Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01191/13.6BEALM 01340/17
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IRC
ACTIVO IMOBILIZADO
MENOS VALIAS
Sumário:I - Para o apuramento do lucro tributável do exercício apenas são consideradas as componentes legais (resultado líquido do exercício, variações patrimoniais positivas e negativas), determinadas com base na contabilidade organizada com observância dos requisitos legais, eventualmente corrigidas quando ela não se revelar idónea para o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (arts.17º nºs 1e 3 e 115º nº1 CIRC redacção e numeração vigentes na data dos factos).
II - Não pode gerar menos-valias dedutíveis como custo fiscal a perda sofrida na alienação de uma máquina, por obsolescência tecnológica, que na data da transmissão não fazia parte do activo imobilizado da sociedade alienante, por ter sido abatida ao activo contabilístico (arts. 23º nº 1 al. i) e 43º nº 1 CIRC redacção e numeração vigentes na data dos factos).
Nº Convencional:JSTA000P26016
Nº do Documento:SA22020060301191/13
Data de Entrada:11/29/2017
Recorrente:A............, S.A. (B............, S.A.)
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A……..., S.A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 20 junho 2017 que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC no montante de € 2.025.557,45.(exercício de 2008)

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A) Requer-se, antes do mais, a reforma da condenação em custas nos termos do artigo 616.º, n. º 1, do Código de Processo Civil, no sentido da dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.°, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, atenta a lisura das partes na condução processual, designadamente da parte vencida na primeira instância, atento o nível de complexidade da causa, que se reconduziu a uma questão de dedutibilidade fiscal de resultado negativo na venda para sucata de bem da empresa, e atenta a desproporção entre esta complexidade e o elevado montante da taxa de justiça remanescente que resultará do seu apuramento em função do valor, de € 2.025.557,45, da causa.
B) No mais, está aqui em causa a desconsideração do apuramento de uma menos-valia para efeitos fiscais definitivamente suportada com a venda para sucata de uma máquina para produção de papel revestido ("máquina de revestidos), menos valia esta no montante, com aplicação da correcção monetária nos termos legais, de € 7.643.613, e cuja desconsideração no apuramento do resultado tributável originou imposto liquidado e pago em excesso no montante de € 2.025.557,45.
C) A sentença ora recorrida incorreu em erro de direito ao rejeitar a consideração desta menos valia e a anulação do imposto nela implicado. Com efeito, e em primeiro lugar, improcede o primeiro dos fundamentos invocado na sentença recorrida, porquanto é irrelevante para a relevância fiscal como menos-valia saber se o bem do imobilizado se encontra em funcionamento ou se, pelo contrário, se encontra desactivado (por ter deixado de ser competitivo).
D) Um bem do imobilizado desactivado nem por isso, até 2009 inclusive, era reclassificado noutra categoria de activo, pelo que, como imobilizado que continuava a ser, continuava a aplicar-se-lhe o regime fiscal das mais e menos-valias.
E) E mesmo quando a partir de 2010 (com a substituição do POC pelo SNC) passou a haver previsão de reclassificação do imobilizado ("activo fixo" na nova terminologia) descontinuado para "activo não corrente detido para venda", imediatamente a fiscalidade acompanhou este desdobramento classificativo imediatamente incluindo na previsão das realidades abrangidas pelo regime fiscal das mais/menos-valias o resultado desta reclassificação (cfr. a redacção do artigo 46.°, n.º 1, alínea a), do CIRC, dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009 e entrada em vigor em 2010).
F) E mesmo que se ficcionasse que assim não seria, sempre seria injustificado negar em absoluta relevância ao resultado negativo da venda da máquina, como fez a sentença recorrida. Para não ir mais longe, o que diria a sentença (e a AT!) se em vez de um resultado negativo se tivesse apurado na venda um resultado positivo? Diria que não seria relevante fiscalmente?
G) Se não se qualifica como menos-valia (ou mais-valia), nem por isso deixará de ser um resultado negativo (ou positivo) a que se não aplicará então o regime das mais e menos-valias, máxime os factores de correcção monetária. E é tudo.
R) Improcede também a utilização pela sentença recorrida do prisma da indispensabilidade do custo, para refutar a existência de violação do princípio constitucional da tributação do rendimento real, a pretexto de que a máquina vendida já não produzia, porque desactivada, benefícios para empresa.
