Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0279/14.0BALSB-S1
Data do Acordão:04/04/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
HOSPITAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:I - É de conceder provimento ao recurso de revisão se o juízo fundamentador quanto ao quantum indemnizatório utilizado na pronúncia do acórdão a rever foi objeto de juízo crítico e dissonante por parte de acórdão do TEDH que sobre o mesmo se debruçou e que o considerou desconforme e violador dos arts. 08.º e 14.º da CEDH [cfr. arts. 154.º a 156.º do CPTA, e 696.º, al. f), do CPC/2013].
II - Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso [situação hipotética] [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º, do CC].
III - A compensação pelos «danos não patrimoniais» mostra-se ligada à pessoa humana, à sua dignidade e liberdade, não constituindo o juízo que a fixa uma atividade arbitrária já que na sua fundamentação terá de levar em consideração a ponderação da gravidade dos danos medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente «embotada», «aguçada» ou especialmente requintada do lesado(s), mas, também, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e aquilo que é a prática jurisprudencial em situações similares [cfr. arts. 496.º e 08.º, n.º 3, ambos do CC].
IV - Uma vez demonstrado que a A., em decorrência de conduta lesiva do R., sofreu dores [quantum doloris de grau 5 numa escala de 7] e que ficou a padecer: de perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal; de dificuldades em sentar-se e andar; de incontinência urinária e fecal, que a obrigam a usar diariamente pensos; de limitação séria da sua atividade sexual [prejuízo sexual fixável em grau 3 numa escala de 5]; de sofrimento agravado pelo facto de saber que do ponto de vista médico inexiste solução para os seus problemas; de quadro depressivo grave com componente ansiosa e acentuada expressão somática (dificuldade em dormir, profundo desgosto e frustração pela situação em que vive e que a inibem no seu relacionamento com os outros), tendo já equacionado o suicídio; entende-se como equitativamente adequado e ajustado, de harmonia com o disposto nos arts. 04.º, 08.º, n.º 3, 496.º, e 566.º, todos do CC, fixar o montante de indemnização global a título de «danos não patrimoniais» em 100.000,00 €.
Nº Convencional:JSTA000P24416
Nº do Documento:SA1201904040279/14
Data de Entrada:01/18/2018
Recorrente:A..................
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA EPE (MATERNIDADE ALFREDO DA COSTA)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A……………………., na sequência do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [TEDH] de 25.07.2017 proferido no quadro da queixa n.º 17484/15, veio interpor, nos termos dos arts. 696.º, al. f), do CPC [na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013 - tal como todas as referências ulteriores ao referido Código sem expressa referência em contrário] e 154.º do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - tal como todas as referências ulteriores ao mesmo Código sem expressa menção em contrário], recurso extraordinário de revisão por apenso à ação declarativa de condenação pela mesma movida contra o “CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA, EPE” [doravante «CHL, EPE»], peticionando, pela motivação inserta na minuta de recurso [cfr. fls. 02 a 13 dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], que, verificados os requisitos de admissão, se proceda ao «[r]eexame do Acórdão - deste STA de 09.10.2014 - na parte em que, com os fundamentos discriminatórios, quer expressos quer implícitos, reduziu alguns montantes indemnizatórios, mormente o valor para pagamento das despesas com a empregada doméstica e os danos não patrimoniais» e que seja fixado «novo quantum indemnizatório referente a danos não patrimoniais e despesas com a empregada doméstica, nos termos supra expostos».
Formulou para o efeito o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«I - O presente recurso extraordinário pretende a revisão do Acórdão proferido nestes autos, por este Colendo Tribunal, em 9 de outubro de 2014 e já transitado em julgado, tal como possibilita o disposto no art. 154.º, n.º 1, do CPTA.
II - Tem o seu fundamento escudado na previsão ínsita na al. f), do art. 696.º, do CPC, aplicável subsidiariamente, porquanto, em 25 de julho de 2017, foi proferida decisão emanada de uma instância internacional de recurso, vinculativa para o Estado Português, no processo que, sob o n.º 17484/15, denominado Caso A………………. vs. Portugal, correu termos pela Quarta Secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a qual se tornou definitiva em 25 de outubro de 2017, nos termos do art. 44.º, n.º 2, al. b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
III - A apreciação pelo TEDH da fundamentação do Acórdão revidendo foi realizada no sentido de apurar se o mesmo continha diferença de tratamento na pessoa da demandante, ora Requerente, com base no seu género e idade, em violação do preceituado no art. 14.º, em conjugação com o art. 8.º, ambos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
IV - De acordo com esta instância internacional, a quem o Estado Português deve respeito, o STA baseou-se no facto de a ora Requerente, na data da operação já ter “50 anos e dois filhos, isto é, uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança” e, essencialmente por esse motivo, reduziu a montante indemnizatório que tinha sido fixado na 1.ª instância.
V - O mesmo aconteceu com o valor referente ao pagamento das despesas com a empregada doméstica relativamente ao qual o STA usou o fundamento de que a Requerente provavelmente não precisaria de uma empregada doméstica a tempo inteiro concomitante com a afirmação que “a mesma apenas teria que cuidar do seu marido” atenta a idade dos seus filhos.
VI - Em consequência destas considerações o TEDH concluiu que a decisão revidenda tinha violado o art. 14º, em conjugação com o art. 8º, ambos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e
VII - Condenou o Estado Português, considerando que a Requerente sofreu aflições e frustração em resultado da violação dos seus direitos protegidos pela Convenção.
VIII - Face à violação de direitos fundamentais, protegidos pela CEDH, o Acórdão sub judice carece ser revisto por se verificar um nexo causal entre a idade e género da ora Requerente e a redução de montantes indemnizatórios, o que o torna incompatível e inconciliável com decisão daquela instância internacional.
IX - A decisão do TEDH assentou na análise dos fundamentos que serviram o Colendo STA para justificar a redução montantes indemnizatórios que se pretendem reapreciados e revistos.
X - Os fundamentos, expressos ou implícitos, que justificaram a redução dos valores referentes ao pagamento das despesas com a empregada doméstica e dos danos não patrimoniais, foram considerados discriminatórios, porque despendidos em razão da idade e género da aqui Requerente.
XI - Verificado que os fundamentos em que se fundou a redução de montantes compensatórios, vertidos no Acórdão do STA, se revelaram discriminatórios à luz da CEDH, deverá ser proferida nova decisão na qual deverá ser ponderado, reavaliado e fixado novo quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais e despesas com a empregada doméstica».

