Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0155/12
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
DECLARAÇÃO DE IRS
VENDA DE IMÓVEL
REINVESTIMENTO
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – Nos termos do n.º 2 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, a audição é dispensada “no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável”.
II – Tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa ao ano de 2000, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos ns.1, alínea
a), e 2 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA00067475
Nº do Documento:SA2201203140155
Data de Entrada:02/10/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART60 N1 N2
CIRS88 ART10 N5 A
CONST76 ART267 N5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC759/06 DE 2006/11/15; AC STA PROC364/10 DE 2010/06/30
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VI PAG431
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…… e mulher B…… contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2000.
Terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1. A liquidação adicional de IRS em discussão vem tributar a alienação onerosa do imóvel registado na matriz predial urbana da freguesia de ……, sob o artigo 3950.

2. Apesar dos impugnantes terem demonstrado a intenção de reinvestir o valor de realização na aquisição de um outro imóvel, nas declarações de rendimentos dos dois anos seguintes, nunca foi declarada qualquer aquisição.
3. A liquidação adicional foi emitida com base nos dados declarados pelo impugnante.
4. Quando a liquidação é emitida com base nas declarações dos contribuintes, dispensa-se o exercício do direito de audição, nos termos do nº 2 do artigo 60º da LGT.
5. Para que os impugnantes possam beneficiar da exclusão de tributação prevista no artigo 10º nº 5 do CIRS, não basta a mera declaração de intenção de reinvestir. A posterior omissão nas declarações seguintes tem de funcionar como uma declaração negativa daquele propósito.
6. O reinvestimento só existe quando o contribuinte aplica a totalidade do valor de realização na aquisição de uma nova habitação.
7. A aquisição da nova habitação tem que ser declarada, sob pena do contribuinte não vir a beneficiar da possível exclusão de tributação.
8. A douta sentença não se terá harmonizado com o estatuído no artigo 60º, nº 2 da LGT, bem como desrespeitou o nº 5 do artigo 10º do CIRS.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido da declaração de incompetência daquele tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por inexistir controvérsia factual a dirimir e a matéria que se discute no recurso se resolver mediante exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados, sendo competente para o seu conhecimento este Supremo Tribunal Administrativo.
E quanto ao mérito do recurso pronunciou-se no sentido da sua improcedência de acordo com a jurisprudência do Acórdão 759/06, de 15.11.2006, deste Supremo Tribunal Administrativo que versou questão idêntica à dos presentes autos.
Neste Supremo Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto remeteu para a fundamentação do parecer do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Norte.
II – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
III – Face às conclusões das alegações verifica-se que o recurso tem por fundamento exclusivo matéria de direito, pelo que será competente para dele conhecer estes Supremo Tribunal Administrativo.
E a questão a decidir consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar violado o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, já que só sobre esta questão se pronunciou o Tribunal recorrido, considerando precludido o conhecimento das demais questões suscitadas.
No caso de procedência deste fundamento do recurso, como adiante se verá, coloca-se ainda a questão de aferir da possibilidade de conhecimento em substituição das questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio (artº 715º, nº 2 do Código de Processo Civil).
IV- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
a) Por escritura pública celebrada em 03/10/94 os Impugnantes adquiriram o imóvel registado na matriz urbana sob o artº 3950 - …… e descrito na CRP-Aveiro sob o nº 1060, pelo preço de 12.700.000$00/63.347,33.
b) Por escritura pública celebrada em 29/11/00 os Impugnantes venderam pelo preço de 18.500.000$00/92.277,61 o imóvel aludido em a).
c) Na declaração de IRS que os Impugnantes apresentaram à Administração Fiscal, relativa ao ano de 2000, declararam a alienação onerosa do dito imóvel, pelo valor do 18.500.000$00, assinalando no quadro 5 daquela declaração a intenção de reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação.
d) Tendo verificado que os ora impugnantes não assinalaram nas declarações de rendimento relativas aos subsequentes anos de 2001 e 2002 a aquisição de imóvel para habitação declarada na aludida declaração de 2000, a AF emitiu, em 07/07/04, a liquidação adicional ora impugnada.
e) Tal liquidação foi oficiosa e automática, e operada informaticamente, no montante de € 2451,35 do imposto a pagar, com 27/09/04 como data limite para pagamento voluntário.
f) A presente impugnação judicial, remetida por via postal, deu entrada no TAF - Viseu em 20 de Dezembro de 2004.
V. Da dispensa do exercício do direito de audição, nos termos do nº 2 do artigo 60º da LGT.
A decisão recorrida considerou que o direito de audição pode ser afastado se a liquidação do imposto se efectuar com base na declaração do contribuinte.