I) Uma menos-valia com venda de um bem do imobilizado que deixou de servir a empresa nunca é, em si mesma, indispensável para a geração de benefícios para a empresa. Mas a questão não pode ser posta nessa perspectiva redutora. O que importa é perguntar: o bem em causa foi adquirido para servir/contribuir para o fim empresarial/lucrativo da empresa? Não havendo razão para duvidar de tal (isso não foi no caso matéria controvertida), então a sua aquisição/produção, e respectivos custos, têm causação empresarial. Numa palavra, preenchem o requisito da indispensabilidade e, como tal, será arbitrário afastá-los do cômputo do lucro tributável, designadamente, e em último ratio, quando a empresa conseguir finalmente vender a máquina descontinuada.
J) Como bem viu o acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 0627/16: "Salvo o devido respeito, não é possível esgrimir a indispensabilidade, assim entendida, para desconsiderar a relevância fiscal da menos-valia. Desde logo, afigura-se-nos que, a sustentar-se tal tese, nunca uma menos-valia realizada poderia relevar negativamente na determinação do lucro tributável pois é da sua natureza a falta de relação directa com proveitos. Como bem salientou a Recorrente, a venda de um bem do activo imobilizado «não é, por definição, instrumental relativamente à realização de quaisquer proveitos no futuro, é tão só a troca de um bem pelo seu valor de mercado». Aliás, foi o próprio legislador que fez constar da lista exemplificativo de custos ou perdas fiscalmente relevantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC as «menos-valias realizadas», o que deita por terra a argumentação ensaiada na sentença." (pág. 11 de 13 da versão PDF).
K) E do prisma do princípio da capacidade contributiva, consagrado na sua síntese máxima no artigo 3.°, n.º 2, do Código do IRC, repugna a desconsideração fiscal da menos-valia suportada em 2008 com a venda da máquina, designadamente a pretexto de que em 2000 tenha sido recusada pela AT autorização para a antecipação da dedução fiscal, via amortização fiscal extraordinária, da parcela do custo da máquina implicada nesta menos-valia.
L) Isto mesmo foi corroborado pelo colectivo arbitral que proferiu acórdão no processo n.º 630/2014-T (publicado no site do CAAD), num caso onde, também, tinha havido uma amortização contabilística extraordinária integral, não acompanhada por amortização fiscal, extraordinária (por ausência de autorização da A T para tanto).
M) Neste acórdão, a propósito da pretensão do contribuinte de antecipar a dedução do montante fiscal remanescente, ao abrigo de um regime transitório específico superveniente!19 (19 Que não vem ao caso, por dizer respeito a efeitos decorrentes da transição do POC para o SNC, que aqui não estão em causa, e que aliás o acórdão arbitral em referência acabou por considerar não estar em causa no caso por si julgado.). O Tribunal Arbitral salvaguardou o seguinte, na decisão em que negou tal antecipação: "não está em causa a possibilidade de relevação fiscal da totalidade dos custos dos bens em causa, pois ela sempre estará assegurada, na totalidade, no que a Requerente denomina como «momento eventual (e radical) da venda do bem»" (pág. 58 do acórdão na versão PDF publicada no site do CAAD).
N) Ora, é isto que aqui também se joga: que ao menos no momento radical da venda do bem, isto é, na derradeira oportunidade para o fazer, a parte do custo suportado com o bem que se mantém ainda fiscal mente por deduzir (por falta de autorização anteriormente para amortização fiscal extraordinária /antecipação da dedução), seja finalmente deduzida (via sua consideração no cômputo do resultado fiscal da venda).
O) Isto é pedir o mínimo dos mínimos, e se nem este mínimo for aplicado, estar-se-á perante um desvio grave ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que outra oportunidade não haverá para o fazer após a venda em 2008 (evento radical, derradeiro, de realização).
P) Interpretação diferente do quadro legal aplicável, designadamente do então (2008) artigo 43.°, n º 1I e nº 2, do CIRC, como inaplicável ao caso, para além de contrário aos textos legais seria, ainda, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 2.° e 13.° da CRP) e do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.°, n º 2, da CRP.
Q) Improcede igualmente o último fundamento apresentado pela sentença recorrida para julgar improcedente a impugnação judicial: qual seja o argumento de que o despacho da AT em 2001, que recusou autorização para amortização fiscal extraordinária (rectius, dedução fiscal antecipada) da parcela do custo da máquina aqui em causa, solicitada ao abrigo e para os efeitos do artigo 10º do Decreto Regulamentar nº 2/90,
R) formaria caso decidido que abarcaria a venda da máquina em 2008, impedindo aí o reconhecimento fiscal, finalmente, via apuramento de mais/menos-valias (ou, mais genericamente, via apuramento de resultado da venda) dessa parcela do custo da máquina por deduzir fiscalmente.
S) Com efeito, como bem viu e raciocinou a decisão arbitral proferida no processo nº 630/2014-T, o facto de não ter sido obtida autorização para a dedução fiscal imediata do montante correspondente à amortização contabilística extraordinária apenas impede a sua dedução fiscal imediata, i.e., apenas impede "a antecipação da relevância fiscal desse montante".