2. Instruído devidamente o presente recurso foi o mesmo apensado à ação declarativa em referência e admitido por despacho do Relator de fls. 144, sendo que determinada a notificação do recorrido pelo mesmo não foi produzida qualquer resposta [cfr. fls. 145 e segs.].

3. A Digna Magistrada do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da manutenção do quantum indemnizatório que havia sido arbitrado pela sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] [cfr. fls. 148/149].

4. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para o seu julgamento.



DAS QUESTÕES A DECIDIR

5. Apreciados e uma vez verificados os requisitos de admissão do presente recurso extraordinário [cfr. arts. 696.º a 699.º do CPC, e 154.º a 156.º, do CPTA], importa, nesta sede, face à motivação que se mostra aduzida pela recorrente e aos termos da pronúncia firmada pelo TEDH no acórdão em referência e documentado nos autos [cfr. fls. 15/56 e 99/139], aferir da bondade do julgamento que foi feito no acórdão a rever apenas nos segmentos que se prendem com a fixação do quantum indemnizatório arbitrado a título de danos patrimoniais decorrentes das despesas com empregada [redução operada no referido acórdão do valor de 16.000,00 € (montante fixado pela sentença do «TAC/L») para o de 6.000,00 €] e a título de danos não patrimoniais [redução efetuada no mesmo acórdão do valor de 80.000,00 € (fixado na aludida sentença) para o de 50.000,00 €], porquanto lavrados com errada interpretação e aplicação, mormente, dos arts. 08.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [CEDH], 496.º e 566.º do Código Civil [CC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
6. Resultou como assente da discussão dos autos o seguinte quadro factual:
I) A A. é utente do Serviço Nacional de Saúde, sendo a beneficiária n.º ……………… da Segurança Social Portuguesa.
II) A A. tem utilizado os serviços da R., desde dezembro de 1993, onde, desde 11.05.1994, efetua consultas no serviço de ginecologia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa.
III) Em 09.12.1993 foi diagnosticada à A. nos serviços de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa uma Bartholinite à esquerda, que constitui uma patologia própria do foro ginecológico.
IV) Após ter sido diagnosticada Bartholinite à esquerda, a terapêutica indicada e realizada consistiu na drenagem da zona infetada da glândula de Bartholin à esquerda e lavagem com água oxigenada e soluto de dakin.
V) Após cada drenagem, a glândula de Bartholin à esquerda da A. infetava e inchava, o que lhe causava dores insuportáveis e tomava necessária nova drenagem, bem como a administração de mais analgésicos.
VI) No início de 1995, já após terem sido realizadas sete drenagens, foi proposto à A., durante uma consulta de ginecologia nos serviços da R., a realização de uma intervenção cirúrgica.
VII) Em 19.05.1995, a A. foi internada no serviço de ginecologia da R., de onde saiu no mesmo dia, para passar o fim-de-semana em casa, tendo, em 21.05.1995, sido novamente internada.
VIII) Em 22.05.1995, a A. foi operada, tendo sido submetida a uma anestesia geral.
IX) A intervenção cirúrgica referida em VIII) foi executada pela Dr.ª B……………., auxiliada pelas Dr.ªs C………… e D…………, tendo, ainda, intervido na mesma, como anestesista, o Dr. E………………
X) Na intervenção cirúrgica de 22.5.1995 foram extraídas à A. ambas as glândulas de Bartholin, a esquerda e a direita.
XI) A A. tomou conhecimento da ablação do seu nervo pudendo esquerdo através de exames que realizou em clínica privada.
XII) Em 12.10.1999, pelo presidente da Junta Médica foi subscrito o «Atestado Médico de Incapacidade Multiuso», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, no qual se atesta, designadamente que a A. «apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30/09, lhe conferem uma incapacidade permanente global de 73% (setenta e três por cento) desde 1995».
XIII) A A. encontra-se em situação de invalidez para toda e qualquer profissão.
XIV) A A., numa consulta pré-operatória foi informada sobre o tipo de cirurgia a que ia ser submetida - simples exerese bilateral das glândulas de Bartholin -, tendo assinado declaração de como se considerava devidamente informada sobre a mesma e os seus riscos [resposta ao facto 01.º) da Base Instrutória («B.I.»)].
XV) Após o que, poderia voltar à sua vida normal, sem necessidade de mais drenagens [resposta ao facto 02.º) da «B.I.»].
XVI) A operação referida em VIII) tinha por fim exclusivo a extração das glândulas Bartholin à esquerda e à direita [resposta ao facto 03.º) da «B.I.»].
XVII) Após ter recebido alta de internamento, a A. queixou-se com dores, associadas a uma insensibilidade na zona do corpo operada, que inchou [resposta ao facto 04.º) da «B.I.»].
XVIII) Em 28.06.1995 a A. foi observada nos serviços da R., pelo coordenador dos serviços de ginecologia, Dr. F…………., que a medicou com um creme vaginal e «ananase» [anti-inflamatório] [resposta ao facto 05.º) da «B.I.»].
XIX) Tais dores até hoje não passaram [resposta ao facto 06.º) da «B.I.»].
XX) A A. continuou a frequentar a consulta de ginecologia da R. [resposta ao facto 07.º) da «B.I.»].
XXI) Na intervenção referida em VIII) foi parcialmente lesado o nervo pudendo, do lado esquerdo [resposta ao facto 08.º) da «B.I.»].
XXII) Da qual resultaram as referidas dores, perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal [resposta ao facto 09.º) da «B.I.»].