Porém, concluiu que no caso subjudice a liquidação não foi efectuada apenas com base no que os contribuintes declararam no ano de 2000 mas antes, e principalmente, com base no que não declararam nos exercícios de 2001 e 2002.
Prosseguindo neste discurso argumentativo a o tribunal a quo, concluiu, que impendia sobre a Administração Fiscal a obrigação de permitir aos contribuintes a oportunidade de exercerem o seu direito de audição para «exporem as suas razões quanto aos motivos de não terem comunicado à Administração Fiscal o reinvestimento do preço obtido pela habitação na aquisição de uma nova –importando igualmente, em termos mais pragmáticos, apurar e ponderar, v.g., das eventuais deduções a operar em função de eventuais empréstimos, por forma a que, sendo de facto o caso de se proceder a uma liquidação adicional, a mesma espelhar a realidade da situação em causa».
Contra o assim decidido insurge-se a Fazenda Pública alegando que quando a liquidação é emitida com base nas declarações dos contribuintes, se dispensa o exercício do direito de audição, nos termos do nº 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária.
E que no caso, no momento em que os impugnantes manifestaram expressamente a intenção de reinvestir, sabiam que a norma que permite reinvestir tem determinados pressupostos que, se não forem cumpridos, retiram a exclusão pretendida.
Desde logo se dirá que esta argumentação da Fazenda Pública merece provimento.
Como tem vindo a sublinhar a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que também sufragamos, tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa a um determinado ano, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos nºs 1, alínea a), e 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária – cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.06.2010, recurso 364/10 e de 15.11.2006, recurso 759/06, in www.dgsi.pt.
Com efeito dispõe o artº 60º da Lei Geral Tributária que «1-A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial
dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável (…..).

O artigo 60.º, n.º 1 da LGT concretiza assim a directiva constitucional de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrada no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República, estabelecendo que essa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, deve ser assegurada por uma das formas aí indicadas, entre as quais se inclui o direito de audição antes da liquidação.
Sobre a dispensa de audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, refere impressivamente Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de vol. I, pag. 431, que aquela fórmula «com base na declaração do contribuinte» deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico.
Ora, como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15.11.2006, proferido no recurso 759/06, se o contribuinte conhece os pressupostos da não tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação – pois que externou, no modelo G, a intenção de reinvestir -, não pode ignorar as consequências da falta de reinvestimento no prazo de 24 meses contados da data da realização – cfr. artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do CIRS -, falta que esteve na base da liquidação.
No caso subjudice a liquidação adicional resulta da declaração de rendimentos dos impugnantes, ora recorridos, relativa ao ano de 2000, na qual assinalaram no quadro 5 daquela declaração a intenção de reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação e ainda de não terem declarado, nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização, o reinvestimento da totalidade do valor de mais-valias realizado, e primeiramente declarado.
Assim sendo, os impugnantes, ora recorridos – que não declararam ter efectuado o reinvestimento declarado – viram a liquidação ser operada de acordo com a posição que decorre, nos aspectos factual e jurídico, da respectiva declaração.
Daí que se conclua que não era necessária, por dispensada, a audição dos impugnantes, ora recorridos, de harmonia com os disposto no artigo 60.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, pelo que deve proceder o recurso.
VI- Da impossibilidade de conhecimento em substituição.
Atento o provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, das demais questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão da preterição do direito de audiência, a saber o erro na determinação e quantificação da matéria colectável e do imposto considerado em falta, a incompetência para a prática do acto e falta de fundamentação.
Sucede, porém que, se atentarmos aos factos dados como provados pelo Mº Juiz verificamos que há, efectivamente, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão deste aspecto jurídico da causa.
Na verdade nada consta do acervo factual (cf. fls. 106) sobre toda a factualidade alegada pela impugnante nos arts. 28 a 40º da petição inicial, factualidade esta que releva para se saber se, para aquisição da segunda habitação, os impugnantes utilizaram o produto da alienação do primeiro imóvel e um empréstimo que contraíram para aquisição do segundo, e em caso afirmativo, qual o valor que foi reinvestido sem recurso ao crédito.
Daí que se entenda o processo ainda não reúne os elementos necessários ao conhecimento em substituição dessas questões, por insuficiência da matéria de facto, impondo-se, por esse motivo, que os autos baixem à 1.ª instância para que, produzida a prova que se mostrar necessária e fixados os factos relevantes dela apurados, se conheça depois do mérito dos demais fundamentos de impugnação.
VIII- Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, com a consequentemente baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, nomeadamente para que, produzida a prova que se mostrar necessária e fixados os factos relevantes dela apurados, se conheça do mérito dos demais fundamentos cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão da preterição do direito de audiência.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Março de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Valente Torrão – Francisco Rothes.