho de Administração, em 22/2/2023, emitiu resolução fundamentada, onde, “considerando que suspender a anulação do ato anulatório, anuindo a que, durante a pendência da ação principal no Tribunal Administrativo, o indicado posto de trabalho não fosse preenchido, ficando a aguardar o desfecho daquela, seria gravemente prejudicial à prossecução do interesse público, inerente à sua atividade, como hospital integrado no Serviço Nacional de Saúde”, entendeu ser de reconhecer que “o deferimento da execução do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 2570-A/20... seria gravemente prejudicial para o interesse público”, determinando “o prosseguimento da sua execução”.
Notificada desta resolução, a requerente intentou incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
Por sentença do TAF, foi este incidente julgado procedente, declarando-se “a ineficácia dos actos de execução praticados pela Entidade Requerida identificados nos pontos 4 a 9 do probatório”, respeitantes à tramitação do procedimento concursal publicitados pelo referido Aviso n.º ...23.
O requerido apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 17/11/2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e julgou improcedente o incidente.
É deste acórdão que a requerente vêm pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e a própria jurisprudência deste STA tem reiteradamente sublinhado, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
A sentença, para deferir a requerida declaração de ineficácia, após considerar que os actos referidos nos pontos 4 a 9 do probatório haviam sido praticados com base na resolução fundamentada cuja execução a requerente pretendera impedir com a instauração do processo cautelar, entendeu que a regra da proibição de executar o acto suspendendo, constante do art.º 128.º, do CPTA, só excepcionalmente poderia ser afastada, nas situações em que estivesse em causa uma lesão grave do interesse público e o que se verificava no caso vertente era a total omissão de factos alegados nessa resolução de onde se pudesse extrair tal conclusão.
Posição contrária foi sustentada pelo acórdão recorrido que entendeu que os actos identificados nos pontos 4 a 9 do probatório não respeitavam à execução do acto suspendendo, não se alicerçando, por isso, na resolução fundamentada e que, de qualquer modo, sempre se deveria considerar que as razões que nesta foram invocadas eram suficientes para a demonstração do grave prejuízo que resultava para o interesse público do deferimento da execução.
A recorrente justifica a admissão da revista com a necessidade de uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido erros de julgamento, quer porque o novo concurso iniciado ao abrigo da deliberação de 22/12/2022 só poderia ter lugar com a anulação do anterior decretada pela deliberação suspendenda, quer porque o preenchimento dos pressupostos da resolução fundamentada dependiam da invocação pela entidade requerida da existência de uma situação de urgência para a imediata execução do acto e da demonstração do grave prejuízo para o interesse público, o que não se verificou.
Resulta do que ficou exposto que as questões que estão em causa nos autos são as de saber se os actos identificados nos nºs. 4 a 9 do probatório, praticados ao abrigo da deliberação de 22/12/2022, correspondem ainda a actos de execução da deliberação suspendenda e se, face às razões invocadas na resolução fundamentada, se deve considerar demonstrada a verificação do grave prejuízo para o interesse público que resultaria do deferimento da execução.
Como vimos, as instâncias divergiram no entendimento que adoptaram quanto a ambas as questões.
Estas mostram-se dotadas de alguma complexidade e não beneficiaram nas instâncias de uma fundamentação sólida e detalhada, sendo que a solução jurídica que veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido suscita legítimas dúvidas quanto ao seu acerto.
Convém, pois, que o Supremo reanalise o caso que suscita interrogações jurídicas e que, tendo potencialidade de repetição, reclama uma clarificação de directrizes.

4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.