XXIII) O corte do nervo pudendo esquerdo não era a terapêutica indicada para o tratamento da patologia do foro ginecológico que a A. apresentava antes da operação [resposta ao facto 10.º) da «B.I.»].
XXIV) Antes da operação realizada em 22.05.1995, a A. exercia uma atividade remunerada como empregada doméstica [resposta ao facto 11.º) da «B.I.»].
XXV) Além de assegurar a lide doméstica, a A. tomava conta de uma criança [resposta ao facto 12.º) da «B.I.»].
XXVI) Após a operação supra referida, a A. não mais desempenhou atividade remunerada alguma [resposta ao facto 15.º) da «B.I.»].
XXVII) A A. encontra-se incapacitada para tal [resposta ao facto 16.º) da «B.I.»].
XXVIII) A incapacidade referida em XII) resultou da ablação do nervo pudendo esquerdo da A. [resposta ao facto 17.º) da «B.I.»].
XXIX) Depois da operação a A. viu-se forçada a contratar uma empregada doméstica para a ajudar nas tarefas em casa [resposta ao facto 18.º) da «B.I.»].
XXX) O seu quadro clínico incapacitante não se alterou [resposta ao facto 22.º) da «B.I.»].
XXXI) Para apurar as causas do seu estado de saúde na sequência da intervenção cirúrgica de 22.05.1995, a A. teve de recorrer à medicina privada [resposta ao facto 23.º) da «B.I.»].
XXXII) A A. teve de suportar o custo de exames, tratamentos, medicamentos, clínicas, hospitais e honorários médicos [resposta ao facto 24.º) da «B.I.»].
XXXIII) A A. necessitará para o resto da sua vida de assistência médica e de efetuar as despesas correspondentes [resposta ao facto 25.º) da «B.I.»].
XXXIV) A A. apresenta atualmente perturbações esfincterianas e genitais, nomeadamente, incontinência ou retenção urinária e fecal [resposta ao facto 26.º) da «B.I.»].
XXXV) A A. sofre de nevralgias e radiculalgias persistentes [resposta ao facto 27.º) da «B.I.»].
XXXVI) Para além de se encontrar num quadro depressivo grave com componente ansiosa e acentuada expressão somática do mesmo [resposta ao facto 28.º) da «B.I.»].
XXXVII) A A. sofre de diminuição da sensibilidade vaginal por lesão parcial intensa do nervo pudendo esquerdo [resposta ao facto 29.º) da «B.I.»].
XXXVIII) Do ponto de vista técnico e conhecimentos atuais da medicina, não há, até ao momento, qualquer tipo de intervenção que possa ser realizada e que afaste o quadro clínico evidenciado atualmente pela A. [resposta ao facto 30.º) da «B.I.»].
XXXIX) O recurso a analgésicos permite aliviar as dores de que a A. padece [resposta ao facto 31.º) da «B.I.»].
XL) A A. ficou com sensação de anestesia vulvovaginal e perineal do lado esquerdo [resposta ao facto 32.º) da «B.I.»].
XLI) E uma dor com a mesma localização, que se acentua na posição de sentada [resposta ao facto 33.º) da «B.I.»].
XLII) A A. tem dificuldades em sentar-se e andar [resposta ao facto 34.º) da «B.I.»].
XLIII) Quando está deitada não sente tanto as dores [resposta ao facto 35.º) da «B.I.»].
XLIV) Sempre que necessita de estar sentada, evita fazer peso sobre o lado esquerdo do corpo [resposta ao facto 36.º) da «B.I.»].
XLV) A A. necessita usar 3 a 4 pensos higiénicos por dia, por causa da já referida incontinência urinária [resposta ao facto 37.º) da «B.I.»].
XLVI) A A. sofre de dores na zona vaginal e mau estar constante [resposta ao facto 38.º) da «B.I.»].
XLVII) A A. se viu obrigada a aprender novas técnicas de higiene [resposta ao facto 40.º) da «B.I.»].
XLVIII) A A. não pode usar cinta e o uso de meias causa-lhe mal-estar [resposta ao facto 41.º) da «B.I.»].
XLIX) A A. tem dificuldades em dormir, adormecendo e acordando várias vezes durante a noite [resposta ao facto 42.º) da «B.I.»].
L) A A. pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade [resposta ao facto 43.º) da «B.I.»].
LI) Por várias vezes a A. equacionou o suicídio [resposta ao facto 44.º) da «B.I.»].
LII) A A. anda com medicação regular constante [resposta ao facto 45.º) da «B.I.»].
LIII) A A. sofre profundo desgosto e frustração pela situação em que vive, tendo-se tornado numa pessoa profundamente triste [resposta ao facto 47.º) da «B.I.»].
LIV) O facto de não ter relações sexuais e, nessa parte, ter visto a sua vida conjugal terminada, faz com que se sinta uma pessoa diferente das demais, diminuída como mulher [resposta ao facto 48.º) da «B.I.»].
LV) A Autora passou a inibir-se no seu relacionamento com os outros [resposta ao facto 49.º) da «B.I.»].
LVI) Deixando mesmo de, com regularidade visitar família e amigos, ir à praia ou mesmo ao cinema e ao teatro [resposta ao facto 50.º) da «B.I.»].

7. Com interesse para as questões sob apreciação resulta, ainda, como assente o seguinte quadro factual:
LVII) A A., na sequência do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 09.10.2014 [cfr. fls. 917 e segs. do processo principal e cujo teor aqui se dá por reproduzido] e oportunamente transitado em julgado, apresentou junto do TEDH a queixa n.º 17484/15, queixa essa que veio a ser apreciada pelo referido Tribunal através de acórdão de 25.07.2017 [cfr. fls. 15/56 e 99/139 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido], decisão que se tornou definitiva em 25/10/2017.
LVIII) A A. veio, então, interpor recurso extraordinário de revisão neste Supremo Tribunal, em 27/12/2017, nos termos dos arts. 696.º, al. f), do CPC e 154.º do CPTA, pela motivação inserta na minuta de recurso [cfr. fls. 02 a 13 dos presentes autos e cujo teor aqui se tem por reproduzido].