T) Olhando agora ao detalhe deste caso concreto, temos que o pedido a que deu resposta o despacho de 2001 em causa prendia-se exclusivamente com a antecipação da dedução fiscal, via amortização fiscal extraordinária, do custo capitalizado com respeito à máquina de revestidos, e o despacho em causa cingiu-se a esse tema (cfr. o ponto 2 da factualidade, na pág. 4, da sentença recorrida, o ponto 3 da factualidade na mesma pág., e o ponto 4 da factualidade, na pág. 6 da sentença recorrida).
U) Não faz, nem pode, pois, constituir, caso decidido, com respeito ao tema do apuramento do resultado fiscal na venda da máquina de revestidos em 2008.
V) Aprofundando ainda a vista do detalhe:
i) No referido despacho de 2001 a AT apenas se pronunciou sobre a base de incidência para efeitos de autorização para amortização fiscal extraordinária associada ao reconhecimento de desvalorização excepcional, ao abrigo do artigo 10.°, n.ºs 2 e 3, do Decreto regulamentar n.º 2/90.
ii) Nenhuma decisão ou entendimento se adopta ou fixa nesse despacho com respeito à base de apuramento (nomeadamente, exclusão ou não de alguns custos de modernização da máquina por deduzir fiscalmente) das mais/menos-valias fiscais na venda da máquina de revestidos ocorrida em 2008 (ou com respeito a qualquer venda em abstracto).
iii) Mas mais ainda: esse despacho nem sequer em sede de amortizações ordinárias (efectuadas até 2000) teve qualquer aplicação: a base de incidência das amortizações ordinárias integrou sempre, sem oposição da AT20 ( 20 AT que inspeccionou sempre a ora recorrente, e a sociedade proprietária da máquina de revestidos por si incorporada por fusão (a C………, S.A.), todos os anos, inclusive com foco na temática das amortizações - conforme se recorda detalhadamente no artigo 58.º da petição de impugnação e no ponto II das alegações na 1ª Instância.), a parcelas dos custos capitalizada na máquina de revestidos que a AT excluiu no referido despacho para efeitos de amortização fiscal extraordinária (para efeitos da antecipação da dedução fiscal).
W) Em síntese, são realidades distintas por um lado (i) a antecipação da dedução fiscal via amortização fiscal extraordinária casuisticamente autorizada, ou não, pela AT, e por outro lado (ii) a consideração fiscal do custo ainda por deduzir fiscalmente no derradeiro momento da venda do bem (via sua integração no apuramento do resultado da venda), pelo que o que ocorra ao nível da primeira realidade nenhum caso decidido forma com respeito à segunda realidade.
X) E mesmo que por absurdo se ficcionasse que (i) o despacho de 2001 agora em causa teria tratado do cômputo das mais/menos-valias fiscais na venda (por oposição a tratar, como tratou, de amortização fiscal antecipada/extraordinária), e mesmo que, adicionalmente, (ii) se pudesse ter este despacho por acto imediatamente lesivo 21 (21 O que está longe de ser adquirido: anteriormente à existência de norma expressa que especificamente o veio a prever em 2014 (cfr. o aditamento do n.º 20 ao artigo 68.º da LGT pela Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro), a definição de posições da Administração tributária em, por exemplo, respostas a pedido de informação vinculativa, não era autonomamente impugnável. Entre outros, ver o acórdão do STA de 5 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 1011/11-30.), nada na lei processual obrigaria a que o contribuinte o atacasse sob cominação de perder o direito de discutir a liquidação de IRC que, 8 anos mais tarde, em 2008, lidou com o apuramento na venda, então ocorrida, das mais/menos-valias.
Y) Sob pena de inconstitucionalidade do artigo 54.º do CPPT, ou norma equivalente onde o decisor se quisesse apoiar para negar esta conclusão.
Z) Com efeito, decidiu o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 29 de Setembro de 2015:
"Julgar inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do principio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa".
AA) Donde que por mais esta razão, se todas as outras não bastassem (e bastam), foi julgada incorrectamente pelo Tribunal a quo a impugnação judicial que lhe foi apresentada, porquanto improcede também o derradeiro argumento de que se serviu para indeferir o pedido de anulação de liquidação de imposto em excesso apresentado pela ora recorrente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E, CONSEQUENTEMENTE, SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E JULGADA PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso (processo electrónico p.649)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 04/12/2000 a sociedade anónima sob a firma C………, S.A. foi fundida por incorporação com transferência global de património com a sociedade B……….., S.A. (cfr. doc. junto a fls. 37 a 47 dos autos);
2. Em 26/06/2000 a C…………, S.A. dirigiu um requerimento ao Director Geral dos Impostos solicitando a desvalorização excepcional duma Máquina de Revestir, alegando que o equipamento em causa já não funciona há algum tempo por obsolescência tecnológica no montante de Esc.: 2.684.511.963$00 (cfr. doc. junto a fls. 131 a 134 dos autos);