*

DE DIREITO
8. Sendo este o quadro factual que importa considerar passemos, então, à apreciação prévia dos requisitos de admissão do recurso extraordinário sub specie e de seguida, uma vez e se preenchidos, dos fundamentos que constituem objeto de recurso e que foram elencados supra.

9. Estamos em presença de um meio extraordinário de impugnação das decisões judiciais, o qual constitui uma exceção ao princípio da imutabilidade das decisões transitadas [res judicata pro veritate habetur] [cfr. art. 619.º do CPC], e que, nessa medida, visa situações taxativas de extrema singularidade e exceção, que uma vez ocorridas, justificam ou motivam a quebra daquele princípio de intangibilidade das decisões.
Analisemos, então, do preenchimento dos requisitos de admissão.

10. Presente, por um lado, o regime decorrente dos arts. 696.º, al. f), 697.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 698.º, n.º 2, do CPC, 154.º a 156.º do CPTA, e, por outro lado, o teor da factualidade descrita sob os n.ºs LVII) e LVIII), em especial, o que se extrai do confronto dos fundamentos e pronúncias constantes do acórdão do TEDH em referência e do acórdão a rever deste Supremo [e este estrita e apenas no segmento em que procedeu à fixação do quantum indemnizatório arbitrado à A. a título de danos patrimoniais (despesas com empregada) e de danos não patrimoniais - cfr., respetivamente, parte «II. O Direito» - seus n.ºs 10.1.) e 10.3.)], temos que, no plano formal, o recurso extraordinário sub specie mostra-se deduzido pela recorrente no tribunal competente e de modo tempestivo [cfr. n.ºs LVII) e LVIII) da factualidade apurada, e arts. 697.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 137.º, 138.º do CPC], assistindo-lhe legitimidade recursiva [a mesma é parte (A.) na ação declarativa em referência - cfr. art. 155.º, n.º 1, do CPTA], e o mesmo está devidamente instruído [cfr. teor de fls. 15/93 e 99/139 dos autos em articulação com o n.º 2 do art. 698.º, do CPC].

11. E, no plano material, resulta, efetivamente, que no segmento supra apontado se constata, após a ocorrência do trânsito em julgado da decisão interna, a existência de uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português [cfr., nomeadamente §§ 48º a 56 da fundamentação do acórdão do TEDH de 25.07.2017 e seu segmento decisório] que se mostra ser inconciliável com a pronúncia deste Supremo firmada no seu acórdão de 09.10.2014 [na parte «II. O Direito» - seus n.ºs 10.1.) e 10.3.)].

12. Com efeito, o juízo fundamentador que foi utilizado na pronúncia do acórdão a rever quanto ao quantum indemnizatório fixado naquele âmbito foi objeto de juízo crítico e dissonante por parte do referido acórdão do TEDH que sobre o mesmo se debruçou e que o considerou desconforme e violador dos arts. 08.º e 14.º da CEDH.

13. Nessa medida, não podendo manter-se na ordem jurídica tal juízo, porquanto desconforme com a pronúncia que foi, entretanto, firmada pelo TEDH no seu acórdão, importa, então, já que preenchido o fundamento inserto na al. f) do art. 696.º do CPC ex vi do n.º 3 do art. 140.º do CPTA, conceder provimento ao recurso de revisão e, em decorrência, revogar o acórdão recorrido no segmento relativo ao quantum indemnizatório arbitrado à A. a título de danos patrimoniais havidos com os custos com empregada e a título de danos não patrimoniais pela mesma sofridos [n.ºs 10.1.) e 10.3.) da fundamentação e enquadramento da parte «II. O Direito»], passando-se, de seguida, à substituição da decisão recorrida mediante a emissão de novo julgamento [cfr. art. 156.º, n.º 2, do CPTA, em conjugação com os arts. 700.º e 701.º, do CPC] que, como já referido, se restringe estritamente à apreciação do que constituía o objeto de recurso jurisdicional [principal do R., aqui recorrido, e subordinado da A., aqui recorrente] no segmento que ora foi revogado.

14. Insurgiu-se o R. no recurso jurisdicional que dirigiu a este Tribunal com o quantum indemnizatório que havia sido arbitrado à A. pelo «TAC/L» a título de danos patrimoniais havidos com os custos com empregada [16.000,00 €] e dos danos não patrimoniais pela mesma sofridos [80.000,00 €], reputando-os como excessivos e desproporcionados.

15. A A., por sua vez, recorreu subordinadamente, sustentando que, atentas as lesões e sofrimentos por si sofridos, a quantia fixada a título de danos não patrimoniais violou o disposto nos arts. 483.º e 496.º do CC, já que a mesma se mostrava insuficiente e deveria ter sido computada em 249.399,00 €, valor este em conformidade com jurisprudência que convoca.
Analisemos.

16. É certo que para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso [situação hipotética] [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º, do CC].

17. E de que é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos causados a este, reparação essa que compreende não só os danos patrimoniais, mas, também, os danos não patrimoniais.

18. Decorre do n.º 1 do art. 564.º do CC, que o dever de indemnizar em matéria de «danos patrimoniais» compreende, desde logo, o prejuízo causado ao lesado, ou seja, os «danos emergentes», enquanto prejuízos causados nos bens ou nos direitos existentes na sua titularidade à data em que se produziu a lesão.

19. A A., fruto da incapacidade que ficou a padecer, peticionou o pagamento da quantia de 24.769,31 € relativa a despesas tidas entre junho de 1995 e março de 2000 com empregada doméstica de que teve que se socorrer para a realização das tarefas domésticas.

20. Discutida a causa logrou-se apenas provar que era a A. quem assegurava as lides domésticas até à cirurgia a que foi submetida e que após a mesma viu-se forçada a contratar uma empregada doméstica para a ajudar naquelas tarefas, tanto mais que tem dificuldades em andar, sem que, todavia, tenha sido apurado o custo que por aquela foi suportado com tal contratação.

21. Presentes tal realidade e o que resulta disposto no n.º 3 do art. 566.º do CC aqui convocável importa, apelando a juízos de equidade, considerar: i) a necessidade havida pela A. de ter de recorrer a empregada para apoio e execução das lides domésticas entre junho de 1995 e março 2000; ii) de que o recurso à empregada destinava-se apenas à execução das lides domésticas não se tratando, assim, de contratação decorrente de situação de dependência de terceira pessoa para a realização de tudo o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se, comer, vestir, calçar, tratar da sua higiene e efetuar as necessidades fisiológicas e que, nessa medida, para as lides domésticas se entende como razoável, à luz dos elementos fornecidos pelos autos, a necessidade de uma empregada durante os dias úteis da semana e por um período de 04 horas diárias; iii) de que no cálculo da retribuição horária daquela empregada importa atender àquilo que era a média horária semanal [«www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_base_dados» e «www.pordata.pt/»] e os valores à data do salário mínimo nacional mensal para o serviço doméstico [respetivamente, 228,00 € (1995 - DL n.º 20/95), 245,00 € (1996 - DL n.º 21/96), 257,00 € (1997 - DL n.º 38/97), 270,00 € (1998 - DL n.º 35/98), 284,00 € (1999 - DL n.º 49/99), 321,00 € (2000 - DL n.º 313/2000)].

22. Daí que, segundo juízos de equidade, ponderando tais elementos reputa-se como ajustado o valor de 12.000,00 € [DOZE MIL EUROS], quantia essa já atualizada à data da propositura da ação e a que acrescem os juros de mora legalmente devidos desde a citação tal como peticionado pela A. [de 07% até 30.04.2003 (Portaria n.º 263/99) e de 04% desde 01.05.2003 (Portaria n.º 291/2003)].

23. No tocante aos «danos não patrimoniais» temos como adquirido que o dever de indemnizar os compreende igualmente, importando quanto aos mesmos atender, no plano interno, ao regime legal que decorre do art. 496.º do CC.

24. Assim, decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos «danos não patrimoniais» que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], devendo o montante, a fixar equitativamente pelo tribunal, ser proporcionado à gravidade do dano e, para o efeito, o julgador nesta tarefa deve ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

25. Na caracterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que o prejuízo é o sofrimento psicossomático experimentado pelo lesado, produtor de lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo nas vítimas.

26. A lei não enuncia ou enumera quais os «danos não patrimoniais» indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz, como referido, do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1, do CC, cabendo, pois, ao julgador preencher um espaço muito maior do que o que, habitualmente, a lei lhe deixa para proferir a sua decisão.

27. Presente que a compensação pelos «danos não patrimoniais» constitui algo que se mostra ligado à pessoa humana, à sua dignidade e liberdade, a mesma não se trata de uma atividade arbitrária já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente «embotada», «aguçada» ou especialmente requintada do lesado(s) [cfr., entre outros, Acs. deste Supremo Tribunal de 31.05.2005 - Proc. n.º 0127/03, de 16.05.2006 - Proc. n.º 01188/05, de 08.11.2007 - Proc. n.º 0643/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0572/07, de 01.10.2008 - Proc. n.º 063/08, de 12.11.2008 - Proc. n.º 0682/07, de 28.01.2009 - Proc. n.º 0884/08, de 28.01.2010 - Proc. n.º 0266/08, de 22.04.2015 - Proc. n.º 0197/15, de 12.07.2017 - Proc. n.º 0865/15, de 15.03.2018 - Proc. n.º 01089/16 in: «www.dgsi.pt/sta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Supremo sem expressa referência em contrário], mas, também, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e aquilo que é a prática jurisprudencial em situações similares, em especial por este Tribunal, a qual ganha foros de particular importância, cientes de que nem outra coisa deriva ou se extrai, aliás, do que se mostra previsto no n.º 3 do art. 08.º do mesmo código.


28. Mas se a gravidade deste tipo de danos se deve medir por um padrão objetivo, temos, todavia, que na sua apreciação deverão ser tidas em linha de conta as circunstâncias de cada caso, cientes de que o julgador deverá atender, na decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos «danos não patrimoniais», em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos que a esse título sofreu.

29. Ora entre as várias subcategorias ou especializações que podemos encontrar dentro da categoria geral do «dano não patrimonial», consoante o aspeto da vida ou da personalidade que ficou afetado, temos: i) o «dano existencial» [correspondente àquele que afeta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera íntima da pessoa]; ii) o «dano estético» [respeitante à afetação do aspeto físico e a beleza corporal da pessoa lesada, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a si própria e perante os outros, ou seja, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima]; iii) o «dano biológico» [enquanto dano corporal ou à saúde traduzido na diminuição psicossomática da pessoa lesada e que compreende vários fatores, suscetíveis de afetar as atividades laborais, recreativas, sociais, vida sexual e sentimental («prejuízo da saúde geral, da longevidade e de afirmação social»), no qual se consideram ou avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e em que se atendem aos danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e ao corte na expectativa de vida, assumindo um carácter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou do dano patrimonial]; iv) o «dano da perda de autonomia» [que se prende com a afetação da liberdade de iniciativa, a auto realização e a autoestima]; v) o «dano psicológico» [traduzido na angústia e depressão e ligado ao dano da perda da alegria de viver, que altera a forma como a pessoa lesada vê e sente o mundo no seu quotidiano]; vi) o «dano da afirmação pessoal» [que se prende com a alteração da forma como a pessoa lesada se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros]; vii) o «dano da incapacidade laboral» [que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, se prende com a retirada à pessoa lesada da sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de autoestima e do sentido da vida]; viii) o «pretium doloris» [que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária], e ix) o «pretium juventutis» [respeitante ao dano da perda da possibilidade de gozar os anos da juventude e no qual se realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada «primavera da vida»] [cfr., entre outros, o Ac. deste Supremo Tribunal de 07.10.2010 - Proc. n.º 0870/09; e os Acs. do STJ de 05.07.2007 - Proc. n.º 07A1734, de 25.11.2009 - Proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1 e de 02.06.2015 - Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jstj» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos do mesmo Tribunal sem expressa referência em contrário].