3. Em 21/03/2001 foi elaborada uma informação pela Direcção de Serviços de IRC, na sequência dum requerimento apresentado pela sociedade C………., S.A. solicitando a aceitação como custo fiscal do exercício de 2000 o montante de Esc.: 2.684.511.963$00 (€ 13.390.289,00), valor referente à desvalorização excepcional de diverso equipamento que se tornou obsoleto (cfr. doc. junto a fls. 117 a 121 dos autos);
4. Da informação identificada no ponto anterior consta o seguinte, com relevo nos autos: “(…) 2 Face ao elevado valor do equipamento a abater, solicitou-se Informação aos Serviços de Inspecção Tributária que, no seu relatório, referem: 2.1 O valor indicado pela requerente não corresponde ao valor líquido contabilístico dos bens pelos seguintes motivos: 2.1.1. O valor das amortizações acumuladas não incluía o montante das amortizações efectuadas em 1999. 21.2. Do valor do conjunto dos bens “Máquinas de Acabamento” não foi excluído o valor do bem “Rolo para Calandra”, que foi vendido. 2.13. Os bens adquiridos em 1988 e que tinham sido reavaliados, não foram expurgados dos valores de reavaliação, conforme disposto na aliena b) do nº 2 do artº 16º do D.R. 2/90, de 12/01. 2.2. Por estes factos solicitaram à empresa a apresentação de novos mapas elaborados em conformidade com os registos contabilísticos. Os novos mapas, devidamente corrigidos, apresentam um valor líquido dos bens no montante de Esc. 2.438.440.149$00. Foi efectuada uma análise contabilístico/fiscal através de amostragem, verificando os custos de aquisição e respectivos registos no imobilizado corpóreo, tendo-se seleccionado um conjunto de bens representativos de 87% do total dos custos de aquisição, verificando os documentos de valor igual ou superior a 50.000 contos respeitantes aos bens da amostra. 2.4. Da análise efectuada aos documentos seleccionados verificaram que constavam valores de custos financeiros e custos inoperativos que foram registados como custos de aquisição dos bens, representando estes custos cerca de 71,5% do custo de aquisição do equipamento. Face a esta situação, solicitou-se a colaboração da empresa para efeitos de se discriminarem os custos em causa, tendo esta elaborado um documento no qual decompôs o valor de aquisição em valores de aquisição do equipamento (facturas de fornecedores de bens e, serviços)., valores dos encargos financeiros e diferenças de câmbio e valores de custos inoperativos. 2.5. Verificaram também as amortizações dos bens, os quais estavam a ser amortizados por duodécimos em conformidade com o disposto no art.º 7º do D.R. 2/90.de 12/01 e nº 6 do artº 29º do CIRC.
Foram recalculados os valores das amortizações acumuladas, na sequência das correcções aos custos de aquisição, conforme se referiu no ponto anterior. 2.6 Em visita às instalações da empresa verificaram que os bens físicos se encontravam desactivados, ocupando uma grande área das instalações e a empresa disse não vislumbrar outro destino para estes que não seja a venda para sucata.2.7. A empresa obteve um subsídio ao investimento (SIBR), que estava a ser levado a proveitos em cada exercício, na mesma proporção das amortizações. Nesta data a empresa registou em proveitos a totalidade do saldo desta conta de subsídios.2.8. Propõem que seja corrigido ao valor líquido dos bens o montante de Esc.: 1.263.900.938$00, o qual resulta de: • Correcções resultante da substituição dos mapas iniciais pela requerente – Esc.: 55.525.914$00. • Abate do valor do bem “Rolo de Calandra” por este bem ter sido vendido – Esc.: 129.225.479$00. • Correcções ao valor líquido dos bens, resultantes das correcções efectuadas aos custos de aquisição, e consequentemente às amortizações acumuladas – Esc.: 1.079.149.545$00. Esta última correcção resultou do facto de serem excluídos dos custos de aquisição os encargos financeiros e os custos operacionais, os quais não se consideram custos de aquisição de bens, com base nos nºs 2 e 5 do artº 2º do D.R. 2/90, de 12/01. 2.9. Concluem que, após as correcções efectuadas, apenas poderá ser considerado o valor de Esc.: 1.420.611.025$00 como desvalorização excepcional. II – PARECER E CONCLUSÃO Face aos motivos invocados para o abate, obsoletismo do equipamento, e ao exposto no relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária, os quais confirmam a desactivação dos bens objecto de desvalorização excepcional, parece-nos ser de aceitar como custo fiscal do exercício de 2000 o montante de Esc.: 1.420.611.025$00, valor líquido contabilístico dos bens do activo imobilizado abatido já corrigido pela Fiscalização. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 117 a 121 dos autos);
5. A Informação identificada no ponto anterior foi objecto de despacho de concordância do Subdirector-Geral dos Impostos em 28/03/2001 (cfr. doc. junto
a fls. 117 dos autos);
6. Na declaração modelo 22 de IRC para o exercício de 2000 a Impugnante inscreveu no campo 207 do quadro 7 a quantia de € 5.106.160,00 relativo à máquina de revestidos (cfr. doc. junto a fls. 143 a 148 dos autos);
7. Em 28/05/2009 a Impugnante procedeu à entrega da sua declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2008 – Declaração do Grupo (cfr. doc. junto a fls. 74 a 78 dos autos);
8. Em 22/05/2013 a Impugnante apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008 (cfr. doc. junto a fls. 48 a 72 (cfr. doc. de fls. 48 a 73 dos autos);
9. A máquina de revestidos encontrava-se já parada em 2000 (facto que se retira do documento identificado no ponto 2 e dos depoimentos das testemunhas ouvidas);
10. A máquina de revestimento não trouxe qualquer benefício económico para a Impugnante (depoimento das testemunhas ouvidas);
11. Durante todo o período em que ocorreram amortizações normais foram considerados os valores de custos financeiros e todos os que os custos inoperativos que foram registados como custos de aquisição dos bens (depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante).