30. E quanto aos montantes que, concretamente, têm sido arbitrados a título de «danos não patrimoniais» no quadro de pretensões dirigidas à efetivação de responsabilidade civil extracontratual temos, nomeadamente e entre as mais recentes, as condenações proferidas por este Supremo Tribunal no pagamento de:
- 40.000,00 € [no Ac. de 29.06.2005 (Proc. n.º 01299/04) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) de que foi vítima menor a quem, por erro, foi retirado o rim que funcionava e que motivou necessidade de submissão a diálise e depois a transplante];
- 80.000,00 € [no Ac. de 26.05.2010 (Proc. n.º 0793/09) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica), gerador de 80% IPP de jovem com 18 anos de idade, que ficou muito limitado nos seus movimentos e na sua locomoção - sempre dependentes de ortóteses e canadianas -, bem como com limitações na sua vida social, sexual, cultural e recreativa];
- 75.000,00 € [no Ac. de 07.10.2010 (Proc. n.º 0870/09) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica - seção/corte nervo facial de mulher com 31 anos de idade à data dos factos), que ficou com deformação facial, dificuldade em articular palavras e sorrir para toda a vida];
- 80.000,00 € [no Ac. de 13.03.2012 (Proc. n.º 0477/11) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) de que foi vítima menor, que sofreu asfixia/paragem cardiorrespiratória e que ficou a padecer de tetra paresia espática, com perda de fala e com as graves sequelas que o tornam dependente do apoio e cuidados de uma terceira pessoa para toda a sua vida];
- 250.000,00 € [no Ac. de 10.09.2014 (Proc. n.º 0812/13) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) de que foi vítima menor durante trabalho de parto e que, após uma «vida vegetativa» que durou 10 anos, veio a falecer];
- 225.000,00 € [no Ac. de 08.03.2018 (Proc. n.º 0576/10) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) de que foi vítima menor no decurso de trabalho de parto e que, após uma «vida vegetativa», veio a falecer 09 anos depois].

31. E na jurisprudência do STJ sinalizam-se quanto aos montantes que, concretamente, foram arbitrados a título de «danos não patrimoniais» no quadro de pretensões dirigidas à efetivação de responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente e entre as mais recentes, as condenações seguintes:
- 50.000,00 € [no Ac. de 22.11.2007 (Proc. n.º 07B3697) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado sofreu perda de faculdades mentais, grave alteração psicológica, cicatrizes, desvio do septo nasal];
- 224,459,05 € [no Ac. de 04.03.2008 (Proc. n.º 08A183) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) em que o lesado viu alterada radicalmente a vida, ficou impotente e com incontinência, com grave alteração da autoestima];
- 200.000,00 € [no Ac. de 26.05.2009 (Proc. n.º 3413/03.2TBVCT.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado ficou com IPP 100%, foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas; ficou impotente; carece de terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias];
- 200.000,00 € [no Ac. de 25.11.2009 (Proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado menor ficou paraplégico, com «quantum doloris» de grau 6, numa escala de 7, de dano estético de 5, numa escala de 7 graus; padece de ausência de controle de esfíncteres; ficou na dependência de ajudas técnicas (cadeira de rodas, ortóteses e botas ortopédicas), médicas fisiátricas e medicamentosas, bem como carece do apoio de terceira pessoa];
- 150.000,00 € [no Ac. de 07.10.2010 (Proc. n.º 839/07.6TBPFR.P1.S1) relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado, de 28 anos de idade, ficou com hemiparesia direita, incapacidade de se manter em pé sozinho, IPP de 80%, necessidade de ajuda de terceira pessoa para se lavar, vestir e calçar];
- 400.000,00 € [no Ac. de 02.03.2011 (Proc. n.º 1639/03.8TBBNV.L1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que a lesada de 19 anos de idade, com tetraplegia, diminuição acentuada da função respiratória, incapacidade total para o trabalho, perda de sensibilidade do pescoço para baixo, com exceção dos ombros, necessidade de assistência permanente de outras pessoas];
- 120.000,00 € [no Ac. de 06.03.2011 (Proc. n.º 1879/03.0TBACAB.C1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado menor de 10 anos, ficou com tetraplegia, IPP de 80% e necessidade de apoio permanente de terceiro especializado, bem como dores em grau muito elevado];
- 125.000,00 € [no Ac. de 13.04.2011 (Proc. n.º 843/07.4TBETR.C1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado sofreu perda de massa encefálica, foi submetido a sete cirurgias, encontrando-se incapaz de correr e é portador de deficiência de visão IPP de 50%];
- 250.000,00 € [no Ac. de 07.06.2011 (Proc. n.º 524/07.9TCGMR.G1.S1), relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado de 23 anos de idade, ficou com paraplegia, dependente de cadeira de rodas (sem conseguir mesmo manter-se sentado muito tempo) e necessidade de ajuda de terceira pessoa para todas as tarefas; impotente e com perda de controle dos esfíncteres];
- 90.000,00 € [no Ac. de 07.06.2011 (Proc. n.º 3042/06.9TBPNF.P1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) de que foi vítima homem com cerca de 31 anos de idade, e que sofreu lesões múltiplas, de particular extensão e gravidade, e lesões neurológicas, ao nível de traumatismos e contusões crânio-encefálicas, com uma IPP de 40%, múltiplas cicatrizes geradoras do consequente dano estético, bem como internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização do doente e envolvendo dores e sofrimentos intensos];
- 150.000,00 € [no Ac. de 16.02.2012 (Proc. n.º 1043/03.8TBMCN.P1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado ficou definitivamente dependente de terceira pessoa para o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se - com necessidade de cadeira de rodas -, comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efetuar as necessidades fisiológicas e tendo ainda ficado com dificuldade em articular palavras e incontinente];
- 115.000,00 € [no Ac. de 24.04.2012 (Proc. n.º 3075/05.2TBPBL.C1.S2) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) em que o lesado ficou impossibilitado de andar, movendo-se em cadeira de rodas, necessitando da ajuda de terceira pessoa para a prática dos atos normais do dia-a-dia; tem incontinência urinária e fecal; uma IPP de 100%; muita dificuldade em falar, não sendo percetível tudo o que diz; e que após o acidente, não mais manteve relações sexuais com a sua esposa];
- 100.000,00 € [no Ac. de 15.05.2013 (Proc. n.º 6297/06.5TVLSB.L1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica - erro de execução em intervenção cirúrgica onde foi perfurado o canal biliar), que motivou várias intervenções cirúrgicas, continuando a padecer de crises de colangite e a deslocar-se periodicamente ao hospital onde mantém a vigilância clínica];
- 100.000,00 € [no Ac. de 26.04.2014 (Proc. n.º 1333/11.6TVLSB.L1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) em que o lesado, à data com 55 anos de idade, sofreu forte abalo psíquico pelo errado diagnóstico de doença oncológica, e que ficou, na sequência da prostatectomia radical a que foi submetido, com sequelas permanentes ao nível da sua capacidade sexual];
- 120.000,00 € [no Ac. de 07.03.2017 (Proc. n.º 6669/11.3TBVNG.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica - intervenção cirúrgica em que se verificou desenervação na zona estimuladora das funções de micção e defecação), que vitimou senhora com 33 anos de idade, com consequências gravosas, no plano da autoestima e da estabilidade físico-psíquica, resultantes da necessidade de auto algaliação e colostomia; sente vergonha, desconforto e complexos pelo facto de não poder urinar e defecar de forma normal e natural; inibição para ir à praia, à piscina e praticar desporto; passou a ter dificuldade de aproximação e contacto sexual];
- 140.000,00 € [no Ac. de 05.07.2017 (Proc. n.º 4861/11.0TAMTS.P1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de viação) de que foi vítima senhora com cerca de 44 anos de idade que ficou privada de um membro inferior, o que lhe gerou outras mazelas e aleijões psíquicos (designadamente, dor fantasma ao nível do membro inferior direito; dificuldade de marcha com claudicação; dores constantes no pé esquerdo, com edema motivados pela sobrecarga do membro inferior; stress pós traumático associado a perturbação de pânico e perturbação mista de ansiedade e depressão; pensamentos suicidas), com quantum doloris fixável no grau 6/7, o dano estético fixável no grau 5/7, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7 e a repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 4/7; e sentimento de vergonha da ofendida pelo seu corpo face às lesões sofridas que a fazem sentir-se diminuída e sem vontade de responder aos estímulos sexuais do seu companheiro];
- 80.000,00 € [no Ac. de 08.06.2017 (Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica), mercê de em exame de colonoscopia a vítima, uma senhora, ter visto ser-lhe perfurado o intestino, tendo depois sido submetida a diversas intervenções cirúrgicas subsequentes; passou a sofrer de limitações na sua vida em face da visibilidade das cicatrizes; ficou com uma incapacidade geral permanente de 16 pontos];
- 250.000,00 € [no Ac. de 08.03.2018 (Proc. n.º 3310/11.6TBALM.L1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (acidente de trabalho), que vitimou o lesado que ficou fratura vertebro-medular que implicou a perda do controlo dos esfíncteres, com a inerente perda de continência urinária e fecal; grave afetação da qualidade de vida física psíquica; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos; perda da função sexual (impotência)];
- 28.000,00 € [no Ac. de 22.03.2018 (Proc. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1) - relativo a responsabilidade civil por facto ilícito (negligência médica) de que foi vítima senhora, com cerca de 83 anos de idade, a quem, por erro, foi perfurado intestino em exame e que, após intervenção cirúrgica, passou a ter de usar um saco de colostomia, carecendo de ajuda de terceiras pessoas para se vestir e despir, assim como para cuidar da sua higiene, sendo que o uso do aludido saco a fazia sentir-se desconfortável, diminuída, com perda de autoestima e vergonha].

32. Munidos do enquadramento e dos dados colhidos importa aferir, então, do acerto e adequação do juízo de equidade feito pelo «TAC/L» no que tange ao montante arbitrado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., no montante de 80.000,00 €.

33. Assim, ressalta com interesse da análise do quadro factual apurado [cfr. nomeadamente, os n.ºs II) a VI), XII), XIII), XVII), XIX), XXI), XXII), XXXIII) a XLIII), XLVI), XLIX) a LVI)] que:
i) a A. era utilizadora dos serviços do R. já que, em 09.12.1993, havia-lhe sido diagnosticada uma Bartholinite à esquerda [patologia própria do foro ginecológico] [desde dezembro de 1993], sendo que, desde 11.05.1994, efetuava consultas no serviço de ginecologia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa;
ii) foi submetida a sete drenagens da zona infetada da glândula de Bartholin à esquerda, já que após cada drenagem, aquela glândula infetava e inchava, o que lhe causava dores insuportáveis e tomava necessária nova drenagem, bem como a administração de mais analgésicos;
iii) mercê do que foi sendo a evolução do estado de saúde da A., no início de 1995, foi-lhe proposto, durante uma consulta de ginecologia, a realização de uma intervenção cirúrgica, sendo que na consulta pré-operatória foi informada sobre o tipo de cirurgia a que ia ser submetida - simples extração bilateral das glândulas de Bartholin - e que após poderia voltar à sua vida normal, sem necessidade de mais drenagens;
iv) na intervenção referida foi-lhe parcialmente lesado o nervo pudendo, do lado esquerdo;
v) após ter recebido alta de internamento, a A. queixou-se com dores, associadas a uma insensibilidade na zona do corpo operada, que inchou, dores essas na zona vaginal que não mais passaram [«mau estar constante»], que se acentuam na posição de sentada, gerando-lhe dificuldades em permanecer sentada e em andar, e que apenas se atenuam quando deitada;
vi) a A., por lesão parcial intensa daquele nervo, ficou ainda com perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal [sensação de anestesia vulvovaginal e perineal], e apresenta perturbações esfincterianas e genitais, nomeadamente, incontinência ou retenção urinária e fecal; sofre de nevralgias e radiculalgias persistentes, inexistindo, até ao momento, qualquer tipo de intervenção que possa ser realizada e que afaste o quadro clínico evidenciado atualmente pela mesma;
vii) a A. encontra-se num quadro depressivo grave com componente ansiosa e acentuada expressão somática do mesmo, tendo dificuldades em dormir, adormecendo e acordando várias vezes durante a noite; sofre profundo desgosto e frustração pela situação em que vive, a ponto de ter equacionado o suicídio, tendo-se tornado numa pessoa profundamente triste, inibida no seu relacionamento com os outros, deixando mesmo de visitar, com regularidade, família e amigos, ir à praia ou mesmo ao cinema e ao teatro;
viii) a A. pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade, o que implicou o término da sua vida conjugal e que fez com que a mesma se sentisse uma pessoa diferente das demais, diminuída como mulher;
ix) a mesma ficou a ser portadora de uma IPP de 73%.