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: relevância fiscal no exercício do ano 2008 de menos-valia apurada na venda de máquina inoperacional desde o ano 2000, por obsolescência tecnológica

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. Preliminarmente salienta-se que a solução da questão decidenda pretende apurar a relevância fiscal da quantia controvertida indicada pela recorrente (€ 5 106 160,00) como menos –valias obtidas no exercício do ano 2008 e não como amortização superveniente destinada a colmatar o efeito do indeferimento da amortização extraordinária da máquina em causa no exercício do ano 2000.
Consideram-se menos-valias as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (…) (art.43º nº1 CIRC)
As menos-valias são dadas pela diferença [negativa] entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (…) (art.43º nº 2 CIRC)
No léxico contabilístico o activo imobilizado designa os elementos patrimoniais activos, corpóreos e incorpóreos, não destinados a venda, cuja utilidade não se esgota total e imediatamente na primeira operação em que intervém, antes perdura por prazos mais ou menos longos (Rui Duarte Morais Apontamentos ao IRC Almedina 2009 pp.102 e sgs)
No regime do Plano Oficial de Contabilidade (aprovado pelo DL nº 47/77,27 fevereiro) a sua contabilização constava da classe 4-Imobilizações conta 42 Imobilizações corpóreas e conta 43 Imobilizações Incorpóreas
Após a revogação do POC e a sua substituição pelo Sistema de Normalização Contabilística (aprovado pelo DL nº 158/2009,13 julho, com efeitos no primeiro exercício iniciado ou após 1 janeiro 2010) o activo imobilizado passou a ser designado por activo fixo tangível, com expressão na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 7
No regime do actual SNC um bem do imobilizado desactivado é reclassificado como activo não corrente detido para venda e sujeito ao regime das mais-valias e menos-valias fiscais (art.46º nº1 CIRC, na redação do DL nº 159/2009, 13 julho)