34. Ora presente esta realidade factual, sua dimensão e as consequências graves e trágicas ali descritas e geradas exclusivamente pela atuação/conduta havida pelo lesante demandado, dúvidas não existem quanto à caraterização e qualificação dos danos apurados e sofridos pela A. como integrando danos de natureza não patrimonial, na várias subcategorias/especializações supra elencadas, danos esses que atingem clara e inequivocamente o substrato de relevância e gravidade que se mostra exigido pelo art. 496.º do CC.

35. Essa conclusão não resulta, aliás, contestada, porquanto a divergência reside ou centra-se no quantum indemnizatório arbitrado a este título pelo «TAC/L», cientes de que, manifestamente, improcederia tese que pugnasse pela emissão de uma conclusão em sentido inverso.

36. E respondendo à questão que, neste domínio, se mostra colocada quanto ao acerto do juízo equitativo firmado pelo tribunal a quo temos que se nos afigura ocorrer erro, pois, não se tem como adequado e equilibrado o valor fixado na decisão judicial recorrida.

37. Os «danos não patrimoniais» sofridos pela A. não corporizam uma simples e insignificante maçada ou incómodo que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade, já que os mesmos assumem, em concreto, da gravidade merecedora da tutela do direito exigida e reclamada pelo n.º 1 do art. 496.º do CC, impondo-se a atribuição de indemnização para a sua reparação tenha e leve em devida conta a gravidade do dano, bem como aquilo que são os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e, ainda, aquilo que é a prática jurisprudencial [cfr. n.º 3 do art. 08.º do mesmo código] em situações em que se pode encontrar alguma similitude com o caso vertente ou que possa servir como baliza de referência e ponderação.

38. Assim, presente a dignidade que se mostra inerente à compensação pelos «danos não patrimoniais» e que determina que sejam compensáveis mesmo que produzidos no último segundo de vida; aquilo que é concreto o estado e quadro vivenciado pela A. [dores, perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal e da dificuldade em sentar-se e andar o que lhe causa mau estar e a impedem de fazer a sua vida normal; incontinência urinária e fecal, que a obrigam a usar diariamente pensos; limitação séria da sua atividade sexual, fazendo com que se sinta diminuída como mulher; sofrimento decorrente do facto de saber que do ponto de vista médico inexiste solução que possa resolver os seus problemas; prejuízo sexual fixável em grau 3 numa escala de 5 e um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 (cfr. relatório médico-legal de fls. 575 e segs. dos autos principiais); quadro depressivo grave com componente ansiosa e acentuada expressão somática que se manifesta na dificuldade que tem em dormir, no profundo desgosto e frustração pela situação em que vive e no ter-se tornado numa pessoa profundamente triste que a inibe no seu relacionamento com os outros e a levou a deixar de visitar família e amigos com regularidade, a ir à praia ou mesmo ao cinema e ao teatro, tendo já equacionado o suicídio]; aquilo que vem sendo uma linha jurisprudencial padrão na fixação do quantum indemnizatório onde, marcadamente, se distinguem situações de «vida vegetativa» e/ou situações de tetra ou paraplegia que fortemente limitam e afetam as pessoas lesadas [nomeadamente, em termos de perda/ausência de controle de esfíncteres e da função sexual] daquilo que são outras situações que, sendo graves, como é o caso sub specie, não assumem, todavia, idêntico grau e intensidade lesiva no necessário juízo de relação e de ponderação; e aquilo que são os fins gerais e especiais a que se inclina a indemnização deste tipo de danos; entende-se equitativamente, de harmonia com o disposto nos arts. 04.º, 08.º, n.º 3, 496.º, e 566.º do CC, como adequado e ajustado fixar o montante de indemnização global devido à A. a título de «danos não patrimoniais» sofridos em 100.000,00 € [CEM MIL EUROS].

39. Procedem, por conseguinte e naquilo que constitui objeto de apreciação, apenas em parte os recursos jurisdicionais de A. e R. que se nos mostram dirigidos.



DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento ao recurso extraordinário sub specie e rever o acórdão recorrido no segmento sindicado; e, em decorrência,
B) conceder parcial provimento aos recursos jurisdicionais do R. e da A. e, em consequência, condenar o R. «Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE», a pagar à A. uma indemnização no valor de 12.000,00 € [DOZE MIL EUROS] a título de danos patrimoniais sofridos [despesas com empregada doméstica] e no valor de 100.000,00 € [CEM MIL EUROS] a título de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, mantendo-se, em tudo o mais, o que foi o juízo firmado no acórdão recorrido.
Custas a cargo de A. e R., na proporção do vencimento e decaimento, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que a A. beneficia. D.N..



Lisboa, 4 de abril de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.