2.2.2.2. A sentença recorrida julgou a impugnação improcedente, com a consequente desconsideração da relevância para a determinação do lucro tributável das menos – valias apuradas na venda para sucata de máquina de revestimento inoperacional) com a seguinte fundamentação, expressa em termos sintéticos:
- a máquina de revestidos alienada para sucata no ano 2008 estava inoperacional por obsolescência tecnológica desde o ano 2000;
- em consequência a impugnante procedeu ao seu abate contabilístico no ano 2000;
- desde esse ano a máquina não fez parte do activo imobilizado do sujeito passivo, não podendo a sua alienação gerar menos-valias dedutíveis como custo fiscal (art.43º nº1 CIRC);
- a discussão da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de amortização extraordinária da máquina em causa, proferida no ano 2000, não é possível na presente impugnação judicial

Merecendo esta fundamentação adesão substancial, justificam-se as seguintes considerações adicionais:
O argumentário da recorrente vertido nas alegações ignora a distinção entre os regimes jurídicos das amortizações e das menos-valias realizadas, sem prejuízo da relevância de ambas como categorias autónomas de custos fiscais (arts.23º nº 1 als. g) e i), 28º/33º e 43º/45º CIRC);
Existe uma relação umbilical entre a contabilidade do sujeito passivo e a relevância fiscal de proveitos/ganhos e custos /perdas, designadamente com as seguintes manifestações:
- para o apuramento do lucro tributável do exercício apenas são consideradas as componentes legais (resultado líquido do exercício, variações patrimoniais positivas e negativas) determinadas com base na contabilidade organizada com observância dos requisitos legais, eventualmente corrigidas quando ela não se revelar idónea para o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (arts.17º nºs1e 3 e 115º nº1 CIRC)
- presunção de verdade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade, quando organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, ilidida quando revelar omissões, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da real matéria tributável (art. 75º nºs 1 e 2 al a) LGT)
O abate contabilístico da máquina em causa no exercício de 2000 pela impugnante C………, SA, eliminou a sua existência contabilística (embora sobrevivendo como realidade física obsoleta destinada a venda como sucata) impedindo a relevância fiscal de qualquer menos-valia resultante de transmissão onerosa posterior à sua eliminação contabilística (petição inicial conclusão E))
A recorrente pretende conferir relevância fiscal às menos-valias resultantes da alienação da máquina no ano 2008 , por esta via recuperando os custos fiscais de amortizações não realizadas no período de vida útil em que deveriam ter sido efectuadas, segundo o princípio da especialização dos exercícios; e que não foram autorizadas em consequência do indeferimento do pedido de amortização extraordinária formulado no ano 2000 (art.18º nº1 CIRC; factos provados 2.3.5.6)
Contrariamente à alegação da recorrente a ratio decidendi da decisão de improcedência da impugnação judicial não foi a preclusão da discussão da legalidade do despacho de indeferimento do pedido de autorização para amortização fiscal extraordinária da parcela do custo da máquina aqui em causa (€ 5 106 160,00); esta referência consta da fundamentação da sentença como simples consideração colateral (obiter dictum) não integrando o fundamento da decisão de improcedência da impugnação judicial, consistente no facto de a máquina alienada no ano 2008 não integrar o activo imobilizado da impugnante ou da C……., SA desde o ano 2000, em virtude do seu abate contabilístico.

2.2.2.3. Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
A recorrente pede a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida (conclusão A)
O benefício tem natureza excepcional e pressupõe a ponderação da especificidade da situação, considerando como factores atendíveis a complexidade da acusa e a conduta processual das partes (art.6º nº7 Regulamento das Custas Processuais)
No caso concreto estão verificados os requisitos legais da dispensa:
- a conduta processual da requerente não merece censura (por inexistência de expedientes dilatórios ou suscitação de incidentes entorpecentes que dificultassem o regular prosseguimento da tramitação e a prolação de decisão final);
- a aplicação da totalidade da taxa de justiça em função do elevador valor da causa (€ 2 025 557,45) traduzir-se-ia num montante desproporcional ao serviço prestado, quebrando o nexo sinalagmático ínsito no conceito de taxa

3.DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo - Secção de Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa total do remanescente da taxa de justiça (art. 527º nºs 1/2 CPC; art. 6º nº 7 Regulamento das Custas Processuais)

Lisboa, 3 de junho 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (Com declaração de voto em documento anexo) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.

Voto a decisão, com os seguintes fundamentos:

1. De acordo com os factos alegados na própria petição inicial e que os autos não infirmam, foram praticadas, relativamente ao bem em causa (apenas) «amortizações ordinárias ou correntes» (ver artigo 18.º daquele articulado);

2. Ainda de acordo com aquele articulado, os custos financeiros e operacionais que relacionou com a aquisição da máquina (sendo estes últimos os denominados «custos de teste ou arranque») e que não foram considerados fiscalmente não dizem respeito às amortizações ordinárias praticadas, mas a uma amortização extraordinária que não chegou a ser praticada, por não ter sido autorizada;

3. E, por isso, o remanescente do custo que a própria Recorrente considerou «ainda pendente de amortização» (ver ao artigo 24.º daquele articulado), foi registado como uma perda extraordinária – ao que se entrevê, perda decorrente de abate em imobilização, a registar na conta 6945.

4. Ora, não está em causa que as perdas extraordinárias resultantes de abates em imobilizações não são consideradas menos valias (não cabem no n.º 1 do artigo 43.º do CIRC, na redação então em vigor).

5. O que a Recorrente pretende é que esta perda – que não pode ser considerada uma menos valia na data em que foi registada – seja considerada como uma menos valias na venda do mesmo bem para sucata (isto é, seja deduzida ao valor de aquisição, por sua vez já deduzido do valor das amortizações praticadas).

6. Mas essa pretensão não tem apoio legal, porque o n.º 2 do mesmo artigo 43.º só permite deduzir as «amortizações praticadas» (e não está em causa que esta perda não foi considerada nas amortizações praticadas).

7. E daqui não deriva nenhuma violação do princípio da capacidade contributiva, porque deste princípio não deriva que tenham que ser relevadas fiscalmente todas as perdas contabilísticas.

8. No caso, a relevação fiscal das perdas decorrentes do abate de bens obsoletos pressupõe o seu enquadramento em procedimentos autónomos que assegurem o controlo administrativo sobre o valor desses custos.

9. A admissão, em menos valias realizadas, de um custo não admitido em desvalorização extraordinária equivaleria a admitir a relevação fiscal do mesmo custo desenquadrada desses procedimentos e, por isso, dos instrumentos de controlo por eles instituídos.

(Nuno Bastos)